A POLÍTICA GLOBAL DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E O ACORDO TRIPS.


25/10/2023 às 11h12
Por Silvia Leticia Ferreira Mazzuca

No final do Séc. XVIII, quando os avanços tecnológicos começam a se desenvolver e ocorre o nascedouro de muitos inventos, alguns totalmente sem valor comercial e outros verdadeiras riquezas.

Os inventores, não possuíam nenhuma forma de proteção perante o plágio e rapidamente uma invenção tornava-se uma cópia de si mesma e seu valor agregado se dispersava.


A intangibilidade da criatividade que resultava na invenção era um grande entrave a sua proteção, visto que as leis protegiam os bens tangíveis e corpóreos e para tornar-se efetiva para os bens incorpóreos oriundos da intelectualidade se fazia necessário a presença estatal, impondo as leis que resultariam em efetiva proteção.
Ao surgir o direito à propriedade intelectual ele estava embasado nos direitos das propriedades corpóreas, inicialmente eram limitados a um território nacional, e esta fase é conhecida na literatura por “período territorial” da propriedade intelectual. (CRUZ,2008 p. 10)


Com o passar dos tempos e com a expansão dos negócios entre Estados, os países detentores de mais produtos tecnológicos, passaram a exigir legislações que protegessem os seus inventos em uma dimensão internacional. Solicitavam monopólios sobre o que haviam desenvolvido pois sentiam-se ameaçados e temiam não ter a garantia de seus diretos intelectuais e ameaçam manter segredos industriais e não transferir o conhecimento tecnológico coibindo a expansão. Um novo movimento surge para a proteção internacional da propriedade intelectual, culminado na Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial de 1883 e a Convenção de Berna para a Proteção das Obras literárias e Artísticas de 1886.

Com as ascensões de países como o Japão que se restabelecera da destruição da guerra e desenvolvia tecnologia a passos largos, assim como com a formação de blocos econômicos de países em desenvolvimento, com fito a negociações em conjunto no com objetivo de conseguir vantagens frente a grandes nações capitalistas, recomeçam as discussões sobre a propriedade intelectual, que estavam durante todo século XX relegado a segundo plano principalmente por desinteresse dos Estados Unidos. Quando os Estados Unidos entraram em uma grave crise em 1970, decorrente entre outros fatores, os supramencionados e surge a ideia nas grandes empresas monopolistas de ganhos com venda de royalties.

Estes atrelariam a propriedade intelectual ao comercio em uma relação intrínseca, resultando na inclusão da propriedade intelectual na rodada do Uruguai do GATT2, o que permitiu principalmente aos Estados Unidos um enrijecimento do direito de propriedade intelectual e uma forma de “poder” agir coercitivo, impondo a sua forma de regular a propriedade intelectual.

Os países em desenvolvimento tentaram através dos votos impedir a entrada da propriedade intelectual na rodada do GATT, porém na década de 1980 os países ainda não possuíam uma coesão e devido as pressões realizadas pelos Estados Unidos, o direito da propriedade intelectual foi institucionalizado globalmente nas relações de comércio internacional e as transações passaram a ser reguladas pelo Acordo TRIPS3, sob o escopo da OMC4 e com preponderância do modelo norte americano de proteção à propriedade intelectual. Durante as negociações da Rodada do Uruguai os países em desenvolvimento conseguiram flexibilizar alguns quesitos e lhes deram espaço de manobra nas questões de propriedade intelectual.

Eles descobriram nas negociações multilaterais (vários países em conjunto, formando um bloco), uma forma de ter grandes vantagens garantidas. Passando a atuar como forma de emendar os acordos TRIPS e ampliar as flexibilizações nas negociações no tocante a propriedade intelectual.


A PROPRIEDADE INTELECTUAL E O ACORDO TRIPs – ACORDOS SOBRE ASPECTOS DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL REALACIONADOS AO COMÉRCIO.


A propriedade intelectual e o direito a ela inerente classifica como seus objetos, os bens intangíveis oriundos da mente humana, que deveriam ser protegidos por um determinado período garantindo a seu detentor vantagens para que usufrua de sua ideia ou criação. Estão inclusos na PI, os direitos autorais, os direitos conexos e as propriedades industriais. Dentro desta classificação estão inseridas, as patentes, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviços, as indicações geográficas, os desenhos e modelos industriais, as topografias de circuitos integrados, as informações comerciais, que compreendem os segredos comerciais e industriais, os modelos de
utilidade e os “breedrs rigths”, embora estes dois últimos não estejam regulados nos Acordos TRIPs. (CRUZ, 2008, p. 16).

A política de PI possui limites flexíveis referente a inclusão de novos recursos intangíveis no seu campo de proteção. A invenção para ter a sua proteção deve atender a três requisitos, deve ser nova e, portanto, não estar em domínio público e nem pertencer a outra patente, não deve ser óbvia, ou seja, não pode ser um senso comum para qualquer especialista da área, bem como não pode ter uma solução evidente quando feito uso das habilidades e tecnologias disponíveis para ela e deve ser útil ou ter uma aplicação industrial, ela deve ter uma função estabelecida.

 

A proteção da PI, foi incorporada na rodada do Uruguai do GATT, conforme explicado anteriormente, com o acordo TRIPS que possuíam no momento da sua feição uma preocupação em não romper com a antiga legislação de proteção, tanto a Convenção de Paris (1883), como a Convenção de Berna (1886) visto que estas eram amplamente aceita em âmbito global.

As CUP (Convenção de Paris), continua vigente, porém passou por diversas revisões, o Brasil aderiu a CUP em 1992, aderindo a revisão de 1967. Os países podem aderir ou dela sair a qualquer momento, porém aderindo a última revisão. Ela não exige uma uniformização das legislações nacionais dos países membros e nem a reciprocidade que trouxe a ela uma grande aceitação.

Ela previa a paridade de tratamento entre nacional e estrangeiro (Princípio do Tratamento Nacional), sendo que tudo que forem impostos aos seus nacionais deverão também conferido aos estrangeiros. Excetuando os ditames da própria convenção. Ela permite ainda que os Estados façam acordos subsidiários, desde que não estejam em desacordo com os seus ditames.


Outro princípio básico, era o da prioridade, para evitar apropriação indevida de informações incluídas nos pedidos de patente e, ao mesmo tempo impedir conflitos em casos de dois ou mais inventos sobre o mesmo objeto, decidiu-se assegurar àquele que tenha feito o pedido de patente em um dos países da União um prazo de prioridade para realizar o depósito em outros países, durante o qual nenhum outro pedido invalidará o seu, nem qualquer publicação ou exploração do invento.

A Convenção de Berna de 1886, e continua válida até hoje. Veio para tratar das obras literárias e artísticas, incluindo as obras científicas.

O TRIPS, o maior acordo atual no tocante a propriedade intelectual,  possui um perfil diferente, mais coativo, ele estabelece parâmetros mínimos para os Estados membros, os Estados precisam garantir o que está previsto como o mínimo a ser protegido.

Caso a legislação nacional possua proteção acima do determinado, deverá prevalecer a que proteger mais.

A TRIPS não pode ser aplicada diretamente nos contratos, ele exige uma lei interna para que ele seja válido naquele Estado membro, ele não está voltado para o setor privado. Ele tomou como base as convenções sobre a propriedade intelectual supramencionadas.

Todas as vantagens que forem repassadas a um Estado membro, deverão ser repassados para os demais estados membros, salvo nos casos de acordos bilaterais.


A busca é que ocorra a expansão das tecnologias, porém protegidas. Os interesses que motivaram a entrada da propriedade intelectual no seio do comércio não poderiam ser esquecidos. O objetivo era o de reforçar e ampliar a proteção dos direitos da propriedade intelectual em escala global.

Além disso, é notório que o TRIPS estipulou padrões superiores de proteção nos vários campos da propriedade intelectual. O direito advindo das convenções preexistentes constituiu a base do TRIPS, mas adicionalmente estipularamse novas obrigações.


Salientando que principalmente as proteções de marcas, foram amplamente revisadas no TRIPS. Embora a inspiração seja oriunda da CUP, o acordo trouxe a igualdade entre as marcas de produtos e as marcas de serviços. Ainda deu grande destaque as marcas notórias, ampliando a sua proteção como também acolheu as IGs (Indicações Geográficas5), influenciado pelos europeus que desejam proteger sobretudo os seus vinhos e outras bebidas alcoólicas.


Existem grandes críticas ao TRIPS, no tocante a questão monopolista, uma das mais uníssonas versa que o acordo protegeu aos países em desenvolvidos com seus
parâmetros mínimos em detrimento aos países em desenvolvimento, o que fez com que existisse uma grande objeção a sua implementação inicial.

A exploração local obrigatória, que foi mantida até a CUP, ou seja, quem patenteasse em determinado país era obrigado a produzir naquela localidade sob pena de perda da proteção, esta exigência chegou a levar países como Estados Unidos, a não se tornarem signatários da CUP. Ao fazer cumprir a exigência de exploração local das patentes, utilizou-se como instrumento, incluído nas leis de propriedade industrial do século passado, a ameaça contida na revogação da patente por meio da caducidade.


Com a finalização da proteção, a patente cai em domínio público, o que permite a qualquer pessoa ou empresa explorar o objeto da invenção. Neste caso, extingue-se o monopólio e qualquer produtor pode disputar o mercado em igualdade de condições. Paulatinamente o instrumento foi substituído nas revisões da Convenção pela licença compulsória. A licença compulsória é um dos instrumentos de que o Estado pode se utilizar para intervir sobre o monopólio de uma patente, sempre que for exigido pelo
interesse público.
O acordo TRIPs, permite algumas vezes, a exclusão do direito exclusivo de patentes, permite uma licença compulsória, nos casos que ferem a saúde, a ordem pública, a moralidade, a vida de pessoas ou de animais e de preservação de espécies vegetais e ainda quando podem causar danos ao meio ambiente.

BRASIL NOS ACORDOS TRIPS

A atual legislação brasileira está em harmonia com o TRIPs, muitas vezes indo até além ao acordo, um TRIPs-plus.

Esta proteção acima dos limites estabelecidos na TRIPs, por diversas vezes acarreta desvantagens aos nacionais que não conseguem nacionalizar a tecnologia o que leva o país a uma dependência dos países desenvolvidos. O Brasil sequer adotou as flexibilizações aceitas pelo GATT para os países em desenvolvimento, demonstrando a pouca preocupação dos legisladores na proteção nacional.

No país se tem inclusive decisões utilizando a aplicação direta do TRIPs por julgadores, desconsiderando o fato de ele não ter efeito entre partes e sim entre os Estados membros, necessitando de legislação interna, prejudicando sobremaneira a proteção da PI em âmbito nacional.


Esta observação decorre da apelação em Mandado de Segurança número 98.02.44769-2 do Tribunal Regional da Segunda Região, o INPI teve a improcedência de sua apelação, e a decisão segue com inúmeras improcedências. O primeiro equivoco ocorreu quando a turma entendeu por unanimidade que a data a ser considerada para a aplicação do TRIPs no Brasil, seria a data de sua incorporação como tratado internacional, desconsiderando as benesses que o pais possuía frente ao acordo, ademais a desembargadora relatora, também ampliou a patente do impetrante em 5 anos, pois se entendeu que a legislação aplicada no caso a Lei 5.772/71 possui o prazo de 15 anos, enquanto o TRIPs este prazo era de 20 anos e complementa que o Brasil não aderiu ao prazo estendido porque não estava expresso no momento da ratificação do acordo. Salienta-se que no próprio acordo TRIPs consta que ele no art.70.1 não gera obrigações a atos ocorridos antes da aplicação do acordo para o referido membro. A referida decisão está longe de ser uma questão isolada, a proteção da propriedade intelectual está muito aquém da desejada, observa-se que a solução não partirá de uma política ou decisão isolada, necessitando de uma completa readequação de forma integrada com fito a iniciar uma proteção à propriedade intelectual nacional que gere resultados e desenvolvimento ao país.


4. CONCLUSÃO
A assimétrica é o ponto crucial nas relações internacionais envolvendo a propriedade intelectual. A realidade está longe da idealização teórica que deseja a cooperação entre as nações desenvolvidas e os países em desenvolvimento. A verdade é a existência de países vendedores de tecnologia ao lado de países eternamente compradores. Esta relação só seria quebrada com uma forte política de proteção nacional da propriedade intelectual, políticas com bases sólidas e com investimento em P&D. Ajustados com uma política internacional de cooperação e transferência de conhecimentos oriundos dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.
O acordo TRIPs traz em seu bojo diversas diretrizes neste sentido, carecendo apenas de uma efetividade, que viriam das decisões estratégicas. Internamente se faz necessário um investimento na qualificação da população local, investimento nas universidades, centros de pesquisas e uma legislação séria que busque uma proteção efetiva do capital intelectual nacional. Ao não usufruir das benesses positivas no acordo TRIPs, se colocando em uma posição totalmente contrária, ao aprovar uma legislação menos protecionista que o próprio acordo. Discussões sobre a extensão de período de licenças de grandes marcas,a morosidade nos processos internos, demonstram o quanto ainda se necessita caminhar, todavia ainda há alguma esperança quando se observa as recentes mudanças, como por exemplo a decisão da inconstitucionalidade, arguida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n º 5.529 do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI).
 

2 GATT é a sigla correspondente de “General Agreement on Tariffs and Trade” que traduzido para oportuguês é o Acordo Geral de Tarifas e Comércio.
3 Acordo TRIPs corresponde a Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, traduzindo para o português, Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio.
4 O GATT tornou-se a OMC.

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Referências

ANDRADE, Isabela Piacentini de. O TRIPS e os acordos anteriores sobre a proteção
da propriedade intelectual. Curitiba, PR: Revista Brasileira de Direito Internacional.
V.4.2006.
PIMENTEL, Luiz Otávio; BOFF, Salete Oro; DEL'OLMO, Florisbal de Souza. (Org.).
Propriedade intelectual: gestão do conhecimento, inovação tecnológica no agronegócio
e cidadania. 1 ed. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008.
CORREA, Carlos – Acuerdo Trips. Ed. Ciudad Argentina, Bs. Aires, 1966.
CRUZ, Ane Cavalhieri da. O regime global da propriedade intelectual e a questão do
desenvolvimento: o poder dos países em desenvolvimento no campo multilateral.
Campinas, SP: (S.N).2008.
https://www.jota.info/justica/atrasos-de-mais-de-dez-anos-na-concessao-de-patentessao-
inaceitaveis-afirma-advogado-12052016


Silvia Leticia Ferreira Mazzuca

Advogado - Rio de Janeiro, RJ


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