A partir da Emenda Constitucional nº 46/2005 houve uma mudança no regramento pertinente aos bens que são classificados como de propriedade da UNIÃO e, consequentemente, na legalidade da cobrança do foro e do laudêmio. Essa mudança se aplica aos terrenos situados, dentre outros, em ilhas costeiras que sejam sede de Município, como é o caso da ilha de São Luís, inclusive os classificados como “terrenos ou acrescidos de marinha”.
Para que o leitor entenda a questão, é necessário se fazer uma breve explanação sobre alguns conceitos e mudanças ocorridas na Constituição Federal.
Antes da Emenda Constitucional 46/2005 eram consideradas como propriedade da UNIÃO, dentre outros, as ilhas costeiras, como é o caso de São Luís.
A partir da mudança acima referida na Constituição Federal de 1988, o seu artigo 20, inciso IV, passou a vigorar com a redação no sentido de que as ilhas oceânicas e as costeiras, se for o caso de conter sede de Municípios, como é o caso de São Luís, não mais pertencem à UNIÃO, com exceção daquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II.
Portanto, as ilhas costeiras que sejam sedes de Município deixaram de ser propriedade da UNIÃO, consistindo esse fato na importante mudança da qual se ocupa esse texto.
A grande questão, então, cinge-se ao seguinte desdobramento prático: se o imóvel é considerado como sendo de propriedade da UNIÃO, incide sobre o mesmo, dentre outras, a obrigação de pagar foro e laudêmio em favor da UNIÃO. Se o imóvel não se constitui em propriedade da UNIÃO, como aconteceu com os imóveis situados na ilha de São Luís, com exceção das áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II, não mais existe a obrigação de se pagar foro e laudêmio.
Apenas a título de esclarecimento e em linhas muito básicas, cumpre informar que o laudêmio não se constitui em tributo ou imposto, mas no direito de a UNIÃO receber, no momento em que é realizada uma transação onerosa que envolve o imóvel, dentre elas a mais comum, o contrato de compra e venda, um valor cobrado no percentual de 5% (cinco por cento), calculado sobre o preço do imóvel.
O foro, por sua vez, também incidente sobre bens pertencentes à UNIÃO, é o que se paga por não se ter o domínio pleno do imóvel. Ao contrário do que ocorre com o Laudêmio, o foro é cobrado anualmente e em valor menor.
Na prática, no momento em que ocorre uma transferência do domínio útil do imóvel, a título oneroso, como na compra e venda de um imóvel, surge a obrigação, para o alienante, de pagar o laudêmio. Somente depois de pagar esse valor, a SPU (Secretaria de Patrimônio da União) emite a CAT (Certidão de Autorização de Transferência), exigida para a transferência do “domínio” do imóvel, nos Cartórios de Registro de Imóveis.
Ou seja: somente depois de pagar o Laudêmio ou ajuizar uma ação que obtenha como resultado decisão judicial que suspenda a cobrança do LAUDÊMIO, se consegue efetivar a transferência da titularidade do imóvel.
Além disso, existe a cobrança do foro, que é anual e independe da realização de qualquer transação relacionada ao imóvel. O seu não pagamento, além de sujeitar o “dono” do imóvel a ter seu nome inscrito no CADIN e sofrer uma execução fiscal, também poderá, segundo o artigo 121, do Decreto Lei 9760/46, trazer como consequência mais grave o cancelamento do aforamento no registro de Imóveis e a perda “do domínio” do imóvel.
Para evitar sustos desnecessários, o ideal é que as pessoas busquem uma regularização de seus imóveis, no sentido de fazer uma pesquisa na Secretaria de Patrimônio da União para averiguação e constatação sobre a qualificação de seus terrenos (se são ou não classificados como propriedade da UNIÃO), se existe algum débito pendente de pagamento e se os eventuais débitos são legais ou não. No caso de ser cobrado por débitos ilegais, como foros e laudêmios posteriores à EC.46/2005, o cidadão pode ajuizar a respectiva ação, para se eximir do pagamento dos mesmos.
Além dessa questão legal, aplicável de uma forma geral aos imóveis situados na ilha de São Luís, existe outra que envolve os terrenos de marinha e seus acrescidos, no caso de os mesmos se situarem em ilha costeira, sede de Município.
Mesmo depois de a E.C. 46/2005 ser editada, conforme prevê o artigo 20, inciso VII, da C.F., os terrenos e acrescidos de marinha continuaram a ser de propriedade da UNIÃO.
Mas, quando se trata de terrenos de marinha e seus acrescidos, situados em ilhas costeiras, sede de Município, como é o caso de São Luís, a interpretação literal e sistemática da Constituição Federal de 1988 nos leva a crer que os mesmos não se constituem em propriedade da UNIÃO.
Isso porque o artigo 20 da Constituição Federal não deixa dúvidas a respeito da exclusão do rol de bens da UNIÃO, de toda a área compreendida em ilhas costeiras sede de Município, exceto APENAS aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II.
Assim, a interpretação sistemática dos incisos IV e VII do art. 20 da Constituição nos conduz à seguinte conclusão lógica: se os terrenos de marinha e acrescidos estão localizados em municípios com sede em ilhas costeiras, não há que se falar em propriedade da União, salvo nos casos mencionados no próprio dispositivo, a saber, áreas afetas ao serviço público federal, à unidade ambiental federal e as referidas no art. 26,II, da Carta Maior”.
Ainda com mais aceitação pelos Tribunais é a tese de que a demarcação dos imóveis e sua consequente classificação como “terrenos de marinha e seus acrescidos” foi feita de forma ilegal. Com isso, os Tribunais podem desconsiderar a classificação feita pela SPU e excluir a obrigatoriedade de pagamento do foro e laudêmio.
Assim, seja porque o conceito de “terrenos e acrescidos de marinha”, disposto na Lei 9760/1946, é de difícil percepção prática, porque condiciona a sua apuração a uma medição que deve levar em conta a “linha do preamar-médio de 1831”, sem qualquer rigor e precisão científicos; seja porque o processo de demarcação foi feito sem atendimento do contraditório e da ampla defesa, sem o chamamento pessoal dos interessados para acompanhar o processo de demarcação, a classificação dos imóveis como sendo “terrenos de marinha e seus acrescidos” pode não se sustentar nos Tribunais.
Em verdade, esse tem sido o principal argumento utilizado pelos juízes e tribunais federais para decretar a ilegalidade na demarcação e classificação dos imóveis como sendo “terrenos de marinha e seus acrescidos” e, consequentemente, suspender a cobrança do foro e laudêmio relacionados a esses imóveis.
Logo, por todos os motivos delineados, as chances de se obter uma decisão judicial favorável à suspensão da cobrança de foro e laudêmio incidentes sobre os imóveis equivocadamente classificados pela SPU como sendo de propriedade da UNIÃO, é enorme.
Mariana Sá Vale Serra Alves, sócia do SÁ VALE ADVOGADOS.