Quem deve receber as águas pluviais (das chuvas)?


16/07/2018 às 12h17
Por Vinicius Barbosa

De início, esclarece-se que a problemática encontra fundamento na Seção V - “Das Águas”, no Código Civil Brasileiro.

Por oportuno, insta destacar que o Brasil, desde 1934, instituiu o "Código de Águas", por meio do Decreto nº 24.643, que determina diversas diretrizes relacionadas a sua utilização e outros temas atinentes.

Dito isto, evidencia-se primeiramente os artigos 1.277 a 1.313, do Código Civil, encontrados no Capítulo V, do Livro que trata do Direito das Coisas, e que regula os consagrados “Direitos de Vizinhança”.

Da leitura dos dispositivos, vislumbra-se que diversas são as previsões legais quanto a limitação da propriedade privada, que sempre inclinam em buscar uma melhor convivência social entre sujeitos titulares de direitos reais.

Importa, neste momento, destacar a clássica conceituação doutrinária do supracitado título, com vistas a maior esclarecimento.

  • “Os direitos de vizinhança compreendem o conjunto de normas de convivência entre os titulares de direito de propriedade ou de posse de imóveis localizados próximos uns aos outros. (...). As normas de regência dos direitos de vizinhança são preferentemente cogentes, porque os conflitos nessa matéria tendem ao litígio e ao aguçamento de ânimos. Na dimensão positiva, vizinhos são os que devem viver harmonicamente no mesmo espaço, respeitando reciprocamente os direitos e deveres comuns”. (LÔBO, Paulo. Direito Civil. Coisas. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 177).
  • “Os direitos de vizinhança constituem limitações impostas pela boa convivência social, que se inspira na lealdade e na boa-fé. A propriedade deve ser usada de tal maneira que torne possível a coexistência social. Se assim não se procedesse, se os proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e ilimitado, não poderiam praticar qualquer direito, pois as propriedades se aniquilariam no entrechoque de suas várias faculdades”. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. V. 3, p. 135).

Em uma das Seções do Código Civil, acertadamente inclusa no Capítulo V - “Dos Direitos de Vizinhança”, especificamente a de número V, artigos 1.288 a 1.296, dedica-se às águas.

Constatemos o que preconiza a doutrina.

  • Assim como ocorre com as árvores, as águas constituem partes integrantes do Bem Ambiental (art. 225 da CF/1988) e, sendo assim, merecem ampla proteção, para atender à função socioambiental da propriedade. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 7 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forens; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 685).

Tendo em vista que o Brasil possui uma riqueza aquática grandiosa, com uma enorme quantidade de rios e também sendo banhado pelo oceano Atlântico, evidente que a legislação pátria guardaria um capítulo para sua proteção.

Preocupa-se, de forma demasiada e correta, dado seu potencial hídrico, em proteger o meio ambiente.

Esta percepção, portanto, lastreia-se na Constituição Federal de 1988. Vejamos.

  • Art. 225. CRFB/88. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, torna-se visível e extremamente necessária a proteção das águas pela Carta Magna, Código Civil, e Código de Águas.

Esclarecidos estes tópicos, passa-se ao deslinde da questão objeto deste estudo: Quem deve receber às águas das chuvas (pluviais)?

Desde já, ratifica-se o entendimento de que o dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo aquele realizar obras que embaracem o seu fluxo.

Neste diapasão, ressalta que a condição natural do inferior também não pode ser agravada por obras realizadas pelo dono do prédio superior, consoante determinação do artigo 1.288 do Código Civil e artigo 69 do Código de Águas (Dec. 24.643/1934).

  • Art. 1.288. CC. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior.
  • Art. 69. Código de Águas. Os prédios inferiores são obrigados a receber as águas que correm naturalmente dos prédios superiores.

Neste sentido, notória é a legislação no sentido de coibir que o proprietário do prédio superior ou inferior, onde caem as águas pluviais, altere ou venha a obstar o seu curso natural:

  • Art. 1.290. CC. O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir, ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores.
  • Art. 103. Código das Águas (Dec. nº 24.643/1934). As águas pluviais pertencem ao dono do prédio onde caírem diretamente, podendo o mesmo dispor delas a vontade, salvo existindo direito em sentido contrário.
  • Parágrafo único. Ao dono do prédio, porém, não é permitido:
  • 2º, desviar essas águas de seu curso natural para lhes dar outro, sem consentimento expresso dos donos dos prédios que irão recebê-las.

Vejamos o que informa a doutrina.

  • O dono ou possuidor do prédio inferior terá obrigação de receber as águas pluviais ou nascentes que naturalmente correm do superior, ante a conformação do solo e à lei da gravidade. Logo, está proibido de realizar obras que dificultem o fluxo das águas. Nem o dono do prédio superior pode efetuar obras que agravem a condição do prédio inferior. (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 13. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 882).
  • O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores. Assim, conforme o exposto, o curso normal das águas não pode ser obstado; caso isso aconteça, poderá o prejudicado fazer uso dos meios possessórios. (PINTO, Cristiano Vieira Sobral. 1978 – Direito Civil Sistematizado. 5. ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2014. p. 863).

Notemos agora o entendimento de alguns magistrados e Tribunais quanto a obrigação do dono ou possuidor do prédio inferior em receber as águas que correm naturalmente do superior.

  • Incumbe ao proprietário do prédio inferior “arcar com as obras necessárias à canalização das águas que correm naturalmente de um prédio ao outro, descabendo imputá-las ao réu, proprietário do prédio superior” (RJTJERGS 262/356, AP 70016391476).
  • O dono do prédio inferior tem por obrigação receber as águas que correm naturalmente do superior (art. 1.288 do CC), sendo estas águas, no entanto, as pluviais, e não o esgoto” (JTJ 323/649: AP 7.030.324-1).
  • AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL - RECURSO DESERTO - REJEITADA - TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA EM CARÁTER ANTECEDENTE - DIREITO DE VIZINHANÇA - ALEGAÇÃO DE ALTERAÇÃO FORÇADA DO CURSO NATURAL DO CÓRREGO - REQUISITOS PREENCHIDOS - TUTELA DEFERIDA. 1 - Pelo permissivo do art. 99, § 7º do NCPC, requerida a concessão da gratuidade judiciária em sede recursal, o recorrente encontra-se dispensado de comprovar o recolhimento do preparo até posterior apreciação do pedido. 2 - O art. 1.288 do Código Civil dispõe que o dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo o mesmo realizar obras que embaracem o fluxo normal das águas. 3 - Em contraponto, o proprietário do prédio superior, no caso, imóvel contíguo que compartilha do mesmo córrego, não pode realizar obras que venham a agravar a situação natural e anterior do prédio vizinho, aumentando o ônus para o seu proprietário.(TJ-MG - AI: 10384170007585001 MG, Relator: Octávio de Almeida Neves (JD Convocado), Data de Julgamento: 27/07/2017, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/08/2017).
  • APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE VIZINHANÇA. ÁGUAS PLUVIAIS. PRÉDIOS EM NÍVEIS TOPOGRÁFICOS SUPERIOR E INFERIOR. ESCOAMENTO. OBSTRUÇÃO. O dono do prédio localizado em nível topográfico inferior é obrigado a suportar o fluxo de águas pluviais que naturalmente provém do prédio superior, não podendo lhe obstruir a passagem. Constada pela prova pericial indícios de fluxo natural de água das chuvas do prédio superior para o inferior, bem como a indevida obstrução da passagem anterior, é de direito seja o dono do prédio inferior compelido a restabelecer o antigo coletor de águas pluviais.(TJ-MG - AC: 10223100205416001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 23/05/2013, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/05/2013)

Pois bem, em vista de todos os fundamentos legais supraditos, adverte-se que aquele que está em declive (prédio inferior), será obrigado a receber o fluxo natural pluvial oriundo do prédio superior.

A título de informação, destaca as distintas palavras de um magistrado paulista:

  • Autos nº.: 400.01.2011.000503-6/000000-000 – nº ordem 92/2011 – Procedimento Ordinário – Obrigação de Fazer / Não Fazer), publicada no Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) - 27/08/2012 – Judicial – 1 ª Instância – Interior – Parte II – Pg. 2350/2351, quais sejam: “as águas que correm naturalmente do prédio superior decorrem de uma das leis da física, cuja revelação é atribuída ao inglês Isaac Newton, qual seja, a gravidade”. ¹

Não há ainda que se falar em pagamento de indenização pelo proprietário de terreno superior, considerando que o dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber águas pluviais, desde, é claro, que aquele não tenha realizado obras que embaracem o fluxo, conforme tem concluído a jurisprudência.

  • Ação de reparação de danos materiais. Direito de vizinhança. Ausência de danos indenizáveis. Águas que fluem naturalmente de um terreno a outro, independentemente de qualquer atividade de seu proprietário, não obriga a reparar eventuais danos causados. Aplicação do art. 1.288 do Código Civil. O simples fato de o imóvel da autora sofrer periódicas inundações, em razão de chuvas abundantes, sendo que parte das águas flui naturalmente do prédio ao lado, não lhe assiste o direito a indenização. Isso porque, de acordo com o art. 1.288 do CC, “o dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior”. Sentença mantida. Recurso desprovido” (TJRS, Recurso Cível n. 71001835628, Tramandaí, 3º Turma Recursal Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 19.02.2009, DOERS 02.03.2009, p. 90).

A par desses esclarecimentos, conclui-se que as águas pluviais advindas do prédio superior que desembocam no prédio inferior, devem ser suportadas por este, não gerando direito a qualquer tipo de indenização, salvo quando provado obras que obstaculizam o fluxo chuvoso.

  • Águas das Chuvas
  • Artigo 1288 do Código Civil
  • Artigo 1277 do Código Civil
  • Prédio Superior
  • Prédio Inferior
  • Direito Civil
  • Direito de Vizinhança
  • Águas Pluviais
  • Decreto nº 24.643 de 10 de Julho de 1934

Referências

Fonte: Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/39955587/djsp-judicial-1a-instancia-interior-parte-ii-27-08-2012-pg-2351> acesso em 07.08.17.

Fonte imagem.: Disponível em.: http://www.oboletim.com.br/wp-content/uploads/Chuva-468x267.jpg> acesso em 07.08.17.


Vinicius Barbosa

Advogado - Aparecida de Goiânia, GO


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