Execução Provisória da Pena Privativa de Liberdade e Presunção de Inocência: uma análise a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal


28/11/2018 às 22h23
Por Sá, Brito & Castro Advogados

1.      INTRODUÇÃO

 

O princípio da presunção de inocência inserido, inicialmente, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1798, em seu art. 9º - e que veio a ser discutido posteriormente em outros tratados e convenções internacionais - demonstra a preocupação dada à efetividade dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo dentro do processo penal, buscando proteger o acusado da atuação desmedida do Estado, para evitar que ele acabe sendo submetido a uma sanção que só deveria ser aplicada, em verdade, aos culpados.

É nesse passo que o supracitado princípio – inserido expressamente na Constituição Federal de 1988 – representa um dever de tratamento do julgador em relação ao acusado, na medida em que deve tratá-lo como se inocente fosse, até o trânsito em julgado da sentença penal, impossibilitando, assim, qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade, bem como visa passar o ônus da prova à acusação e determinar que seja realizada análise pelo magistrado, no concernente à suficiência da prova, para afastar ou não o status de inocente do réu.

Não obstante, em recentes discussões acerca da possibilidade de execução provisória da pena, por meio, por exemplo dos Habeas Corpus 126.292 SP e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em acórdão proferido, alterou o entendimento dominante, que vigorava desde o ano 2009, passando a admitir que a prisão, decorrente de pena, de condenação, fosse executada a partir da confirmação da sentença em juízo de segundo grau.

Ocorre que, pela literalidade do artigo 5º, LVII, da CF/88, não é possível aplicar a prisão-pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o que se permite é a aplicação de prisões cautelares, como a preventiva, durante a persecução penal. Logo, diversas críticas foram feitas à aludida decisão.

Acalorando ainda mais as discussões acerca do assunto, no ano de 2017, o judiciário se deparou com denúncias em desfavor do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, por diversos crimes, sendo proferida sentença condenatória por juiz singular, e posterior confirmação da condenação em sede de juízo de apelação, já em 2018.

Diante deste cenário, o judiciário brasileiro se deparou com a situação de aplicar o entendimento prolatado pelo Plenário da Corte Constitucional Brasileira em 2016, a um ex Chefe de Estado/Governo, levando mais uma vez a discussão ao STF, por meio do Habeas Corpus 152752.

Mais uma vez, o Plenário negou por maioria dos votos (6x5) a ordem, confirmando a jurisprudência do tribunal, de que a execução provisória da pena privativa de liberdade não viola a presunção de inocência.

Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo geral tratar como o princípio da presunção de inocência é afetado pela atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Como objetivos específicos, têm-se os estudos acerca da execução provisória da pena privativa de liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, em controvérsia a princípios e dispositivos constitucionais e também legais, vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, discutindo ainda questão referente a atuação do STF no que cerne ao ativismo judicial das questões processuais penais.

 Além disso, objetiva-se ainda um estudo acerca das prisões cautelares, com ênfase a prisão processual conhecida como preventiva, tecendo ainda comentários sobre as espécies de prisões cautelares conhecidas como prisão em flagrante e prisão temporária, a nível de complementação do trabalho.

Para tanto, inicia-se com a seguinte problemática: como a presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade é afetada pelo atual posicionamento do STF?

Diante da relevante e calorosa discussão jurídica do assunto debatido no presente trabalho de conclusão de curso, importante levar-se em consideração os diferentes posicionamentos sobre o assunto, seja no meio jurisprudencial ou mesmo através de juristas e doutrinadores do direito.

Será utilizado como embasamento teórico, levando-se em conta a atualidade e importância do tema, bem como a escassez de doutrinas específicas que discorram sobre o assunto, especialmente, as obras de Aury Lopes Jr., Gustavo Henrique Badaró, Guilherme de Souza Nucci, Renato Brasileiro de Lima, Maurício Zanóide de Moraes, Ada Pelegrinni Grinover, Elival da Silva Ramos, entre outras, todas ao final referenciadas.

Posto isso, trata-se, a presente monografia, de pesquisa exploratória com o uso da técnica de pesquisa bibliográfica, embasada em obras doutrinárias, artigos científicos e jurisprudências sobre o tema, com o objetivo de proporcionar maior familiaridade com a problemática advinda da decisão do Supremo Tribunal Federal, bem como explicar de que maneira se dá a aplicação da presunção de inocência no processo penal e se é possível relativizá-la.

Será utilizado o método de abordagem dedutivo, que se propõe a resolver os problemas partindo de uma ideia geral para, ao fim, chegar-se a conclusões particulares a respeito do tema proposto.

Sendo assim, a monografia será estruturada com a formulação de três capítulos principais, destinados a analisar os princípios constitucionais e processuais penais, com ênfase ao princípio da presunção de inocência e a sua aplicação no processo penal para possibilitar ou não a execução da pena após acórdão condenatório proferido em segunda instância.

Inicialmente, o primeiro capítulo deve descrever os princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, tidos como regente, como o princípio da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal. Assim, como será apresentado princípios corolários ao devido processo legal, como duplo grau de jurisdição, contraditório, ampla defesa e presunção de inocência.

Posteriormente, no segundo capítulo, apresentar-se-á o intuito da prisão no processo penal brasileiro, discernindo a prisão-pena, da prisão processual, e suas espécies, com ênfase a prisão processual preventiva.

 No último capítulo, será realizada, primeiramente uma síntese sobre a influência do ativismo judicial nas posições processuais penais do Supremo Tribunal Federal, e posteriormente, composição acerca da jurisprudência da Corte Constitucional Brasileira quanto a execução provisória da pena privativa de liberdade, apresentando os caminhos da STF após a Constituição de 1988 e os argumentos favoráveis e desfavoráveis, apontados pela doutrina, juristas e jurisprudência acerca da temática central.

 

 

2.      PRINCÍPIOS E GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS

 

2.1  Noção de princípio

 

Inicialmente, se faz necessário uma abordagem acerca da definição de princípio, suas aplicabilidades e importâncias no contexto de um ordenamento jurídico.

Isso porque, para tratarmos sobre os pilares das garantias constitucionais e processuais penais se faz indispensável entendermos o papel dos princípios como normas gerais, norteadoras de um sistema cercado por situações conflitantes.

Assim mesmo podem ser considerados os princípios, a partir de uma divisão jurídico-doutrinária desenvolvida por Robert Alexy (2009), em sua teoria dos direitos fundamentais (tradução), e Ronald Dworkin, em Levando os direitos a sério (tradução) (2002), ao considerar o conjunto de normas divisíveis entre “normas-princípios” e normas-regras”.

Dworkin (2002) considera a que as regras jurídicas possuem apenas dimensão de validade, ou seja, ou valem e por isso são aplicáveis em sua inteireza, ou não valem e não são aplicáveis.

Por isso, segundo Dworkin (2002), imprescindível a existência dos princípios jurídicos, os quais possuem além de dimensão de validade, dimensão de peso.

Alexy (2009) considera os princípios jurídicos como normas aplicáveis diante das mais variadas possibilidades fáticas e jurídicas possíveis, por isso os considera como mandamentos de otimização.

Substancialmente, as normas-princípios, ou somente princípios, são assim consideradas normas que norteiam um ordenamento jurídico, em que de forma generalizada tem por finalidade envolver várias situações e resolver diversos problemas.

Ao envolver diversas situações, muitas vezes surgem conflitos entre princípios, ocasião em que se faz necessário ponderá-los, colocá-los “na balança” e decidir qual possui maior relevância para determinada situação em concreto, através do princípio da proporcionalidade.

Isso porque, os princípios não seguem o tratamento do “tudo ou nada” estabelecido pelas normas-regras, em que há o afastamento total de uma norma conflitante em relação a outra.

No contexto do ordenamento jurídico brasileiro, os princípios são divididos em constitucionais expressos ou implícitos e também princípios infraconstitucionais, aqueles que surgem a partir do poder legiferante da ordem legislativa brasileira. (NUCCI, 2015).

Os princípios constitucionais, expressos ou implícitos, assim possuem maior relevância do que os princípios infraconstitucionais, visto estarem previstos na Carta Maior que visa a ordem e o Estado Democrático de Direito, tendo estes, inclusive, que estarem em conformidade com a Constituição Federal quando da sua elaboração, sob risco de inconstitucionalidade ou mesmo (in)convencionalidade, quando se trata de tratados internacionais.

Trata-se da graduação da ordem dos princípios, estando a legislação ordinária ou complementar submetida aos princípios constitucionais ou mesmo legais.

Assim, conforme leciona Nucci (2015, p.27) “em qualquer situação, os princípios constitucionais e infraconstitucionais coordenam o sistema normativo, não podendo ser afastados para dar lugar à aplicação de qualquer norma específica da legislação ordinária”.

Logo, a partir do levantamento acerca do tratamento conceitual dos princípios, passamos a análise das principais normas regentes relacionadas a discutida execução provisória da pena privativa de liberdade.

 

2.2  Dos Princípios Regentes           

 

2.2.1 Da dignidade da pessoa humana

 

O princípio da dignidade da pessoa humana possui um caráter muito abrangente e muitas vezes de difícil conceituação doutrinária. Isso porque, caracteriza-se por ser a base constitucional dos demais princípios, e que possui como principal objetivo a garantia ao mínimo existencial.

A dignidade da pessoa humana é marcada pela abrangência entre os direitos e garantias fundamentais, pois assim a Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso III[1], o estabeleceu como um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, possuindo caráter pré-constituinte e de hierarquia supralegal. (COELHO, 2008, apud NUCCI, 2015, p.29). 

Segundo Bulos (2015, p.513), “a dignidade da pessoa humana possui como conteúdo jurídico às liberdade públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais”.

Tal princípio manifesta-se como um dever do Estado em assegurar mínimas condições de vida, saúde, moradia, segurança, trabalho, liberdade, propriedade, direitos esses individuais preservados no art. 5º da Constituição Federal[2].

No que tange ao processo penal, a dignidade da pessoa humana manifesta-se como corolário as normas e garantias do indivíduo e também como precursor de uma forma que a acusação, a defesa e o juiz devem atuar diante da infração a um tipo penal incriminador e o surgimento do poder-dever de punir do Estado.

Exemplo disso tem-se com a ampla defesa, o devido processo legal e o princípio do juiz imparcial.

Tais princípios, junto a outros, são justamente o que asseguram uma dignidade da pessoa humana, pelo menos teoricamente, pois, de forma superficial, possibilitam as partes, mais especificamente a defesa, a participar de todos os atos processuais, com direito a se manifestar em relação as provas obtidas em seu desfavor, asseguram todo um caminho processual a ser seguido, sob pena de nulidades e sob a ótica de um juízo acusatório.

Outro princípio que se adequa perfeitamente como um desdobramento da dignidade da pessoa humana é o princípio da presunção de inocência, ao adotar que ninguém deverá ser considerado culpado até que se tenha uma decisão condenatória transitada em julgado, restando assim, segundo Lopes Júnior (2016, p.96) um “dever de tratamento do indivíduo”.

Portanto, durante a persecução penal, a acusação exerce a função de colher provas sob a figura do Ministério público, representante do Estado, como titular privativo da ação penal pública (art.129, I, CF)[3], que, amparado por diversas prerrogativas, acaba exercendo o lado mais forte da relação processual.

Neste ponto, Nucci (2015) reforça a ideia de dignidade da pessoa humana como princípio precursor da relação processual, na medida em que a defesa como parte mais vulnerável muitas vezes não consegue ser a mais eficiente possível.

Seja por falta de condições econômicas/financeiras de um réu que não consegue contratar bons advogados que o acompanhe desde os primórdios da investigação criminal, e que muitas vezes não tem conhecimento do decorrer e das consequências que um processo criminal pode acarretar ou mesmo, pela deficiência no apoio as Defensorias Públicas, quando comparadas a organização nacional do Ministério Público. (NUCCI, 2015).

Assim, com violações a direitos e garantias fundamentais, a dignidade da pessoa humana tem sofrido lesões, muitas vezes irreparáveis, sob um sistema onde a formalidade supera a realidade.

Exemplo disso, na jurisprudência se tem em relação a dignidade da pessoa humana e a prisão cautelar abusiva. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento de que a prisão prolongada, abusiva e irrazoável de alguém, ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana (STF, 2010).

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana, quanto a persecução penal, envolve direitos e garantias fundamentais como vida, liberdade, propriedade, devendo haver um esforço da ordem pública em preservar tais postulados, sob o risco da manutenção de um processo vicioso e injusto.

 

2.2.2 Do devido processo legal

 

Historicamente, o devido processo legal teve por objetivo impor limites a atuação do Estado perante a sociedade, estabelecendo critérios para que fosse possível o Estado adentrar em direitos individuais ou coletivos.

Na Magna Carta de 1215 (Inglaterra), durante a época autoritária, o devido processo legal já se manifestava através da expressão “by the lay of the land” (lei da terra), em que assegurava que “nenhum homem pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgamento de seus pares ou pela lei da terra”.

 Tal postulado impedia que o rei, por livre aversão, tomasse a propriedade ou mesmo tirasse a liberdade de um indivíduo sem se encontrar amparado por uma reserva legal, sendo posteriormente substituída pela célere expressão “due processo of law”,

Atualmente, com a Constituição Federal de 1988, o devido processo legal, previsto no art 5º, LIV, não possui significado diferente, ao garantir que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL,1988).

No entanto, o devido processo legal vai além do que uma segurança a liberdade ou a propriedade, sendo considerado, segundo Bulos (2015, p.685), “como um sobreprincípio, sendo o fundamento sobre o qual todos os demais princípios repousam”.

Mas o que seria o devido processo legal? Quais a sua atuação e seus limites dentro da persecução processual penal?

Constitucionalmente, o devido processo legal é definido, segundo Bulos (2015, p.686), como um “meio de manutenção dos direitos fundamentais”.

 Ou seja, para o autor, tal princípio funciona como principal garantidor da ordem e do estado democrático de direito em relação a matéria e ao processo, possuindo como corolários normas regentes que se atendidas, asseguram um processo em conformidade com o ordenamento jurídico.

Apesar de a Constituição Federal falar em “liberdade” e “propriedade”, o devido processo legal deve ser entendido amplamente, como segurança a inviolabilidade à vida, a privacidade, o direito de locomoção, a legalidade, entre outros, possuindo então como limite os direitos e garantias individuais previstos na Constituição. (BULOS, 2015).

Do ponto de vista processual penal, tais questionamentos são respondidos pela doutrina, a citar Nucci (2015), dividindo-lhe em dois aspectos: o lado substantivo (material) do Direito Penal, e o lado procedimental (processual), do Processo Penal.

O devido processo legal se destaca materialmente com a segurança aos princípios penais, encaixando-se perfeitamente a legalidade penal. (NUCCI, 2015).

Assim, o devido processo legal é substancialmente entendido como um macro princípio que abrange a legalidade e também os demais princípios penais como a taxatividade, anterioridade, retroatividade benéfica, proporcionalidade, entre outros.

Sob o aspecto processual, o devido processo legal também se mostra como um resultado de uma segurança aos princípios processuais penais, como a ampla defesa, o contraditório, o juiz imparcial, a publicidade, entres outros.

Deste modo, no transcorrer da investigação criminal até os fins da ação penal, o devido processo legal segue um caminho de formalidades, de garantias penais e processuais penais que se violadas, são objeto das nulidades processuais, sendo necessário a demonstração de prejuízo ou não.

Frisa-se importante discussão em relação a aplicabilidade do devido processo legal durante a investigação criminal, onde ainda não se tem a concretização de um processo.

No entanto, apesar de se tratar de um procedimento administrativo, informal ou mesmo dispensável, o inquérito policial já lida com direitos e garantias individuais.

Isso porque, apesar de não haver a predominância e obrigatoriedade de uma ampla defesa, um contraditório ou publicidade durante a investigação criminal, pois são princípios aplicáveis ao processo, não significa dizer que todos os princípios processuais penais deixam de ser aplicáveis a fase pré-processual, inexistindo devido processo legal. (NUCCI, 2015).

Pelo contrário, pois desde a investigação criminal a autoridade policial deve estar adstrita a legalidade penal, onde “não há crime sem prévia lei anterior”, junto a taxatividade ou o caráter de ultima ratio do direito penal.

Desde já podem surgir indícios razoáveis de uma autoria e materialidade que permitam uma prisão cautelar, por exemplo, ou que forçam uma privação de liberdade sem os requisitos legais.

Há ainda possibilidade de representação da autoridade policial pela intercepção telefônica do investigado, ou mesmo busca e apreensão de bens, instrumentos esses que, se concedidos sem a estrita formalidade que exige a legalidade estrita, acarreta violações a direitos individuais como a privacidade e a propriedade.

Ora, se há na fase pré-processual possibilidade de violações a direitos e garantias individuais, manifesta-se claramente não só a possibilidade do devido processo legal mas sim a sua exigência indispensável durante a realização de tal procedimento.

Portando, não sendo esgotados todos os fundamentos do devido processo legal, porém mencionando-se os principais conceitos e aplicações, passamos à análise dos próximos princípios, corolários ao devido processo legal, como o duplo grau de jurisdição, o contraditório e ampla defesa, duração razoável do processo, e a presunção de inocência, o qual será dado maior enfoque.

 

2.3 Princípios corolários ao devido processo legal

 

2.3.1 Do duplo grau de jurisdição

 

O duplo grau de jurisdição mostra-se como um princípio constitucional implícito, cujo principal objetivo é a reanálise pelo poder judiciário, por um órgão colegiado, hierarquicamente superior, de uma causa anteriormente discutida, em sede de recurso.

Porém, mais do que isso, o duplo grau de jurisdição manifesta-se como verdadeiro instrumento de inconformismo por uma decisão prolatada em desfavor da parte que recorre, ou mesmo que a favor, porém não nos mesmos termos requeridos, originária de uma pretensão não concedida ou mesmo de uma decisão passível de erros.

Assim, o duplo grau de jurisdição pode ser considerado mais do que uma devolução a um órgão hierarquicamente superior ao que proferiu a decisão discutida, mas sim uma questão de reanálise, que inclusive pode ser realizada pelo próprio órgão, como no caso dos embargos infringentes, porém, com um número maior de julgadores.

Esse princípio é considerado implícito pois, conforme explica Nucci (2015) não há na Constituição Federal menção expressa a sua existência, porém, a sua inserção constitucional deve-se a expressa previsão na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, item 2, h)[4] em combinação com o art. 5º, parágrafo segundo, da Constituição cidadã[5], ao prevê a aplicabilidade de outros direitos e garantias e também princípios oriundos de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, como direito fundamental.

Entretanto, a possibilidade de reanálise das decisões judicias é prevista na Constituição Federal, como por exemplo no caso de denegação da ordem de Habeas corpus em tribunal, a possibilidade de recurso ordinário constitucional ao Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, conforme art. 105, II, a e art. 102, II, a, da CF, respectivamente. (NUCCI, 2015).

Logo, segundo as lições de Nucci (2015), tal possibilidade deve ser estendida as demais causas criminais, as quais põe fim a determinada fase processual ou mesmo decisões interlocutórias com força de definitivas, em razão do princípio da isonomia.

Além do mais, destaca Lopes Júnior (2016), o duplo grau de jurisdição também funciona como um impedimento a supressão de instâncias, tendo em vista que compreende a proibição de que o tribunal ad quem conheça além do que foi discutido em primeiro grau, em relação ao efeito devolutivo dos recursos.

Assim, o recurso oriundo do duplo grau de jurisdição possui limitação substancial, a matéria posta em discussão em sede de primeira instância, ou até mesmo limitada ao ponto controverso das decisões judicias, como no caso do embargos infringentes e de nulidade, conforme preceitua o art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal[6].

Acontece que, deve se observar que o duplo grau de jurisdição se esgota com a revisão das decisões judicias por uma única vez.

Ou seja, o entendimento de que os recursos extraordinários, diga-se o recurso especial ao STJ e o recurso extraordinário ao STF, não configuram exercício do referido princípio, visto serem estes exceções recursais que normalmente tratam somente de matéria de direito, não mais discutindo fatos, conforme explica Nucci (2015, p.446):

 

É certo existirem os recursos especial e extraordinário, dirigidos, respectivamente, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Porém, não constituem recursos ordinários, leia se, comuns ou rotineiros. São exceções voltadas a casos particulares, normalmente envolvendo questões de direito, buscando uma uniformidade de interpretação para conferir credibilidade ao sistema jurídico, avaliado em conjunto. O duplo grau de jurisdição não envolve a previsão para tais exceções, prevendo, somente, uma reavaliação do caso, por órgão colegiado superior.

 

Ponto de importante discussão doutrinária quanto a reanálise das decisão judicias diz respeito as exceções oriundas das prerrogativas que algumas funções possuem, no que cerne a competência para julgamento.

Neste ponto, Nucci (2015) traça uma importante crítica a prerrogativa de função, entendendo como um ultrapasso ao duplo grau de jurisdição.

Isso porque, um deputado federal ou um senador, que cometerem um crime comum no exercício do mandato eletivo, por exemplo, devem ser julgados pelo plenário do STF, e da decisão prolatada, não haveria exercício de reanalise da decisão judicial.

Assim, claro exemplo de críticas ao duplo grau de jurisdição, ocorreu durante o julgamento da Ação Penal 470 – STF, onde julgou-se o memorável caso do Mensalão. (STF, 2014).

Segundo a defesa, houve violação ao art. 8° da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, quando os Ministros do STF deixaram de desmembrar o processo e remetê-lo a primeira instância quanto aos acusados que não detinham foro privilegiado, no caso, os executivos do Banco Rural. (STF, 2014).

Mesmo sendo somente três dos quarenta denunciados que detinham foro privilegiado, não houve desmembramento do processo quanto aos demais, mesmo havendo diversos requerimentos, todos negados pelo STF, sob razão da conexão e continência, conforme afirmam os advogados da defesa. (STF, 2014).

Logo, houve denúncia a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), com a seguinte conclusão, nos termos da denúncia:

 

Nessa perspectiva, resta cabalmente comprovado que não só a legislação interna brasileira viola gravemente disposição que tutela o direito ao duplo grau de jurisdição prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos ao permitir, ainda nos dias de hoje, o foro por prerrogativa de função, como também decisões casuísticas proferidas por cortes brasileiras, sem qualquer respaldo em critérios objetivos, ferem de morte tal princípio, ao estender a prerrogativa de foro àqueles que não o detêm. (2014, p. 43).

 

Logo, o duplo grau de jurisdição manifesta-se além de princípio, como um direito fundamental, corolário a um regular andamento do processo.

 

2.3.2 Do Contraditório e da Ampla defesa

 

Trata-se de direitos fundamentais previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, que traz na sua literalidade: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL,1988).

A Constituição através do artigo mencionado revela os princípios do contraditório e da ampla defesa, que apesar de serem encontrados no mesmo dispositivo constitucional, não devem ser confundidos, merecendo distinção quanto a sua definição e aplicabilidade, a ser posteriormente analisada.

Primeiramente, se faz necessário entender do que se trata o contraditório, como princípio corolário ao devido processo legal anteriormente estudado.

Segundo a clássica doutrina de Mendes de Almeida (1973, p. 81), o contraditório é “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los”.

Apesar da temporalidade, e mesmo ancestralidade a Constituição de 1988, o contraditório continua se manifestando como um direito ao conhecimento dos fatos e das provas, podendo a parte a qual se opõe, contrapô-los, através de seus argumentos e contraprovas.

Para Bulos (2015, p. 695), o contraditório possui como finalidade “garantir aos litigantes o direito de ação e o direito de defesa, respeitando-se a igualdade das partes”.

Assim, para o constitucionalista, o contraditório manifesta-se como um verdadeiro pressuposto do direito de ação e do direito de defesa, na medida em que possibilita ao autor invoca-lo em juízo em seu favor, e a defesa utiliza-lo como base para proteção dos seus interesses. (BULOS, 2015).

Visualizando melhor a aplicação do princípio, conforme ensina Nucci (2015, p. 351), o contraditório “significa a oportunidade concedida a uma das partes para contestar, impugnar, contrariar ou fornecer uma versão própria acerca de alguma alegação ou atividade contrária ao seu interesse”.

No processo penal, por exemplo, o processo inicia-se com o oferecimento da inicial acusatória, em que se o juiz se manifestar pelo recebimento desta, concede a parte contrária a oportunidade de rebater, de contrariar, de oferecer provas contra tudo aquilo que está sendo alegado em seu desfavor, por meio da resposta à acusação, prevista nos arts. 396 e 396-A, do Código de Processo Penal[7], não excluindo as demais possibilidades previstas na legislação especial.

Por isso, segundo FAZZALARI (2006, apud, Lopes Júnior, 2016, p. 98), “contraditório disposto na Constituição Federal visa satisfazer duas dimensões: o direito à informação, ao conhecimento; e a efetiva igualdade de participação entre as partes, a igualdade de armas, de oportunidades.”

Importante destacar que com a Constituição de 1988, houve uma extensão ao direito ao contraditório, vez que nas constituições anteriores tal princípio abrangia somente as relações processuais penais, e a partir daí passaram a fazer partes de litígios cíveis e também administrativos, não sendo, portanto, um princípio exclusivo do processo penal. (BULOS, 2015).

Outro ponto de importante relevância diz respeito a literalidade do inciso LV, art. 5º, da CF, ao prevê o contraditório aos “litigantes” e acusados em geral.

Tal termo deve ser estendido a todo aquele que possui interesse no processo, seja autores, réus, opoentes, chamados ao processo, assistente litisconsorciais. (BULOS, 2015).

Assim, o princípio do contraditório visa sempre oportunizar a parte contrária rebater, contrapor os argumentos e provas contra si impostos, no entanto, tal posição de rebate entre as partes possui um limite imposto pela lei que regulamenta determinado assunto, não deixando as soltas, de forma ilimitada essa controvérsia entres as partes, fazendo como o que o processo não caminhe.

Exemplo claro disso tem-se na segunda fase do procedimento do Júri, durante os debates, em que são oferecidas as partes a oportunidade de replicar e treplicar, à acusação e a defesa, respectivamente, conforme preceitua o art. 476, § 4°, do CPP, in verbis:

 

Art. 476.  Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante. 

§ 4o A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário. (BRASIL, 1941). 

 

Ponto de importante destaque diz respeito a relação do direito constitucional ao contraditório e a investigação criminal, pois por se tratar de um procedimento administrativo, como explicado no tópico referente ao devido processo legal, alguns princípios constitucionais são afastados em razão da proporcionalidade que necessita a persecução processual penal.

Como durante a investigação criminal ainda não há a formação de um processo, mas somente a colheita de provas de autoria e materialidade para instruir uma possível inicial acusatória, o contraditório se mostra dispensável, tendo em vista que os elementos ali produzidos não produzirão efeito algum se não forem confirmados e corroborados por outros meios de prova durante o processo, sob o prisma do contraditório.

Neste sentido, Cintra; Grinover; Dinamarco (2010, p. 63) explicam que: “Não existe acusação nessa fase, onde se fala em indiciado (e não acusado, ou réu), mas não se pode negar que após o indiciamento surja o conflito de interesses, com litigantes (art. 5, inc. LV, CF)”.

Por isso, somente após a instauração da relação processual penal, o contraditório se manifesta nas variadas fases processuais, como visto em forma de exemplos, anteriormente.

Quanto a ampla defesa, trata-se de garantia constitucionalmente assegurada, também disposta no art. 5º, LV, da CF, como visto.

Importante destacar a definição do que seria a ampla defesa, suas vertentes e aplicabilidade no processo penal, assim, como consequência, a sua distinção estreita com o princípio do contraditório anteriormente discutido.

Trata-se de princípio constitucional explícito, oriundo essencialmente de uma relação processual que, conforme destaca Lima (2016, p. 89), “visto sob a ótica do acusado, pode ser considerado um direito ou sob o olhar publicista de um processo justo, pode ser considerado uma garantia”.

Isso porque, a ampla defesa relaciona-se diretamente ao contraditório, vez que surge a partir de um das vertentes deste princípio, o direito à informação, ao conhecimentos dos fatos e se expande a partir da reação provocada pela manifestação da parte contrária.

A ampla defesa, apesar de possuir uma linha bastante estreita em relação ao contraditório, diferencia-se por ser um princípio assegurado privativamente ao indiciado, acusado, réu, visto que, em razão das posições antagônicas que exige a relação processual, a defesa se mostra como a parte mais frágil, diante do forte poder estatal da acusação.

Assim, conforme explica Badaró (2009, p.37), em sua literalidade:

 

É possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio juiz. Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusador, ou impedir-lhe a reação à determinada prova ou alegação da defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu.

 

Assim, a partir da distinção entre o contraditório e a ampla defesa, se faz necessário entender a aplicação do princípio estudado, em que, segundo a doutrina majoritária, possui duas dimensões: a defesa técnica e à autodefesa, conforme se vê.

A defesa técnica, segundo explica Lima (2016, p.90) “é aquela exercida por profissional da advocacia, dotado de capacidade postulatória, seja ele advogado constituído, nomeado, ou defensor público”.

Logo, a defesa técnica tem a ver com a defesa impessoal, através de um profissional que possua conhecimentos jurídicos.

A defesa técnica, como uma das dimensões da ampla defesa caracteriza-se por se mostrar indispensável ao processo penal, vez que, segundo o art. 261, do Código de Processo Penal, “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”.

Assim, partindo do caráter essencial da defesa técnica, como instrumento indissociável do processo, é que a ampla defesa pode ser considerada um direito ou uma garantia para a defesa, não só para o sujeito passivo, mas também para a sociedade que possui o direito de ter conhecimento de uma justa responsabilização penal.

Isso porque, conforme explica Lopes Júnior (2016), a defesa técnica possui como justificativa a relação de equilíbrio processual entre acusação e defesa, levando-se como premissa uma “presunção de hipossuficiência” do sujeito passivo, pois deve-se considerar que tal parte não possui conhecimentos necessários e suficientes para resistir a pretensão estatal acusatória.

Importante destacar que o exercício da defesa técnica deve estar presente durante o processo penal e também pode ser exercido durante a investigação criminal.

Isso porque, com as alterações trazidas pela Lei n.13.245/2016, ao Estatuto dos Advogados do Brasil, em seu art. 7º, inciso XXI, é direito do advogado assistir aos seus clientes durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta, conforme se vê:

 

Art. 7º São direitos do advogado:

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: [...](grifou-se) (BRASIL, 2016).

 

Logo, retrata-se a indispensável função da defesa técnica na persecução penal, como instrumento do direito de defesa essencial para se atingir o mais justo julgamento possível, tanto para o acusado quanto para a sociedade que necessita de um judiciário forte, seguro e justo.

De outro lado, o direito de defesa também se manifesta por meio da autodefesa, caracterizada pela pessoalidade do sujeito passivo na relação processual ou mesmo na investigação criminal.

Isso porque, o acusado ou réu atua pessoalmente, defendendo a si mesmo da pretensão estatal acusatória. Tal defesa pode ser manifestar em diferentes fases e formas, porém pode ser observada de forma mais efetiva durante os interrogatórios, seja policial ou judicial.

O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo possui a oportunidade de ter “voz”, de se manifestar pessoalmente contra as acusações que lhe são proferidas. Segundo a doutrina majoritária, essa possibilidade de expressão das justificativas e/ou negativas chama-se autodefesa positiva. (LIMA, 2016).

Por outro lado, a autodefesa também é composta pela possibilidade do sujeito passivo se abster de prestar qualquer declaração, assim como se negar a dar a mínima contribuição para a atividade probatória do processo, como ocorre na possibilidade de reprodução simulada dos fatos, conforme o art. 7º, do CPP, em que, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, o sujeito passivo pode se negar a participar. Trata-se da autodefesa negativa. (LIMA, 2016).

Tal defesa pessoal negativa deve-se principalmente ao direito constitucional ao silêncio, previsto no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal[8], o qual assegura ao preso, entre outros direitos, o de permanecer calado.

Além disso, também serve como base de segurança à autodefesa negativa o princípio do Nemo Tenetur se Detegere.

Tal princípio, previsto no art. 8.2, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos assegura a toda pessoa o direito de não produzir prova contra si mesmo. (CADH, 1969).  Assim, conforme as lições de Lopes Júnior (2016, p.104):

 

O direito de silencio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório.

 

Por fim, ressalta-se que diferentemente da defesa técnica que se mostra indisponível, a autodefesa é renunciável ao sujeito passivo, pois para o juiz, é obrigatória a sua observância, de modo que o órgão jurisdicional sempre deve oferecer a oportunidade do para aquela ser exercida, sob pena de nulidade, conforme art. 564, IV, do CPP[9].

 

2.3.3 Da razoável duração do processo

 

Trata-se de princípio constitucional expresso, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, incluído por meio da EC n. 45/2004, segundo a qual preceitua que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação”. (BRASIL, 1988).

Tal princípio, correlato ao devido processo legal, tem por objetivo assegurar que a função jurisdicional seja exercida com rapidez, clareza, presteza e segurança. (BULOS, 2015).

Ou seja, além de assegurar um processo amparado por garantias e limites, é necessário que, no âmbito processual penal, que o acusado ou investigado, possua uma noção de quando o seu processo irá ter um fim.

Apesar de haver uma previsão constitucional expressa a respeito da razoabilidade na duração do processo, é forte a crítica doutrinária em relação a efetividade desse princípio.

Isso porque, embora seja uma norma constitucional de eficácia plena, com aplicabilidade direta, imediata, a sua efetividade social resta muitas vezes prejudicada em razão de hiatos legais com relação a prazos processuais.

 Aceita-se no ordenamento jurídico a “doutrina do não prazo” conforme Lopes Júnior (2016, p. 80): “tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos como a Constituição não fixaram prazos máximos para a duração dos processos e tampouco delegaram para que lei ordinária regulamentasse a matéria”.

Lopes Júnior (2015, p. 84) acentua que apesar do Código de Processo Penal fazer referência a diversos limites de duração de atos, não há a imposição de sanção quando não forem seguidos, observados, fazendo com que tais vínculos temporais não possuem eficácia jurídica. Exemplifica o processualista:

 

Assim, se a instrução não for realizada no prazo fixado, qual é a sanção? Nenhuma. Portanto, estamos diante de prazo sem sanção, o que conduz a ineficácia do direito fundamental.

Noutra dimensão, persiste a completa ausência de fixação do prazo máximo da duração da prisão cautelar (especialmente a prisão preventiva, pois a temporária está tem sua duração fixada na Lei n. 7.960/89. Essa é outra lacuna inadmissível.

 

Certo é que, segundo Nucci (2015), o termo “razoável” deve ser analisado sob a perspectiva jurídica de cada órgão jurisdicional, de cada vara criminal, de cada caso em concreto, com o objetivo de se apurar possível constrangimento gerado pela lentidão do Estado-juiz.

Destaca-se importante contribuição do Superior Tribunal de Justiça brasileiro quanto ao tema abordado, pois, conforme explica Moura; Lacava (2009), é entendimento do tribunal de que o excesso de prazo não diz respeito somente a soma aritmética de prazos legais de procedimento, podendo ser estendido quando a complexidade do caso assim o exigir.

Assim, deve-se levar em conta nas causas judicias fatores que indicam a complexidade do caso, como a necessidade de expedição de cartas precatórias, julgamento de incidentes processuais, bem como de realização de exames e perícias e outras diligencias como degravação de conversas telefônicas interceptadas, expedição de ofícios, a pluralidade de acusados e de testemunhas. (MOURA; LACAVA, 2009).

Logo, da razoável duração do processo extrai-se aspectos principalmente subjetivos, que dependem da análise do caso em concreto para se averiguar se há constrangimento por desrespeito a tal princípio constitucional.

 

2.3.4 Da presunção de inocência

 

Trata-se de princípio constitucional expresso, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, dentre os direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro. Em sua literalidade, o princípio prevê que “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”. (BRASIL,1988).

Para se chegar a literalidade do texto ora descrito na carta maior do Estado brasileiro, a presunção de inocência passou por várias fontes e influências, sendo necessário entender o contexto histórico mundial em que surgiu tal postulado.

Assim, levando-se em consideração o contexto de revoluções histórico-sociais do século XVIII, a revolução francesa foi a que possuiu maior relevância para a história, a qual definiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1793.

Conforme as lições de Moraes (2010), tal documento foi o responsável por mencionar e garantir pela primeira vez na história a concepção de “presunção de inocência”, através do vernáculo:

 

9. Todo homem deve ser presumido inocente até que tenha sido declarado culpado; se julgar-se indispensável deve detê-lo, todo rigor que não seja necessário para prendê-lo, deverá ser severamente reprimido pela lei. (DDHC, 1793).

 

Segundo Moraes (2010), o ideal político-filosófico da presunção de inocência invadiu a persecução processual penal, de modo que, ao contrariar o sistema inquisitório, onde se buscava a partir da investigação se comprovar aquilo que já se tinha como certeza, a culpa do acusado/investigado, passou-se a assegurar ao indivíduo a condição de inocente até que provas hábeis, contraditas, que respeitassem a integridade física, moral e religiosa do investigado, revelassem o contrário.

Logo, a presunção de inocência ganhou status de garantia que impõe limites ao poder estatal, conforme explica Moraes (2010, p. 79):

 

O processo deixou de ser uma arma política do Estado Autoritário na opressão de seus inimigos (hereges e revoltosos). Passou a ser uma forma de proteção do indivíduo contra abusos estatais, típicos e por demais ocorrentes na Inquisição. Saem de cena o “hostis alienígena” e o “hostis judicatus” e entra em cena o cidadão acusado, que, embora acusado, acima e antes disso, é cidadão. Sai de cena o direito penal voltado ao inimigo e passa-se ao direito penal do cidadão.

 

Diga-se que com a influência político-filosófica do iluminismo francês, os termos “presunção” e “inocência” desligaram-se do caráter político e religioso e ganharam definições jurídicas.

O termo “presunção”, que do latim praesumptio, significa antecipar, tomar antes ou primeiro, segundo explica Moraes (2010, p. 87), ao tratar sobre aspecto conceitual “possuiu influência no campo probatório processual que se chegou às portas do iluminismo e se adentrou ao ambiente da Revolução Francesa, momento de primeira inscrição legal da expressão ‘presunção de inocência’”.

Já “inocência”, advém do termo latino “innocentia”, cuja significado, religiosamente tinha-se como pureza, virgindade, na concepção iluminista do sistema processual penal como igualdade entre todos os seres humanos. (MORAES, 2010).

Assim, baseado no contexto de ruptura dos ideias iluministas com o absolutismo francês, se faz necessário entendermos o contexto político-social em que tal expressão foi intitulada na Declaração, como ganhou força suficiente para pertencê-la, e como se deu a evolução de pensamentos doutrinários até se chegar ao estado de inocência do indivíduo.

Para isso, se faz necessário entender o ponto de vista de duas correntes doutrinárias que imperavam durante os séculos XVIII à XX na Europa, advindo do movimento iluminista da Revolução Francesa com posteriormente influência positivista nas relações político-sociais.

O procedimento penal revolucionário francês, pós iluminismo, conforme elucida Moraes (2010), foi marcado pela divisão em três etapas.

A primeira etapa, “era a instrução sumária perante um ‘juiz de paz’, que desempenhava uma função de ‘oficial de polícia judiciária’, servia à instauração de uma investigação e colheita dos primeiros elementos de materialidade e autoria da infração”. (MORAES, 2010).

Nessa fase, havia a colheita de provas, interrogatório e oitiva das testemunhas, semelhante a fase de investigação criminal que conhecemos atualmente. (MORAES, 2010).

Na segunda fase, segundo o autor, desenvolvia-se perante um ‘júri de acusação’, o qual era de sua competência a verificação da consistência da avaliação feita na fase anterior e a continuidade da instrução. (MORAES, 2010).

Na terceira fase, tinha-se os debates definitivos, composto por três juízes e um presidente, os quais decidiam sobre o fato (materialidade e autoria). (MORAES, 2010).

A votação era dada pela procedência da acusação, somente poderia ser extraída por no mínimo dois terços dos votos.

Desde já, presente o estado de inocência dos indivíduos, cabendo a acusação a demonstração dos fatos e das provas de autoria e materialidade. Era necessário haver uma certeza para condenação, somente podendo ocorrer se quase a unanimidade dos jurados entendesse pela culpa do imputado.

Aqui, o estado de inocência confunde-se com o in dubio pro reo, na medida em que os sistema processual penal francês essa época, em caso de dúvida quanto ao julgamento, possuía como prevalência, a absolvição.

Assim, a persecução penal, segundo Moraes (2010), era preenchida por vetores humanistas da presunção de inocência, entre caráter racional, em que o razoável é manter o estado de inocência do indivíduo, não reconhecer sua culpa, que é exceção à regra, devendo a culpa ser comprovada e não a inocência.

Entretanto, com a chegada da Revolução Industrial, atingindo o seu auge durante os séculos XIX e XX, houve um crescimento do movimento econômico-burguês, havendo um forte crescimento das cidades e consequentemente um proletariado que não vivia mais no campo.

Cresce as violências urbanas, e os ideias iluministas não mais eram suficientes para oferecer uma segurança a comunidade e para os operadores do direito, fazendo com que novos ideais surgissem como sustentáculo para um “novo” processo penal, por meio da escola positivista.

Tal corrente doutrinária ofereceu na verdade um retrocesso aos direitos e garantias do processo penal, pois, conforme esclarece Moraes (2010, p. 110) “este deixou de ser um instrumento de proteção do indivíduo em face do arbítrio ou da natural sanha punitivo-estatal e volta a ser meio de implementação de política estatal”.

De tal modo, os positivistas, sustentados pelo conhecimento científico sobre a realidade criminal, alteraram o objeto de estudo da criminologia, pois enquanto os clássicos possuíam o fato como objeto, os positivistas tinham o autor, surgindo definições jurídicas expressadas por meio da personalidade do agente, das suas característica psicológicas e mesmo físicas, como sustentadas pelo cientista e criminólogo Cesáre Lombroso. (MORAES, 2010).

Além disso, destaca-se que para os positivistas, o cerne quanto a presunção de inocência defendida pelos clássicos e negada por aqueles, era o de que os indivíduos não eram iguais, conforme explica Moraes (2010, p. 113), ao citar FERRI, “pois o erro dos clássicos foi aplicar a presunção de inocência indistintamente a todos, não sabendo a diferença, p. ex, entre delinquente ocasional (delinquente evolutivo) e delinquente nato (delinquente atávico)”.

Evoluindo o pensamento, portanto, os positivistas voltaram-se contra o processo penal cidadão, ao trazer de volta o direito penal do autor, conforme explicado, e assim, como maior prejuízo a “presunção de culpa” em substituição a presunção de inocência dos indivíduos.

  Conforme exemplifica Moraes (2010, p. 115), “a regra era que a ação penal se iniciasse com a prisão provisória obrigatória, com raras exceções, porém após a condenação, mesmo ainda recorrível, desapareceriam aquelas poucas exceções”.

Prosseguindo na análise político-social da presunção de inocência nos ordenamentos jurídicos, surge no século XX a escola “neo-clássica”, ou técnico-jurídica, que possuiu influência direta nos Códigos Processuais Penais de 1913 e de 1930 italianos italiana, e posteriormente, uma forte contribuição fascista para a criação do Código de Processo Penal Brasileiro de 1941.

Isso porque, a escola técnico-jurídica possuiu como principais características maiores garantias de defesa ao imputado após a instauração da ação penal, como a oportunidade do direito ao silencio, ao conhecimentos das acusações que lhe eram proferidas e a possibilidade de rebatê-las.

Porém, no que diz respeito a presunção de inocência, os principais autores da escola técnico-jurídica eram pela inexistência desse direito, tanto que a Código de Processo Penal italiano de 1913 rejeitou expressamente tal direito como critério informador do modelo processual, no entanto, com o código processual penal de 1930, houve o reconhecimento do “in dubio pro reo”, como destaca Moraes (2010, p. 138):

 

A presunção de inocência era expressamente rejeitada, mas se aceitava uma mitigação na decisão judicial, se, após toda a persecução e a interpretação do fato pela íntima convicção do julgador, ele ainda restasse em dúvida sobre a culpa.

 

Quanto a influência do Código de Processo Penal italiano de 1930 na formação do Código de Processo Penal brasileiro de 1941, importante destacarmos o contexto histórico em que foi inserido o referido código brasileiro, ou seja, em pleno curso do Estado Novo getulista e no curso da Segunda Guerra Mundial. (1939-1945).

Deste modo, segundo as lições de Moraes (2010), o código brasileiro possui clara influência fascista no que diz respeito ao procedimento e o respeito as garantias processuais penal.

Isso porque, no que cerne a presunção de inocência, o código de 1941 não trouxe qualquer menção expressa a sua legitimidade, pelo contrário, havendo vários dispositivos com a clara intenção de rejeitá-la.

Fala-se ainda na aceitação ao “in dubio pro reo” no Código de Processo Penal de 1941, e da intenção de restrições a direitos e garantias na fase pré-processual, com característica essencialmente inquisitória, como conhecemos atualmente, a semelhança com o diploma processual penal italiano. (MORAES, 2010).

Após o contexto de segunda guerra mundial, a comunidade global se preocupou em resguardar os direitos humanos como essencial para um convívio harmônico e pacífico entre as nações, surgindo assim a Organização da Nações Unidas (ONU) e junto a ela a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948.

Tal declaração foi o segundo marco mais importante da história em relação a proteção a presunção de inocência, ao estampar tal princípio em seu art. XI[10], após a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa de 1789.

Isso porque, novamente a declaração da ONU recolocou a presunção de inocência como essencial a universalidade humana, a ser seguido e respeitado por todos os Estados-membros em sua regulamentação interna, como em sua relação com outros Estados.

Outros marcos importantes de proteção a presunção de inocência surgiram, como por exemplo através do Decreto n. 592/92 – o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, firmado em 1966, estabelecendo, cláusulas prevendo direito a não-incriminação e a presunção de inocência.

Além disso, o Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, também estabeleceu preceitos garantidores, legislações essas que contrariaram o sistema inquisitorial medieval, onde o acusado era tratado como objeto e não como pessoa humana.

Apesar de tais declarações serem marcos importantes para a proteção ao princípio da presunção de inocência, a legislação brasileira ainda não possuía uma norma que trouxesse expressamente uma garantia a este princípio como pressuposto de um devido processo legal e da dignidade da pessoa humana.

Com a Constituição Federal de 1988, surgiu pela primeira vez a condição de inocência de forma expressa, ao disciplinar o art. 5º, LVII, da CF/88: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL,1988).

Conforme explica Lima (2016, p. 80) “consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal [...]”.

Explica ainda Lima (2016), que diferentemente de como tal princípio foi referenciado nos tratados internacionais, trazendo “presunção de inocência”, na Constituição Federal, em momento algum menciona a palavra “inocente”, mas sim que ninguém será considerado culpado.

Por conta de tal divergência de nomenclatura, tal preceito normativo ficou conhecido como presunção de não-culpabilidade.

 Lopes Júnior; Badaró (2016) lecionam que a jurisprudência brasileira já se utilizou da expressão presunção de inocência como também de presunção de não culpabilidade, não havendo assim, qualquer diferença quanto ao seu significado jurídico, “devendo ser reconhecido a equivalência entre as formas”.

A condição de inocente, segundo Nucci (2015, p. 294), é um estado inerente ao ser humano, seguindo-se fielmente o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, segundo o autor:

 

Inocente se nasce, permanecendo-se nesse estágio por toda a vida, a menos que haja o cometimento de uma infração penal e, seguindo-se os parâmetros do devido processo legal, consiga o Estado provocar a ocorrência de uma definitiva condenação criminal.

Em virtude da condenação, com trânsito em julgado, instala-se a certeza da culpa, abandonando-se o estado de inocência, ao menos quanto ao delito em foco.

 

Frisa-se, com o citado pensamento, a importância da condenação definitiva, ou seja, o trânsito em julgado como marco temporal que desconstitui a presunção de não culpabilidade.

Para Lopes Júnior (2016), a presunção de inocência é o princípio reitor do processo penal, podendo-se medir o nível de eficácia do processo através da observância a esse princípio.

Isso porque, para o processualista, tal princípio revelasse como verdadeiro “dever de tratamento”, sob a análise de duas dimensões, interna e externa ao processo. (LOPES JÚNIOR, 2016).

Internamente, Lopes Júnior (2016, p. 96) defende que a presunção de inocência deve servir como um dever de tratamento, primeiramente imposto ao juiz, na medida em que: “determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza inexoravelmente a absolvição; [...] implica severas restrições ao (ab)uso das prisões cautelares”.

O processualista Nucci (2015) reforça o laço da presunção de inocência com o ônus da prova no processo penal, asseverando que a culpa é essencial para a comprovação da prática de uma infração penal, levando-se em consideração essa um fato típico, antijurídico e culpável, cabendo a acusação provar e não somente alegar, a autoria e materialidade imposta contra o réu.

Do ponto de vista externo ao processo, leciona Lopes Júnior (2016) que a presunção de inocência deve servir como limitação a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Ou seja, um dever de tratamento do acusado em relação a sociedade, de não ser considerado culpado até que se tenha uma decisão judicial transitada em julgado.

Importante destacar ainda que o princípio da presunção de inocência, assim como todo e qualquer princípio, não pode ser observado de maneira absoluta, pois se assim fosse, medidas cautelares não poderiam ser tomadas como forma a resguardar o processo e a apreciação da culpa.

Por isso, conforme ensina Lima (2016), o art. 5º, LVII, CF, não é impedimento para a decretação das medidas e prisões cautelares antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Nesse contexto, surge o art. 283 do CPP, com redação dada pela Lei n. 12.403/2011, ao instituir que:

 

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL, 2011).  

 

O citado artigo do Código de Processo Penal surgiu como um reforço ao princípio da presunção de inocência, na medida em que impôs limites ao estado de inocência do indivíduo e estabelecendo condições para que haja restrição da liberdade de locomoção.

Tal dispositivo legal se manifesta de maneira clara ao esclarecer a necessidade do trânsito em julgado, ou seja, do esgotamento de todos os recursos cabíveis, para a imposição de uma prisão penal, assim como admite claramente a possibilidade das prisões cautelares subsistirem na investigação criminal ou no processo enquanto entendidas judicialmente necessárias, cabíveis e insubstituíveis.

De tal modo, apenas como adiantamento da discussão acerca da execução provisória da pena, a ser debatida no derradeiro capítulo, o referido dispositivo legal mostra-se como um dos legíveis impedimentos a sua admissão no direito brasileiro, pelo menos, enquanto não discutida a sua constitucionalidade.

Sem falar no art. 105, da Lei 7.210/1984, outra regra jurídica que assegura o trânsito em julgado para fins de cumprimento de pena privativa de liberdade, estando em total conformidade, constitucionalidade, com a atual Constituição Federal.

 

Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. (BRASIL, 1984).

 

Visto os principais princípios constitucionais e processuais penais em relação ao tema em debate, passa-se a descrição das prisões no ordenamento jurídico brasileiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3.      DAS PRISÕES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

 

3.1 Espécies de Prisões

 

Partindo-se da definição jurídica tripartite de crime como fato típico, antijurídico e culpável, o direito penal possui como característica a imposição de uma sanção como consequência a prática de determinada atividade delitiva.

Tal consequência diz respeito a eficácia jurídica da lei penal, na medida em que, aproximando-se dos princípios penais da fragmentariedade, subsidiariedade e do caráter de ultima ratio do direito penal, a sanção penal consiste justamente na relação de contrariedade entre o fato e a lei penal.

Prado (2015, p.441) assevera que “consequências jurídicas do delito são reações jurídicas aplicáveis à prática de um injusto punível (realização ilícita de um fato tipificado como punível na lei penal)”.

As prisões tratam-se apenas de uma das espécies de sanções, como consequência jurídica, seja ela penal, administrativa ou cível, e destacando o caráter penal da prisão, o ordenamento jurídico brasileiro prevê hipóteses que asseguraram o regular prosseguimento do processo, antes de se alcançar uma decisão judicial com trânsito em julgado, através das prisões processuais ou também conhecidas como prisões cautelares do processo penal.

Assim, no que interessa ao processo penal, prisão, conforme leciona Lima (2016), pode ser compreendida como uma verdadeira restrição da liberdade de locomoção, utilizando para isso a imposição do ser humano ao cárcere, em decorrência das diversas autorizações legais que vão de encontro ao direito de ir e vi.

Trata-se de verdadeira colisão entre direitos, onde, de um lado a liberdade inerente a todo ser humano em território brasileiro, como regra, e por outro lado o poder-dever do Estado em apurar praticas delitivas e se necessário utilizar da prisão como sanção.

No direito brasileiro, aplicam-se três espécies de prisões: prisão extrapenal, compreendidas como subespécies a prisão civil e a prisão militar; a prisão penal (prisão pena), decorrente de sentença judicial condenatória com transito em julgado; e prisão cautelar, provisória, processual ou sem pena, e que possui como subespécies as prisões em flagrante, preventiva e temporária. (LIMA, 2016).

Sendo as prisões decorrente da pronúncia e da sentença penal recorrível expressamente revogadas pelas Lei n. 11.689/08 e Lei n. 11.719/08.

Da prisão extrapenal, destaca-se a prisão civil do devedor de alimentos, conforme explica Lima (2016, p. 1149), “é aquela decretada para fins de compelir alguém ao cumprimento de um dever civil”.

Quanto a prisão do depositário infiel, destaca-se o afastamento da sua incidência no direito brasileiro, pois, apesar de haver previsão constitucional quanto a tal espécie de prisão, o entendimento da Suprema Corte Brasileira é o de afastamento de toda e qualquer prisão civil dessa espécie.

Assim, seja nas hipóteses de alienação fiduciária, seja nas hipóteses de deposito judicial, em razão da vedação imposta pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7º, 7)[11] e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.11)[12], é inadmitida a prisão civil do depositário infiel.

Da prisão penal ou prisão-pena, trata-se de espécie de prisão que depende de sentença judicial condenatória com transito em julgado, que impôs o cumprimento de pena privativa de liberdade.

Como cediço, o trânsito em julgado é uma condição atingida pelo processo com o advento da coisa julgada, que por sinal, se concretiza com o esgotamento de todo e qualquer recurso cabível no ordenamento jurídico brasileiro que possibilite alteração da decisão judicial prolatada.

Segundo a Constituição Federal Brasileira (art. 5°, LVII), “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, estado esse de inocência que somente pode ser alterado com um trâmite processual onde se é assegurado todo devido processo legal e seus corolários, já debatidos. (BRASIL, 1988).

Em relação a prisão processual, merece maior destaque no presente trabalho, tendo em vista que se referem diretamente aos princípios processuais penais constitucionais, principalmente no que diz respeito a presunção de inocência e a execução provisória da pena, na medida em que se cria até mesmo uma confusão quanto ao seus conceitos e aplicabilidades.

 

3.2 Da prisão provisória ou processual            

 

A prisão processual, ou prisão cautelar no processo penal, consiste na limitação da liberdade física da pessoa, em razão de uma finalidade imposta pela lei, cujo objetivo é limitado e determinado ao poder instrutório do processo penal e do Estado.

Conforme explica Silva Filho (2009), trata-se, portanto, de uma prisão que não é definitiva (aquela que não transitou em julgado), tendo como espécies a prisão em flagrante (art. 301 a 310 do CPP), a prisão preventiva (art. 311 a 316 do CPP), e a prisão temporária, estabelecida pela Lei n. 7.960/89.

Para Lima (2016, p. 1162), “prisão cautelar (carcer ad custodiam) é aquela decretada antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória com o objetivo de assegurar a eficácia das investigações ou do processo criminal”.

Assim, a prisão cautelar nada mais é do que uma medida urgente, que excepciona o estado de não culpabilidade e impõe o cárcere como alternativa a garantia do regular trâmite processual, apenas como um dos dispositivos que fundamentam a prisão processual.

Ressalta-se neste ponto o caráter excepcional e urgente da prisão cautelar, não devendo ser o clamor social e opinião pública fundamentos a restringir o direito constitucional à liberdade, mas sim como instrumento do processo penal em benefício da elucidação dos fatos.

Para que haja a imposição de prisão cautelar, dentro do ordenamento jurídico marcado pela legalidade, se faz necessário que a lei imponha requisitos e possibilidades para sua existência, sendo asseverado, de forma genérica por Lopes Júnior (2016) a existência do fumus commissi delicti e um periculum libertatis, como fundamentos a essa medida.

Segundo leciona Lopes Júnior (2016, p. 600), quanto ao fumus commissi delicti, refere-se “a probabilidade da ocorrência de um delito (e não de um direito), ou mais especificamente, na sistemática do CPP, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria”.

Assim, tem-se os resquícios de autoria e de materialidade do delito, a justa causa, como uma das condições gerais para a decretação de uma prisão cautelar, assim como se vê no recebimento da denúncia, constante no art. 395, do CPP[13], para o exercício da ação penal.

Por outro lado, diferentemente do processo civil onde fala-se em perigo quanto ao tempo equivalente a prestação jurisdicional prejudicial ao objeto da demanda, no processo penal, conforme assevera Lopes Júnior (2016, p. 600), o risco é criado “quanto a frustação da função punitiva (fuga) ou graves prejuízos ao processo, em virtude da ausência do acusado, ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta”.

Logo, fala-se em periculum libertatis, enquanto perigo ao Estado estando em liberdade o indivíduo sujeito passivo de uma imputação criminal.  

Mais do que isso, as prisões cautelares são amparadas por uma base principiológica que deve ser respeitada, sob o risco de incorrerem em ilegalidade e constrangimento sob responsabilidade do Estado.

Conforme explica Lopes Júnior (2016) a decretação de uma prisão cautelar deve se encontrar amparada por jurisdicionalidade e por motivação. Isso porque para haver privação de liberdade, anteriormente deve existir um processo, ou ao menos um procedimento, sendo tal pressuposto intimamente relacionado ao devido processo legal.

Além disso, levando-se em conta o caráter excepcional da medida cautelar, é necessário que haja ordem judicial devidamente fundamentada, sob pena de ilegalidade e abrindo espaço para revogação ou relaxamento de prisões, desde que descabidas ou ilegais.

Fala-se ainda em provisoriedade como princípio básico das prisões cautelares, uma vez que, desaparecido o fundamento que legitimou a ordem judicial de prisão, deve esta ser extinta imediatamente, sob pena de ilegalidade e constrangimento ilegal.

Portanto, posto em debate uma análise geral das prisões cautelares, passa-se à apreciação das subespécies de prisões processuais, situando maior enfoque a prisão preventiva, visto ser a medida que mais se assemelha ou mesmo chega a se confundir com a execução provisória da pena, apesar de possuírem natureza jurídica e fundamentos distintos.

 

3.2.1 Prisão em flagrante delito

 

Trata-se de modalidade de prisão pré-cautelar, com natureza jurídica de ato meramente administrativo, conforme assevera Tourino Filho (2005, p.594):

 

Não obstante se trate de medida cautelar, o ato de prender em flagrante não passa de simples ato administrativo levado a efeito, grosso modo, pela Polícia Civil, incumbida que é de zelar pela ordem pública. Pouco importa a qualidade do sujeito que efetive a prisão. É sempre um ato de natureza administrativa.

 

Na doutrina, Lima (2016, p. 1219), em análise considera a prisão em flagrante como “uma medida de autodefesa da sociedade, consubstanciada na privação da liberdade de locomoção daquele que é surpreendido em situação de flagrância, a ser executada independentemente de prévia autorização judicial (CF, art. 5°, LXI)”.

Assim, extrai-se da prisão em flagrante um ato administrativo executado por qualquer do povo contra a liberdade do indivíduo em flagrância, com objetivo de evitar fuga, auxiliar na colheita de elementos informativos, impedir a consumação do delito ou mesmo que para preservar a integridade física do preso.

No entanto, assevera Lima (2016), apesar de ser um ato administrativo em um primeiro momento, a prisão em flagrante se converte em ato judicial a partir do momento em que a autoridade judiciária é comunicada da detenção do agente, a fim de analisar a sua legalidade, para fins de relaxamento, necessidade de conversão em prisão preventiva, ou acerca do cabimento de liberdade provisória, com ou sem fiança.

Por isso, nesse mesmo sentido explica Lopes Júnior (2016), que a prisão em flagrante é considerada uma medida pré-cautelar, podendo ser feita por qualquer do povo, logo, o controle jurisdicional é feito logo após a prisão, onde o juiz deve decidir pela homologação ou relaxamento da prisão, decretando prisão preventiva ou concedendo liberdade provisória.

Ressalta-se que apesar do dispositivo legal prevê a possibilidade de qualquer do povo exercer o poder de autotutela, em seu favor ou de terceiros, decretando voz de prisão ao suspeito, trata-se de mera faculdade do sujeito, podendo fazê-lo, desde que dentro das condições fáticas que não lhe gerem perigo próprio ou alheio.

Tal dever jurídico cabe as autoridades policias e seus agentes, exercendo a segurança pública que compete ao Estado[14].

O Código de Processo Penal, em seu art. 302, prevê três espécies de prisão em flagrante, sendo elas: a) flagrante delito próprio ou real, quando o agente está cometendo a infração penal (art. 302, I), ou quando acaba de cometê-la (art. 302, II); b) flagrante delito impróprio, ou quase flagrante, quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração (art. 302, III); c) flagrante presumido, quando o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos , armas, objetos, ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (art. 302, IV). (BRASIL, 1941).

Em razão do rol exemplificativo do Código de 1941, existem ainda outras espécies de flagrantes construídos pela doutrina e pela jurisprudência, como o flagrante preparado ou provocado, onde o agente induz, provoca, o sujeito passivo a prática do delito e antes de sua consumação, impede com a decretação da prisão em flagrante.

Trata-se de hipótese enquadrada pela jurisprudência como crime impossível, em razão do agente não ter qualquer possibilidade de consumar o crime, sendo, portanto, inadmitida no direito brasileiro.

Possui inclusive entendimento sumulado (Súmula 145 do STF): “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. (STF, 1963).

Além disso, tem-se ainda hipóteses de flagrante forjado, onde um terceiro produz uma prova que não existe, por exemplo, ao inserir substância entorpecente no veículo de alguém a fim de incriminá-lo. Trata-se também de hipótese inadmissível no direito brasileiro.

Por outro lado, tem-se o flagrante esperado, onde, segundo leciona Lopes Júnior (2016, p. 627), “quando a polícia não induz ou instiga ninguém, apenas coloca-se em campana (vigilância) e logra prender o agressor ou ladrão, a prisão é válida e existe crime”.

Assim, após análise dos principais pontos sobre a prisão em flagrante, passa-se a discutir as principais questões quanto a prisão temporária.

 

3.2.2 Prisão Temporária (Lei n. 7.960/1989)

 

Trata-se de uma subespécie das prisões processuais, sendo disciplinada especificamente pela Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989.

Conceitualmente, trata-se de prisão cautelar, decretada por autoridade judiciária, somente durante a fase de investigação criminal, com prazo previamente determinado e dentro das hipóteses preestabelecidas pela lei.

Assim, possui como principal objetivo assegurar o regular prosseguimento da investigação criminal, quanto a produção de provas que futuramente subsidiarão um indiciamento e posteriormente uma inicial acusatória.

A prisão temporária pode ser decretada, conforme explica Lima: (2016, p. 1315)

 

[...] quando a privação da liberdade de locomoção do indivíduo for indispensável para a obtenção de elementos de informação quanto à autoria e materialidade das infrações penais mencionadas no art. 1°, inciso III, da Lei n. 7.960/89, assim como em relação aos crimes hediondos e equiparados (Lei n. 8.072/90, art. 2°, § 4°), viabilizando a instauração da persecutio criminis in judicio.

 

Como mencionado, as hipóteses de decretação da prisão temporária encontram-se estampadas logo no art. 1° da referida lei, dividindo-se entre seus três incisos, entendendo a doutrina majoritária que deve haver sempre uma alternância entre os incisos I e II, cumulativamente com o inciso III, a serem visto um por um:

 

a)               Inciso I - Quando imprescindível para as investigações do inquérito policial – requisito este caracterizador do periculum libertatis. Segundo Lima (2016), deve-se dá uma interpretação extensiva quanto a imprescindibilidade da prisão temporária para garantir as investigações do inquérito policial. Isso porque, no cenário jurídico brasileiro, atualmente, existem outras possibilidades de investigações preliminares, não sendo esta atividade exclusiva da polícia judiciária, por meio do inquérito policial.

O Ministério Público possui poder investigatório, assim como as CPI’s também a possuem, e tendo em visto o caráter dispensável do inquérito para a persecução penal, bastando haver materialidade delitiva, ainda que obtida por outra maneira, é que se deve dá uma interpretação extensiva a este inciso.

Ressalta-se ainda o caráter excepcional da prisão temporária, assim como na prisão preventiva, devendo o magistrado valer-se da proporcionalidade para aplicação das medidas adequadas. Quando decretada sob esse fundamento de forma inválida, deve a prisão ser revogada.

 

b)              Inciso II – Falta de residência fixa ou identidade certa – Tal hipótese corresponde, desde que cumulativamente ao inciso terceiro, a necessidade unicamente de esclarecimento quanto a identidade civil da pessoa, devendo ser, portanto, uma medida extraordinária, após o fracasso das diligências policias devendo ser posta imediatamente em liberdade após esclarecido, sem necessidade de cumprimento de todo o prazo da prisão temporária. Quando decretada sob esse fundamento de forma inválida, deve a prisão ser relaxada.

 

c)               Inciso III – Fundadas razões de autoria ou participação nos crimes previstos no inciso III do art. 1°, da Lei n. 7.960/89 e no art. 2°, § 4º, da Lei nº 8.072/90 – Trata-se de rol taxativo de crimes que admitem prisão temporária, sendo ilegal a decretação de prisão temporária por cometimento de crime diverso dos previstos no presente inciso, devendo ser imediatamente relaxada.

Quanto a expressão “fundadas razões”, Lima (2016, p. 1321), acredita um mínimo de lastro probante e probabilidade de autoria do delito para que o juiz determine a restrição da liberdade de alguém por meio da temporária, considerando “ser ilegal e repudiável uma captura destinada a fazer nascer referidos indicativos”.

O referido autor apresenta tal posicionamento ao discordar de Nucci (2017), pois este acredita serem dispensáveis indícios de autoria e materialidade para sustentar uma temporária, vez que, segundo este autor, havendo tais elementos faria mais sentido a representação policial pela prisão preventiva e não a prisão temporária.

 

Feita análise das circunstâncias autorizadoras da prisão temporária, fala-se ainda nos prazos estabelecidos pela Lei n. 7.960/89, onde, conforme o art. 2°[15], esta terá duração de 5 (cinco) dias, podendo ser prorrogado em caso de extrema e comprovada necessidade.

E ainda, quanto a especialidade das leis especiais, como na lei de crimes hediondos, art. 2, § 4°, onde prevê prazo de 30 (trinta) dias, da prisão temporária, podendo ser prorrogado por igual período, nos crimes ali previstos.

 

3.2.3 Prisão Preventiva

 

A prisão preventiva, trata-se de uma subespécie das prisões cautelares, ou prisões processuais, asseguradas pelo sistema processual brasileiro, como medida coercitiva contra a liberdade do acusado em prol do regular andamento processual, desde que preenchidos os requisitos legais (art. 313, CPP), os motivos autorizadores (art. 312, CPP) e se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, decretada sob a ordem judicial devidamente fundamentada.

Tal modalidade de prisão processual, segundo o Código de Processo Penal Brasileiro, dentre os arts. 311 a 316, pode ser decretada em diferentes momentos, seja no curso da investigação criminal, na ação penal ou mesmo que após prolatada sentença condenatória recorrível.

Ressalta-se que o art. 311, CPP,[16] menciona expressamente a possibilidade de decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo juiz, durante a ação penal, ou mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, se no curso da investigação policial.

Neste ponto, Lopes Júnior. (2016, p. 647), insiste fervorosa crítica quanto a atuação de ofício do juiz na decretação da prisão preventiva, considerando verdadeira afronta ao sistema processual acusatório que em tese, vigoraria no ordenamento jurídico brasileiro além de ferir o princípio da imparcialidade do julgador, como se vê:

 

A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz-instrutor (poderes investigatórios) ou, pior, quando ele assume uma postura inquisitória decretando – de ofício – a prisão preventiva. É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do inquisidor, contrastando com a inércia que caracteriza o julgador. Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia.

 

Ainda quanto ao momento de decretação da prisão preventiva, Lima (2016) apresenta importante discussão a respeito da subsistência da prisão preventiva com a prisão temporária, em relação aos crimes previstos no art. 1º, inciso III, da Lei n. 7.960/89, durante a fase de investigação policial.

Isso porque, segundo o autor, na fase policial, não há cabimento em se considerar a possibilidade de decretação da prisão preventiva após o cumprimento da prisão temporária durante o prazo estabelecido, com abertura de novo prazo para conclusão do inquérito. Nesse caso, já foi imposta a medida cautelar devida, devendo o investigado, após o cumprimento do prazo, ser imediatamente posto em liberdade.

Trata-se, portanto de prisão processual, visando garantir, com eficiência, um provimento jurisdicional, imponto o cárcere ao acusado ou réu como última medida adequada e suficiente, desde que respeitado os fundamentos e pressupostos a serem analisados.

 

3.2.3.1 Pressupostos da prisão preventiva

 

Como visto anteriormente, a prisão preventiva como prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem judicial devidamente fundamentada, desde que respeitado os fundamentos e pressupostos legais e além disso, que as medidas cautelares alternativas a prisão sejam insuficientes ou inadequadas para o caso em concreto.

Tais pressupostos e fundamentos podem ser observados no próprio Código de Processo Penal Brasileiro, que estabeleceu de forma específica condições que preenchem o fumus commissi delicti e o periculum libertatis.

Com a análise do art. 312 do CPP, verifica-se com a exigência da prova da existência do crime e indício suficiente de autoria como a “fumaça” da existência do delito é adequada para admitir uma prisão processual como medida coercitiva e protetora do processo.

No que tange a prova da existência do crime e indícios de autoria, assevera-se que tal fundamento significa ser indispensável que o juiz análise a tipicidade formal da conduta, a partir dos elementos do crime (fato típico, antijurídico e culpável) e com isso demonstre através de mínimas provas a possível autoria a quem se imputa a necessidade de imposição da prisão preventiva.

Destarte, esclarece Lopes Júnior (2016), que a fumaça da existência de um delito não significa juízo de certeza acerca da sua materialidade e autoria, mas sim de uma probabilidade razoável.

Apesar de existirem situações em que a prova se mostra indispensável para própria materialização do delito, como no caso dos crimes que deixam vestígios, sendo indispensável a produção do exame de corpo de delito. Assim, acentua Lima (2016, p. 1270) que:

 

Por conseguinte, quanto à materialidade delitiva, é necessário que haja prova, isto é, certeza de que o fato existiu, sendo neste ponto, uma exceção ao regime normal das medidas cautelares, na medida em que, para a caracterização do fumus boni iuris, há determinados fatos sobre os quais o juiz deve ter certeza, não bastando a mera probabilidade. Já no tocante à autoria delitiva, não se exige que o juiz tenha certeza desta, bastando que haja elementos probatórios que permitam afirmar a existência de indício suficiente, isto é, probabilidade de autoria, no momento da decisão, sendo a expressão “indício” utilizada no sentido de prova semiplena.

 

Já o periculum libertatis, conforme Lopes Júnior. (2016, p. 651) “pode-se considerar o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo”.

Trata-se de um segundo fundamento para a prisão preventiva, e pode ser encontrado no art. 312 do CPP, com a seguinte redação:

 

A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (grifou-se). (BRASIL, 1941).(grifou-se).

 

Tais requisitos são considerados por Nucci (2017) como o elemento variante, que junto a prova da existência do crime e o indício suficiente de autoria constituem os requisitos que legitimam a prisão preventiva.

Ou ainda, por força do novo parágrafo único do art. 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (CPP, 282, § 4°).

Primeiramente, quanto a garantia da ordem pública, é entendido pela doutrina majoritária que o termo possui um significado genérico e indefinido, acreditando-se ser uma astúcia legislativa para “continuar tolerando seja o juiz o protagonista da conceituação, conforme o caso concreto” (NUCCI, 2017, p. 93).

Assim, se estabeleceu pela doutrina e jurisprudência, quesitos básicos como: a gravidade concreta do crime, repercussão social, maneira destacada de execução, condições pessoais negativas do autor e envolvimento com associação ou organização criminosa, a fim de estreitar os limites desse fundamento, sendo desnecessário a cumulação de todos os quesitos, bastando que exista, pelo menos, um binômio, como regra. (NUCCI, 2017).

A gravidade em concreto do delito demonstra-se através do fato, das suas circunstâncias e consequências, em que somente com a análise em concreto do crime é possível entender pela necessidade de prisão cautelar ou não.

Tem a jurisprudência se manifestado no seguinte sentido:

 

1.              Está sedimentado na Corte o entendimento de que a gravidade em abstrato do delito não basta para justificar, por si só, a privação cautelar da liberdade individual do agente” (RHC 117.493-SP, 1.ª T., rel. Dias Toffoli, 25.06.2013, v.u.) (BRASIL, 2013)

 

 

1.              Em casos excepcionais, viável a superação do óbice da Súmula 691 desta Suprema Corte. Precedentes. 2. O decreto de prisão cautelar há de se apoiar nas circunstâncias fáticas do caso concreto, evidenciando que a soltura ou a manutenção em liberdade do agente implicará risco à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal (CPP, art. 312). 3. A motivação genérica e abstrata, sem elementos concretos ou base empírica idônea a amparar o decreto prisional, esbarra na jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal, que não lhe reconhece validade. Precedentes. 4. Substituição da prisão preventiva por medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, a serem fixadas pelo juízo de primeiro grau. 5. Identidade de situações entre o paciente e o corréu enseja, na hipótese, a aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal – ‘No concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará outros’. 6. Ordem de habeas corpus concedida para revogar a prisão preventiva do paciente, sem prejuízo da imposição, pelo magistrado de primeiro grau, se assim o entender, das medidas cautelares ao feitio legal, estendendo os efeitos desta decisão ao corréu”. (BRASIL, 2016)

 

As condições pessoais negativas, conforme leciona Nucci (2017, p. 97) “referem-se à personalidade, aos antecedentes e à conduta social, elementos que serão, de todo modo, levados em conta por ocasião da aplicação de eventual pena. (art. 59,CP)”.

Entretanto, apesar de ser a garantia da ordem pública um dos principais argumentos utilizados para decretação da prisão cautelar, pode, em razão da indefinição legislativa, abrir espações para interpretações teratológicas pelo juiz e acabar ferindo princípios, como a presunção da culpabilidade ao invés de se preservar a inocência.

Então, sem dúvida, tal vacância legislativa enseja uma parcialidade do julgador, impondo juízo de valor, que muitas vezes surge do clamor social e da mídia, interferindo diretamente no processo internamente, posto que, uma vez decretada a prisão preventiva sem os verdadeiros critérios legais, o status de inocência perde força, dentro e fora do processo.

Quanto a garantia da ordem econômica, refere-se a mesma preocupação trazida pela garantia da ordem pública, no entanto, visa tutelar o risco decorrente daquelas condutas, que afetam a tranquilidade e harmonia da ordem econômica, “seja pelo risco de reiteração de práticas que gerem perdas financeiras vultosas, seja por colocar em perigo a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro [...]” (Lopes Júnior, 2016, p. 632).

Da conveniência da instrução criminal extrai-se o caráter garantir ao regular andamento do processo, ligando-se basicamente à atuação do réu em face da captação das provas.

Visto o caráter excepcional da prisão preventiva, o fundamento da conveniência da instrução criminal deve encontrar-se amparada sob um viés concreto de interferência na atuação estatal de colheita de provas e no regular trâmite do processo, de modo que a permanência do réu solto não venha a ameaçar testemunhas, ou mesmo o representante do Ministério Público e o juiz, destruir documentos ou vestígios que possam levar à sua autoria.

Assevera ainda Lopes Júnior (2016) que tal fundamento não deve ser utilizado visando obter o seu interrogatório ou força-lo a participar de algum ato probatório, constituindo assim verdadeiro constrangimento e violação do direito ao silêncio e principalmente, o nemo tenetur se detegere (não produzir provas contra si mesmo).

Por fim, quanto ao fundamento assegurar a aplicação da lei penal, diz respeito essencialmente ao potencial risco de fuga do agente, visando assim assegurar a aplicação da sentença como determinação judicial e poder punitivo estatal.

Assevera Nucci (2017) que tal potencial risco de fuga deve encontra-se amparado por colheita reais de dados, reais indícios de que o agente planeja fugir a fim de não sofrer as punições consequentes de sua conduta ilegal, apresentando indicativos como: sumir logo após a prática do crime, sem retornar, nem dar o seu paradeiro; b) dispor de seus bens e desligar-se de seu emprego; c) despedir-se de familiares e amigos, buscando a transferência de valores ou bens a outro Estado ou ao Exterior.

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ tem se manifestado pelo real e potencial risco de fuga em concreto: “A simples condição de foragido, que se mantém em local incerto e não sabido, é suficiente para a decretação da prisão preventiva. Precedentes.” (STJ, 2012).

Portanto, reforça-se a imprescindibilidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis como requisitos essenciais que sustentam a excepcionalidade da prisão preventiva, como prisão cautelar, e a necessidade de decisão judicial devidamente fundamentada, em elementos reais e concretos, como bem assevera Lopes Júnior (2016, p.654):

 

É imprescindível um juízo sério, desapaixonado e, acima de tudo, calcado na prova existente nos autos. A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter um primor de fundamentação, não bastando a invocação genérica dos fundamentos legais. Deve o juiz demonstrar, com base na prova trazida aos autos, a probabilidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis.

 

E ainda, vale observar a possibilidade de decretação da prisão preventiva por descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 319, CPP), nos termos do art. 282, § 4º, do CPP, bem como imprescindível a observância das hipóteses de cabimento da prisão preventiva, como se vê a seguir.

 

3.2.3.2 Hipóteses autorizadoras para decretação da preventiva

 

Fala-se ainda nas hipóteses em que a lei estabeleceu como devidas a decretação da prisão preventiva, em razão da excepcionalidade e insuficiência ou inadequação das demais medidas cautelares para o caso em concreto, distribuídas entre os incisos do art. 313 do Código de Processo Penal[17].

Primeiramente, o inciso I, art. 313, do CPP, exige que o crime cometido seja doloso e com pena máxima privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, não se esquecendo da exigência inerente do fumus commissi delicti e do periculum libertatis.

Nesta hipótese verifica-se um critério objetivo, exigindo que a pena imputada seja de privativa de liberdade, reclusão ou detenção e ainda que seja superado o quantum de pena fixado. 

Destaca-se as alterações trazidas pela reforma processual penal através da Lei n. 12.403/2011, onde se buscou uma harmonização do Código de Processo Penal ao próprio Código Penal, visto que, com a alteração trazida pelo inciso I, do art. 313, CPP, o objetivo principal foi equiparar os institutos com o art. 44 do CP, onde prevê a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.

Isso porque não faria sentindo admitir uma prisão processual como a preventiva se mesmo que condenado, ao final do processo, o réu não teria sua liberdade restringida, nas hipóteses do art. 44, CP, por crimes culposos ou com pena máxima igual ou inferior a 4 anos.

Assim, em hipótese alguma será admitida a prisão preventiva por crimes culposos, sendo exigido, de acordo com essa hipótese legal, além do fumus commissi delicti e do periculum libertatis, os critérios objetivos observados.

Quanto a hipótese do inciso II, art. 313, CPP[18], prevê a possibilidade de prisão preventiva, de maneira excepcional, aquele que for reincidente em crime doloso.

Tal possibilidade parece violar o estado de inocência do indivíduo, vez que apesar de trazer para a situação em análise uma decisão judicial com trânsito em julgado, tal critério não atende à necessidade cautelar da prisão preventiva. Nesse sentido, explica Lopes Júnior (2016, p. 657):

 

Autorizar uma prisão preventiva com base, exclusivamente, no fato de ser o réu ou indiciado reincidente é uma interpretação equivocada, até porque viola presunção de inocência (estabelece uma “presunção de culpabilidade” por ser reincidente), a proporcionalidade e a própria dignidade da pessoa humana. Ademais, não possui caráter cautelar, e por isso, é substancialmente inconstitucional a nosso ver.

 

No entanto, recentemente entendeu o Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade de tal inciso em relação a reincidência tanto em relação a agravante de pena (art. 61, I, CP), mas também como fator impeditivo para concessão de diversos benefícios, sem que se fale em bis in idem. (STF, 2013).    

Da análise das hipóteses legais de decretação da prisão preventiva, merece destaque a sua possibilidade quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência

Isso porque tal possibilidade, ao incluir um grupo de pessoas consideradas “vulneráveis” para o direito, com a preservação da violência doméstica e familiar contra a mulher, trazida pela Lei n. 11.340/2006 e inclusão da criança, do adolescente, do idoso e da pessoa com deficiência, através da alteração legislativa com a Lei n. 12.403/2011.

Ressalta-se o caráter excepcional da preventiva, com medida ultima ratio afim de proteger os interesses pessoais e coletivos das pessoas destacadas no referido inciso.

Logo, desde que já tenha sido imposta medidas protetivas indicadas pelas legislações específicas de cada grupo, no caso, a Lei n. 11.340/11 (Lei Maria da Penha), a Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e a Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da pessoa com deficiência), e sendo esta descumpridas, voltando o acusado a ameaçar a vítima, caberia a decretação da prisão preventiva, logicamente, exigindo o dolo na conduta do agente.

No entanto, assevera Lima (2016), que a imposição de prisão preventiva com objetivo de garantir a execução de uma medida protetiva deve ser sustentada quando a violação a medida protetiva inferir em alguma pratica delituosa (ameaça, lesão corporal, tentativa de homicídio), sob o risco de estar se admitindo uma nova espécie de prisão civil, vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, visto que a maioria das medidas protetivas possuem caráter civil.

Assim, por exemplo, a simples “inobservância de determinação de afastamento do lar, não será possível a decretação do carcer ad custodiam, sob pena de se instalar uma nova e inconstitucional modalidade de prisão civil”. (LIMA, 2016, p.1288).

Por fim, no parágrafo único do art. 313, o legislador concedeu destaque ainda a possibilidade de decretação de prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade do acusado.

 Destaca Nucci que tal hipótese de prisão existe como “fator de pressão para identificação necessária; tão logo seja esclarecido o cenário da sua identidade, ser colocado em liberdade, salvo se os requisitos da preventiva estiverem presentes” (NUCCI, 2017, p. 107).

Não se esquecendo do binômio fumus commissi delicti e do periculum libertais, como fundamentos inerentes e essenciais a toda e qualquer imposição de prisão preventiva.

4.      EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E A JURISPRUDÊNCIA DO STF

 

4.1  Ativismo Judicial

 

Primeiramente, cabe traçarmos uma linha do tempo sobre como o ativismo judicial tem se manifestado e interferido na Ordem Democrática Brasileira e no Estado Democrático de Direito, analisando sob o prisma constitucional e processual penal, das decisões e interpretações postas em discussão pela Suprema Corte Brasileira.

 Para isso, insta ressaltar como a separação dos poderes foi intitulada e como o Brasil absorveu as teorias de divisão.

Como cediço, no desenrolar do absolutismo e florescer do iluminismo, como movimento revolucionário que buscou reduzir os poderes soberanos do estado, do monarca, Montesquieu na obra “O Espírito das Leis”, publicado em 1748 defendeu o sistema de freios e contrapesos, “check and balances”, como sistema de equilíbrio, de harmonia e independência entre os poderes, definindo que “só o poder freia o poder”.

Assim, posteriormente, Montesquieu, no século XVI em sua obra, “O príncipe”, apresentou a Teoria Tripartite de repartição de poderes, na França, entre o Legislativo (representado pelo parlamento), Executivo (Rei) e o um Judiciário autônomo.

A Constituição Brasileira de 1824, antes de adotar a teoria da tripartição de poderes, adotou nesse governo a figura do quarto poder, representado pelo Poder Moderador, que cabia ao Imperador.

Tal poder manifestava-se como hierarquicamente superior aos demais poderes, caracterizando-se como uma verdadeira monarquia, de maneira disfarçada, já que todas as decisões emanavam da palavra final do imperador.

O Brasil adotou na Constituição Federal de 1988 a Teoria Tripartite de Montesquieu ou Tripartição de Poderes, dividindo-se os poderes entres as figuras do Legislativo, Executivo e do Judiciário.

No cenário brasileiro, os poderes institucionais são marcados por funções, típicas e também atípicas.

Típicas porque correspondem a atividade principal do poder, a essência pelo qual foi instituído e que exercem preponderantemente. Assim, quando se fala em Poder Legislativo, logo se pensa em leis, legislação como um todo.

Isso porque, o poder legislativo possui como função típica a atividade legiferante do Estado. Estabelecer normas gerais que servem para regular uma sociedade como um todo.

Quando se fala em Poder Executivo, fala-se em execução, em administração pelo poder público, da máquina estatal em favor de toda a sociedade.

E o Poder Judiciário, cabe como atividade típica exercer a jurisdição em todo território nacional, aplicando as leis aos casos concretos e solucionando situações conflitantes.

Tais funções são consideradas típicas porque os poderes não possuem exclusividade quanto a execução de tais atividades.

Assim, o poder legislativo pode exercer funções administrativas e judicias, de maneira atípica, quando, por exemplo, exerce o controle de licença, férias, do seus servidores e quando julga alguns cargos políticos em crimes de responsabilidade.

O executivo da mesma forma, pode exercer funções legiferante e também jurisdicional, de maneira atípica, quando edita decretos, portarias, no exercício do poder regulamentar e também quando julga processos administrativos disciplinares.

Já o judiciário exerce também funções atípicas, quando edita seus regulamentos internos e administra funções de seus servidores.

Portanto, buscou-se consolidar atividades próprias de um poder, a fim de que este exerça essas atividades com maior efetividade e desempenho, tanto para o Estado como para a própria sociedade, no entanto, não prestigiando exclusividade a essas funções.

Neste sentido, ensina Ramos (2015, p. 115):

 

É de se acrescentar, ainda, que a afetação das funções aos órgãos deve ser feita de modo a se obter uma relativa especialização funcional ou seja, cada aparato orgânico deve, predominantemente, exercer uma delas, sendo estruturado com vista ao exercício adequado da atividade, admitindo-se, pois, um certo compartilhamento de funções genérico ou individual.

 

O constitucionalismo serviu como importante movimento basilar na construção do forte e atuante ativismo judicial, vez que surgiu, desde os meados também da Revolução Francesa, como movimento jurídico-político com fim de impor limites ao poder tirano do Estado, e assegurar maiores garantias constitucionais a sociedade, por meio da lei.

Assim, a partir do século XXI, surge a ideia, pela melhor doutrina, do Neoconstitucionalismo, ou constitucionalismo pós-positivo, onde “no neoconstitucionalismo, busca-se além da limitação do poder arbitrário, que sobreponha os direitos fundamentais. A preocupação aqui é com a verdadeira eficácia da Constituição.” (SANTANA, 2015).

Neste ponto discute-se o ativismo judicial pelo STF, como guardião da constituição e aquele que detém o poder de interpretação da Carta maior, e que muitas vezes, exorbita limites positivados vigentes para se chegar a uma efetividade constitucional mais perfeita, seja aos anseios jurídicos ou mesmo da sociedade.

Segundo Ramos (2015, p. 131), ativismo judicial significa maior discricionariedade quanto a atuação jurisdicional do poder judiciário, conforme se vê:

 

Por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há como visto, uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturalização da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais poderes.

 

Quanto ao exercício jurisdicional pelo poder judiciário é que se retrata maior discussão no momento, vez que, embora, como visto, possua condições de exercícios de funções atípicas, tal possibilidade deve encontrar limites na legislação, de modo que o ativismo judicial não possa interferir no exercício funcional de outro poder.

Santana (2015), considera o ativismo judicial como um “fenômeno da modernidade, decorrente da forte atuação do Poder Judiciário nas relações sociais”.

Neste sentido, Santana (2015), afirma que o STF, utilizando-se da sua função legiferante, vem ultrapassando limites, sobrepondo não só o poder legislativo, como também a própria ordem democrática constitucional.

Por parte dos críticos, o ativismo judicial, assim se caracteriza quando o judiciário apresenta uma nova interpretação da lei, ante a uma situação em concreto, o que, muitas vezes, confunde-se justamente com à atividade legislativa do Estado.

Isso acontece tendo em vista justamente o aspecto neoconstitucionalista do ordenamento jurídico brasileiro, onde o foco no Poder Judiciário tem se tornado verdadeiro protagonista de uma inovação na aplicabilidade e eficácia da Constituição. (SANTANA, 2015).

Assim, destaca-se a atuação do STF por meio das súmulas vinculantes proferidas por esse tribunal, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, o art. 103-A, CF, em que possibilitou o pretório excelso, ainda que de ofício, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar súmulas com efeito vinculante, tanto para o poder judiciário, como para a Administração Pública como um todo, nas vertentes direta e indireta.

Parte da doutrina terce considerável crítica a esse dispositivo, alegando ser uma manifestação considerável de ativismo judicial pelo STF, ao “legislar” de maneira ampla, usurpando da competência legislativa que compete ao poder legislativo.

Por outro lado, entende que a possibilidade de edição de súmulas vinculantes visa garantir maior celeridade processual, além de proporcionar um posicionamento mais firme, sobre as questões já sumuladas e postas a discussão pelo judiciário, assegurando assim igualdade jurídica e segurança jurídica.

No sentido de defesa da atuação cada vez mais positiva do Supremo Tribunal Federal, Tebet (2009) defende que as recentes atuações pelo STF visam assegurar os postulados constitucionais, aplicando ao caso concreto os princípios constitucionais. Nesse sentido, manifesta-se o autor:

 

A atuação da Suprema Corte brasileira não inova ou extrapola; apenas aplica ao caso concreto os princípios constitucionais que são ou desprezados pelos outros atores políticos (seja pela falta de regulamentação), ou pela erronia de sua interpretação (invariavelmente feita pelas instâncias judicias ordinárias em sede processual penal no sentido da “busca pela verdade real”, ou em “defesa da sociedade” em detrimento do princípio da dignidade humana).

 

No entanto, nem sempre o que se vê é a atuação pela Suprema Corte Brasileira no sentido de cumprimento aos princípios constitucionais a partir das suas interpretações, seja por meio dos casos concretos, ou mesmo de maneira geral, por meio das súmulas vinculantes.

Isso porque, em relação a execução provisória da pena, após a Constituição de 1988, o STF tem realizado interpretações e interpretações acerca da sua admissibilidade no ordenamento jurídico brasileiro, possuindo como mais recente posicionamento o de que a execução da pena, após condenação em segunda instância, não viola a presunção de inocência, princípio constitucional.

No entanto, mesmo que uma interpretação teratológica do dispositivo constitucional que assegura a presunção de inocência, que impõe inclusive, limites temporais da sua aplicabilidade e observância, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, não viola os princípios da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição e da presunção de inocência?

O STF já teve diferentes posicionamentos a esse questionamento, conforme se verá no tópico a seguir.

 

4.2 Os caminhos da jurisprudência do STF pós CF/1988

 

Neste ponto, é circunstancial que utilizemos como parâmetro a Constituição Federal de 1988, como norma constitucional vigente e que traz em sua literalidade a questão da presunção de inocência como princípio e direito fundamental, como visto.

Segundo explica Gomes (2016), no cenário mundial, existem três sistemas de interpretação da presunção de inocência e a condenação criminal, a saber:

 

Mundialmente falando há 3 sistemas sobre o assunto: (a) derruba-se a presunção de inocência com a simples confissão (sistema norte-americano do plea bargaining – a confissão derruba a presunção de inocência e já se faz a negociação sobre a quantidade da pena); (b) a presunção de inocência se desfaz com a condenação em dois graus de jurisdição (isso ocorre em mais de 90% dos países ocidentais); (c) a presunção de inocência só cai depois do trânsito em julgado final da sentença condenatória (leia-se, depois de esgotados os 3º e 4º graus de jurisdição).

 

Porém, inclui-se como outro sistema de interpretação da presunção de inocência e condenação criminal a possibilidade de cumprimento a pena após condenação no “3°” grau de jurisdição, ou seja, no Superior Tribunal de Justiça, tese apresentada pelo Ministro Dias Toffoli em 2016. (BRASIL, 2016).

A partir da análise jurisprudencial do STF acerca do assunto, até o ano de 2009, a jurisprudência permitia a execução provisória da pena privativa de liberdade após condenação em segunda instância, adotando o art. 637 do CPP[19] como principal fundamento, que determina a inexistência de efeito suspensivo para os recursos especial e extraordinário.

Tal questão foi objeto de discussão por meio do HC 68.726, no dia 28 de junho de 1991, e teve como número favorável a execução provisória de acórdão penal com o placar de oito a zero, conforme ementa a seguir:

 

HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA EM SEGUNDO GRAU. MANDADO DE PRISÃO DO PACIENTE. INVOCAÇÃO DO ART. 5 , INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 669. A ORDEM DE PRISÃO, EM DECORRÊNCIA DE DECRETO DE CUSTODIA PREVENTIVA, DE SENTENÇA DE PRONUNCIA OU DE DECISÃO DE ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDO GRAU E DE NATUREZA PROCESSUAL E CONCERNE AOS INTERESSES DE GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL OU DE EXECUÇÃO DA PENA IMPOSTA, APÓS O DEVIDO PROCESSO LEGAL. Não conflita com o art. 5°, inciso LVII, da Constituição. De acordo com o par.2 do art. 27. Da Lei n 8.038/1990, os recursos extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo. Mantida, por unanimidade, a sentença condenatória, contra a qual o réu apelara em liberdade, exauridas estão as instancias ordinárias criminais, não sendo, assim, ilegal o mandado de prisão que órgão julgador de segundo grau determina se expeça contra o réu. Habeas Corpus indeferido. (grifou-se) (BRASIL, 1991).

 

Nesse contexto, houve inclusive edição de súmula nesse sentido, editada pelo STJ, nos termos: Súmula 267 do STJ: “A interposição de recurso sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.” (BRASIL, 2002).

 Tal entendimento prevaleceu até o ano de 2009, onde a Corte Suprema Brasileira, ao discutir novamente a questão, entendeu preponderantemente pela impossibilidade de execução provisória da pena, após condenação em segunda instância, ou seja, prisão só após o trânsito em julgado final, ao julgar o HC 84.078/2010-MG.  

Claro que, referindo-se a prisão pena, não as prisões cautelares, adotando assim o sistema “c”, segundo a distinção elencada por Luiz Flávio Gomes.

Neste sentindo, fixou o STF acórdão, conforme se vê ementa do julgamento, que teve como relator o Ministro Eros Grau:

 

EMENTA: HABEAS CORPUS.INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1.O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP.

3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.

4. A ampla defesa, não se pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.

5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”.

6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço.

7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não à deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas.

8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual.

Ordem concedida. (Grifou-se) (STF, 2009).

 

Segundo Grinover (2016) “foi a doutrina processualista penal unânime que impulsionou essa mudança”, mencionando como exemplo ela própria (Grinover, Scarance e Magalhães, RT), Antônio Magalhães Gomes Filho (Presunção de inocência e prisão cautelar, São Paulo, Saraiva, 1991), e Antônio Scarance Fernandes (Processo Penal Constitucional, RT, 5ª ed.,2007).

Verifica-se que, conforme explica Zanotti, Santos (2016), o art. 637 do CPP violaria a presunção de inocência e a ampla defesa, além de ter sido revogado pela Lei de Execução Penal e não recepcionado pela Constituição de 1988.

Por outro lado, o Ministro Luís Roberto Barroso, ao traçar os caminhos do STF em relação ao assunto em seu voto, no julgamento do HC 126.292-SP, entende que essa referida alteração de entendimento foi propicia a três consequências: incentivo a interposição de recursos meramente protelatórios; reforçou a seletividade do sistema penal; e em terceiro lugar, contribuiu para agravar o descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade. (BRASIL, 2016).

Já no ano de 2016, a discussão acerca da execução provisória da pena foi posta em discussão novamente, através do julgamento do marcante HC 126.292-SP, ocasião em que o STF, por 7 votos a 4, mudou o seu entendimento para retornar a posição de que a execução da pena após condenação em segunda instância não viola a presunção de inocência, elencando fundamentos como ausência de efeito suspensivo dos recursos extraordinários, direito comparado, efetividade da justiça criminal, mutação constitucional,  a título de exemplos, a serem discutidos em tópico específico.

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.

1.A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

2.Habeas corpus denegado. (BRASIL, 2016). (grifou-se).

 

E ainda, com o ajuizamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) n° 43 e 44, o STF entendeu que o art. 283 do CPP não impede o início da execução da pena privativa de liberdade após condenação em segunda instância, indeferindo as liminares. (BRASIL, 2016).

Bem como no ARE 964.246, julgado em 10 de novembro de 2016, o STF reconheceu a repercussão geral que trata da execução provisória de condenação em 2° instância, reafirmando a jurisprudência deste tribunal. (BRASIL, 2016).

Desde então, diversas situação foram levadas ao Supremo Tribunal Federal relacionadas a execução provisória da pena.  

Por exemplo, em 20 de setembro de 2017, por meio do HC 148.062-PR, o Ministro Dias Toffoli decidiu pela não concessão de Habeas corpus a José Ary Nassif, ex-diretor da Assembleia Legislativa do Paraná, condenado em segunda instância por peculato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, confirmando o atual entendimento jurisprudencial do STF de que a execução da pena após condenação em segunda instância não viola a presunção de inocência. (BRASIL, 2017).

Situação semelhante pode ser constatada com o julgamento do HC 148.369-SP, em que o Ministro Alexandre de Morais manteve a prisão antecipada do ex-prefeito de Miguelópolis/SP, Cristiano Barbosa, confirmando o entendimento de não violação ao princípio constitucional da presunção de inocência. (BRASIL, 2017).

Por outro lado, em 11 de outubro de 2017, o Ministro Ricardo Lewandowski, ao relatar o HC. 147.427-GO concedeu Habeas corpus ao ex-vereador de Goiânia, Amarildo Pereira, mantendo o seu posicionamento e contrariando o entendimento majoritário da Suprema Corte, no sentido de que não há qualquer previsão constitucional quanto à execução antecipada da pena, utilizando as palavras: “Como se sabe, a nossa Constituição não é uma mera folha de papel, que pode ser rasgada sempre que contrarie as forças políticas do momento”. (BRASIL, 2017).

Somando-se a divergência jurisprudencial no STF, no dia 22 de agosto de 2017, o Ministro Gilmar Mendes concedeu um Habeas Corpus (HC 146.815-MG), contra o cumprimento de pena imediatamente após a condenação em segunda instância. Para o Ministro, a condenação só deve ter efeito de trânsito em julgado após decisão do Superior Tribunal de Justiça. (BRASIL, 2017).

Destarte, apesar do posicionamento firmado pelo plenário do STF, a verdade é que a corte jurisdicional brasileira passa por uma verdadeira “salada mista” de entendimentos, tendo em vista que, a depender do Ministro relator, o subjetivismo dos ínclitos Ministros pode conceder ou denegar questão jurisdicional de igual objeto, o direito à liberdade de ir, vir e permanecer, representando verdadeira insegurança jurídica.

Posteriormente, a justiça brasileira se deparou com denúncias em desfavor de um ex-Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, como um dos acusados na Operação Lavajato, por diversos crimes, como lavagem de dinheiro, corrupção, organização criminosa, dentre outros, merecendo destaque o caso do tríplex do Guarujá.

Sendo a denúncia distribuída ao juiz federal Sérgio Moro, titular da 13° Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de Curitiba – PR, foi esta recebida, tornando réu o ex-Presidente da República e condenando-o, em 12 de julho de 2017, a pena de nove anos e seis meses de reclusão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em concurso material[20]. (BRASIL, 2017).

Em exercício ao direito ao duplo grau de jurisdição, o ex-presidente Lula apelou ao Tribunal Regional Federal da 4° Região, sendo confirmada, por unanimidade, a sua condenação, aumentando a pena para doze anos e um mês no processo da operação Lavajato que trata do tríplex do Guarujá, além de determinar o imediato cumprimento da pena, após o esgotamento dos recursos em segunda instância, conforme entendimento do STF. (BRASIL, 2018).

Com o fim de resguardar o direito à liberdade do ex-presidente Lula, a defesa impetrou Habeas Corpus preventivo no Superior Tribunal de Justiça e também no Supremo Tribunal Federal, sendo negado por unanimidade no STJ, cabendo ao STF pautar novamente a discussão acerca da execução provisória da pena, visto que tratava-se de questão de repercussão geral, ainda que existindo ações específicas pendente de julgamento (ADCs n° 43 e 44).

Mais uma vez, em sessão histórica e duradoura, o STF reafirmou o entendimento prolatado em 2016, decidindo por 6 votos a 5, pela denegação da ordem do remédio constitucional impetrado preventivamente pela paciente Luís Inácio, entendendo pela constitucionalidade da execução antecipada da pena privativa de liberdade. (BRASIL, 2018).

Assim, visto o cenário de idas e vindas sobre a execução provisória da pena no Supremo Tribunal Federal, e ainda pendente de julgamento do mérito das ADCs n° 43 e 44, se faz necessário apresentar e discutir os principais pontos alegados pelos Ministros do Pretório Excelso favoráveis a execução, e também análise dos argumentos doutrinários contrários ao cumprimento de pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, conforme se vê a seguir.

 

4.3 Análise dos argumentos favoráveis a execução provisória da pena

 

Neste ponto, insta salientar que tomaremos como base o julgamento do Habeas Corpus 126.292-SP, visto ser a última ação a ser amplamente discutida e que alterou o posicionamento jurisprudencial da Suprema Corte Brasileira, sendo que o HC 152.753.05.04.2018, que teve como paciente o ex-presidente Lula, apenas reafirmou tal entendimento.

 

4.3.1 Ausência de revaloração de fatos e provas e direito estrangeiro

 

Tomando como base o Habeas Corpus 126.292-SP, elenca-se como um dos principais argumentos favoráveis ao cumprimento de pena ainda que na pendência de recursos, o exaurimento da discussão jurisdicional de fatos e de provas no tribunal de apelação, ou seja, nos juízos de segunda instância.

Segundo afirmou o Ministro e relator Teori Zavascki, em seu voto “[...] fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado”. (BRASIL, 2016, p.09).

Isso porque, acredita-se que o exercício ao duplo grau de jurisdição se esgota com a devolutividade da matéria para apreciação em segunda instância, não sendo assim, o recurso especial e o recurso extraordinário, desdobramentos do duplo grau de jurisdição. (BRASIL, 2016).

Isso acontece pois, os recursos de natureza extraordinária, fogem a análise de fatos e provas novamente, restringindo-se a análise de questões de direito, caracterizando-se como preclusão da matéria de fatos da causa, restando somente possível anulação por algum vício, porém a culpa já foi discutida e provada, se o caso foi de condenação.

Nesse sentido, também afirmou o Ministro Edson Fachin ao proferir o seu voto: “As instâncias ordinárias, portanto, são soberanas no que diz respeito à avaliação das provas e à definição das versões fáticas apresentadas pelas partes.” (BRASIL, 2016, p.23).

De tal modo, diante da restrita devolutividade dos recursos especial e extraordinário e ausência de efeito suspensivo, como bem preceitua o art. 637 do CPP[21], é que a pendência de recursos dessa natureza não obstam o cumprimento imediato de pena privativa de liberdade, pós confirmação de culpa em segundo grau de jurisdição.

Nesse sentido, defendeu o Ministro Zavascki no trecho do seu voto proferido:

 

Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990. (BRASIL, 2016, p.10).

 

Assim, a inexistência de revaloração de fatos e provas pelos recursos de 3° e 4° instância tem sido utilizado como limite ao princípio da presunção de inocência no ordenamento jurídico brasileiro, acreditando-se que, ainda nas palavras do Ministro Teori:

 

A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias. (Grifou-se). (BRASIL, 2016, p.11).

 

Nesse sentido, também afirmou o Ministro Luiz Fux ao proferir o seu voto:

 

O desenvolvimento da força normativa da Constituição, nesse aspecto, está em que a presunção de inocência cessa a partir do momento em que se comprova a culpabilidade do agente, máxime, em segundo grau de jurisdição, encerrando um julgamento impassível de ser modificado pelos Tribunais Superiores. (BRASIL, 2016, p.60).

 

Junto a esse argumento, soma-se o direito estrangeiro, onde segundo o relator do Habeas corpus discutido, países como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Espanha, Portugal, Argentina, também possuem como garantia nos seus ordenamentos jurídicos, ainda que implicitamente, a presunção de inocência, porém não impedem que a pena inicie-se antes do trânsito em julgado. (BRASIL, 2016, p.12-15).

 

4.3.2 Presunção de inocência como princípio e não regra e mutação constitucional

 

Outro argumento desenvolvido para legitimar a execução provisória da pena foi posto pelo Ministro Luís Roberto Barroso, dentre um dos três argumentos que utilizou em seu voto, foi o de que a presunção de inocência é princípio e não regra, logo, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada a outros princípios. (BRASIL, 2016).

Nesse sentido, tem-se a transcrição literal de trecho do voto do eminente Ministro Barroso:

 

Pois bem. Não há dúvida de que a presunção de inocência ou de não-culpabilidade é um princípio, e não uma regra. Tanto é assim que se admite a prisão cautelar (CPP, art. 312) e outras formas de prisão antes do trânsito em julgado. Enquanto princípio, tal presunção pode ser restringida por outras normas de estatura constitucional (desde que não se atinja o seu núcleo essencial), sendo necessário ponderá-la com os outros objetivos e interesses em jogo. (BRASIL, 2016, p.39).

 

De tal modo, segundo o Ministro, por se tratar de um princípio e não de regra, a presunção de não-culpabilidade deve ser posta “na balança” com demais princípios que interessem a persecução penal, destacando-se a efetividade da lei penal, utilizando como instrumento o princípio da proporcionalidade para ponderação. (BRASIL, 2016).

Ainda segundo o referido Ministro, a efetividade da lei penal se caracteriza pela proteção aos objetivos do sistema penal (prevenção geral e específica) e também em prol dos bens jurídicos protegidos pelo direito, como vida, integridade física e moral, dispostos na própria Constituição. (BRASIL, 2016).

Por essa linha de pensamento, defende-se, portanto, um peso maior sobre a efetividade da lei penal em relação a presunção de não-culpabilidade quando já se tem uma dupla condenação.

Logo, já há demonstração segura da responsabilidade penal do réu e necessariamente se tem por finalizada a apreciação de fatos e provas.

Barbagalo (2015) ao questionar a natureza jurídica da presunção de inocência, segura-se nas lições de Dworking e Alexy que melhor definiram e distinguiram as regras e os princípios, para também incluir a presunção de inocência no rol dos princípios e não das regras, citando Zanóide (2010):

 

É norma-princípio, porquanto, sua norma identifica um valor a ser preservado e um fim a ser alcançado, trazendo em seu bojo uma decisão político-ideológica. Não é como as normas-regras, prescritivas de condutas.

 

Soma-se a esse argumento de sobrepeso da efetividade da lei penal, a questão da credibilidade do sistema penal em relação a sociedade, diante de diversos crimes, principalmente contra a ordem econômica e financeira do país, os chamados “crimes de colarinho branco” que assolam o Brasil.

Nesse sentido, Grinover (2017), ao emitir um parecer sobre o assunto, considera justificável a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal no discutido Habeas Corpus, em razão do cenário jurídico brasileiro.

Fala-se então em mutação constitucional, em razão dos anseios da sociedade atual, marcada por multiplicidade de recursos, muitos de evidente natureza protelatória, morosidade dos sistema judiciário brasileiro, risco de prescrições e impunidade num país de escândalos e malversação de dinheiro público e que por meio de uma interpretação evolutiva da norma processual, busca-se dar efetividade a punição estatal. (Grinover, 2017).

 

4.3.3 Distinção constitucional entre “culpa” e “condenação”

 

Muito falou-se também em uma distinção constitucional acerca da literalidade do art. 5°, inciso LVII da Constituição Federal.

Argumentou-se que o referido artigo, ao tratar sobre a presunção de não-culpabilidade, condiciona apenas a culpabilidade ao trânsito em julgado e não a prisão.

O Ministro Luís Roberto Barroso utilizou como um dos critérios para legitimar a execução provisória da pena uma interpretação sistemática da constituição, onde os artigos não devem ser analisados isoladamente, mas sim dentro de um contexto e atrelados a demais artigos que complementam sentidos. (BRASIL, 2016).

Assim, para o referido eminente Ministro, o pressuposto essencial para prisão no direito brasileiro é a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, nos termos do art. 5°, LXI, da Carta de 1988 e não o trânsito em julgado.

Dessa forma, a motivação das decisões judicias pode justificar não só as prisões cautelares, mas inclusive uma prisão-pena, antecipadamente, após a dupla condenação em primeira e segunda instância, sem violar o princípio da presunção de inocência.

No mesmo sentido, Grinover (2017) defende por meio da interpretação sistemática do CPP que a presunção de não-culpabilidade não impede a execução provisória da pena, mas sim estabelece regras de tratamento do investigado, acusado, conforme se vê:

 

[...] Portanto, a presunção de inocência não pode ser interpretada como vedação da execução provisória da pena, mas simplesmente como i) preservação do estado de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (com o registro, nos antecedentes criminais, de que a sentença condenatória ainda não transitou em julgado e com a destinação do preso a estabelecimento prisional destinado aos submetidos à provisórios); ii) preservação do tratamento processual do preso com todos os benefícios advindos da cláusula “in dubio pro reo”, do direito ao silêncio, do direito a não se auto-incriminar e do “ne bis in idem”.

 

Desse modo, utilizando-se de métodos de interpretações, como tribunal guardião da Constituição Federal, os Ministros do STF, por maioria dos votos, decidiram pela alteração da jurisprudência acerca da execução antecipada da pena, ainda que pendentes recursos, ou seja, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, sendo alvo de muitas discussões doutrinárias sobre a constitucionalidade dessa decisão.

 

4.4 Análise dos argumentos contrários a execução provisória da pena

 

Visto os argumentos utilizados pelos excelentíssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal para sustentar o porquê da necessidade de alteração do posicionamento da Corte Brasileira em relação ao cumprimento da pena privativa de liberdade após condenação em segunda instância, passaremos a analisar os argumentos contrários a esse entendimento, partindo do próprio julgado do HC 126.292 de 2016, até as últimas discussões jurisprudenciais e doutrinárias sobre o assunto.

Para isso, serão tomados os argumentos dos próprios Ministros do pretório excelso que votaram contra esse posicionamento, e também levar-se-á em consideração os argumentos postos pela respeitável doutrina e estudiosos da Constituição e do Processo Penal como um todo.

 

4.4.1 Presunção de inocência como regra de tratamento

 

Continuando com a análise dos votos do eminentes Ministros, o excelentíssimo Ministro Marco Aurélio votou contra a execução provisória da pena, entendendo ser uma medida violadora a Constituição cidadã, que surgiu como um texto constitucional mais voltado as garantias, aos direitos sociais do que ao Estado. (BRASIL, 2016).

Argumentou ainda que a norma constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado é um texto que não permite interpretações, visto seu caráter claro e literal do que o legislador originário pretendeu, sob o risco de, por meio de interpretações, usurpar os limites do que o texto realmente propôs. (BRASIL, 2016).

Neste sentido, Silva (2018), ao emitir parecer acerca do assunto, critica o argumento de que “não se pode dar a essa regra constitucional caráter absoluto”, pois segundo ele, a regra constitucional da presunção de inocência ou de não culpabilidade possui caráter absoluto sim, na medida em que é norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, não podendo nem mesmo ser objeto de emenda constitucional.

Somando-se a esse posicionamento, Lopes Júnior (2016) considera que o termo “transito em julgado” não abre margem para interpretações que admitem cumprimento de pena na pendência de recursos, ou seja, antes de atingido o estágio imutável da sentença ou acórdão.

Streck (2016) considera que o ativismo judicial foi responsável pela alteração no sentido constitucional da norma prevista no art. 5°, inciso LVII da CF, visto que, segundo o pensador, não há fundamento jurídico constitucional que a sustente, tendo assim o STF, nas suas palavras “Reescreveu a Constituição e aniquilou garantia fundamental”.

Neste ponto merece importante discussão quanto a natureza jurídica da norma presunção de inocência, ou estado de não-culpabilidade, vez que, conforme visto, e fortemente levantado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, teria essa norma a natureza de princípio e não de regra no ordenamento jurídico brasileiro.

Entretanto, este ponto é objeto de importantes discussões e controvérsias, onde parte da doutrina entende que a presunção de inocência é regra de caráter absoluto no direito brasileiro, e portanto, segue a regra do “tudo ou nada”.

Silva (2018) considera que a presunção de inocência é regra de tratamento processual, nos mais amplos fatores de abrangência, internamente ou externamente, e, portanto, por possui tal natureza, ou é satisfeita com o trânsito em julgado ou é insatisfeita, não existindo assim meio termo da referida norma.

Sarlet (2016) leciona no mesmo ponto de vista, de que, um dos pontos mais fortes postos pelos defensores da execução provisória da pena, de que a presunção de inocência é princípio e assim submete-se a ponderação, não respeita a real condição na norma discutida.

Para Sarlet (2016), o art. 5°, LVII da Constituição Federal trata-se de verdadeira regra que proíbe determinada conduta, ao estabelecer categoricamente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não se submetendo assim a juízo de ponderação.

Assim, segundo o supracitado autor, ainda que se considere a presunção de inocência como um princípio, o certo é que a nível de ponderação a garantia fundamental do art. 5°, inciso LVII, prevalece sobre os demais princípios. (SARLET, 2016).

Retornando aos votos do HC 126.292 – STF, o Ministro Celso de Mello votou no sentido de concessão a ordem ao Habeas Corpus impetrado, para reconhecer a incompatibilidade de uma possível execução provisória da pena privativa de liberdade com o direito fundamental do réu, assegurado pela própria Constituição da República. (BRASIL, 2016).

 

4.4.2 Dispositivos constitucionais e legais impeditivos

 

Como já amplamente debatido, o art. 5, inciso LVII é o dispositivo constitucional que mais garante o estado de inocência de todo brasileiro, e que estabelece como marco temporal expressamente o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Prado (2016) traça relevantes críticas quantos aos argumentos utilizados pelos Ministros do STF para admitir uma execução precoce da pena, com fins de dar efetividade a lei penal, de dar garantia a sociedade.

Para o jurista, “o direito processual penal está estruturado com base na presunção de inocência, sendo que o devido processo legal é fórmula vazia se a lei resultar em uma liberdade do poder de punir que se torne incontrolável.” (PRADO, 2016)

Ao mencionar os arts. 637 do CPP, pela ausência de efeito suspensivo dos recursos extraordinários, o referido jurista assevera que os votos dos eminentes Ministros Edson Fachin e Barroso, através de um pensamento pragmático, apontaram na direção de uma solução: deslocar o recurso especial e extraordinário de seu território constitucional atual, para o de meio extraordinário, equivalente à reclamação constitucional. (PRADO, 2016).

Acontece que tal atribuição não compete ao STF, mas sim ao poder legislativo por meio de emenda constitucional. A Suprema Corte por meio de tal posicionamento acaba por violar o princípio republicano que pretende poderes equilibrados, ponderados, harmônicos. (PRADO, 2016).

Aqui retorna-se a história do ativismo judicial com interferência a ordem democrática e a separação dos poderes, como inclusive, cláusula pétrea no ordenamento jurídico brasileiro (art. 60, § 4°, III, CF).[22]

Neste ponto de argumentação, Geraldo Prado (2016) finaliza em defesa do que considera o princípio basilar do processo penal brasileiro, a presunção de inocência em contraponto ao devido processo legal nos termos em que foi defendido pelos respeitáveis Ministros Fachin e Barroso:

 

Ao escolher este caminho, sacrificando o conjunto de conceitos característicos do processo penal, o STF deu um enorme passo atrás: submeteu a presunção de inocência ao devido processo legal, com toda a abertura hermenêutica que esse devido processo proporciona, até mesmo pelo encurtamento na prática do direito de defesa que a Constituição preceitua que seja amplo.

À diferença de outros Estados – e os ministro Celso de Mello e Marco Aurélio constantemente advertem acerca deste aspecto – o Brasil optou por delimitar o “ponto” de afastamento da presunção de inocência: o trânsito em julgado da condenação.

 

Além do art. 5°, inciso LVII da Constituição Federal, que institui expressamente o princípio da presunção de inocência no ordenamento jurídico brasileiro, há de se mencionar também dispositivos infraconstitucionais que asseguram essa regra de tratamento a toda pessoa submetida a persecução penal.

Isso porque, há de se falar com maior destaque que no ano de 2011 foi dada uma nova redação ao art. 283, caput, do Código de Processo Penal, que ao certo viria para esclarecer qualquer dúvida quanto à possibilidade de cumprimento antecipado de sentença ou acórdão penal condenatório, ficando assim redigido:

 

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei 12.403, de 2011). (BRASIL, 2011).

 

Desse modo, o referido artigo do Código de Processo Penal surgiu como um reforço bastante intenso e definitivo das hipóteses de prisões no Brasil, vez que possui clara redação, enumera de maneira literal, sem margens para interpretações que divergem do texto legal, sobre a exigência do trânsito em julgado de sentença condenatória para cumprimento de prisão.

Claro, que sem excluir as hipóteses de prisões processuais, ou mesmo que pré-processuais, com relação a prisão em flagrante.

Assim, mais uma vez, dentro de um ordenamento jurídico marcado pela legalidade, surge um dispositivo legal que assevera de forma clara a exigência do trânsito em julgado para cumprimento de pena decorrente de sentença penal condenatória, sendo o que resta apenas reforçar de maneira simples do que se trata o trânsito em julgado.

Segundo Moreira (2011, p.5) “por ‘trânsito em julgado’ entende-se a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável.”

Assim, ainda conforme leciona Moreira (2011), trânsito em julgado se refere a um fato que inaugura uma nova situação jurídica, caracterizada pela existência de coisa julgada formal ou material. Logo, o trânsito em julgado é, pois o marco temporal que torna a sentença imutável, surgindo assim a coisa julgada.

Grinover (2010, p.333) explica que a coisa julgada é o estado em que se alcança a “imutabilidade da sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro, entre as mesmas partes”.

Destarte, Jardim (2018) alterou o seu posicionamento em relação a possibilidade de execução precoce da pena com o advento do referido e destacado dispositivo legal, alegando, com suas próprias palavras que “este dispositivo não é inconstitucional, e por conseguinte, não pode ter sua eficácia ou vigência negada, sob pena de violarmos os princípios fundantes do Estado de Direito.”

O problema é que o referido dispositivo legal sequer foi objeto de discussão durante o julgado do HC 126.292, pelos eminentes ministros, sendo levado simplesmente a esquecimento, negando-lhe eficácia e aplicabilidade sem nem mesmo discutir a sua constitucionalidade formal.

Neste ponto, Streck (2016) traça crítica a posição do ministro relator Teori Zavascki, levando em consideração declaração sua enquanto ministro do STJ, em que afirmou: não se admite que seja negada aplicação, pura e simplesmente, a preceito normativo “sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade”.

Desse modo, data vênia, estaria o eminente Ministro deixando de seguir uma orientação, que parece bastante coerente e corretamente jurídica proferida por ele mesmo, ao defender um posicionamento sem discutir a (in)constitucionalidade de um dispositivo legal impeditivo dessa ordem. (STRECK, 2016).

Badaró (2018) traça importante argumento com relação ao marco temporal estabelecido pela própria Constituição Federal do Brasil, onde considera que apesar das citadas Constituições estrangeiras no Acórdão do HC 126.292 preverem a presunção de inocência em seus ordenamentos jurídicos, grande parte não estabeleceu marco temporal de prevalência da inocência.

Diferentemente fez o legislador constituinte originário brasileiro fez, seguindo os modelos das Constituições Italiana e Portuguesa as quais exigem condenação definitiva como marco final da presunção de inocência, ou não-culpabilidade. (BADARÓ, 2018).

Quanto ao argumento de natureza “extraordinária” dos recursos especial (STJ) e extraordinário (STF), Lopes Júnior (2016) assevera que como posto no ordenamento jurídico brasileiro, nada possui de alienígena a condição de recurso, logo, só se pode afirmar que está comprovada legalmente a culpa, como exige o art. 8.2 da CADH, com o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Nessa linha de pensamento, cita-se ainda como dispositivo legal que prevê o trânsito em julgado para cumprimento de prisão decorrente de sentença condenatória o art. 105 da Lei 7.210/1984, in verbis:

 

Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. (BRASIL, 1984).

 

Jardim (2018) cita ainda o supracitado artigo como dispositivo legal constitucional, e que não lhe pode negar vigência e eficácia, ao exigir mais uma vez o trânsito em julgado de sentença penal condenatória para expedição de guia de recolhimento para execução de pena privativa de liberdade.

Streck (2018), quanto ao Habeas Corpus 152.752 em abril de 2018 que teve como paciente o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva traça uma série de irregularidades constitucionais em relação ao julgamento posto.

Primeiramente, Streck (2018) afirma que houve irregularidade no deslocamento do HC do seu juízo natural para o Plenário, vez que a competência para julgar o referido remédio constitucional é da turma.

Segundo Streck (2018) tal medida foi tomada pois o STF não possuía certeza sobre o seu posicionamento quanto a execução provisória da pena, e assim levaram a colegiado para discussão. Acontece que já existia ação constitucional pendente de julgamento referente ao mesmo assunto, as ADCs 43 e 44, tratando-se ainda, segundo o jurista, de questão prejudicial que deveria ser julgada antes do HC, a fim de firmar e elucidar qualquer dúvida quanto ao posicionamento da Suprema Corte Brasileira, porém assim não o fez.

 

5.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente trabalho de conclusão de curso se propôs a analisar e debater a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação a temática presunção de inocência e execução provisória da pena privativa de liberdade.

Buscou traçar o histórico jurisprudencial do STF, a partir da Constituição Federal de 1988 quanto ao referido assunto, tendo em vista que pela primeira vez, uma Carta Constitucional do Brasil trouxe expressamente, como direito fundamental, o princípio da presunção de inocência, ou presunção de não culpabilidade.

Isso porque a Constituição de 1988 surgiu como um modelo de reforma, de inovação ao anterior regime político instituído no Brasil, trazendo consigo ampliações a direitos e garantias fundamentais, buscando assim reduzir arbitrariedades estatais. Por tal motivo, conhecida como Constituição Cidadã.

Dessa forma, foi dissertado no primeiro capítulo a questão dos princípios constitucionais e processuais penais, que regulam e estabelecem parâmetros, almejando-se uma regular e justa persecução penal, como dignidade da pessoa humana, devido processo legal, duplo grau de jurisdição, contraditório e ampla defesa, e o bastante debatido princípio da presunção de inocência.

Posteriormente, apresentado como se dá a prisão no processo penal brasileiro, distinguindo entre as prisões processuais ou prisões cautelares e a prisão-pena, aquela decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, dando ênfase a prisão preventiva, sendo discutido pressupostos e hipóteses de cabimento.

Acontece que, apesar da predisposição constitucional do art. 5°, inciso LVII, da Constituição Federal, ao condicionar a culpa ao trânsito em julgado, e por conseguinte, qualquer consequência decorrente da condição de culpado, como a prisão resultante de condenação, prisão pena, o STF, como guardião e intérprete da carta constitucional, em meio a alternados posicionamentos, adotou na última ocasião em que discutiu pelo Plenário, que o cumprimento antecipado da pena privativa de liberdade não viola a presunção de inocência.

Como posto, são utilizados como argumentos a questão da ausência de efeito suspensivo dos recursos extraordinários, ausência de revaloração de fatos e provas pelos órgãos superiores, bem como anseios sociais em vê a impunidade, principalmente para os “crimes de colarinho branco” extintas da justiça brasileira.

Não obstante, cediço os problemas relacionados a impunidade no Brasil, principalmente relacionados ao foro privilegiado, onde aqueles que detém, muitas vezes possuem “privilégios” por serem julgados por juízes que foram ali colocados por indicação do réu, apesar da imparcialidade ser princípio basilar do processo penal. Tal assunto ganhou até recente alteração, tendo o STF restringido o foro privilegiado, porém assunto para outra discussão.

Além disso, não obstante a impossibilidade de rediscussão da matéria fático-probatória pelas instâncias superiores não justifica o encarceramento do acusado, pois este fato não implica na definição da culpabilidade do acusado e na menor possibilidade de reforma ou anulação do acórdão proferido em segunda instância, uma vez que a resolução da questão de direito, com a definição de uma premissa a ser adotada, importará na aplicação do direito aos fatos, podendo, assim, chegar-se a um resultado absolutório.

O certo é que anseios sociais e ausência de revaloração de fatos e provas não podem ir de encontro ao que diz a Carta Constitucional, que não abre margens para interpretação que não seja a de que o trânsito em julgado é condição para considera alguém culpado, com as devidas consequências da culpa.

Nesse sentido, o art. 283 do Código de Processo Penal mostra-se como claro dispositivo legal - constitucional até o momento, pois foi simplesmente ignorado quanto ao julgamento dos Habeas Corpus, julgados pelo Plenário, a partir de 2016, que trataram sobre a execução antecipada da pena, na pendência das ADC 43 e 44 - que proíbe tal posicionamento, estabelecendo de maneira transparente as hipóteses de prisão no ordenamento jurídico pátrio.

Por fim, revela-se inconstitucional a decisão que admite a execução provisória da pena, na pendência de recursos, portanto, não sendo alcançado o trânsito em julgado, violando veementemente o estado de inocente de todos os brasileiros.  O que poderia ser feita, para evitar a prescrição, combater a corrupção e findar a sensação de impunidade, seria uma reforma no processo penal, no que cerne ao sistema recursal ou mesmo uma nova Constituição.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

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[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

[2] Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[3] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[4] 2.Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

h. direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

[5] § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

 

[6] Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária.

Parágrafo único.  Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.

[7]  Art. 396.  Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

Art. 396-A.  Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

[8] LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

[9] Art. 564.  A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.

[10] XI- Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no que lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

[11] 7. Ninguém deve ser detido por dívidas.  Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

[12]  Artigo 11: Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

[13] Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

  I - for manifestamente inepta;(Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

  II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

  III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

[14] Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

[15] Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

[16] Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

[17]  Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:      

 I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

.

[18] Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

 

[19] Art. 637 do CPP.  O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.

[20] Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR

[21]Art. 637.  O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.

[22] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

III - a separação dos Poderes;

  • Presunção de Inocência
  • Execução Provisória da Pena
  • Supremo Tribunal Federal

Sá, Brito & Castro Advogados

Escritório de Advocacia - São Luís, MA


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