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O Novo Código Civil Brasileiro, tal qual o CC/1916, não se preocupou em definir o que seja a obrigação ou a relação obrigatória.
No Livro I de sua Parte Especial encontram-se, de início, as modalidades das obrigações (Título I), sua transmissão (Título II), adimplemento e extinção (Título III), inadimplemento (Título IV) – matérias estas afetas à parte geral do Direito das Obrigações. A partir do Título V o NCCB passa a disciplinar as fontes das obrigações, regulando-as.
O artigo 397 do Código Civil Português, a seu turno, define a obrigação como sendo "o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação".
De acordo com Antunes Varela, "o direito das obrigações é o conjunto das normas jurídicas reguladoras das relações de crédito, sendo estas as relações jurídicas em que ao direito subjectivo atribuído a um dos sujeitos corresponde um dever de prestar especificamente imposto a determinada pessoa" [7] – este, sem dúvida, um de seus traços distintivos.
Giorgio Cian e Alberto Trabucchi [8], do mesmo modo, conceituam obrigação como vínculo jurídico entre ao menos dois sujeitos, "in virtù del quale l’uno, creditore, ha il diritto di pretendere dall’altro, debitore, un comportamento consistente in un dare, o in un fare, oppure anche in un non fare, che abbia le caratteristiche di cui all’art. 1174" [9].
A relação jurídica obrigacional exige, portanto, dois figurantes: o sujeito ativo – em proveito de quem terá de efetuar-se a prestação, cabendo-lhe exigi-la ou pretender seu cumprimento –, de um lado; o sujeito passivo – sobre quem recai o dever de realizar a prestação – de outro [10].
Embora em muitos dos casos haja apenas um sujeito em cada um dos pólos da relação jurídica obrigacional, sendo este o tipo geral de toda obrigação [11], não é incomum, sendo, ao contrário, freqüente, a ocorrência, ali, de pluralidade subjetiva.
Daí o conceito apresentado por Karl Larenz: "Relación de obligación es aquella relación jurídica por la que dos o más personas se obligan a cumplir y adquieren el derecho a exigir determinadas prestaciones" [12].
2.1. PLURALIDADE SUBJETIVA E SOLIDARIEDADE PASSIVA
2.1.1. PLURALIDADE SUBJETIVA
A doutrina cuidou em delinear a figura da obrigação subjetivamente complexa enquanto "un rapporto obbligatorio caratterizzato dalla presenza di una pluralità di debitori o di una pluralità di creditori o di entrambe" [13].
Observa Marco Mazzoni, entretanto, que a fenomenologia das obrigações sob o aspecto subjetivo apresenta-se muito mais ampla do que aquela regulada pelo Código Civil Italiano: obrigações solidárias e indivisíveis.
Em suas palavras:
"La dottrina ha operato una serie numerosa, per lo più non uniforme, di distinzioni e di ipotesi applicative dell’amplissima categoria delle obbligazioni soggetivamente complesse. Il codice ha invece preferito mantenere, pur separate, solamente due delle molte specie di obbligazioni soggetivamente complesse: quelle di più importante rilievo giuridico, le obbligazioni solidali e le indivisibili" [14].
Dá-se o mesmo tanto no CC/1916 (Parte Especial, Livro III, Título I, Capítulos V e VI) como no NCCB (Parte Especial, Livro I, Título I, Capítulos V e VI). A pluralidade subjetiva obrigacional limita-se, ali, aos fenômenos da solidariedade e indivisibilidade.
Não há qualquer referência naqueles textos legais às obrigações mancomunadas, ou em mão comum, como a elas se refere Pontes de Miranda [15]. Estas, no entanto, não deixam de suceder na vida prática.
Na Espanha, a doutrina vê mancomunhão entre os sujeitos passivos da obrigação "cuando el acreedor sólo puede exigir el cumplimiento de la prestación al conjunto o grupo de deudores colectivamente considerados y cuando los deudores sólo pueden liberarse llevando a cabo la prestación conjuntamente" [16].
Seu regime, destaca a doutrina alemã, afasta-se das normas que regem as obrigações parciárias e solidárias em determinados aspectos singulares, já que seu conceito apresenta-se distinto em face daquelas espécies obrigacionais [17].
O vazio legislativo, entretanto, não impede que se localizem, na experiência diária, alguns exemplos de obrigação em mão comum, ou mancomunadas.
Assim, v.g., apresentar-se-ão perante os respectivos credores na qualidade de mancomunheiros os vendedores de um bem imóvel quanto à prestação de entrega da coisa vendida.
Outras modalidades de obrigações em que há pluralidade subjetiva e que não foram reguladas pelo NCCB dá-nos Orlando Gomes: a) obrigações disjuntivas; b) obrigações conexas; e c) obrigações dependentes [18].
Sua pouca ocorrência justifica a omissão do legislador pátrio.
2.1.2 SOLIDARIEDADE PASSIVA
Diz o NCCB, em seu art. 264 – com a mesma concisão e perfeição que marcavam o texto do art. 896, parágrafo único, do CC/1916 [19] – que há solidariedade passiva quando na mesma obrigação concorre mais de um devedor, cada um obrigado à dívida toda. Já o art. 275 complementa o traço distintivo dessa modalidade de obrigação, ao prescrever que o credor tem direito a exigir e receber de um ou alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; na primeira hipótese, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
A solidariedade classifica-se, essencialmente, em ativa ou passiva, conforme a pluralidade subjetiva dê-se em relação à parte credora, ou devedora da obrigação. Diz-se essencialmente, porque autores mais antigos, fortemente influenciados pelo romanismo, procuravam distinguir a solidariedade perfeita, ou correalidade, da solidariedade imperfeita [20].
Em nosso Direito não cabe esta última distinção, interessando, somente, a classificação acima referida [21].
Quando num mesmo negócio jurídico acharem-se reunidas a solidariedade ativa e a passiva, ter-se-á a denominada solidariedade mista, da qual não se cogitou nem no Código Civil de 1916 nem no Novo Código Civil.
Muito mais ocorrente na prática negocial, a solidariedade passiva encontra sua regulação nos arts. 275 a 285 do Novo Código Civil Brasileiro.
Duas notas lhe são típicas: a) o dever de prestação integral, que recai sobre qualquer dos devedores; e b) o efeito extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer deles, ao direito do credor [22].
Tais notas, porque essenciais para a individualização do instituto, integram os diversos ordenamentos legais que procuram conceituar a solidariedade passiva.
O fim comum dos figurantes solidários da relação obrigacional se constitui, segundo expressiva doutrina, no elemento identificador da solidariedade:
"O que faz a solidariedade passiva não é a unidade de dívida e, pois, de crédito, mas sim a comunidade do fim. Nem a causa das obrigações, nem a própria fonte precisa ser a mesma: um dos devedores pode dever em virtude de ato ilícito, outro, por força de lei, e outro por infração de contrato. O que importa é que se haja constituído a relação jurídica única, com a irradiação de pretensão a que correspondem obrigações solidárias" [23].
Na doutrina alemã clássica, de cujos autores Pontes de Miranda sofreu forte influência, a opinião coincide com aquela do texto acima transcrito [24].
Em verdade, tem-se procurado estabelecer como requisito essencial para a configuração da solidariedade passiva, a par do dever de prestação integral e o efeito extintivo recíproco ou comum, ora a identidade de prestação; ora a identidade de causa ou fonte de obrigação; ora, ainda, a comunhão de fim, tal como referido por Dieter Medicus [26].
Antunes Varela aponta que para a moderna doutrina alemã não basta a comunhão de fins para o estabelecimento da solidariedade. Àquela, há de se acrescer o fato de que os devedores, convencional ou legalmente, estejam obrigados no mesmo grau., de modo que a prestação de um aproveite a todos os outros em face do credor. Se tal não sucede, de maneira que um dos devedores é, nas relações com o credor, o fundamental obrigado, sendo o outro apenas provisoriamente obrigado, inexistindo entre as obrigações uma igual graduação ou igual valor, não haveria obrigação solidária, apesar da identidade de interesse do credor [27].
Assim, não haverá entre o culpado por um incêndio ocorrido num estabelecimento comercial e a respectiva empresa seguradora; entre o ladrão que tenha empreendido determinado furto e o comodatário que tenha negligenciado no dever de guardar a coisa afinal furtada, uma relação de solidariedade. Se a prestação efetuada pelo culpado do incêndio, ou do ladrão, poderia ter o efeito liberatório em relação à empresa seguradora e ao comodatário, nos exemplos citados, o cumprimento efetuado por estes últimos não desobrigaria os primeiros, porque não há igual graduação entre as obrigações, nem a prestação realizada por um aproveita aos demais em face do credor.