Dos dramas do populismo penal midiático: A banalização das prisões cautelares


11/10/2018 às 13h49
Por Stefano Marzi - Advogado Criminalista e Consultor Jurídico.

Disponível originalmente em: https://www.linkedin.com/pulse/dos-dramas-do-populismo-penal-midi%C3%A1tico-banaliza%C3%A7%C3%A3o-das-d-marzi/

     Há tempos que venho refletindo sobre minhas experiências passadas como estagiário no Núcleo de Presos Provisórios da Defensoria Pública, onde, bem de perto, pude ver as nefastas consequências da banalização da medida cautelar que, ao menos conforme o Código de Processo Penal, é a última medida a ser adotada, a ultima ratio das medidas cautelares pessoais. Mais uma vez, de tantíssimas outras, o abismo entre o que descreve a lei e a realidade concreta do sistema penal ficara escancarado.

     Das inúmeras vezes em que analisei despachos decretando a medida, (in)fundamentados nas clássicas "receitas de bolo" da garantia da ordem pública, quase sempre vaga, indeterminada, desprovida de um referencial normativo e à serviço da criatividade dos juízes, que corriqueiramente os guarneciam com construções ao naipe de risco de reiteração, consagrando o juiz que se embasa nesta fórmula um verdadeiro oráculo! Ou teria ele, nas palavras de Zaffaroni, o mítico instrumento do periculosômetro? Não sei dizer.

     Ainda, valendo a "honrosa" menção da conveniência da instrução criminal, que, via de regra, vinha sem nenhuma referência concreta à real ameaça do investigado interferir sobre a coleta da prova e, ainda, para meu espanto, findados os atos de investigação, persistiam os assistidos presos sem nenhuma referência ao periculum libertatis dos mesmos, não obstante os inúmeros pedidos de revogação e eventuais habeas corpus.

Se eu fosse esmiuçar cada argumento empregado nesse festival de arbitrariedades acabaria por fugir da premissa de meu presente artigo-desabafo.

     De todos os questionáveis argumentos empregados, um sempre me saltava aos olhos, a tal da credibilidade das instituições. Então, significa que para que a sociedade deposite crédito no Poder Judiciário, é necessário que ele despreze a presunção de inocência e transforme a prisão cautelar numa verdadeira antecipação de pena?

     Se é assim, era para a sociedade celebrar! Visto que, de acordo com o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (veja aqui), das 622.759 pessoas privadas de sua liberdade, 40.24% são presas provisórias! Ora, estranho, se quase metade de nossa imensa população carcerária é de presos provisórios, por que ainda insistir na tal credibilidade das instituições?

      A discussão, ao menos para mim, orbita ao redor da seguinte questão: quem (ou o quê?) é a fonte dessa "credibilidade" conferida às instituições, no caso, o Judiciário? A resposta vem fácil: a mídia, claro! Ao arrepio da democracia, testemunhamos diariamente um instrumento não institucionalizado de controle social interferindo no processo penal e estabelecendo uma devastadora e promíscua relação.

     Quantas são as vezes em que os meios de comunicação bradam sob a marca da "impunidade" os episódios em que os juízes, que, creio eu, daquelas vezes, observaram a presunção de inocência, analisaram detidamente o caso e, ao invés de automatizar as prisões cautelares como a sociedade tanto anseia, colocaram os investigados em liberdade?

     O drama maior é ver como o aparato midiático, voraz em fomentar a cultura do medo e de pintar o Direito Penal como instrumento de vingança cega, despreza garantias conquistadas com décadas de luta, fundantes de verdadeiras democracias. Tudo em nome de índices de audiência e a servitude ao discurso do medo, que não precisa fazer muito esforço para ver a quem ele serve, especialmente neste crítico momento político que atravessa nossa nação.

     Ao inverter completamente a lógica do processo penal, colocando a presunção de inocência como uma vilã, uma fomentadora da impunidade (qual impunidade, ou de quem, com os dados que trouxe anteriormente?), colocando episódios em que a observância de tal garantia, quiçá a mais sagrada ao processo penal, é recebida com rechaço e indignação, eu temo pela manutenção do que resta da nossa democracia, diariamente afrontada por amplas frentes.

     Finalizo, assim, esse desabafo, reforçando a urgência da quebra dessa relação nociva e promíscua entre mídia e processo penal, e do dever social da advocacia, inseparável que é dos valores mais sagrados à democracia, em trazer luz à ignorância fomentada por estes discursos punitivistas midiáticos, em instigar a reflexão no seu próximo, e em fazê-lo ver como rechaçar as garantias fundamentais é, nada mais, do que contribuir com a ruína de uma sociedade que, ainda, às duras penas, se considera democrática.

  • Direito Penal
  • Direito Processual Penal
  • Criminologia
  • Direitos Humanos

Referências

1. http://www.justificando.com/2017/02/21/o-populismo-penal-midiatico-e-sua-forma-vingativa-de-punir/



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