LEI Nº. 12.010/09: uma análise jurídica das modalidades contemporâneas de adoção.


09/02/2014 às 12h44
Por Priscila Tito Garcia

RESUMO

O tema selecionado para este trabalho científico, não consiste apenas em uma análise doutrinária no âmbito do Direito de Família, mas de um estudo dos problemas legislativos encontrados no âmbito do instituto da adoção. Foi realizado estudo de questões ainda inseridas em campo “cinzento” do Direito. Buscou-se demonstrar os problemas decorrentes da ausência de legislação que regulamenta sobre a adoção de nascituros e embriões laboratoriais, com vistas a saber se tal é permitida pelo Direito pátrio. Pretendeu-se, demonstrar ainda, que a Lei nº.12.010/09 alterou de forma negativa alguns artigos do Código Civil de 2002 e acabou gerando problemas quanto à normatização da adoção de maiores de idade. Foi trabalhado sobre o procedimento da adoção de maiores de idade, bem como os pontos controvertidos sobre o assunto. Todo o processo investigativo teve por base a defesa do princípio do melhor interesse do adotando.

Palavras-chave: Adoção. Estatuto da Criança e do Adolescente. Família. Lei nº. 12.010/09.

1 INTRODUÇÃO

Estudar sobre família em pleno século XXI significa conhecer um campo que sofreu e vem sofrendo constantes transformações. Pensando nisso, o presente trabalho tem por fim uma abordagem profunda sobre aspectos polêmicos de algumas das modalidades de adoção. Para tanto utilizou-se do método dialético para realização da análise geral do problema, e do método diológico para análise de pontos específicos.

O presente trabalho não tem por fim exaurir o tema, mas tão somente estudá-lo, compreendê-lo e propor uma possível solução ao problema encontrado, a fim de contribuir para a melhor aplicação do Direito frente às novas perspectivas da sociedade brasileira.

O problema levantado são os aspectos controvertidos acerca da (im)possibilidade da adoção de nascituros e de embriões laboratoriais e, ainda sobre a colocação da adoção de maiores de idade em novo diploma legal. Neste caso, visa-se demonstrar que a alteração sofrida pelo Código Civil de 1916 – por decorrência da Lei 10.406 de 2002 que estatuiu o Novo Código Civil Brasileiro – deixou lacunas significativas nos dispositivos destinados à adoção sob comento. Visa-se demonstrar ainda que a falta de previsão legal acerca da adoção de nascituros e embriões laboratoriais tem gerado infindáveis discussões doutrinárias.

A adoção de maiores, assim como a adoção em qualquer de suas modalidades, causa vários reflexos na vida do adotante e adotado. Tais reflexos vão desde o simples direito da personalidade, passando pelo Direito de Família até o Direito das Sucessões, o que deixa estampada a relevância jurídica do temário.

No que diz respeito à adoção de maiores, tem-se que esta não pode ter o mesmo tratamento da adoção de menores, uma vez que naquele já está demonstrado o interesse do adotando e, na maioria das vezes a busca pela adoção corresponde no simples desejo de se obter o provimento que ratifique toda a convivência então mantida entre adotante e adotando, mesmo porque durante muitos anos houve entre eles a formação de uma família com todas as suas características.

No que tange a possibilidade da adoção de nascituros e de embriões laboratoriais, o estudo irá buscar entender a razão de a matéria não ter sido contemplado pelo Código Civil de 2002 e, ainda conhecer as discussões doutrinárias acessíveis sobre o tema.

O objetivo desse trabalho, portanto, restringe-se a delinear os contornos do instituto da adoção, bem como analisar as implicações legislativas decorrentes dos tipos selecionados de adoção – nascituros, embriões laboratoriais e maiores de idade.

Para melhor compreensão do tema o capítulo 2 expõe, de forma sucinta, a origem e a evolução da família, revelando que a lei foi modificada para se adequar às novas famílias. Nesse capítulo será abordado acerca da família originada pelo casamento e pela união estável; pontos relevantes sobre a filiação e a posse de estado de filiação e, finalmente sobre as famílias recompostas.

O capítulo 3 traça os aspectos gerais sobre a adoção, apresentando seu conceito e evolução histórico-legislativa; natureza jurídica; requisitos; efeitos pessoais e patrimoniais da adoção; finalidade e função social e, ainda questões processuais da adoção.

Questão que jamais poderia deixar de ser tratada é objeto do capítulo 4, o qual apresenta os princípios constitucionais aplicáveis ao tema. É de extrema relevância pontuar alguns princípios, visto que, são eles que marcam e constroem o sistema jurídico. Assim serão trabalhados os seguintes: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; Princípio da Solidariedade Familiar; Princípio da Prioridade Absoluta; Princípio do Pluralismo Familiar; Princípio da Igualdade entre os filhos; Princípio do Melhor Interesse; Princípio Jurídico da Afetividade e, finalmente, o Princípio da responsabilidade primária e solidariedade do Poder Público.

O capítulo 5 almeja compreender a complexidade do tema proposto por meio da investigação teórica-bibliografica do ordenamento jurídico brasileiro; Da (Im)possibilidade de adoção de nascituros e embriões laboratoriais; Da inexistência de previsão legal.

Questões polêmicas da adoção de maiores de idade serão trabalhadas no capítulo 6, pois nota-se que o assunto apresenta pontos importantes a serem analisados minuciosamente. Assim, serão estudados os seguintes tópicos: Implicações legislativas da adoção de maiores; Adoção unilateral – Adoção do maior de idade por um dos cônjuges; projeto de lei nº. 6.960/2002 e a Lei Nacional de Adoção Lei nº. 12.010/09; Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil de 2002 pós Lei n. 12.010/09; Benefícios da adoção de nascituros, de embriões laboratoriais e de maiores de idade.

Finalmente, o capítulo 7 de forma conclusiva registra impressões concebidas no processo investigativo a partir das informações contidas na doutrina, jurisprudência e diplomas legais brasileiros.

Assim, esperamos que o estudo em questão possa contribuir com a realização de um entendimento compatibilizado entre à realidade social e as disposições legais contemporâneas.

2 DA ORIGEM E DA EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

2.1 Considerações preliminares

Nesse primeiro capítulo será realizada uma exposição sobre a família numa perspectiva histórica, buscando demonstrar as evoluções ocorridas no seio do instituto para que fosse possível chegar à noção contemporânea sobre o assunto.

Serão trabalhados os problemas enfrentados pelos doutrinadores para determinação de um conceito para a família, demonstrando que as alterações nos seios familiares causam evolução social e, por conseguinte, torna difícil a imposição de um conceito universal sobre família. Isso se deve ao fato de que a evolução da família gera nova interpretação acerca da própria sociedade, tendo em vista que aquela é base desta.

Sabendo que a lei é fonte do Direito Civil Brasileiro, indispensável se faz apresentar a evolução da família no ordenamento jurídico. Esse capítulo também se atentará a este assunto, buscando revelar o quanto a lei se modificou para se adequar às novas famílias, as quais, inclusive passam a receber tutela constitucional.

Por fim, será abordado acerca da família originada pelo casamento e pela união estável; pontos relevantes sobre a filiação e a posse de estado de filiação e, finalmente sobre as famílias recompostas.

2. 2 A família e sua evolução no ordenamento jurídico

Em primeiro plano indispensável se faz buscar um conceito de família, no entanto, tal tarefa não é simples, uma vez que o Código Civil de 1916, nem tampouco o atual de 2002, trouxe uma definição do que venha a ser família, muito embora, regulamente sobre ela.

A dificuldade para se apresentar um conceito sobre um tema não é uma problemática exclusiva desse campo do Direito, mas uma realidade presente em vários diplomas legais e disposições sobre temas e matérias de diversas áreas, como do próprio conceito de Direito, Antropologia e Sociologia (Venosa,2007). Isso se deve ao fato de não ser possível determinar um conceito genérico, pois as interpretações e aplicações não são idênticas, por isso não pode ser exigida uma definição dessa natureza.

Nesses termos, pelo entendimento doutrinário, família, pode ser conceituada em vários sentidos, existindo para Venosa (2010) três possíveis conceitos, quais sejam: conceito amplo, restrito e sociológico.

Pelo conceito amplo, consideram-se família aquelas pessoas (descendentes, ascendentes, colaterais em linha reta, colaterais do cônjuge – parentes por afinidade – e o cônjuge que mesmo não sendo considerado parente é incluído nesse conceito) que se ligam por um vínculo jurídico de caráter familiar. Já no conceito restrito, família é o núcleo composto pelos pais e filhos que se sujeitam ao pátrio poder. Nesse conceito é compreendido a família monoparental que ganhou tutela constitucional, e que será objeto de estudo no desenvolvimento deste trabalho monográfico. Finalmente, nos termos do conceito sociológico a família corresponde àquelas pessoas que coabitam e tem um membro detentor da autoridade. Esse último entendimento deita raízes no Direito Romano e coincide com o modelo clássico de família, pois, resgata o pater familias.

Cabe mencionar que, para Farias e Rosenvald (2010) a família já foi compreendida, no período da Revolução Industrial, como unidade de produção. Momento em que a formação da família não tinha por justificativa os laços de afetividade, mas sim vistas a construir patrimônio para deixar a seus herdeiros. Nesse momento histórico o rompimento da família significava a ruína da própria sociedade e, por assim ser, as famílias não se dissolviam, pois prezavam pelo bem comum.

Contudo, em Roma Antiga pode ser encontrada umas definição para o termo família, qual seja: família deriva do latim “famulus” que quer dizer servidor, escravo, ou ainda criadagem de uma casa (ACQUAVIVA, 2008). Tal termo servia para indicar o novo grupo que nascera na sociedade e tribos latinas.

No Direito Civil moderno, família passa a ser considerada aquelas pessoas unidas por vínculo de parentesco e conjugal, determinando assim um conceito mais restrito nas palavras de Venosa (2007). No entanto, há de ser destacado que as legislações têm por parâmetro um conceito mais amplo, pautado no vínculo de parentesco, uma vez que este corresponde ao liame jurídico de caráter familiar.

Com efeito, verifica-se que a família no século XX e principalmente devido ao marco do Estado Social, segundo Lôbo (2011), teve sua função; composição; natureza e concepção modificada. Já para Farias e Rosenvald (2010, p.2) “família é o fenômeno humano em que se funda a sociedade”. Trata-se de missão difícil determinar um modelo uniforme sobre ela, devendo ser levado em conta os avanços sociais ocorridos ao longo do tempo, uma vez que a “família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2008, p.1).

Na sociedade contemporânea a compreensão tradicional de família, devido aos novos valores empregados, são rompidos, passando a vigorar um “modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.4).

A família atual tem por fundamento a afetividade, a qual é capaz de formar família por laços que se pautam na colaboração, solidariedade social, liberdade e amor. Destaca-se que a liberdade consiste em um marco que afastou a ideia de poder superior no âmbito familiar, concedendo igualdade de direitos entre seus membros. Contudo, algumas civilizações, sobretudo naquelas que impõe restrição de direitos à mulher, ainda mantém a ideia de um chefe supremo.

Não obstante as várias formas de entendimento do instituto da família, sua importância é encontrada desde Roma, vez que é vista como elemento fundamental para perpetuação do culto familiar. Sendo assim, as famílias mais antigas se ligavam por um vínculo mais forte; se ligavam pela religião doméstica e prestação de honras aos ancestrais nos cultos celebrados. Nessa fase a mulher ao se casar desvinculava-se da família de seus pais e passava a cultuar os ancestrais e deuses de seu marido.

Família no Direito Romano, assim, era o grupo de pessoas que invocavam os mesmos ancestrais do lar. O culto prestado a esses ancestrais eram de suma importância, pois acreditavam que a não realização do mesmo poderia trazer desgraça à família. Por isso sempre deveria existir um descendente homem para celebrar o culto aos ancestrais da família. Eis aqui a importância da adoção nessa fase histórica.

Destarte, a família vem se transformando e ganhando tutela constitucional. O Estado passa a interessar-se pelas relações de família e, com fins a proteger interesses, a lei tenta acompanhar as evoluções sociais e concretizar tais garantias, como leciona Lôbo (2011).

O Direito das Famílias, em nível infraconstitucional, está disposto em vários diplomas legais e, sabendo que alguns destes foram editados antes da Constituição Federal de 1988, necessário é a leitura compatibilizada das leis, a fim de haver adaptação normativa entre elas.

No direito brasileiro contemporâneo o conceito que se tem de família “sofreu influência da família romana, da família canônica e da família germânica” (GONÇALVES, 2008, p.16). No entanto, o direito de família se adaptou à realidade brasileira e perdeu o caráter canonista e dogmático, sendo marcado agora pela liberdade presente no seio familiar. Assim, a legislação passa a resguardar as novas perspectivas familiares, tendo por base a família nuclear. (LÔBO, 2011).

Assim, como leciona o aludido autor, a família regulamentada nos artigos 226, 227 e 230 da Constituição Federal - CF/88 amplia o conceito da família nuclear – aquela formada por pais e filhos biológicos –, atingindo pessoas que se ligam por laços de parentesco. Já pelo disposto no art. 183 e 191 da Constituição Federal- CF/88 a família começa a ser vista como sujeito de direito à usucapião especial com vistas à aquisição de imóvel (rural ou urbano) destinado à moradia e ao desenvolvimento de sua família.

A garantia à família – e do que a ela pertence – ganha também proteção patrimonial, uma vez que a Lei nº. 8.009/90 impõe que os bens de família são impenhoráveis, concedendo assim benefício sem limites às famílias.

No que tange ao direito à prestação de alimentos, segundo o art. 1.697 do Código Civil de 2002, a família consiste nos ascendentes, descendentes e irmãos, os quais podem ser sujeitados a obrigação alimentar (BRASIL, 2011). Quanto ao impedimento matrimonial, família atinge os parentes até o 3º grau colateral. Em outras palavras, são impedidos de contrair núpcias os ascendentes e os descendentes; os irmãos e os tios com os sobrinhos; sogros com noras e genros (art.1.521 do Código Civil 2002). Para fins de sucessão o Código Civil vigente preceitua no art.1.850 que serão excluídos os parentes até quarto grau, isto é, primos, tios-avós e os sobrinhos-netos, desde que o testador ao dispor de seu patrimônio deixe de contemplá-los.

É indispensável mencionar que a entrada em vigor da Lei nº. 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”) veio ampliar o conceito de família, determinando que consiste na “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa” (Lei nº. 11.340/2006, art.5º, inciso II).

Há que se ressaltar, finalmente, que as alterações sofridas no direito de família, acrescido da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, trouxe a importância da função social da família no direito pátrio, sobretudo, a partir da igualdade conferida aos cônjuges e aos filhos.

2.3 Da família originada pelo casamento e pela união estável

O casamento numa ótica institucional sempre foi visto como a instituição jurídica e social por meio da qual se forma a família, consistindo, assim, segundo Farias e Rosenvald (2010), no instrumento que possibilita o desenvolvimento da personalidade das pessoas com vistas à sua realização plena e gozo da felicidade.

Numa análise histórica sabe-se que casamento, assim como o homem, é muito antigo, pois no texto bíblico Adão e Eva simbolizam a origem do casamento, tendo em vista que ao criar o homem e a mulher Deus disse que seriam uma só carne (Gênesis 2: 21 a 24). Nota-se que o casamento desde sua origem é reconhecido pela sociedade e pelo Direito.

Noutro giro, leciona Gonçalves (2008) que a união estável consiste na união duradoura entre o homem e a mulher que se ligam por outro instituto que não o casamento. Tal união, durante muitos anos foi denominada de concubinato, isto é, aquela união livre que tem aparência de casamento em que os envolvidos coabitam.

Atualmente, a situação mudou e a expressão concubinato passou a ser utilizada para referir-se à união envolvendo pessoas casadas, ou seja, aquelas que mantêm uma relação de adultério. Concubinato, segundo o art. 1.727 do Código Civil de 2002 consiste nas “relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar” (BRASIL, 2011, p.310).

Destaca Gonçalves (2008) que é equivocado o entendimento generalizado de que todas as pessoas que são impedidas de se casar, que estão unidas à outra pessoa, são concubinos, uma vez que o §1º do art.1.723 do Código Civil considera união estável a união entre homem e mulher que é pública, contínua e duradoura:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. (BRASIL, 2011, p.309).

Assim, é possível a união entre pessoas que, embora mantenham o vínculo de casamento – pois não estão separados judicialmente – estão separados de fato. Nesse caso, tal união será regida pela união estável.

Não obstante, com o advento da Carta Magna de 1988, a família, nas palavras de Farias e Rosenvald (2010), assumiu aspectos diferentes. Com isso, o casamento que antes era a forma exclusiva de constituição da família, por meio de uma união solene entre homem e mulher, passa a conviver com novos mecanismos de formação da família, como por exemplo, a união estável, família monoparental e homoafetiva.

Nesses termos, qualquer núcleo familiar, independentemente da forma com que foi constituído, merece tutela do Estado, sendo vedado qualquer tipo de discriminação entre elas, como prevê o art. 226, “caput” da Constituição Federal de 1988: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (BRASIL, 2011, p.79).

2.4 Da filiação e da posse de estado de filiação

O termo filiação procede do latim filiatio que corresponde no liame de parentesco dos pais com seus filhos. Consiste assim, na relação e, consequentemente, na constituição, modificação ou extinção desta relação que tem por sujeitos os pais e os filhos (VENOSA, 2010).

Paulo Lôbo traz um conceito mais abrangente de filiação ao lecionar que esta é a “relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotiva, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga” (LÔBO, 2011, p.216).

Ao tratar sobre filiação, Marques (2009) salienta que, assim como acontece na família, naquela também ocorre constantes mutações, pautadas, porém, no vínculo afetivo e material, uma vez que de acordo com os costumes, espaço geográfico, época e cultura o seu reconhecimento se diversifica.

Não obstante, no Brasil o conceito de filiação é uno, pois assim a Constituição Federal de 1988 determinou. Nesse sentido, houve, a partir do novo texto legal, a abolição das denominadas: filiação legítima, ilegítima, adotiva ou, ainda, filiação adulterina. Todo filho, independente se biológico ou não deve ser reconhecido como filho, pois todos eles são iguais perante a lei, nos termos do art.1.596 do Código Civil de 2002 (Lei nº. 10.406/02): “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (BRASIL, 2011, p.299).

Buscando fortalecer o Estado Democrático de Direito, algumas mudanças legislativas ocorreram após a promulgação da Constituição Federal de 1988, visando igualar as leis complementares ao texto constitucional. A exemplo tem-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) que nasceu por decorrência da Constituição Federal-CF/88 e reafirmou a igualdade de direitos e deveres entre os filhos, nos termos do art. 26 (Lei n. 8.069.90):

Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. (BRASIL, 2011, p.1.081).

Contudo, importante acrescentar que:

Nem sempre o ascendente biológico será o pai jurídico. Essa diferenciação é um processo ainda de construção. Diferença incomoda, propositadamente, desassossegada, noise epistemológico. [...] o pater não é determinado pelo critério da progenitura, mas sim pela função social de pai, pelo ofício familiar da paternidade, em homenagem ao interesse concreto do filho, à paz de um certo agregado familiar [...]. (FACHIN; OLIVEIRA apud LÔBO, 2011, p.217).

Quanto à filiação cabe salientar, por fim, que a concepção moderna estabelece nova forma ao instituto, o qual “passa a ser compreendido como instrumento garantidor do desenvolvimento da personalidade humana” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.538), pois os filhos não podem ser discriminados pelo simples fato de não terem sidos concebidos na relação matrimonial, pois essa interpretação clássica já resta vencida.

Lado outro, a posse de estado de filiação consiste na situação fática em que uma pessoa possui status de filho em relação a uma outra pessoa sem se preocupar com o reconhecimento legal de tal relação. “A posse do estado de filho oferece os necessários parâmetros para o reconhecimento da relação de filiação, fazendo ressaltar a verdade socioafetiva”. (FACHIN; OLIVEIRA apud LÔBO, 2011, p.236).

A convivência familiar é o que caracteriza a aparência do estado de filiação, vez que essa convivência pressupõe cumprimento de deveres por parte dos pais, como dever de guarda, educação e sustento do filho, devido ao vínculo afetivo existente.

A posse do estado de filho é tutelada pelo Direito, atingindo os denominados “filhos de criação” – filhos afetivos. Assim também é o reconhecimento do estado de filiação, pois consiste em um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, nos termos do art.27 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90). É um “direito fundamental à identidade e à perfilhação, não podendo o filho, qualquer que seja sua origem, sofrer restrições ou discriminações.” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.613).

Quanto ao direito de propositura de ação filiatória, são legitimados os filhos e também os pais, a qual tem por fim o reconhecimento do estado de filho. Como regra, tal ação é promovida pelo filho que já foi reconhecido por uma pessoa e quer ser reconhecido por outra. Em outras palavras, existindo um registro de nascimento falso ou mesmo um que decorra de “adoção à brasileira”, o filho é parte legítima para requerer o reconhecimento do estado de filiação.

Segundo Farias e Rosenvald (2010) o entendimento jurisprudencial corrente é de que não é possível negar o manejo da ação de investigação de parentalidade ao filho mesmo quando já for registrado por outro homem, pois deve ser garantido a ele o direito ao conhecimento da verdade biológica. (Hipótese em que o filho é registrado apenas pela mãe biológica, por exemplo, e por um pai adotivo e deseja saber quem é seu pai biológico).

Para que seja reconhecido o estado de filiação deve ficar demonstrado o vínculo biológico e afetivo, pois caso contrário não há como manter um liame paterno-filial. Assim, partindo do princípio de que “quem não é pai, nem afetivo, nem biológico, não é pai”, (DIAS, apud ROSENVAL; FARIAS, 2010, p.615), na ausência de vínculo entre pai e filho cabível é a negatória da ação.

Destarte, a posse do estado de filho cria vínculos que não estão no campo da realidade natural, que “não pode ser contraditada por investigação da paternidade fundada em prova genética” (LÔBO, 2011, p.238) e, por assim ser, impede “o exercício do direito de impugnar, no interesse do filho contra a relevância jurídica de uma paternidade manifestamente prejudicial” (OLIVEIRA, apud LÔBO, 2011, p.238).

2.5 Das famílias recompostas

Com a modernização do Direito de Família Brasileiro e o crescente número de separações e divórcios, surge o problema das relações jurídicas nas famílias afetivas e recompostas.

Lecionam Farias e Rosenvald (2010) que num cenário mais remoto não existia referência a família recomposta, uma vez que o Direito de Família em sua origem fora criado tendo por base o casamento único, de modo que o casamento era considerado a única forma de constituição de família. Contudo, devido à multiplicidade dos núcleos familiares o Direito passa a reconhecer e tutelar a reconstituição de novos grupos familiares que antes compunham outras famílias. Nesse sentido, para Lôbo (2011) o vazio legal acerca das famílias recompostas, se deve exatamente ao fato de o direito ter sido construído em torno do primeiro casamento.

A família recomposta, assim denominada por Lôbo (2011), possui essa nomenclatura por ausência de outra mais expressiva e por decorrência da linguagem francesa que as conhecem por familles recomposé ou famille recomposée como lecionam Farias e Rosenvald, os quais denominam de famílias reconstituídas.

De toda sorte, a família recomposta consiste nas “entidades as que se constituem entre um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro, vindos de relacionamento anterior”. (LÔBO, 2011, p.95). Para Farias e Rosenvald as famílias reconstituídas consistem naquelas formadas pelo padrasto/madrasta de filhos nascidos de outro relacionamento, sendo assim as “entidades familiares decorrentes de uma recomposição afetiva, nas quais, pelo menos, um dos interessados traz filhos ou mesmo situações jurídicas decorrentes de um relacionamento familiar anterior” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.69).

Lôbo (2011) destaca que a formação das famílias recompostas provoca, muitas vezes, problemas e incertezas, os quais vão desde a dificuldade de convívio familiar; superposição de papéis parentais, até no que tange aos direitos e deveres emergentes, pois o padrasto ou a madrasta irá de fato assumir e desempenhar o papel de pai e de mãe.

Ressalta-se que o autor Lôbo (2011) ainda afirma que o Direito Brasileiro parece desconhecer a entidade familiar sob análise, tratando-as como se invisíveis fossem, pois, como quase todo relacionamento a convivência em família recomposta pode causar conflitos, e o Direito, como responsável por assegurar uma convivência razoável e saudável, tem se mantido inerte.

O relacionamento entre padrasto/madrasta e enteados, nos termos do art.1.595 do Código Civil, consiste numa modalidade de parentesco por afinidade, uma vez que “o enteado é parente em linha reta do outro cônjuge ou companheiro, e este parentesco por afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável” (LÔBO, 2011, p.96).

A família recomposta, como leciona Farias e Rosenvald (2010), pode decorrer de uma anterior família monoparental, isto é, uma mãe solteira que se casa posteriormente ou forma uma união estável como outra pessoa que não o pai de seu filho.

No que diz respeito aos direitos e deveres decorrentes dessa relação familiar a Lei nº. 11.924/2009 reconheceu ao enteado(a) o direito de requerer ao juiz de registros públicos, mediante comprovação de motivo razoável, a averbação do sobrenome de seu padrasto ou madrasta em seu registro de nascimento. Destaca-se que, para tanto, deverá haver ex pressa concordância do padrasto ou da madrasta.

É imprescindível abordar que o acréscimo de sobrenome do padrasto/madrasta ao enteado não implica efeitos jurídicos, isto é, o enteado continua a ser filho de seus pais conforme consta do registro de nascimento, tendo direito sucessório ou alimentar decorrente destes. A inclusão de sobrenome, assim, implica simplesmente em um direito da personalidade, qual seja, de fazer referência em seu sobrenome ao parente por afinidade.

Levanta-se aqui uma vertente merecedora de análise. A aludida averbação deve ter anuência dos pais biológicos? Farias e Rosenvald entendem que tanto se tratando de filho maior quanto menor, não será preciso, pois trata-se de uma questão personalíssima. No entanto, quanto ao filho menor de idade os pais deverão ser citados para que tomem ciência do pedido, contudo não para anuir, uma vez que, mesmo havendo objeção dos pais o juiz poderá determinar o acréscimo do sobrenome.

O ordenamento jurídico brasileiro dispôs algumas conseqüências decorrentes do reconhecimento de liame afetivo, como o disposto no art.1.595 e 1.521, e ainda quanto ao direito de guarda, que serão exercidos tanto pelo pai quanto pelo padrasto nos termos do art.1.589, todos do Código Civil. Vide:

Art. 1.595 da Lei n. 10.406/02. “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”.

Art. 1.521 da Lei n. 10.406/02. “Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta”.

Art. 1.589 da Lei n. 10.406/02. “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.” (BRASIL, 2011, p. 291, 299).

Pelo exposto, cabe mencionar que o Superior Tribunal de Justiça - STJ, reconheceu, no julgamento do REsp 1.106.637 {C}[1]{C} que o padrasto é pessoa legítima para propor ação de destituição do poder familiar frente ao pai biológico, como procedimento preparatório para o pedido de adoção de criança, desde que demonstre algumas das causas de perda do poder familiar, conforme disposto nos arts. 1.635 a 1.638 do Código Civil.

Assim, o enteado como um filho não pode mais ser considerado em segunda classe, pois a própria lei maior concedeu proteção a todas as pessoas inseridas em núcleos familiares, sem qualquer tipo de distinção.

3 DOS ASPECTOS GERAIS SOBRE ADOÇÃO

3.1 Conceito e evolução histórico-legislativa

A adoção é um ato jurídico solene que se estabelece entre duas pessoas geneticamente estranhas – adotante e adotado – que cria vínculo de paternidade e filiação afetiva. Tal ato jurídico tem caráter irrevogável e personalíssimo, constituindo um liame de filiação fictícia entre adotante e adotado, passando a ser reconhecidos legalmente como parentes de 1º grau em linha reta. Há de ser mencionado, no entanto, que o reconhecimento de parentesco não se limita apenas ao adotante e adotado, mas atinge toda a família do primeiro, vez que o segundo dela fará parte.

Maria Helena Diniz conceitua adoção como sendo o:

[...] ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. (DINIZ, apud GONÇALVES, 2008, p.337).

Remontando aos primórdios, majoritariamente defende-se que a adoção encontra precedentes na Grécia, entre os hebreus (Venosa, 2010), e previsão nos Códigos Hamurábi e de Manu (Gonçalves, 2008), vindo a ganhar forças, no entanto, somente em Roma. Para um entendimento minoritário a adoção teve seu nascedouro em Roma, ou seja, essa corrente composta por Carvalho (2010) desconsidera a presença de tal instituto em outro território anterior, pois foi inicialmente em Roma onde se firmou e conquistou tutela legal no Direito Romano.

Malgrado, não resta dúvida de que a adoção nasceu como forma de evitar a ocorrência de desgraças na família. Isto porque a religião dos povos mais antigos os obrigavam a realizar culto em memória dos deuses e ancestrais familiares, exigindo que apenas o homem mais velho o prestasse. Tal situação poderia, e em muitos casos, significava um ônus, pois falecendo o chefe da família sem deixar descendentes biológicos homens, traduzia na ausência de culto e, por conseguinte, previsão de sobrevir desgraça à toda família. Nesse cenário, a adoção chega como uma salvação, pois permitia a inserção de um filho na família para celebrar o culto no lugar do falecido, trazendo benefício a toda parentela.

Salienta Carvalho (2010) que o instituto da adoção caiu em desuso no momento em que se dissipou a base religiosa, uma vez que era quem a incentivava. No entanto, por determinação de Napoleão, o Código Civil Francês trouxe a adoção novamente à existência, com vistas a garantir sua sucessão. Posteriormente, o instituto veio a ser contemplado por quase todas as legislações.

No Direito brasileiro a adoção só veio a ser sistematizada no Código Civil de 1916, o qual objetivava permitir aos maiores de 50 (cinquenta anos), que não tinham filhos e nem possibilidade de tê-los pela forma natural, o direito de ser pai e mãe de uma pessoa que também sofria pela falta de uma família natural.

Contudo, em 1957 o conceito de adoção ultrapassa a visão preconceituosa de servir apenas para suprir a falta de um filho por decorrência da esterilidade, passando a ter finalidade assistencial. Com isso, a Lei n. 3.133/1957 veio permitir a adoção por pessoas de 30 (trinta anos) sem exigência de não possuir filhos. Agora tendo ou não filhos a pessoa seria capaz de adotar, o que, sem dúvida, ampliou o número de pessoas adotadas. Nesse momento, os filhos adotivos e os filhos naturais não gozavam dos mesmos direitos sucessórios, o que só veio a ser igualado com a Constituição Federal de 1988.

Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 aboliu expressamente em seu art. 227, §6º a ocorrência de toda e qualquer distinção entre os filhos. Segundo Farias e Rosenvald (2010) a mesma lex afastou a ideia de que o filho adotivo servia para substituir a frustração dos adotantes que não eram capazes de procriar pelo método sexual, expondo que a adoção consiste em um ato de amor de essência afetiva.

Nesse sentido, mesmo existindo na adoção uma relação de parentesco civil, como ocorre na filial natural, aquela consiste na verdade em [...] “um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade, tratando-se de filiação construída no amor, quando vínculo de parentesco por opção, consagrando a paternidade socioafetiva” (CARVALHO , 2010, p.1). Não se deseja determinar com tal afirmação que a filiação adotiva deve ser tratada de forma diferente da filiação biológica, mas sim que a razão que impulsiona a existência de tal relação é dessemelhante.

É conveniente ressaltar que “a ideia da adoção é decorrente de uma escolha recíproca, uma espécie de via de mão dupla, na qual adotante e adotando se escolhem e se adotam” (FARIAS; ROSENVAL, 2010, p. 916) é, ainda, um mecanismo perfeito para revelar a filiação socioafetiva, uma vez que “mais do que laços de sangue, o que une adotante e adotado são os laços de afeto, que se constroem no espaço de convivência familiar” (FARIAS; ROSENVAL, apud FACHIN, 2010, p.916.).

Em 1990 a idade mínima dos adotantes determinada pela Lei nº. 3.133/1957 já encontrava-se ultrapassada, vindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) a reduzir para 21 anos.

Finalmente, em 2002 o Código Civil, reduziu para 18 anos a idade mínima do adotante, o que é mais coerente, pois com esta idade a pessoa passa a gozar de capacidade plena, pois atinge a maioridade civil, nos termos do art. 5º do mesmo diploma legal.

Atualmente, mais precisamente em agosto de 2009, o instituto da adoção sofreu profunda modificação, isto devido ao reconhecimento da necessidade de uma regulamentação mais específica e protetora da criança e do adolescente, onde foi promulgada a nova lei da adoção (Lei nº. 12.010/2009) a qual alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, revogou vários artigos do Código Civil que dispunham sobre o tema e, deu nova redação aos artigos 1.618, 1.619 e 1.734 deste código; revogou os §§1º a 3º do art.392-A da CLT e, ainda, adicionou à Lei nº. 8.560/92 o § 5º e chamou de § 6º o anterior classificado por §5º.

Não obstante, tem-se contemporaneamente o rompimento da ideia do sistema assistencialista e institucionalista da adoção. Agora, o interesse da criança e do adolescente é levado em consideração no momento de sua inserção em uma família adotiva, inserção essa que ocorre apenas se for comprovadamente impossível sua permanência na família natural ou extensa – aquela formada por parentes como tios avós, etc.

3.2 Natureza jurídica

Previamente é importante mencionar que a categoria genérica da teoria geral do direito civil nem sempre se aplica ao direito de família, pois reside num campo jurídico que contém normas de ordem pública. Sendo assim, leciona Venosa (2010) que a definição da natureza jurídica da adoção é tema controvertido, uma vez que dependerá da natureza e origem do ato.

Tradicionalmente, na França a adoção é considerada como um contrato de caráter bilateral, do qual se apresenta o adotando pessoalmente ou por representação. Tal corrente doutrinária se mostra um tanto quanto inapropriada pelo fato de haver situações em que a vontade do adotado não existe.

No Código Civil de 1916 a natureza jurídica da adoção era considerada um contrato de Direito de Família, tendo em vista que era admitida a adoção por escritura pública e esta ocorria por ato solene, como impunha o art. 375 do código antigo.

Noutro sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), e posteriormente o Código Civil de 2002, trouxeram novo entendimento acerca da natureza jurídica da adoção defendendo que o Estado também integra o processo de adoção para exigir a formalização do ato por meio de sentença judicial e, que por assim ser, não possui caráter eminentemente bilateral.

Pelo exposto, conclui-se, que atualmente a noção da adoção estatutária consiste, como entende Venosa (2010), em um ato jurídico de interesse público de ordem não contratual, mas sim em uma ação de estado, de caráter constitutivo.

3.3 Requisitos

Os requisitos legais da adoção estão dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei. 8.069/90).

Doutrinariamente Carvalho (2010), Farias e Rosenvald (2010), Lôbo (2011) e Venosa (2010) consideram requisitos para adoção os a seguir ostentados: requerimento pelo próprio interessado, sendo vedada a adoção por procuração (art.39,§2º, Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA); idade mínima de 18 anos do adotante, podendo este ser solteiro ou casado; idade mínima de 16 anos entre adotante e adotado; estar o adotante cadastrado no rol de pretendentes à adoção, salvo no caso expresso no art. 50, §13 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA; na adoção conjunta estar os adotantes casados ou mantendo união estável; estabilidade familiar; desobedecer a ordem cronológica das habilitações nos cadastros observando o melhor interesse da criança; concordância do adotando que tenha mais de 12 anos; realização de estudo social nos termos dos arts. 165 a 170; estágio de convivência; processo judicial com proferimento de sentença para formalização do vínculo da adoção tanto de menores quanto maiores de 18 anos; expedição de mandado judicial ao cartório de Registro Civil a fim de ser lavrado novo Registro do adotado, constando neste o(s) adotante(s) como pai(s), podendo constar inclusive a alteração do prenome e acréscimo do sobrenome da nova família e tratamento idêntico entre os filhos biológicos e adotivos.

Quanto à alteração do prenome, cabe mencionar:

Outro efeito da adoção, que a sentença judicial deve consignar expressamente, é a atribuição ao adotado do sobrenome do adotante, podendo este requerer que também o prenome seja alterado. A Lei n.12.010/2009 estendeu o direito de mudança do prenome ao próprio adotando. (LÔBO,2011, p.289).

Assim, segundo Lôbo (2011) mesmo tendo o adotante filhos biológicos, deverá o “filho adotivo” receber o mesmo sobrenome atribuídos a eles, uma vez que qualquer tipo de discriminação é vedada constitucionalmente.

Os requisitos devem ser obrigatoriamente cumpridos, implicando, a sua não observância na anulação ou nulidade do negócio jurídico praticado.

3.4 Dos efeitos da adoção

Transitada em julgado a sentença constitutiva da adoção, começam a ser produzidos, entre adotante e adotado, os efeitos pessoais e patrimoniais. Há, no entanto, que mencionar uma ressalva, qual seja: na hipótese de falecimento do adotante os efeitos serão produzidos a partir da data de seu falecimento, momento em que será estendido o vínculo de parentesco do adotante com o adotado a todos os parentes deste (art.41, caput, e §2º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), uma vez que o adotado passa a gozar dos mesmos direitos e deveres, inclusive sucessório, entre adotado e seus descendentes; adotante e seus parentes.

Efeito profundo produzido pela adoção é a “irrevogabilidade, pois a adoção é irreversível, mesmo que os adotantes venham a ter filhos ou faleçam, não restabelecendo, neste caso, o poder familiar dos pais naturais” (CARVALHO, 2010, p.31). Diante desse efeito tem-se que não é admissível arrependimento na adoção, nem por parte do pai biológico que, ouvido, consentiu; do pai adotivo, nem tampouco do filho adotivo.

Destaca-se, contudo que, sabendo que o adotado é considerado juridicamente detentor dos mesmos direitos e deveres do filho natural, poderá, ele também ser adotado pelos pais biológicos ou mesmo por outras pessoas, situação esta denominada de readoção segundo Carvalho (2010). “Não é permitida a revogação da adoção, o que não impede readoção” (CARVALHO, 2010, p.42).

3.4.1Efeitos pessoais

Consiste no desligamento do adotado de sua família natural e na sua inserção, na posição de filho, em família adotiva.

Tal efeito encontra fundamento na Constituição Federal, art.227, §6º; no art.1.599 do Código Civil de 2002; art.41 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e, ainda, na Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Adoção de Menores de 1984 promulgada pelo Decreto n.2.429/97, art.9º.

É imprescindível abordar que para Maria Helena Diniz, citada por Dimas Messias de Carvalho, são efeitos pessoais na adoção os seguintes:

{C}a) Rompimento automático do vínculo de parentesco com a família de origem, salvo os impedimentos matrimoniais;

{C}b) Estabelecimento de verdadeiros laços de parentesco civil entre adotado (e seus descendentes) e o adotante, abrangendo a família do adotante;

{C}c) Transferência definitiva e de pleno direito do poder familiar para o adotante, se o adotado for menor, com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes;

{C}d) Liberdade razoável em relação à formação do nome patronímico do adotado;

{C}e) Possibilidade razoável de promoção da interdição e inabilitação do pai ou mãe adotiva pelo adotado ou vice-versa;

{C}f) Inclusão do adotante e do adotado no rol das pessoas que não podem testemunhar e daquelas em relação às quais o juiz tem impedimentos;

{C}g) Determinação do domicílio do adotando menor de idade que adquire o do adotante. (DINIZ, apud CARVALHO, 2010, p.47).

A adoção desvincula absolutamente o adotando de sua família natural, entretanto, persiste o grau de parentesco em relação aos impedimentos matrimoniais. Assim sendo, mesmo com a morte do adotante não haverá o restabelecimento do adotado na família natural e, caso o falecimento daquele ocorra antes do proferimento da sentença será estabelecido o vínculo de parentesco entre adotante e adotado desde a data do falecimento. Sobre o assunto, lecionam Farias e Rosenvald (2010) que retroagirá a data do óbito os efeitos da sentença com efeito ex tunc na hipótese de o adotante falecer no curso do processo de adoção, nos termos dos arts. 42, §6º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e 1.628 do Código Civil. Tal situação é denominada de adoção póstuma, segundo Farias e Rosenvald e de adoção nuncupativa no entendimento de Maria Berenice Dias como menciona os primeiros doutrinadores.

Assim sendo, os efeitos de cunho pessoal consistem na verdade em direitos e deveres que passarão a existir entre adotante e adotado.

3.4.2 Efeitos patrimoniais

Resumem-se no direito de prestação alimentar e direito sucessório entre adotante e adotado, atingindo também os descendentes deste e os parentes daquele.

Farias e Rosenvald (2010) expõem que os efeitos patrimoniais dão direito ao adotado de requerer prestação alimentar não só do adotante, mas de todos os parentes deste, considerados legalmente responsáveis. Concede ainda ao adotado capacidade hereditária como herdeiro legítimo necessário de suceder o adotante e seus demais parentes.

3.5 Finalidade e Função social

A adoção era um instituto essencialmente assistencial que tinha por fim proteger o adotando, colocando em uma família na qual teria todos os direitos de filho natural.

Segundo Marmitt (1993) a adoção, modernamente, é caracterizada como instituto de solidariedade social, pautada no altruísmo, carinho e apoio. Verifica-se, assim que a função da adoção deixa de ser eminentemente assistencial – dar filhos a quem não os pode ter­ ­­– e passa a ser mais nobre e humana, uma vez que objetiva amparar o adotando em uma família que o tratará com afeto e respeito.

Antunes Varela há muito já reconhecia a importância da adoção e de sua função social lecionando que a adoção:

Pode proporcionar ao adotando melhores condições de formação de sua personalidade, especialmente quando se trata de menores órfãos, abandonados ou internados em instituições oficiais de reeducação. Por outro lado, pode satisfazer em certa medida o empenho de muitos casais estéreis de terem um filho no lar, tornando mais rica e coesa a vida vazia de alguns cônjuges, mediante a obra comum de criação e educação do filho adotivo e pode assegurar, por fim, a quem dele carecia, um sucessor no negócio, no patrimônio, na obra principiada e ainda não concluída. (VARELA, apud MARMITT, 1993, p.11).

Pelo exposto, pode-se entender que a finalidade da adoção, nos dias atuais, de acordo com a norma estatutária, é resguardar e garantir à criança e ao adolescente a inserção em um lar feliz levando em consideração o seu interesse. O interesse do adotando além de ser um dos princípios específicos do instituto da adoção e o que demonstra a sua função social, uma vez que proporciona um lar a quem dele estava desamparado o que demonstra que tal medida é por de mais sublime.

3.6 Questões processuais da adoção

Com vasta exposição doutrinária as questões processuais serão aqui trabalhadas de forma singela, apresentando apenas questões que é de menção indispensável.

O pedido de adoção deve ser feito por processo judicial, tendo em vista que foi absolutamente abolida a adoção por ato contratual. Tal pedido se inicia com a distribuição de petição inicial – atendidos os requisitos do art.165 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA– apresentada na Vara de Infância e Juventude se tratando de adoção de criança ou adolescente a ser adotada e, por outro lado, na Vara de Família do domicílio do adotando maior de 18 anos.

Recebido o pedido de adoção o Juiz designará audiência para ouvir adotante, adotando e, quando necessário e possível, os genitores deste. O art.167 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA determina, ainda, que deverá ser realizado estudo psicossocial, exceto na adoção de maiores de idade.

Lembram Farias e Rosenvald (2010) que o pedido de adoção de menores deve ser distribuído na comarca onde residir o responsável pela guarda do menor, pois assim determinou a Súmula 383 do STJ: “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domícilio do detentor da guarda” (BRASIL, 2011, p. 1918).

A atuação do Ministério Público como custus legis é indispensável no procedimento de adoção, sendo legitimado para, inclusive, requerer produção de provas e recorrer (Súmula 99 do STJ).

O cadastro de adoção merece destaque, pois em 2009, com a nova lei de adoção, foi criado o cadastro nacional de adoção, por meio do qual fica disponível aos pretendentes à adoção uma listagem de crianças e adolescentes, residentes no Brasil e no estrangeiro, que estão aptos a serem adotados. Do cadastro nacional consta também uma listagem de pessoas pretendentes à adoção.

Nota-se com a criação do aludido cadastro que houve evolução no sistema da adoção, tendo em vista que antes o cadastro era formulado por comarca, o que acabava gerando limitação, pois os interessados à adoção não tinham a oportunidade de conhecer todas as crianças que precisavam e estavam prontas para receber um novo lar.

Por fim, é indispensável saber que da sentença que julgou o pedido de adoção caberá apelação no prazo de 10 dias, assim como ocorre na regra geral do Direito Processual Civil pátrio.

4. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS

4.1 Considerações preliminares

A Constituição da República sendo o diploma legal norteador do Direito das Famílias, traça princípios e regras básicas que demonstram a primazia do tema sob análise.

Hodiernamente, o estudo da principiologia é de extrema relevância quando se trata de análise temática pautada em texto constitucional, pois deste emana princípios interpretativos.

Assim sendo, tratar sobre princípios é de extrema relevância, pois são eles que marcam e constroem o sistema jurídico. Sabendo disso, objetiva-se nesse capítulo tratar acerca de princípios que se aplicam ao Direito de Família e ao tema em tela.

4.2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Considerado um princípio superior ou, ainda, um macroprincípio, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, de ordem constitucional que é, visa promover e resguardar os direitos humanos e a justiça social.

Defende Carvalho (2010) que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana tem importância sublime e comporta em si os princípios da liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, solidariedade e outras séries de princípios éticos. Tal princípio gera efeito sobre todo o ordenamento jurídico, sendo ainda considerado por Maria Berenice Dias, como menciona Dimas Messias de Carvalho, “o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de valores afetivos”. (CARVALHO, 2010, p.16).

A família, segundo Lôbo (2011), é protegida pela Constituição, mas tem por dever/função promover o desenvolvimento da dignidade das pessoas que dela fazem parte, pois “a entidade familiar não é tutelada para si, senão como instrumento de realização existencial de seus membros” (LÔBO, 2011, p.62).

Cabe mencionar que a dignidade da pessoa humana é aplicada também às crianças, pois estas ganharam tal tutela tanto no âmbito nacional quanto internacional. A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990 determina que a criança deve ser educada de tal modo que consiga viver em sociedade, sendo resguardada sua dignidade perante a sociedade.

4.3 Princípio da Solidariedade Familiar

Princípio intrinsecamente ligado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, resulta o Princípio da Solidariedade Familiar da superação do individualismo jurídico (art.3º, inciso I da CF/88). Solidariedade em sentido estrito é o sentimento que faz as pessoas ajudarem umas às outras.

Assim, a solidariedade em relação aos filhos, por exemplo, consiste no dever dos pais de instruir; manter e educar seus filhos para que estes tenham a formação plena, isto é, toda criança deve ser cuidada pelos pais até atingir a maioridade.

Salienta, Flávio Tartuce que:

A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art.3º, inc. I, da Constituição Federal de 1988, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais. (TARTUCE, apud MARQUES, 2009, p.38).

Cabe apontar que tal princípio foi o fundamento dos tribunais pátrios ao permitir aos tios, avós, pais separados, ex-companheiros homoafetivos, dentre outros, o direito de visita e o contato em geral com crianças e adolescentes, tendo por base o princípio do melhor interesse destes.

4.4 Princípio da Prioridade Absoluta

Trata-se de um princípio não incluído no texto constitucional, mas que encontra forte previsão em leis especiais e extravagantes. Consiste o princípio basicamente na proteção prioritária que deve ser dada à criança e ao adolescente quanto aos direitos fundamentais como à vida, saúde, à alimentação, educação, lazer e outros.

O art. 4º, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA dispõe que tal proteção é prioridade e deve partir tanto da família, quanto do Estado e da sociedade.

4.5 Princípio do Pluralismo Familiar

Princípio responsável pela modificação da compreensão do Direito de Família. A Constituição Federal de 1988, baseada neste princípio, estendeu sua concepção acerca de família, passando a reconhecer também as entidades familiares não originadas pelo casamento, abandonando o entendimento clássico.

Nesse sentido, para Maria Berenice podem ser elencadas, atualmente, as seguintes entidades familiares: “casamento, união estável, família homoafetiva, monoparental, sendo que a primeira é o casamento tradicional, até há pouco tempo reconhecido como única base de família”.(DIAS apud MARQUES, 2009, p.37)

Assim, o matrimônio passa a ser visto, meramente, como uma das inúmeras formas de constituição de uma família, tendo em vista que “o pluralismo das entidades familiares [...] tende ao reconhecimento e à efetiva proteção, pelo Estado, das múltiplas possibilidades de arranjos familiares” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.42).

4.6 Princípio da Igualdade entre os Filhos

O texto constitucional estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer discriminação relativas à filiação” (art.227, §6º, CF/88).

Sendo assim, nota-se que a Constituição da República Federativa do Brasil determinou proibição de qualquer tipo de discriminação entre os filhos biológicos, gerados em relacionamentos anteriores e adotivos, devendo ser isonomicamente tratados.

Igualdade entre os filhos, além de medida de concretização da dignidade da pessoa humana, consiste também no gozo dos mesmos direitos e proteção, bem como dos efeitos patrimoniais e pessoais. Sendo derivado do princípio geral da igualdade, nos termos do art.5º, caput da CF/88.

Cabe mencionar que, por óbvio, a CF/88 determinou que a existência de qualquer tipo de discriminação entre os filhos que porventura consta ou venha a constar no sistema jurídico, deverá impreterivelmente ser repelida.

Esse princípio visa nada mais que resguardar o interesse da criança e do adolescente, tendo por critério a resolução de conflitos.

4.7 Princípio do Melhor Interesse

Consiste no dever implantado pela Constituição Federal de tratamento prioritário dos interesses da criança. Cabe pontuar que por determinação da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, a partir de 1990 a prioridade de interesses passa a aplicar-se aos menores de forma geral. A Convenção ampliou a garantia também aos adolescentes.

Por decorrência do princípio sob análise foi afastado do Direito de Família brasileiro o pátrio poder, uma vez que se voltava tão somente aos interesses dos pais, sendo implementado o poder familiar, o qual, ao contrário daquele volta-se ao interesse do filho e fez com que os tribunais deixassem de colocar em segundo plano o interesse dos menores, passando a colocá-los em grau prioritário. O juiz passa a ter o dever de, diante de conflito entre a verdade biológica e socioafetiva, verificar qual delas gera real benefício à criança e ao adolescente.

Lôbo (2011) salienta que o Princípio do Melhor Interesse “parte da concepção de ser a criança e o adolescente sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, e não como mero objeto de intervenção jurídica e social” [...] (LÔBO, 2011, p. 75).

Prova de que o Direito reconhece atualmente o menor como sujeito de direito e capaz para exercê-los, que em ação de investigação de paternidade e alimentos, por exemplo, é ele o protagonista.

Por fim pode-se dizer que o Princípio do Melhor Interesse, assim como outros já expostos, foi criado tendo por base a dignidade da pessoa humana, vez que visa garantir ao menor a busca e concretização de seus direitos.

4.8 Princípio Jurídico da Afetividade

Consiste no princípio que fundamenta o Direito de Família e do qual resultou a evolução da família brasileira que, modernamente, tem outro perfil jurídico-social. Princípio, que segundo Marques (2009), é responsável pela afetividade se sobrepor a interesses patrimoniais e unir pessoas por laços de amor.

As normas constitucionais e infraconstitucionais de forma implícita se referem à primazia da afetividade como pode ser observado no art. 226 da Constituição Federal e nos arts.1.593 e 1.694 do Código Civil.

Cabe mencionar que, a afetividade tratada aqui não se confunde com o afeto, ao contrário, consiste em um [...] “dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.” (LÔBO, 2011, p.71). A afetividade consiste em algo tão forte que é capaz de manter pessoas unidas nas relações familiares, mesmo que haja nesta alguma fragilidade.

Contudo, tal princípio só deixará de existir quando um dos sujeitos da relação familiar falecer ou quando houver a perda do poder familiar.

4.9 Princípio da responsabilidade primária e solidariedade do Poder Público

Tal princípio determina que o Poder Público, isto é, as três esferas de governo, são solidariamente responsáveis por cuidar das crianças e dos adolescentes, de modo a assegurar a efetivação de seus direitos.

O novo estatuto foi significativamente afetado por este principio, pois pode ser verificado nos arts. 4º ao 8º que o Poder Público deve “proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as conseqüências do estado puerperal” (ROSSATO, 2009, p.23). Além disso, o art. 8º, §5º determina ainda que deve haver assistência também junto à gestante ou mãe que queria entregar seu filho à adoção.

5 ADOÇÃO DE NASCITUROS E DE EMBRIÕES LABORATORIAIS

5.1. Direitos do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro

O Código Civil de 2002 em seu art. 2º preceitua que: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”(BRASIL, 2011, p. 157)

Verifica-se pela leitura do texto legal que, muito embora a personalidade civil tenha início do nascimento com vida, os direitos do nascituro já são resguardados por lei.

Nascituro, assim, segundo Guimarães (2007), é o nome atribuído ao ser humano já concebido, mas que ainda encontra-se dentro do ventre materno em estado fetal.

O nascituro não é ainda uma pessoa, no entanto, não resta dúvida de que tem direito à vida e não a mera expectativa de direito. Tem ainda direito à integridade física; à alimentação (art.7º e 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA); à representação (art.1769, do Código Civil de 2002); à doação; à herança (art.1169 do Código Civil de 2002) e ao reconhecimento da filiação (art.1.609 do Código Civil de 2002).

O direito à vida – direito primordialmente do ser humano – e à integridade física resta demonstrado pela proteção legislativa no sentido de coibir qualquer tipo de prática que atente contra a vida do nascituro, tanto que tipificou como crime a prática do homicídio, aborto ou infanticídio (arts. 121 a 127 do Código Penal Brasileiro), resguardando no mesmo sentido sua integridade moral.

Em seu trabalho monográfico, Clarice Regina Dionísio dos Santos (2008) cita Cardoso e apresenta que é direito do nascituro, entre outros, o de ser adotado, trazendo a lei algumas exigências, entre elas, que haja o consentimento do seu representante legal.(art. 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

5.2. Da (Im)possibilidade de adoção de nascituros e embriões laboratoriais

Pela leitura do artigo 2º do Código Civil de 2002 é que se exprime a necessidade de um estudo minucioso acerca da possibilidade da adoção de nascituros e embriões laboratoriais, pois doutrinadores como Farias e Rosenvald (2010) reconheceram que o tema está inserido em área “cinzenta” do Direito, uma vez que o texto legal abre margem a polêmicas.

Sabendo disso, objetiva-se demonstrar, nesse contexto, pontos controvertidos apresentados pela doutrina, a fim de se conhecer qual posicionamento merece razão, pois ao tratar sobre o tema parte da doutrina lecionando pela possibilidade e parte pela impossibilidade.

Nesse sentido, Silmara Juny A.Chinelato e Almeida entende que a adoção de nascituros é absolutamente possível, fundamentando que o ordenamento jurídico reconhece a proteção jurídica dos interesses do nascituro. Leciona que não se pode negar ao nascituro o direito de ser adotado, tendo em vista que o texto legal a eles conferiu direitos, e “quem afirma direitos e obrigações afirma personalidade, sendo a capacidade de direito e o status atributos da personalidade.” (ALMEIDA, apud FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.929).

Adepto a mesma corrente doutrinária, Marmitt (1993) salienta que a lei não veda a adoção de nascituros e incapazes, destaca, porém que algumas precauções devem ser tomadas para que a adoção seja válida. Lembra que o consentimento deve existir, pois tal consiste em conditio sine qua non, uma vez que nos termos do art.372 do Código Civil de 1916 “não se pode adotar sem o consentimento do adotando ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro”. (BRASIL, 2002).

Verifica-se, contudo, que o fundamento pautado no Código Civil de 1916 trata-se de um entendimento absoleto, pois com o Novo Código Civil de 2002 o nascituro já se encontra fora dos artigos destinados ao regime da adoção.

Há que se destacar, entretanto, que persiste na legislação brasileira a previsão de que os pais ou representantes devem consentir sobre a adoção, como preceitua o atual art.45 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, o qual por incidência da Lei 12.010/2009 revogou o referido art.1.621 do Código Civil de 2002.

Art. 45. do Estatuto da Criança e do adolescente (Lei 8.069/90). A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. § 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder poder familiar. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009). § 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento. (BRASIL, 2011, p.1083)

Merece atenção o posicionamento de Marmitt (1993), pois leciona que “porquanto o absolutamente incapaz tem seu consentimento suprido por quem o represente no ato, o relativamente incapaz manifesta-se pessoalmente sobre sua adoção” (MARMITT, 1993, p.25). Por este entendimento podemos estar convencidos que o consentimento dos absolutamente incapazes serão prestados por seus representantes legais, tendo em vista que não são capazes de se expressarem. Pais ou representantes legais são as pessoas investidas na função de poder familiar – adaptando à linguagem atual – que darão ou negarão o consentimento para adoção.

Adaptando ao texto da lei atual – Código Civil de 2002 – o posicionamento apresentado, em doutrina datada de 1993 por Marmitt (1993), tal seria o caso previsto pela norma estatutária sobre os adotandos maiores de 12 anos.

Noutro giro, outra parte da doutrina, composta, entre outros, por Maria Berenice Dias entende ser impossível a adoção de nascituro, pois considera a realização do estágio de convivência algo essencial, salientando que um ser que se encontra dentro do corpo materno não consegue cumprir tal exigência.

Seguindo o mesmo posicionamento, Farias e Rosenvald (2010) salientam que “a adoção reclama a demonstração da sua viabilidade pelo convívio entre as partes envolvidas, o que restaria frustrado pelo convívio em relação ao nascituro, podendo, assim, comprometer a proteção integral, constitucionalmente assegurado”. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.929).

Sobre tal afirmação entendemos que a convivência com a família natural, muitas vezes também pode frustrar a proteção constitucional conferida à criança, vindo o instituto da adoção regular e tentar amenizar as conseqüências provenientes do descaso, cada vez mais crescente, de mães que rejeitam seus filhos e mesmo que não querem e/ou não tem condições psicológica, social e financeira de criá-los.

Não obstante, Farias e Rosenvald (2010) continuam defendendo que a adoção de nascituro encontra óbice no Decreto nº. 3.087 de 21 de junho de 1999, pois este exige que a genitora dê, após o nascimento da criança, o consentimento para a adoção, como dispõe o art.4º, c, n.4:

As adoções abrangidas por esta convenção só poderão ocorrer quando as autoridades competentes do Estado de origem:

c) tiverem-se assegurado de:

4) que o consentimento da mãe, quando exigido, tenha sido manifestado após o nascimento da criança.(BRASIL, 1999).

No âmbito processual os mesmos autores também encontram problemas para considerar possível a adoção de nascituro, posto que não seria possível a qualificação do adotando e de seus pais, como exige o art.165,III do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA: “São requisitos para a concessão de pedidos de colocação em família substituta: qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos”. (BRASIL, 2011, p.1.098).

Sinceramente, pela nossa ótica o entendimento é passível de questionamento, pois defender pela impossibilidade da adoção de nascituro pelo simples fato de não ser possível qualificá-lo no processo é lamentável, pois o Código Civil de 2002 ao conferir direito ao nascituro pouco se importou se este já poderia ser qualificado ou não, além do mais, mesmo se já tivesse nascido, ainda não teria capacidade processual e seria representado por seus pais ou representantes legais.

Por assim ser, pensamos que a mãe que deseja dar em adoção sua prole será qualificada e, sob intervenção do Poder Público o nascituro será adotado sem problema algum. Sabemos que a adoção deva ser precedida pela observância do Princípio do Melhor Interesse da Criança, no entanto, isso não significa que deve haver consentimento desta, pois a lei só o exige da criança que tenha mais de 12 anos, restando logicamente excluído o nascituro.

Não obstante, nesse caso, caberá ao Ministério Público e ao Juiz, em cada caso concreto, verificar a real vantagem da adoção.

Quanto ao estágio de convivência, defendemos que, assim como ocorre na adoção de maiores de 18 anos tal deve ser dispensado, pois por óbvio não será possível sua realização, assim como na verdade também não deve ocorrer nos moldes determinados com uma criança recém nascida, uma vez estas são incapazes de expressar plenamente o que sentem, pois, sem querer aprofundar no tema, sabe-se que pela psicologia crianças são seres em desenvolvimento.

Muito embora lecionem pela impossibilidade da adoção de nascituros, Farias e Rosenvald (2010), reconhecem que são merecedores de proteção jurídica quanto a seus interesses existenciais, principalmente nos direitos ligados a alimentos gravídicos e assistência a pré-natal, como disciplina a lei n.11.804/08.

Mencionam por fim que “apenas não vislumbram que a adoção seja um direito a ele reconhecido, em face da impossibilidade de efetiva demonstração das vantagens reais e concretas para o nascituro”. (FARIAS; ROSENVAL, 2010, p.929).

A respeito da adoção de embriões laboratoriais, Farias e Rosenvald (2010), entendem, pelo mesmo raciocínio, que é impossível, mencionando, no entanto, que os embriões não gozam de direitos como o nascituro, pois sobre eles regulamenta a Lei n.11.105/05 em seu art.5º:

Art. 5o da Lei n. 11.105/05. “É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.” (BRASIL, 2011, p.1815).

Assim, quando o casal doador do material genético não tiver mais interesse em sua utilização – para uma possível reprodução assistida, por exemplo –, os embriões, produzidos laboratorialmente, serão, após o período de três anos, encaminhados para pesquisa de células-tronco.

5.3 Da inexistência de previsão legal

A discussão sobre adoção de nascituros e embriões laboratoriais surge, na

verdade, pela inexistência de previsão legal sobre o assunto.

Em 1993 o doutrinador Arnaldo Marmitt já havia lecionado no sentido de que o legislador estatutário teria perdido a oportunidade de ser mais completo e determinar sobre a adoção de nascituro, pois em nenhuma passagem a ele se refere e “com o seu esquecimento o deixou em pé de inferioridade com a criança e o adolescente, o que é injusto e desproporcional” (MARMITT, 1993, p. 26).

Imprescindível citar um trecho de Marmitt:

Na prática vários descompassos há e incongruente que o nascituro não tenha merecido a mesma proteção legal que o recém-nascido. Se não é criança, nem adolescente, o maior de dezoito anos, que já se encontra com o adotante, também não o é o nascituro. A falta de harmonia e coerência entre uma e outra lei demonstra que o legislador não foi atento, não manteve um olho na missa e outro no padre, ou seja, um olho no Código Civil e outro no estatuto, ao ensejo de redigir este último. (MARMITT, 1993, p. 26).

No tempo em que se passa a realidade do texto citado, o nascituro era tratado pelo Código Civil (1916) como sujeito apto à adoção, mas ao entrar em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 foi ele deixado de fora.

Atualmente, o Código Civil, tampouco o Estatuto da Criança e do Adolescente lecionam sobre a matéria, situação lacunosa que tem gerado infindáveis discussões doutrinárias.

5.4 O parto anônimo e a sua correlação com a adoção

Nos termos do §4º do art.8º do Estatuto da Criança e do Adolescente alterado pela Lei nº. 12.010/09, o Poder Público tem o dever de promover assistência psicológica à gestante durante o pré-natal e à mãe no pós-natal. Segundo Farias e Rosenvald (2010) tal assistência visa minimizar as conseqüências provenientes do estado puerperal.

Nesse sentido, o aludido artigo prevê em seu §5º que a assistência é estendida às mães que desejam entregar seus filhos para adoção, as quais deverão cumprir o procedimento previsto no art.13, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

Pela previsão, a doutrina tem entendido que, ainda que de maneira tímida o “direito ao parto anônimo” é regulamentado, pois este visa evitar o abandono de infantes, pois quando a mãe não tiver interesse em cuidar da criança poderá dar a mesma em adoção, para que não chegue a colocar em risco a integridade física da criança.

Sobre o assunto salienta Rossato e Lépore (2009):

Não pode ser negado que, por uma série de razões, cujo juízo não pode ser feito em poucas palavras, uma pode perceber que não reúne condições para a maternidade. Muitos são os aspectos que conduzem a essa situação: gravidez indesejada, poucos recursos financeiros, ausência de crítica positiva sobre a gravidez, dentre outros aspectos, podem conduzir a uma situação em que não seja de interesse da mãe cuidar de seu filho. (ROSSATO; LÉPORE, 2009, p.31).

Rossato e Lépore (2009) mencionam que “o que se pretende, com a alteração, é que as gestantes que optem por não criar seus filhos sejam encaminhadas à Justiça da Infância e Juventude quando, então, serão devidamente orientadas a respeito.” (ROSSATO; LÉPORE, 2009, p.31).

Entendemos que o parto anônimo ligado à adoção visa evitar a ocorrência de situações como o repercutido caso da lagoa da Pampulha em 2006. Rossato e Lépore (2009) expõe que:

Em acontecimentos recentes, a mídia divulgou situações em que mães simplesmente abandonavam seus filhos à beira de lagoas, em caçambas de recolhimento de entulho, enfim, em situações em que a exposição ao perigo era visível. (ROSSATO; LÉPORE, 2009, p.31).

Não obstante, nota-se que a mulher/mãe tem o direito de não assumir a maternidade do filho que acabara de gerar, mas a lei determina que ela dirija-se à Vara da Infância e da Juventude para entregar o filho ao juiz, o qual encaminhará a criança a entidades de atendimento responsáveis. Assim, tem-se que a adoção é a solução mais adequada para tentar evitar que milhares de bebês sejam abandonados por suas mães.

Cabe mencionar, por fim, que a mãe que entregou seu filho em juízo não será penalizada com a perda permanente de sua prole, mas, poderá, após a assistência psicológica e tratamento, exercitar novamente o poder familiar e cuidar de seu filho.

6 ADOÇÃO DE MAIORES DE IDADE

O instituto da adoção, originariamente, tem por objetivo supremo resguardar e garantir direitos e benefícios ao adotando independentemente de sua idade. Prova disso pode ser encontrada no disposto no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90): “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para adotando e fundar-se em motivos legítimos” (BRASIL, 2011, p.1083).

Problema de normatização é encontrado no âmbito da adoção de maiores de idade, uma vez que o legislador ao tratar sobre ela o fez de forma insatisfatória.

Muito embora exista uma tímida regulamentação sobre o assunto na legislação pátria, para alguns doutrinadores como Lôbo (2011) e Venosa (2009), o interesse pela adoção de maiores tende a sofrer considerável redução em se tratando de inserção de adultos (adotandos) em famílias novas. Contudo, defende o primeiro doutrinador que a adoção continua sendo um meio útil para regularizar a situação daqueles, hoje adultos, que desde crianças foram criados por outra família, os chamados “filhos de criação”.

Outro problema estaria pautado na justificativa e objetivo de se requerer a adoção de maiores. Sobre isso leciona Venosa (2009):

É rara a adoção de maiores e mais rara ainda a que não seja feita por interesses meramente patrimoniais.[...]. Sempre nos colocamos contrários à adoção de maiores, a qual contraria a noção moderna e longe está da finalidade romana primitiva do instituto. Se há intuito de proteção patrimonial no ato, o desiderato pode ser atingido por inúmeros outros meios colocados à disposição no ordenamento. (VENOSA, 2009, p.298).

A adoção de maiores de idade, em sua maioria, visa formalizar uma situação fática existente, como entende Lôbo (2011), por assim ser não podemos concordar com a afirmação de Venosa (2009), pois a adoção de maiores tanto cumpre a finalidade da adoção que continua presente no ordenamento jurídico brasileiro e se diferente fosse o texto já teria sido suprimido pela recente reforma sofrida.

A Lei nº.12.010/09 embora, a nosso ver, tenha se equivocado, continuou permitindo a adoção de maiores, tanto que passou a exigir efetiva participação do Poder Judiciário no ato. Assim, se o pedido for, realmente, formulado com cunho meramente patrimonial caberá ao juiz indeferí-lo, o que não podemos concordar é com a forma genérica que o autor se refere a adoção de maiores.

Ações de adoção de maiores, se comparadas às adoções de menores, de fato são raras, mas isso se deve ao motivo de muitos “filhos de criação” pouco se importarem com a sua regularização. Ocorre que, mesmo assim, são ainda numerosos os pedidos e tais se pautam no amor e na afetividade.

Pensamos que está no campo do senso comum o entendimento de que a adoção de maiores visa apenas questões patrimoniais, pois ser acolhido por uma família que geneticamente não lhe pertence; receber desta todo amor, educação e formação pessoal é algo que transcende questões meramente patrimoniais.

A real vantagem da adoção para o adotando consiste na comprovação de seu efetivo benefício, uma vez que o juiz ao deferir a adoção deverá certificar-se que a colocação do adotando em nova família, ou mesmo a permanência naquela em que já convive, é o melhor a ser feito. Sobre o assunto leciona Lôbo (2011):

O juiz verificará se a adoção contempla o efetivo benefício do adotando. Este é o requisito essencial, que não pode ser dispensado pelo juiz, na fundamentação da sentença, pois densifica o princípio da dignidade da pessoa humana do adotando e o principio do melhor interesse da criança, expandido-os a todos os adotandos, inclusive os maiores de 18 anos. (LÔBO, 2011, p.287).

Imprescindível pontuar que a adoção de maiores de idade diferencia-se da adoção de menores, pois alguns requisitos essenciais desta são afastados daquela como salientam Rossato e Lépore:

[...]não haverá necessidade de fixação de tempo de estágio de convivência, até porque não se deverá averiguar a possibilidade ou não de convivência; e, não haverá necessidade de estudo social interprofissional, até porque não se trata de verificar a existência de eventual situação de risco justificadora de uma medida extrema. (ROSSATO; LÉPORE, 2009, p.43).

A adoção de maiores diferencia-se ainda da adoção de menores no que tange ao consentimento dos pais biológicos, uma vez que nesta tal requisito é desnecessário, sendo, contudo, obrigatória a sua citação. (Farias; Rosenvald, 2010)

Pelos dizeres de Rossato e Lépore entendemos que a adoção de maiores apresenta pontos semelhantes e dessemelhantes da adoção de menores e é exatamente por este motivo que defendemos pela criação de um diploma legal específico para regulamentar sobre o assunto, pois o texto existente está inserido em Estatuto destinado a menores e, excepcionalmente às pessoas até 21 anos, o que acaba por deixar transparecer seu ponto polêmico, pois o legislador civilista após entrada em vigor da Lei 12.010/09 quis, na verdade, tratar sobre assuntos diferentes como se iguais fossem.

6.1 Adoção unilateral – Adoção do maior de idade por um dos cônjuges

O sistema jurídico atual adotou como regra a adoção unilateral, isto é, a adoção que ocorre por apenas uma pessoa. A determinação legislativa, ao estabelecer e proibir a adoção por duas pessoas, acabou por impor barreira, pois se ateve apenas no modelo de família originada pelo casamento, deixando de lado a realidade social brasileira contemporânea, como defende Farias e Rosenvald (2010).

No Brasil, por decorrência da separação, divórcio e maternidade solteira, existem inúmeras famílias recompostas que não se enquadram na família modulada e composta por pai, mãe e filho.

O instituto da adoção está enraizado no princípio do melhor interesse do adotando e, por assim ser, leciona Farias e Rosenvald (2010) que a adoção poderá ocorrer por apenas uma pessoa, desde que o melhor interesse do adotando seja demonstrado.

Mormente, a adoção de maiores de idade também poderá ocorrer de forma unilateral e isto acontece quando “uma pessoa é adotada pelo cônjuge ou companheiro de seu genitor, substituindo somente um dos pais e sua respectiva ascendência.” (Farias; Rosenvald, 2010, p.923).

Nesse sentido, merece menção as possibilidades de adoção unilateral expostas por Maria Berenice Dias citada por Farias e Rosenvald (2010):

i) quando o filho foi reconhecido apenas por um dos pais, competindo a ele autorizar a adoção unilateral pelo parceiro, no futuro; ii) quando, reconhecido por ambos os genitores, há concordância integral, destitui um deles do poder familiar; iii) na hipótese de falecimento do pai biológico, podendo o órfão ser adotado pelo cônjuge ou companheiro de genitor sobrevivente.(BERENICE, apud FARIAS; ROSENVAL, 2010, p.922).

Frisa Farias e Rosenvald (2010) que na hipótese de adoção unilateral por motivo de falecimento do pai biológico a adoção deverá ser feita com cautela, cabendo ao juiz verificar se o adotando não está fazendo uso da identidade genética para conseguir obter vantagens de cunho sucessório do atual companheiro ou cônjuge de sua mãe biológica.

Resgatemos sobre a discussão das famílias recompostas já trabalhada no tópico 2.5 do capítulo 2. Lá estudamos sobre a realidade social brasileira contemporânea, no que tange as famílias que hoje são compostas por pessoas que já tiveram outros relacionamentos e que destes resultaram filhos que hoje vivem com pai ou mãe biológicos e padrastos e madrastas, uma vez que estes são os atuais companheiros ou cônjuges daqueles.

Vemos também, neste cenário, a possibilidade da adoção unilateral, que em relação aos maiores de idade se dará pela segunda hipótese apresentada por Maria Berenice, uma vez que pessoas adultas não estão sujeitas ao poder familiar, como preceitua o art. 1.630 do Código Civil/02: “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores” (BRASIL, 2011, p. 301).

Nesse sentido, imprescindível relembrar, por fim, que o poder familiar extingue-se pela maioridade nos termos do art. 1.635 do Código Civil.

6.2 Implicações legislativas da adoção de maiores

Visa-se trabalhar, nesse momento, acerca das implicações que a Lei nº. 12.010/09 trouxe à adoção de maiores de idade, ao prever a revogação de artigos do Código Civil que tratavam sobre a matéria.

Será trabalhado que a aplicação subsidiária do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, não é possível como pensou o legislador, uma vez que a norma estatutária delimitou sua competência.

6.2.1 Projeto de lei nº. 6.960/2002 e a Lei Nacional de Adoção nº. 12.010/09

Por ordem da Constituição Federal - CF/88 e do princípio da hierarquia das leis, lei especial revoga lei geral. Tendo esse entendimento em mente é sabido que após entrada em vigor da Lei que disciplina especificamente sobre um assunto, como é o caso da Lei Nacional de Adoção (Lei nº. 12.010/09), a mesma passa a ter aplicabilidade superior frente a outro diploma legal.

Feita tal consideração propõe-se a seguinte análise: O legislador ao concluir o Código Civil de 2002 percebeu que alguns dispositivos poderiam ter redações diferentes e que dispositivos alterados poderiam continuar como já previstos no Código Civil de 1916. Assim, o Sr. Ricardo Fiuza, em 12/06/2002, apresentou à Câmara o projeto de lei nº. 6.960/2002, o qual propõe alteração de mais de 300 artigos do Código Civil de 2002, dentre eles a do art. 1.623, §3º, o qual até agosto de 2009 tratava sobre a adoção de maiores de idade.

A proposta era de voltar ao sistema de 1.916 fazendo com que a adoção de maiores de 18 anos ocorresse por escritura pública e mediante homologação do Ministério Público. Contudo, Venosa (2009) discordou plenamente de tal possibilidade defendendo que o Ministro Público-MP consiste em um órgão que tem poder apenas para fiscalizar e não para decidir ou, se quer, homologar a adoção dessa natureza, entendendo assim ser indispensável a intervenção do Poder Judiciário .

Atualmente, o projeto de lei continua no Senado aguardando aprovação, mas em alguns pontos verifica-se que o mesmo já perdeu sua eficácia, tendo em vista as alterações ocorridas pela Lei 12.010/2009 já alterou vários dispositivos que havia proposta de alteração.

Nesses termos, concluí-se que, quanto aos artigos objetos da lei 12.010/2009 o projeto de lei nº. 6.960/2002 provavelmente não produzirá mais efeito.

Cabe mencionar, por fim, que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, respaldado pelo Código Civil de 2002 e mediante pedido do Ministério Público Estadual, extinguiu um processo em que um rapaz de 20 anos objetivava sua adoção por meio de escritura pública no Pará.

O Ministro relator, Luís Felipe Salomão foi quem aceitou os argumentos do MP estadual, salientando que:

Com efeito, o novo Código Civil modificou sensivelmente o regime de adoção para maiores de 18 anos, a qual, de acordo com a norma anterior, poderia ser realizada conforme vontade das partes, por meio de escritura pública. Hoje, contudo, dada a importância da matéria e as conseqüências decorrentes da adoção, não apenas para o adotante e adotado, mas também para terceiros, faz-se necessário o controle jurisdicional que se dá pelo preenchimento de diversos requisitos, verificados em processo judicial próprio.(BRASIL, 2010).

Não obstante, nota-se que a doutrina e a jurisprudência têm caminhado em mesmo sentido, entendendo ser a adoção por escritura pública absolutamente vedada pela legislação pátria exigindo que a adoção de maiores de idade ocorra por meio de assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva, como preceitua o atual art. 1.619 do Código Civil de 2002.

6.2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil de 2002 pós Lei n. 12.010/09

Farias e Rosenvald (2010), reservaram um tópico na obra Direito das famílias para abordar acerca da dualidade de sistemas jurídicos da adoção, principalmente para levantar e sanar qualquer dúvida que possa existir sobre a aplicabilidade do diploma legal próprio para cada uma de suas modalidades.

Já Rossato e Léopore (2009) lecionam que qualquer discussão sobre qual diploma legal regulamenta, atualmente, sobre a adoção, deve ser encerrada. Salientam que “a partir de agora, todas as adoções, sejam de crianças, adolescentes ou adultos, serão regidas pelo Estatuto, guardando as particularidades próprias das adoções de adultos.”(ROSSATO; LÉPORE, 2009, p.43).

A Lei nº. 12.010/09 alterou os arts. 1.618 e 1.619 do Código Civil, passando a dispor o primeiro que a adoção de crianças e adolescentes será disciplinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e o segundo que a adoção de maiores também passa a exigir algumas formalidades, preceituando ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA será aplicado à adoção de maiores de idade no que couber.

Contudo, levantamos a seguinte problemática: O Estatuto da Criança e do Adolescente, como a própria nomenclatura nos leva a entender, é um Estatuto destinado a pessoas específicas, quais sejam, crianças e adolescentes. No entanto, pela leitura do art. 2º, parágrafo único do supra mencionado Estatuto, extraímos que tal terá aplicabilidade, de maneira excepcional, às pessoas que tem entre 18 e 21 anos.

No mesmo Estatuto, especificamente no art.148, inciso III, trata que a competência para conhecer os pedidos de adoção e seus incidentes é da Justiça da Infância e da Juventude.

Diante disso a pergunta que se faz é a seguinte: Quem será competente para conhecer e julgar um pedido de adoção de uma pessoa que tenha de 22 anos em diante? A Lei nº. 12.010/09 revogou a maioria dos artigos destinados à adoção disposto no Código Civil e ainda remeteu ao Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção de menores e de maiores, sendo que ao chegar no Estatuto o próprio limita sua competência. Entendemos que, na verdade, fica, a adoção de maiores, a pairar sobre dois ordenamentos que sobre o assunto não regulamentou.

Não desconsideramos que doutrinas e a jurisprudência têm entendido que a adoção de maiores deve ser processada na vara da família, mas frisamos que tal entendimento é contrário ao apresentado no corpo da lei.

6.3 Benefícios da adoção de nascituros, de embriões laboratoriais e de maiores de idade.

A adoção sendo, linhas gerais, o instituto jurídico que tem por fim a inclusão de uma pessoa em uma família da qual geralmente lhe é estranha, temos que o maior de 18 anos, mesmo que já inserido em família não natural poderá ser por ela adotado, tornando se filho legítimo.

Nesse sentido, os benefícios da adoção de maiores de idade consistem no reconhecimento legal de uma situação fática, ou mesmo na inserção de uma pessoa – que aparentemente não necessita mais de proteção familiar, devido ao alcance da maioridade – em uma família que irá exercer função crucial, qual seja, a formação pessoal e social de um jovem, pois não resta dúvida de que muitos jovens atingem idade adulta sem passar pela formação completa como ser social.

Quanto à adoção de nascituros e embriões laboratoriais, temos que, muito embora a permissão legal poderia mudar a realidade social brasileira atual – a fim de reduzir o número de bebês deixados em latas de lixo e lagoas e, ainda o descarte dos embriões, os quais poderiam ser adotados por casais inférteis – concordamos com a corrente que leciona pela impossibilidade, pois o ato de dar a outra pessoa, um nascituro ou embrião laboratorial, não configura o ato jurídico da adoção, uma vez que além de não cumprir os princípios constitucionais correlacionados não cumpriria seus requisitos e finalidade.

Cabe mencionar que, pelo estudo realizado, o legislador, sobre a adoção de nascituros e embriões laboratoriais, deveria ter previsto, ainda que fosse pela imposibilidade, pois se assim fosse evitaria dúvidas e indagações.

Noutro sentido, o consentimento da mãe pode ser dado enquanto ainda o adotando encontra-se em estado fetal, mas o negócio jurídico propriamente dito só será formalizado quando a criança nascer com vida. É importante frisar que tal situação não configurará adoção “à brasileira” [2], pois a mãe, filho (adotando) e adotantes irão comparecer em juízo para formalizar tal entrega, momento em que o juiz irá, verificando o melhor interesse da criança, conferir ao adotante a guarda do menor. Caberá ao adotante, posteriormente, ajuizar ação de adoção para que se tornem pai de direito do adotado.

Não obstante, os benéficos são notados tanto na esfera jurídica quanto na esfera social, pois garantir a outrem a convivência em um lar feliz é garantir a dignidade da pessoa humana do adotando e também do adotante, os quais serão reciprocamente gratos pelo bem que lhe fora feito, qual seja, permitir amar e ser amado com sentimento de pai e filho.

7 CONCLUSÃO

O estudo em questão apresentou uma análise de específicas modalidades de adoção. Demonstrou-se que a previsão – no caso da adoção de maiores – e a falta de previsão legal – na adoção de nascituros e embriões laboratoriais – implicam em problemas que encontram uma solução simples, mas de extrema relevância tanto para o Direito de Família como para a sociedade brasileira.

Quando é analisada a história da família e da adoção, os doutrinadores que lecionam sobre o tema, convidam-nos para um estudo da formação da própria sociedade, tendo em vista que esta não há como se desvincular daquela e vice-versa.

O passar dos tempos trouxe inúmeras transformações fáticas e legais concernentes à matéria. A observância do legislador voltou-se para regulamentar sobre o novo modelo de família que surgira nos últimos séculos, o que é louvável.

Entretanto, verificou-se ao longo da investigação científica, exposta nas páginas retro, que em alguns pontos o legislador não se valeu da realidade social, mas sim de posicionamentos literários, os quais, sabe-se, que nem sempre estão adaptados à contemporaneidade.

A adoção é um dos institutos mais sublimes do Direito de Família, por estabelecer um vínculo afetivo familiar entre pessoas geralmente estranhas, e por isso, no intuito de chamar para si maior atenção, que foi desenvolvido o presente estudo.

A sociedade e o Direito brasileiro há anos conhecem a adoção, tanto é verdade que denominou uma das modalidades da adoção (adoção “à brasileira”). No entanto, até hoje o tema possui uma legislação insatisfatória e sem muita aplicabilidade prática, pois é incompleta e estabelece procedimento extremamente moroso e desgastante para os envolvidos.

Foi demonstrado que o Código Civil brasileiro dispôs, até agosto de 2009, sobre a adoção de maiores, ao passo que, a adoção de menores era tratada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Contudo, a entrada em vigor da Lei 12.010/09 revogou os dispositivos do Código Civil que tratavam sobre a adoção. Atualmente, a adoção é tratada de forma exclusiva pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, situação absolutamente problemática, pois tratar de adoção de maiores em diploma legal destinado para menores é, no mínimo, inapropriado.

O art. 1.619 do Código Civil, sem prever qualquer tipo de procedimento específico para a adoção de maiores de idade – embora mencione sua existência – remete o leitor ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Entretanto, ao chegar no aludido diploma legal, nota-se que o mesmo é competente de forma excepcional a adultos até 21 anos (art. 2º, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente). Nesses termos, verifica-se que o art. 1.619 do Código Civil de 2002 prevê apenas uma regra da adoção de maiores, qual seja, a exigência de assistência efetiva do Poder Público, mas o procedimento não é apresentado.

Nesse diapasão, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA seria o ordenamento aplicável, pois trata-se de hipótese que necessita-se de aplicação subsidiária de lei, enquadrando-se na previsão legal, “aplicar quando couber”, disposta no supramencionado artigo. A questão é saber o que quis dizer o legislador quando tipificou “no que couber”, pois concluímos que em nenhuma hipótese, que tratar-se de adoção de maiores de 21 anos caberá ao Estatuto deliberar sobre o assunto.

Em geral a adoção de nascituros e embriões parece ser impossível no sentido de ser proibido, por não cumprir, nestes casos, alguns princípios próprios da matéria, e ao cumprir alguns, acabam ferindo outros, como o do melhor interesse. Não há hierarquia entre princípios.

Contudo, pelo estudo realizado, conclui-se que mais pertinente é esperar o nascimento da criança nascitura para dá-la em adoção, mas o consentimento da mãe pode ser manifestado ao longo da gestação.

Três leis de suma importância quando da abordagem do assunto, são as leis: nº. 10.406/02 (Código Civil), Lei nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) e a Lei nº. 12.010/09, pois tais reforçam a existência do instituto da adoção.

A Lei nº. 8.069/90 deixa claro que a mesma não se aplica a maiores de 21 anos. Conquanto, a Lei nº. 10.406/02 após reforma sofrida pela Lei nº. 12.010/09 deixou expresso um tremendo equivoco ao expor que a Lei nº. 8.069/90 irá tratar sobre adoção de maiores, pois a própria lei limita sua aplicabilidade.

A diversidade de idade não pode significar um óbice à adoção, pois sobre isso a lei já dispôs idade mínima para ser considerado apto a adotar, mas quanto à idade mínima e máxima para ser adotado, a lei se manteve silente. Assim, a adoção deve ser entendida como possível em qualquer idade, desde que presente os requisitos gerais.

Nesse sentido, concordamos com a corrente majoritária que defende pela impossibilidade de adoção de nascituro e embrião laboratorial, uma vez que tal ato não cumpre os requisitos legais da adoção. O nascituro poderá ser adotado apenas quando nascer, ou seja, quando deixar de ser assim considerado. O embrião laboratorial, por outro lado, pode ser doado, mas não adotado, pois aplica-se, analogicamente a Resolução nº. 1.957/10, art. IV e V, inciso 3 do Conselho Federal de Medicina. Esta dispõe sobre a doação de pré-embriões, por isso falamos em aplicação analógica, uma vez que o presente trabalho trata sobre embriões.

Durante a abordagem comparativa dos dispositivos legais, revogados e vigentes que tratam sobre adoção é que se constata que a matéria é merecedora de diploma que seja mais completo, pois consiste em matéria que não pode ser considerada de forma genérica, devido à existência de mais de uma modalidade.

A adoção de menores, de nascituros, de embriões e de maiores de 18 anos são espécies de adoção absolutamente diferentes, por isso defendemos pela criação de um Estatuto da Família para regular sobre questões pertinentes às famílias de forma exclusiva, evitando interpretações equivocadas ou mesmo o atraso processual decorrente da má interpretação e aplicação da lei.

Não obstante, tem-se que a solução do problema encontrado, nesse cenário, é o acréscimo de artigos no já proposto projeto de lei que visa a aprovação do Estatuto das Famílias (projeto de lei nº 2.285 de 2007). Trata-se de proposta brilhante visto que traz uma regulamentação específica sobre assuntos de cunho familiar. Apenas propomos que seja também contemplada a adoção de nascituros, embriões e maiores de idade no aludido projeto de lei, pois atualmente nas duas primeiras hipóteses não existe normatização e no último caso, a existente é no mínimo inadequada. A aprovação do projeto, como consta apresentado, continuará deixando uma grande lacuna sobre o assunto.

Imprescindível abordar que em momento que acaba de ser aprovada a lei que autoriza a união de pessoas do mesmo sexo, fica mais que nítida a evolução da sociedade e do Direito brasileiro. Sabendo disso, por que não comportar todos esses aspectos, tão próprios, em um único diploma legal. Melhor seria para a sociedade, que tanto sofre por não conhecer seus direitos (talvez por estarem todos sortidos em inúmeros Códigos, Leis, Estatutos, Decretos e etc.), e também para os operadores do Direito, que na difícil missão de interpretar a lei para cumprir sua função constitucional, ainda sofre pela péssima disposição da lei.

Toda uma evolução legal, relativa a adoção ocorreu ao longo dos tempos, o que ocasionou a elaboração, aprovação e vigência da Lei nº. 12.010/09, a qual alterou a natureza e o teor dos artigos do Código Civil de 2002 que diferenciava timidamente a adoção de menores da de maiores e, ainda, regrediu quanto a está última, pois suprimiu da lei o seu procedimento.

Vale ressaltar que o estudo possui caráter extremamente técnico, não tendo por objetivo julgar ou denegrir o comportamento do legislador, apenas propor uma maior observância do tema para melhor atender os anseios sociais e respeitar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e do Melhor Interesse.

[1] RECURSO ESPECIAL Nº 1.106.637- SP (2008/0260892-8). Superior Tribunal de Justiça

“Direito civil. Família. Criança e adolescente. Adoção. Pedido preparatório de destituição do poder familiar formulado pelo padrasto em face do pai biológico.

Legítimo interesse. Famílias recompostas. Melhor interesse da criança. O alicerce, portanto, do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre o padrasto e a criança, em decorrência de ter formado verdadeira entidade familiar com a mulher e a adotanda, atualmente composta também por filha comum do casal. Desse arranjo familiar, sobressai o cuidado inerente aos cônjuges, em reciprocidade e em relação aos filhos, seja a prole comum, seja ela oriunda de relacionamentos anteriores de cada consorte, considerando a família como espaço para dar e receber cuidado.

Sob a tônica do legítimo interesse amparado na socioafetividade, ao padrasto é conferida legitimidade ativa e interesse de agir para postular a destituição do poder familiar do pai biológico da criança.

Nada há para reformar no acórdão recorrido, porquanto a regra inserta no art. 155 do ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECAfoi devidamente observada, ao contemplar o padrasto como detentor de legítimo interesse para o pleito destituitório, em procedimento contraditório.Recurso especial não provido.” ( BRASIL, 2008)

[2] A denominação, adoção “à brasileira” ou simulada, consiste em uma criação jurisprudencial para se referir ao ato de um casal registrar filho alheio, recém-nascido, como próprio, mediante o consentimento da mãe. Muito embora na esfera criminal tal prática enquadrasse na modalidade de crime de falsidade ideológica, o juiz absolvia os casais por não entender existir dolo. No mesmo sentido era o entendimento na esfera cível, pois o juiz não exigia o cancelamento do registro de nascimento, pois entedia ser uma adoção simulada. (GONÇALVES, 2008).

  • FAMÍLIA . ADOÇÃO. MAIORES DE IDADE

Referências

REFERÊNCIAS

  

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Priscila Tito Garcia

Escritório de Advocacia - Belo Horizonte, MG


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