O Direito de Representação: filho de pai pré-morto tem direito à herança do avô?


20/08/2016 às 00h14
Por Rafael Morozeski

1 - INTRODUÇÃO

É muito comum na vida termos que lidar com o falecimento de algum parente, amigo ou colega próximo. Assim, o Direito das Sucessões vem regulado no Código Civil de 2002 no Livro V, a partir do Art. 1.784 e seguintes. Pode-se dizer que o direito das sucessões tem como base um fundamento constitucional, tendo em vista que busca conjugar regras do direito de família em conjunto com o direito de propriedade, ou seja, visa a transmissão do patrimônio do de cujus (falecido/autor da herança) para os seus herdeiros, isto é, para as pessoas instituídas pelo de cujus ou pela presunção que decorre da vontade do de cujus. Assim, veremos brevemente e de forma bem objetiva, conforme o título do artigo sugere, se o filho de um pai que morreu antes do avô possui direto ou não de uma herança que o avô deixou!

2 - O PRINCÍPIO DA SAISINE E O INVENTÁRIO

A saisine é um instituto do Direito das Sucessões, estampado no artigo 1.784 do Código Civil, consistente em uma ficção jurídica que proporciona aos herdeiros a posse indireta do patrimônio deixado causa mortis pelo falecido (1). Através do princípio da saisine, no momento que o sujeito morre, seu patrimônio passa imediatamente aos seus herdeiros. No entanto, essa transferência não é definitiva, ainda é necessário se abrir um inventário para que ocorra de fato a partilha dos bens entre os herdeiros. Conforme Art. 1.784 do Código Civil de 2002, "Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Isso significa que, independente de qualquer ato do herdeiro, a transmissão do patrimônio vai ocorrer, mas essa transferência será apenas da posse indireta dos bens, não havendo qualquer direito de propriedade ainda.

Até o inventário e a partilha, a propriedade do de cujus é indivisível. Será transmitida (toda ela) imediatamente a todos os herdeiros de forma indivisível. Deste modo, podemos dizer que até que ocorra o inventário e a partilha, se aplica ao espólio (conjunto do patrimônio deixado pelo falecido) as regras do Condomínio previstos no próprio Código Civil.

Importante ressaltar que, no Novo Código de Processo Civil, em seu Art. 611, traz o prazo em que deve-se iniciar o procedimento de inventário, que pode ser judicial (caso haja litígio ou pessoas incapazes ou menores como herdeiros) ou extrajudicial (desde que não tenha menores, incapazes, nem haja litígio quanto aos bens, sendo este o mais célere). Assim, o referido artigo traz que: "O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte", e quanto ao local para se dar início, conforme art. 1.785, do Código Civil, "a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido".

Sabe-se que o momento de óbito de uma pessoa próxima é uma ocasião de lamentações, e muitos acabam deixando o prazo correr por evitarem tocar no assunto já que poderiam ser indicados como insensíveis, mas a verdade é que quanto mais cedo der início ao processo de inventário, não terá encargos maiores posteriormente. Ao se iniciar o procedimento, é necessário pagar alguns impostos, dentre eles o ITCMD, que geralmente é de até 4% sobre o valor do patrimônio a ser transmitido. Ao ultrapassar o prazo de 2 meses para a abertura do inventário, a maioria dos estados brasileiros instituem uma multa pelo início do inventário após o prazo legal, tendo alguns deles instituído multas de até 20% sobre o valor do ITCMD caso abra o inventário após 180 dias, por exemplo.

3 - DA SUCESSÃO LEGÍTIMA: A VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DO FILHO DO PAI PRÉ-MORTO AO AVÔ.

A vocação hereditária é a aptidão para ser herdeiro. O Código Civil, em seu Art. 1.845 traz que "são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge". Ao falecer alguém e ser aberta a sucessão e iniciado o inventário, caso o falecido não tenha conjugê mas tenha deixado apenas descendentes, estes irão herdar como herdeiros descendentes. Assim, por exemplo, se João morre, não tem conjugê, e é pai de uma filha e um filho, a filha herdará 50% e o filho os outros 50%. Mas atenção, isso é uma das hipóteses mais simples.

Não nos cabe aqui entrar em todos os modelos de ordem sucessória, mas sim quanto a possibilidade de o neto do avô que morreu ter direito à herança deste, sendo que o seu pai (filho de seu avô) teria morrido antes. Sendo assim, conforme o art. 1.829, do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Vemos que pelo inciso I, a ordem inicía-se pelo descendente. Em nosso exemplo, em que João faleceu e não deixou conjugês, apenas os descendentes irão herdar, pois na ordem de vocação prevista no artigo acima, os únicos que os descendentes concorrem (disputam a herança) é o conjugê. Assim, para efeito de compreensão, somente iria-se passar para o inciso II do artigo acima (ascendentes em concorrência com cônjuge), se não houvessem nenhum dos descendentes (filhos) vivos.

Ocorre que, na hipótese em que João morre em 2016, tendo tido uma filha (chamada Maria) e um filho (chamado José), mas que na realidade José teria morrido em 2014, ocorrerá o instituto da pré-morte e do direito de representação, ou seja, quando um herdeiro legítimo na linha descendente morreu antes do autor da herança. Nessa situação, consoante Art. 1.851 do Código Civil, "Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse". Isso significa que acontecendo o falecimento de João, mas que José, seu filho, já havia falecido antes, os filhos que José tinha entrarão na herança como representantes de seu pai, ou seja, os netos de João herdarão sua herança na qualidade de representantes de José em concorrência com Maria (tia deles).

Nesta situação, a conjugê de José não teria direito à herança de João, pois José morreu antes de João, encerrando a união de casamento com José antes mesmo de ser aberta a sucessão de João. O Direito de Representação significa o chamamento ao processo de inventário de pessoas que representam alguém que teria direito à herança se estivesse vivo. Mas atenção, conforme Art. 1.854 do Código Civil, "os representantes só podem herdar, como tais, o que herdaria o representado, se vivo fosse". Assim, se José teria direito a 50% do patrimônio de João seu pai, os filhos de José, caso sejam dois, cada um receberá 25%.

4 - CONCLUSÃO

Diante dos artigos e exposições demonstradas, conclui-se que mesmo que um pai tenha morrido antes do avô, ainda é possível o neto receber a herança do avô, devendo ser incluído todos os herdeiros devidos a fim de que seja realizado no processo de inventário a partilha de forma correta, recebendo cada um o seu quinhão devido. Para isso, deve-se seguir os procedimentos previstos no Novo Código de Processo Civil, do art. 610 aos seguintes.

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  • Herança
  • Vocação Hereditária
  • Saisine
  • Estirpe

Referências

(1) DA SILVA, Rodrigo Alves. A fórmula "saisine" no Direito Sucessório. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23156/a-formula-saisine-no-direito-sucessorio>.


Rafael Morozeski

Advogado - Vitória, ES


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