Autoria e participação no direito penal econômico e de empresa


05/09/2016 às 22h04
Por Timóteo Monteiro

Responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

A responsabilidade penal da empresa, responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ou responsabilidade penal dos entes coletivos, representa tradição do sistema do common law em países como a Inglaterra e os Estados Unidos da América do Norte, mas se tem espalhado e contaminado sistemas e países que até então se utilizavam da teoria do delito na concepção individual.

Com o advento da Carta da Republica de 1988, acentuou-se na doutrina penal moderna a discussão sobre a existência da responsabilidade “penal” das pessoas jurídicas, numa tentativa louvável de se enquadrar atividades delituosas praticadas pelas mesmas a certos dispositivos penais.

Para tanto, no Brasil, lastreadas na teoria da ficção jurídica de autoria do professor Savigny e na teoria da realidade ou personalidade real do jurista alemão Otto Gierke, a doutrina brasileira dividiu-se sobre o assunto.

Aqueles que entendem ser a pessoa jurídica uma mera ficção existente apenas no plano da abstração afirmam que por ter a pena um caráter de prevenção, as pessoas jurídicas não teriam a capacidade de alcançar a mensagem normativa, devendo a responsabilidade penal recair apenas sobre as pessoas físicas que se encontram a serviço daquela entidade.

Por outro lado, aos que adotam a teoria da realidade prenotam que a pessoa jurídica detém capacidade de atuação agindo voluntariamente e por desejo próprio através dos seus órgãos. Tal volitividade independe da vontade se seus agentes constituindo uma decorrência da atividade orgânica da empresa, de forma que a pessoa jurídica pode transgredir, de maneira consciente, visando à satisfação de seus interesses.

Feito a presente abordagem, podemos afirmar que com a promulgação daCarta Magna de 1988, foi implantada no Brasil como idéia de direito a responsabilidade penal da pessoa jurídica. É o que podemos vislumbrar da leitura dos artigos 173, § 5º e artigo 225, § 3º, da CF/1988, senão vejamos:

Art. 173

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 225

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Hodiernamente, o artigo 225, § 3º da CF/1988, encontra-se regulamentado no artigo 3º e parágrafo único da Lei nº 9.605/1998, o qual prevê expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica concomitantemente com os agentes físicos integrantes de sua estrutura orgânica.

Dessa maneira, pode-se dizer que, não resta dúvida que a responsabilidade penal da pessoa jurídica encontra previsão na Constituição do Brasil, bem assim na legislação infraconstitucional brasileira.

De acordo com o livro, Direito Penal de Empresa e Criminalidade Econômica Organizada - Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas e de seus Representantes Face aos Crimes Corporativo, na constelação do direito penal econômico, o direito penal empresarial desponta como uma necessidade jurídica da contemporaneidade, pois deve se coadunar com a dinâmica das interações econômicas, tanto no Brasil como na aldeia global, a ponto de se espraiar com uma política criminal prospectiva, sem se desguarnecer dos direitos fundamentais e dos princípios liberais historicamente conquistados.

Dessa maneira, pode-se dizer que é óbvio que a vontade da empresa, que se expressa através da conduta realizada, sofre interferência da participação de seus agentes de decisão, sejam eles sócios, conselhos consultivos, gerentes, diretores, o que quer que seja.

Por outro lado, é uma simplificação grosseira sustentar que a vontade expressa na ação realizada não é mais do que a vontade dos sócios ou representantes, e a empresa é apenas aquela em cujo benefício se realiza a conduta criminosa.

No que interessa especificamente aqui, o reconhecimento da capacidade de ação e da possibilidade de atribuição de dolo às pessoas jurídicas, torna possível o reconhecimento de que em determinadas circunstâncias, um delito pode consistir em uma realização da pessoa jurídica, a despeito de que haja ou não alguma pessoa física que também possa ser implicada na realização do delito.

Se ação é a expressão de um sentido que pode ser atribuído sob forma dolosa a uma vontade, através do reconhecimento de um desvalor de ação procedente de indicadores objetivos externos, não há nenhum impedimento a que a pessoa jurídica possa ser dogmaticamente reconhecida como autora de crime, independentemente de que haja um coautor, nem mesmo um partícipe que seja pessoa física.

Importa ainda destacar que não se supõe aqui ingenuamente que a pessoa jurídica vá realizar a conduta física que pode, sendo o caso de uma exigência do tipo, ser realizada por pessoa física. O que acontece, é que as pessoas físicas eventualmente executoras, podem ser somente pessoas fungíveis na engrenagem da empresa, que atuam completamente sem culpabilidade. Neste caso, não lhes compete qualquer classe de responsabilidade penal, nem como autores, nem como partícipes.

Seria perfeitamente plausível a afirmação de que a pessoa jurídica é autora de delito, mas desapareceria completamente a equivocada fórmula de dependência que vem sendo adotada constantemente pelo Superior Tribunal de Justiça, que faz afastar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas quando não identificada uma responsabilidade concomitante das pessoas físicas.

As pessoas físicas efetivamente podem ser coautoras ou partícipes do delito da pessoa jurídica, mas sua falta não afasta, de modo algum, a responsabilidade destas, pois às pessoas jurídicas é perfeitamente possível atribuir ação, vontade e dolo completamente independentes das eventuais ações, vontades e dolo das pessoas físicas.

Sendo assim, diante das tendências da dogmática mais moderna, pode-se afirmar que o Superior Tribunal de Justiça poderia seguir reconhecendo a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, e ainda ajustar corretamente esta responsabilidade à figura da autoria ou coautoria, eliminando por completo a equivocada postura de fazer desaparecer a responsabilidade penal a partir das imensas dificuldades de identificação do elemento subjetivo ou da descrição da conduta específica de uma pessoa física igualmente implicada como autora.

Produzido por: Juliana Jesus

  • direito
  • empresa
  • penal
  • economia
  • brasil
  • stf

Referências

http://julianajs.jusbrasil.com.br/artigos/380820692/autoria-e-participacao-no-direito-penal-economico-e-de-empresa?ref=news_feed


Timóteo Monteiro

Advogado - Recife, PE


Comentários