Ata notarial como meio de prova e o documento eletrônico


24/01/2022 às 22h28
Por Rodrigo Urias Advogado

Dicas fazem parte da nossa preparação para nos resguardar de situações futuras que possam nos gerar prejuízo. Então, é relevante saber como usar a ata notarial como meio de prova e da mesma forma, como utilizar a captura de tela (printscreen), uma prova eletrônica, com segurança e totalidade de sua força probante.

 

A Ata notarial

 

Inicialmente, é necessário entender o que é o instrumento da ata notarial. É um documento físico lavrado por tabelião público. Pode ser conceituada como “instrumento público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento”[1]. Também é conceituada da seguinte forma por seu idealizador, sendo “a descrição, por tabelião, de fato por ele verificado, que passa a ter a presunção de verdadeiro para todos os efeitos, em juízo ou fora dele”[2].

O procedimento de verificação para que seja atestada claramente descrito por Marcus Vinicius Rios Gonçalves[3]:

Para que o tabelião possa atestá-lo, é necessário que ele tenha conhecimento do fato. Por isso, será necessário que ele o verifique, o acompanhe ou o presencie. Ao fazê-lo, deverá descrever o fato, apresentando as circunstâncias e o modo em que ele ocorreu, com as informações necessárias para que o fato seja esclarecido. A ata notarial não é a atestação de uma declaração de vontade, como são as escrituras públicas, mas de um fato cuja existência ou forma de existir é apreensível pelos sentidos (pela visão, pela audição, pelo tato etc.)

Desta forma, por se tratar de um documento que comprove a existência de um fato, baseada na fé pública do notário, presume-se sua veracidade.

 

Ata notarial como meio prova

 

No atual Código de Processo Civill, é disciplinada como meio de prova, tornando-se uma prova típica (diferente como era no Código de Processo Civil de 1973):

Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

O caput do artigo apresenta claramente o conceito do instrumento da ata notarial e abrange a possibilidade de registrar informações de dados eletrônicos, onde estes devem ser acessados pelo notário, a fim de cumprir os requisitos de verificação do fato pelos sentidos.

Semelhantemente a prova documental, existem limitações previstas à ata notarial, não admitindo a elaboração do instrumento se o notário for impedido, nos termos do artigo 27 da Lei 8.935/94 e, em caso de incompetência do notário ou se não forem observadas as formalidades essenciais, a ata terá seu valor probatório reduzido, conforme expressa o artigo 407 do Código de Processo Civil.

 

Utilização estratégica da ata notarial

 

Após a contextualização do instrumento da ata notarial pode-se apresentar as formas para sua aplicação, que são múltiplas, sendo em alguns casos, essencial a sua utilização. Podem ser exemplos de aplicação para verificação de imóvel e sua situação, para reuniões de condomínio, para comprovar realizações de diligências, para comprovar conteúdo de reuniões empresariais e de sócios, para a verificação de bem móvel comprovando seu estado e, as principais que são os focos deste artigo: atestar conteúdo de internet e correspondências eletrônicas (e-mails).

Deve-se questionar. Porque do uso deste instrumento para comprovar a existência deste conteúdo eletrônico?

Tratando-se de documentos eletrônicos, as informações divulgadas na rede de internet, seja por site e redes sociais ou por correspondência eletrônica podem ser perdidos, apagados ou alterados, não existindo uma confiabilidade nestas informações sem uma verificação técnica.

Normalmente, faz-se uso de provas como captura de telas destas informações, onde o conteúdo original pode ser apagado pelo criador, da mesma forma que pode ser alterado, não existindo a confiabilidade da utilização destes meios de provas documentais.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web, pela dificuldade de encontrar vestígios de ocultação de mensagens ou pela falsificação das conversas, conforme RHC 79.848, “as mensagens obtidas por meio do printscreen da tela de ferramenta WhatsApp Web devem ser consideradas provas ilícitas e, portanto, desentranhadas dos autos”.[4]

Da mesma forma, os Tribunais acompanham este entendimento em alguns casos:

Transporte aéreo internacional de passageiro. Ação de reparação de danos. Atraso de voo inicial, com decolagem na Colômbia, ocasionando perda de conexões e demora de dezessete horas no horário previsto para a chegada ao Brasil. Autora que, além disso, tece de aguardar durante oito horas a decolagem do voo para Brasília, sem qualquer assistência prestada pela ré. Dano moral configurado. Montante da reparação que não comporta alteração. Cumpria à ré demonstrar a existência das propaladas condições climáticas adversas. No entanto, não se desincumbiu desse ônus, porquanto a simples captura de imagem reproduzida na tela do computador (printscreen) não é suficiente à comprovação de que a decolagem era impossível na data e horário previamente agendados. (...)

(TJ-SP – APL: 10349557820168260002 SP 1034955-78.2016.8.26.0002, Relator: Sandra Galhardo Esteves, Data de Julgamento: 21/06/2017, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2017).

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO – Sentença de improcedência – Recurso do autor – Ausência de comprovação de legitimidade do débito subjudice – Contrato não apresentado – Empresa ré que se limitou a apresentar capturas de tela de seu sistema interno que não têm o potencial de provar a efetiva contratação dos serviços pelo consumidor – Sentença reformada – RECURSO PROVIDO.

(TJ-SP – AC: 10454491120178260602 SP 1045449-11.2017.8.26.0602, Relator: Spencer Almeida Ferreira, Data de Julgamento: 05/02/2020, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/02/2020).

FAMÍLIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. MEDIDA EXCEPCIONAL QUE SÓ SE JUSTIFICA EM SITUAÇÃO DE RISCO. AUSÊNCIA DE PROVAS. NECESSIDADE DE MAIOR DILAÇÃO PROBATÓRIA. MUDANÇAS CONSTANTES QUE PODEM GERAR INSTABILIDADE E PREJUDICAR O DESENVOLVIMENTO DO MENOR. RECURSO DESPROVIDO. A busca e apreensão de menor constitui medida grave e é justificável apenas quanto apoiada a risco de violência ou abuso – Hipótese em que a guarda exercida é a compartilhada e a recorrente se limitou a juntar aos autos capturas de tela que demonstram troca de mensagens entre as partes, as quais não têm o condão de comprovar, ao menos nesse momento processual, que o agravado estaria obstando o relacionamento da genitora com o menor. Ainda, não demonstrou a agravante que o menor que está sob os cuidados do pai estaria sob risco de sofrer qualquer dano de ordem física ou moral que justificasse medida tão grave quanto a de busca e apreensão da criança.

(TJ-MG – AI: 10000210438966001 MG, Relator: Alberto Vilas Boas, Data de Julgamento: 24/08/2021, Câmaras Cíveis/1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/08/2021)

Por certo, este é o início de um movimento jurisprudencial iniciado pelo STJ que em determinados casos, somente a existência de printscreen sobre os fatos não é um conjunto probatório totalmente proveitoso. Logo, caso não exista complementação probatória, o printscreen por si só, atualmente e em determinados casos não tem força probatória por sua difícil verificação de vericidade.

Então, qual a aplicabilidade da ata notarial para gerar uma prova confiável?

Apesar do artigo 369 do Código de Processo Civil determinar que a prova pode ser representada por qualquer meio legal apto a demonstrar a verdade dos fatos alegados, à vezes em que, por não ter conhecimento técnico de uma utilização de método científico (exemplo da norma técnica forense ISO 27037[5]) é juntado somente o printscreen como meio de prova, seguindo as determinações legais do código.

Entretanto, a força probatória do documento fica prejudicada, visto que não é corretamente certificado, conforme determina o artigo 411, inciso II do Código de Processo Civil.

Aqui encontra-se a dica! O melhor jeito de conseguir a força probante de uma prova eletrônica é a utilização da ata notarial, registrando além do printscreen, algum metadado técnico, como o código-fonte (HTML) do site, visto que nele contém toda a descrição do site, não podendo ser alterada.

Portanto, no momento do registro da ata notarial, devem ser apresentados ao notário, não em printscreen, mas em conteúdo de busca na rede social ou na internet o que será utilizado com prova em conjunto com algum metadado técnico, sendo o mais fácil de se encontrar o código-fonte do site.

É necessário relembrar que em âmbito cível, a utilização de printscreen como provas sem a apresentação de seu complemento probatório, não prejudicam sua força probatória caso não seja impugnado, sendo presumida prova válida conforme artigo 225 do Código Civil.

Todavia, ocorrendo a impugnação desta prova, fica clara sua fragilidade, visto que, somente a utilização de perícia poderia comprovar a veracidade do fato apresentado como prova eletrônica (mas somente se o conteúdo continuar a existir na rede de internet - lembrar que podem ser alterados ou apagados). Com a confirmação de veracidade pela fé pública do notário, fica mais fácil comprovar a validade do documento, por tornar-se um instrumento público.

Consequentemente, a dica do uso da ata notarial é uma estratégia para comprovar a veracidade de uma prova eletrônica através da fé pública de um notário. Isso não quer dizer que a prova não é passível de impugnação ou de que seja realizada a perícia, porém, para decisões de tutela, é um bom instrumento e traz uma confiabilidade ao fato apresentado para assegurar o conjunto probatório apresentado junto a demanda.

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Referências

 

AZEVEDO, Bernardo de. Bernardodeazevedo, 2021. Print screen serve como prova judicial?. Disponível em: https://bernardodeazevedo.com/conteudos/print-screen-serve-como-prova-judicial/ . Acessado em 04 de janeiro de 2022.

CREUZ, Luís Rodolfo Cruz e. Migalhas, 2015. Atas notarias - conceitos e aplicações. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/231397/atas-notarias---conceitoseaplicacoes . Acessado em 04 de janeiro de 2022.

Marioni, Luiz Guilherme. Código de processo civil comentado (livro eletrônico) Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitideiro. 7ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

OLIVEIRA, Vinicius Machado de. Academia de Forense Digital, 2019. ISO 27037 Diretrizes para identificação, coleta, aquisição e preservação de evidência digital. Disponível em: https://academiadeforensedigital.com.br/iso-27037-identificacao-coleta-aquisicaoepreservacao-de-evidencia/ . Acessado em 04 de janeiro de 2022.

RODRIGUES, Felipe Leonardo. Migalhas, 2005. Ata notarial e sua eficácia na produção de provas com fé pública do tabelião no ambiente físico. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/14111/ata-notarialea-sua-eficacia-na-producao-de-provas-com-fe-pública-do-tabeliao-no-ambiente-fisico . Acesso em 04 de janeiro de 2022.

Sexta Turma reafirma invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web. Superior Tribunal de Justiça, 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Sexta-Turma-reafirma-invalidade-de-prova-obtida-pelo-espelhamento-de-conversas-via-WhatsApp-Web.aspx . Acessado em 04 de janeiro de 2022.

URIAS, Rodrigo da Silva. Jusbrasil, 2022. Ata notarial como meio de prova e o documento eletrônico, Disponível em: https://rodrigosurias.jusbrasil.com.br/artigos/1347786863/ata-notarial-como-meio-de-prova-e-o-documento-eletronico. Acessado em 24 de janeiro de 2022.

[1] BRANDELLI, Leonardo. Ata Notarial. In: BRANDELLI, Leonardo (coord.). Ata notarial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004, p. 44.

[2] POISL, Carlos Luiz. Idealizador da ata notarial na Lei 8.935/94.

[3] Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil/Marcus Vinicius Rios Gonçalves. / coord. Pedro Lenza. 12ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 820.

[4] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Sexta-Turma-reafirma-inva...

[5] A ISO 27037 é norma técnica que determina um padrão para identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências forenses digitais.


Rodrigo Urias Advogado

Advogado - Passos, MG


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