A legalidade dos jogos de poker no ordenamento jurídico brasileiro - Breves Considerações


01/08/2014 às 16h06
Por Sandro Albuquerque

O ordenamento jurídico pátrio disciplinou nos artigos 814 a 817 do Código CivilBrasileiro algumas regras concernentes à atividade de jogo e aposta. É evidente que as regras do código civil não servem de amparo para a prática de atos delituosos, mas seu alcance está limitado aos jogos permitidos e tolerados pela legislação brasileira. A respeito da legalidade dos jogos, eles podem ser classificados em três formas distintas, os jogos autorizados, os tolerados e os proibidos. Por autorizados, entende-se que são aqueles em a chancela do poder público autoriza e/ou colabora para sua existência, é, por exemplo, a loteria federal. Jogos tolerados são aqueles que apesar da não proibição do estado não recebem o seu amparo, ou seja, não há proibição assim como não há autorização expressa, nesta modalidade o ganho ou a perda do jogador não depende exclusivamente ou principalmente da sorte, mas, acima de tudo, da habilidade. Como jogos proibidos tem-se aqueles em que a norma penal tratou como delito, são jogos ilícitos, que em suma dependem exclusivamente ou principalmente da sorte. A proibição expressa aos jogos ilícitos foi tratada no art. 50da Lei de Contravencoes Penais (decreto-lei 3.688/41), e tem a seguinte redação:

Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele.

A respeito do presente caso, cumpre primeiramente tecer algumas considerações à cerca da prática contravencional supracitada, tipificada no artigo 50 do decreto-lei3.688/41.

Nota-se que o tipo penal condiciona a existência da contravenção à característica “jogo de azar”. Tem-se como jogo de azar, aquele que depende exclusivamente ou principalmente da sorte do jogador, ou seja, não deve ser preponderante a habilidade do participante no presente jogo. Sabe-se que nos jogos de Poker não é preponderante a sorte, mas essencialmente o jogo é pautado na estratégia, na habilidade e na observação do comportamento do adversário durante o momento da partida. Nesse sentido cabe transcrever a sensata elucidação do eminente jurista Miguel Reale Júnior:

Em suma, pode-se afirmar que no jogo de pôquer ganha aquele que combina lógica e sensibilidade, lógica para elaboração rápida de um juízo de probabilidades com as cartas abertas e o número de jogadores, devendo também avaliar as desistências ocorridas, ao que junta a necessidade de haver um poder de observação dos adversários e de saber dissimular sua própria situação. Por isso, ganha o jogo aquele que, não só calcula as probabilidades, mas, também, sabe o momento certo psicologicamente de "blefar" e vencer sem ter cartas para tanto, bem como o que sabe o momento de se retirar diante da constatação de que o adversário, por suas características, não está a blefar, mas aposta por possuir cartas valiosas.

E também a jurisprudência de nosso país:

O jogo de pôquer não é jogo de azar, pois não depende -exclusiva ou principalmente da sorte- (DL 3.688/41, art. 50, a), norma cujo rumo não pode ser invertido, como se dissesse que de azar é o jogo cujo ganho ou perda não depende exclusiva ou principalmente da habilidade. É o contrário. Diz que pode prevalecer é o fator sorte, e não que deve prevalecer o fator habilidade. No pôquer, o valor real ou fictício das cartas depende da habilidade do jogador, especialmente como observador do comportamento do adversário, às vezes bastante sofisticado, extraindo daí informações, que o leva a concluir se ele está, ou não, blefando. Não por acaso costuma-se dizer que o jogador de pôquer é um blefador. Por sua vez, esse adversário pode estar adotando certos padrões de comportamento, mas ardilosamente, isto é, para também blefar. Por exemplo, estando bem, mostra-se inseguro, a fim de o adversário aumentar a aposta, ou, estando mal, mostra-se seguro, confiante, a fim de o adversário desistir. Em suma, é um jogo de matemática e de psicologia comportamental. (Mandado de Segurança n. 70025424086, de Porto Alegre, Primeira Câmara Cível, rel. Des. Irineu Mariani, j. 17.12.2008).

Ademais, na modalidade que se verifica, o jogo de poker é atividade reconhecida como esporte cuja representação em âmbito nacional se dá pela Confederação Brasileira de Texas Hold’em – CBTH, entidade cadastrada no ministério do esporte, conforme se verifica no site da instituição.

Deve ser observado ainda que na grande maioria dos torneios organizados pelo país, não há a aposta de dinheiro durante a ocorrência do evento, o valor dispendiado pelo participante é cobrado no ato da inscrição e visa, sobretudo, o arcar com os custos do campeonato, da qual o participante ao ingressar no jogo recebe determinada quantia de fichas a que são atribuídas um valor específico, mas que não caracteriza a aposta valendo pecúnia, visto que a única vantagem auferida pelo jogador e que este concorre, ao final da competição, a um prêmio, que será concedido ao jogador de melhor desenvoltura.

Mutatis Mutandi, nos autos do processo nº 0024.11.240554-3 já foi decidido na Comarca de Belo Horizonte/MG pela MM. Juíza de Direito Dra. Flávia Vasconcellos Lanari a cerca da legalidade dos jogos de poker, a qual vale citar trecho da decisão:

Por outro lado, o poker não pode ser considerado jogo de azar na exata definição do art. 50, LCP. É que jogos de cartas dependem e muito da habilidade do jogador.

Vale salientar a existência de laudo pericial do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo e do Laboratório de Perícias Dr. Prof. Ricardo Molina de Figueiredo a qual concluem após análise de diversos documentos, estudos matemáticos e pesquisas comportamentais, que o jogo de poker tem como requisito preponderante e indispensável a habilidade do jogador no momento da partida.

Desta maneira, pelas razões de fato e direito acima aduzidas, conclui-se pela legalidade dos jogos de Poker, vez que não constitui contravenção, uma vez que o jogo denominado Poker não figura na hipótese descrita do tipo penal do Art. 50 da lei 3.688/41, por não depender exclusivamente de sorte, assim sendo, não constitui jogo de azar.

  • Jogos de azar
  • poker
  • legalidade
  • contravenção penal
  • criminal
  • Art. 50 da lei 3.688/41

Sandro Albuquerque

Advogado - Belo Horizonte, MG


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