ANÁLISE DA SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E SEUS REFLEXOS (IN)CONSTITUCIONAIS


01/06/2016 às 16h54
Por Michele Andressa Urague

ANÁLISE DA SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E SEUS REFLEXOS (IN)CONSTITUCIONAIS

Resumo: A finalidade do presente artigo científico busca renovar as discussões concernentes ao enunciado da Sumula 231 do Superior Tribunal de Justiça, com enfoque nos princípios da legalidade, igualdade e individualização da pena e seus reflexos possivelmente inconstitucionais. Desde a data de sua publicação, a Súmula 231 do STJ vem sendo aplicada nos mais diversos tribunais pátrios, e ainda que sua força não seja vinculante, certamente vem servindo de parâmetro nas questões envolvendo a dosimetria da pena. No entanto, a eficácia da mencionada Súmula vem sendo questionada pelos doutrinadores e jurisprudência recentes, por suposta violação a princípios básicos norteadores do direito penal. Isto posto, com a presente pesquisa, visou-se a análise e confronto dos posicionamentos favoráveis e contrários a aplicação da Súmula, com o fito de analisar os reflexos de sua aplicabilidade no cenário atual do Direito, grande propagador de direitos e garantias fundamentais, sob a égide dos princípios dispostos na Constituição Federal.

Palavras-chave: Igualdade- princípios Constitucionais- individualização da pena- dosimetria da pena- reflexos.

Abastract: The purpose of this scientific article seeks to renew discussions concerning the statement of Sumula 231 of the Superior Court of Justice, focusing on the principles of legality, equality and individualization of punishment and their reflexes possibly unconstitutional. Since the date of its publication, the Precedent 231 of the STJ has been applied in various patriotic courts, and that his strength is not binding, it is certainly used as benchmark on issues involving the dosimetry pen. However, the effectiveness of that Precedent has been questioned by scholars and recent jurisprudence, for alleged violation of basic guiding principles of criminal law. That said, with this research, aimed at the analysis and comparison of favorable positions for and against the application of Precedent, with the aim of analyzing the consequences of its applicability in the current scenario of the law, great propagator of fundamental rights and guarantees under the aegis of the willing principles in the Constitution.

Keywords: Equality- principles Constitucionais- individualization of punishment- dosimetry of punishment- reflex.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO – 2 A COERÇÃO PENAL COMO MECANISMO DE JUSTIÇA - 3 DA SÚMULA 231 DO STJ E SEUS REFLEXOS (IN)CONSTITUCIONAIS - 3.1 SISTEMA TRIFÁSICO DA DOSIMETRIA DA PENA SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA- 3.2 ANÁLISE DOS POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS A APLICAÇÃO DA SÚMULA 231 DO STJ E SUA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL – 3.3 ANÁLISE DOS POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS A APLICAÇÃO DA SÚMULA 231 DO STJ E SUA INTERPRETAÇÃO INCONSTITUCIONAL E ILEGAL – 4 CONCLUSÃO - 5 REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

Na atualidade, como é de conhecimento dos operadores do Direito, o Poder Judiciário vem enfrentando profundos problemas estruturais em grande- para não dizer em toda- parte do país, em razão do visível excesso de serviço e escassez de servidores, motivo que vem dificultando que a prestação jurisdicional seja realizada com a efetividade o qual todo cidadão faz jus. Tal fato, em alguns casos, justifica o motivo de tantos magistrados brasileiros seguirem a letra fria da Lei ou um posicionamento de Tribunal Superior, dispondo sobre determinado tema, sem necessitar fazer uma análise completa e aprofundada sobre o caso concreto.

A história nos mostrou, no decorrer dos séculos, que nem tudo o que está na Lei pode ser considerado justo e, por esse motivo, o senso crítico dos magistrados deve ser bastante aguçado, pois a Lei deve ser interpretada seguindo também outros parâmetros, hoje com mais enfoque nos princípios constitucionais. Um exemplo clássico disso, bastante mencionado inclusive pelos doutrinadores, foi a escravidão, que era legalmente permitida em um determinado momento histórico, mas sempre esteve longe da verdadeira justiça.

A par deste assunto, e sob a égide da importância dos direitos e garantias fundamentais, consolidados e ampliados pela Constituição Federal de 1988, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça vem sendo bastante criticada pelos doutrinadores, e até mesmo por uma parte minoritária da jurisprudência, haja vista que seu conteúdo dispõe que, no caso de existir alguma circunstância atenuante, a pena não pode ser fixada abaixo do mínimo legal.

Desta forma, este artigo tem o propósito de fazer uma análise aprofundada sobre a Súmula 231 do STJ, à luz dos princípios constitucionais, bem como das normas jurídicas vigentes que regulam a questão da dosimetria da pena, haja vista que, muito embora tal tema seja objeto de Súmula, esta não possui força vinculante e deve ser questionada pelos juristas.

Com o confronto das correntes contrárias e defensivas, objetiva-se chegar a uma conclusão acerca da constitucionalidade, ou não, da mencionada Súmula e da legislação vigente sobre o assunto, de acordo com a sociedade e com o Direito da atualidade, que tanto prisma pela propagação dos direitos humanos e não violação da dignidade da pessoa humana, sendo tal tema bastante controvertido entre os operadores do Direito da atualidade.

2 A COERÇÃO PENAL COMO MECANISMO DE JUSTIÇA

Com o passar dos tempos, a coerção penal passou a significar ao povo a garantia da punidade para aquele que praticou determinada conduta típica. É a esperança do cidadão, no que concerne ao senso de justiça, onde afirmam que a cada conduta tipificada, deve ser aplicada a pena correspondente, anteriormente prevista no Código Penal.

A coerção penal vem manifestada pela aplicação de pena ao delinquente, que descumpriu a norma jurídica cometendo uma conduta tipificada, cujo magistrado, para sua fixação, se utilizará do sistema trifásico da dosimetria da pena.

Nesse interim, com o fim de alcançar uma pena justa ao cidadão, o magistrado observará, na primeira fase da dosimetria da pena, as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ocasião em que fixará uma pena-base. Em uma outra oportunidade, observará se no caso incidirá alguma circunstância atenuante ou agravante (Artigos 65 e 61 do Código Penal), sendo que, posteriormente, em uma última etapa, o magistrado analisará a incidência de alguma causa de diminuição ou aumento da pena, chegando a pena definitiva.

Sobre o assunto, Beccaria (1999) asseverou que:

Podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social. Ora, o magistrado, que também faz parte da sociedade, não pode com justiça infligir a outro membro dessa sociedade uma pena que não seja estatuída pela lei; e, do momento em que o juiz é mais severo do que a lei, ele é injusto, pois acrescenta um castigo novo ao que já está determinado. Segue-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão. (BECCARIA, 1999, p. 16)

No entanto, para o cidadão em geral, a justiça está associada a penas mais severas e em maior quantidade. Não há questionamento, pela maioria, se os princípios foram obedecidos, se as provas são suficientes para a condenação, eles apenas querem que a punição seja alta e, assim justa, para afastar a sensação de impunidade.

O próprio Estado, com medo da ineficácia de suas medidas, acaba, por vezes, condenando pessoas, quando a absolvição seria a medida mais cautelosa, por ausência de provas ou não constatação contundente da autoria delitiva. O Poder Judiciário deve ser lastreado de certezas e, no caso de dúvidas, eventual condenação não poderá ser considerada justa, em nenhuma condição.

Acrescenta-se a isso que, o sistema carcerário do Brasil e precário e completamente o oposto do que prega a Constituição. Ao invés de ajudar na ressocialização e na diminuição de prática de crimes, os presídios superlotados fazem com que os presos saiam dali verdadeiros profissionais da criminalidade, motivo pelo qual vem crescendo as correntes doutrinárias que pregam a substituição da pena privativa de liberdade por outras alternativas, como restritiva de direitos.

Pode se considerar como abandonado o estado em que se encontra o sistema carcerário do país, e o que deveria ser um instrumento de ressocialização, conforme preceituado pela Constituição, na maior parte do tempo, acaba funcionando como “faculdade do crime”, em face do estado deplorável em que é tratado pelos governantes e pela própria sociedade (ASSIS, 2007), em face da superlotação e da não garantia sequer da dignidade da pessoa humana aos presos.

O atual sistema carcerário causa inúmeros prejuízos psicológicos ao detento, motivo pelo qual nos fazem questionar se realmente a coerção penal é um mecanismo de justiça, haja vista que a criminalidade no país cresce a cada dia, ao invés de retroceder.

Em sua obra, Assis (2007) tentou descrever a situação dos presídios, cujo trecho se transcreve:

Dentro da prisão, dentre várias outras garantias que são desrespeitadas, o preso sofre principalmente com a prática de torturas e de agressões físicas. Essas agressões geralmente partem tanto dos outros presos como dos próprios agentes da administração prisional.

Os abusos e as agressões cometidas por agentes penitenciários e por policiais ocorre de forma acentuada principalmente após a ocorrência de rebeliões ou tentativas de fuga. Após serem dominados, os amotinados sofrem a chamada "correição", que nada mais é do que o espancamento que acontece após a contenção dessas insurreições, o qual tem a natureza de castigo. Muitas vezes esse espancamento extrapola e termina em execução, como no caso que não poderia deixar de ser citado do "massacre" do Carandiru, em São Paulo, no ano 1992, no qual oficialmente foram executados 111 presos.

O despreparo e a desqualificação desses agentes fazem com que eles consigam conter os motins e rebeliões carcerárias somente por meio da violência, cometendo vários abusos e impondo aos presos uma espécie de "disciplina carcerária" que não está prevista em lei, sendo que na maioria das vezes esses agentes acabam não sendo responsabilizados por seus atos e permanecem impunes.

Entre os próprios presos a prática de atos violentos e a impunidade ocorrem de forma ainda mais exacerbada. A ocorrência de homicídios, abusos sexuais, espancamentos e extorsões são uma prática comum por parte dos presos que já estão mais "criminalizados" dentro da ambiente da prisão e que, em razão disso, exercem um domínio sobre os demais presos, que acabam subordinados a essa hierarquia paralela. Contribui para esse quadro o fato de não serem separados os marginais contumazes e sentenciados a longas penas dos condenados primários (ASSIS, 2007, p. 5).

Pela sociedade, o reflexo que se tem do preso é como alguém que não consegue mais integrar a sociedade e que é incapaz de se regenerar e abandonar a prática do crime. Desta forma, a coerção penal somente fará efeito se a mídia ajudar na propagação de que o detento pode se ressocializar e voltar ao convívio social sem que outro crime necessariamente seja cometido e merecendo a devida atenção e amparo social, o ex-detento poderá ser reabilitado, e assim, cumprir a finalidade da norma.

Portanto, a coerção penal sem amparo nenhum ao detento, sem condições e oportunidades de ressocialização e reintrodução do meio social, conforme ocorre atualmente, não pode ser considerado como um meio de justiça, haja vista que não combate a raiz da criminalidade, pelo contrário, a situação dos presídios a fomenta ainda mais.

E é justamente nesse cenário, que surge a questão da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, que veio proibir a fixação da pena abaixo do mínimo legal, no caso de incidência de circunstância atenuante, demonstrando que a injustiça pode partir do lugar em que menos se espera, conforme se verá a seguir.

3 DA SÚMULA 231 DO STJ E SEUS REFLEXOS (IN)CONSTITUCIONAIS

A Súmula 231 foi publicada em 15/10/1999 pela terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado dispõe que "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal."

Em que pese não ser vinculante, referida Súmula é de aplicação recorrente por grande parte dos tribunais brasileiros e, uma das justificativas utilizadas é em razão de tratar-se de posicionamento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, e portanto, deve ser obedecido pelos tribunais inferiores.

Sobre as Súmulas, afirmou Streck (1998):

... tendo a precípua tarefa de trazer a última (e definitiva) palavra dos Tribunais Superiores a respeito da interpretação de qualquer ato normativo (normas constitucionais, infraconstitucionais, decretos, portaria etc.), é importante ressaltar que a Súmula não cumpre tão somente um papel de uniformização formal da jurisprudência. Na realidade, a súmula tem a função de produzir um sentido ‘clausurado’ da norma com o que passa a ter um caráter de quase normatividade. (...) A súmula é, assim, a produção de definições explicativas, que tem força prescritiva na prática diária dos juristas, pela simples razão de que a força coercitiva do direito não emana somente da lei, senão das práticas do Judiciário. Ou seja, as fontes do Direito ultrapassam o âmbito da lei, criando desde zonas de intersecção até invasão de competências, o que provoca, inexoravelmente, a discussão acerca dos limites e do alcance dessas fontes. (STRECK, 1998, p. 238)

Destarte, apesar de sua importância notória, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça vem sendo bastante criticada pelos doutrinadores, e até mesmo por uma parte da jurisprudência, sendo grande a controvérsia sobre o assunto. Ambas as correntes, seja pela constitucionalidade ou não da Súmula, estão amparadas por normas legais e vigentes que disciplinam a matéria.

Inicialmente, convém asseverar que, não raras vezes, há situações em que sua aplicação, sem análise aprofundada do caso concreto, pode gerar injustiças, razão pelo qual sua constitucionalidade vem sendo bastante questionada pelos operadores do Direito, ainda que a redação da Súmula já possua mais de 15 (quinze) anos de vigência.

Para ilustrar essa questão, tomemos o exemplo de dois acusados, ambos não possuindo qualquer circunstância judicial desfavorável disposta no artigo 59 do Código Penal, porém apenas um deles confessa o delito. Com a aplicação da Súmula 231 do STJ, a confissão será tida por irrelevante para fins de individualização da pena, resultando na mesma pena para ambos os réus, ainda que apenas um deles tenha colaborado com a instrução do processo.

Assim, caso a pena não fosse diminuída além do mínimo legal, não teria nenhum benefício o acusado que confessa o delito, equiparando-o ao denunciado que não colabora com o Poder Judiciário, ou seja, estabelecer-se-ia uma punição maior, ferindo o primado da isonomia.

Desta forma, há verdadeiro conflito de normas quanto a aplicação das regras que dispõe sobre a dosimetria da pena. A Súmula 231 do STJ veio justamente disciplinar a questão e estabelecer um parâmetro, no entanto, acabou por infringir preceitos constitucionais, especialmente o princípio da individualização da pena, isonomia e a dignidade da pessoa humana.

3.1 Sistema trifásico da dosimetria da pena sob a ótica do princípio da individualização da pena e dignidade da pessoa humana

Como é sabido, o magistrado, quando da fixação da pena ao denunciado, deverá utilizar-se do método trifásico de aplicação da pena, que encontra-se disposto no artigo 68, caput, do Código Penal, asseverando que a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 mencionado Código e, em seguida, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes e, assim, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena.

Logo, na primeira etapa da dosimetria, o magistrado fixará a pena-base, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, conforme redação do artigo 59 do Código Penal.

Posteriormente, o magistrado deverá averiguar a existência de circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61 e 65 do Código Penal), cujo patamar não poderá exceder os limites máximos e mínimos previstos em Lei para o crime em concreto, conforme entendimento dominante.

Em uma terceira e derradeira etapa da dosimetria da pena, o juiz analisará a incidência de circunstâncias agravantes e atenuantes, sendo que, nesta etapa, a pena poderá ser fixada além ou aquém dos limites dispostos na Lei para o tipo penal.

Pois bem. De acordo com o teor da Súmula 231 do STJ, o magistrado não poderia diminuir a pena abaixo do mínimo legal, em primeira e segunda fase da fixação da pena, haja vista que, segundo os defensores de sua constitucionalidade, tal fato constituiria violação aos princípios da reserva legal e da pena determinada, ambos previstos na Constituição Federal, artigo 5º, inc. XXXIX e art. 5º, inc. XLVI, respectivamente.

Isto significa que, a pena só pode existir em virtude de cominação legal, não existindo discricionariedade ao magistrado para ultrapassar para mais ou para menos os limites impostos pelo legislador, salvo no caso em que houver expressa permissão do próprio legislador, ou seja, nas causas de aumento e diminuição de pena.

Como também é sabido, o magistrado deverá observar critérios pessoais do denunciado, quando da fixação, o que chamamos de individualização da pena.

Tal princípio se revela como uma verdadeira garantia humana fundamental, vez que cada condenado possui o direito de receber uma pena justa, individualizada, proporcional ao ato ilícito praticado. (SCHIMITT, 2012, p. 101), e decorre do princípio da isonomia, haja vista a propagação da ideia de que se deve tratar os iguais, de forma igual, e os diferentes de forma diferenciada, na medida de suas desigualdades.

O Princípio da individualização da pena prega que a pena é personalíssima e proporcional ao delito praticado, cuja previsão encontra amparo na Constituição Federal que em seu art. 5º, XLVI, dispõe que: A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos (...).

Segundo Nucci (2009):

A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou mesmo corréus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da “mecanizada” ou “computadorizada” aplicação da sanção penal, prescindindo da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena preestabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto (NUCCI, 2009, 31-32).

Ambas as correntes, acerca da constitucionalidade ou não da Súmula 231 do STJ, se utilizam do mencionado princípio para consolidar sua posição. Bitencourt (2007) leciona que:

Acompanhamos no passado a corrente tradicional, segundo a qual as atenuantes e as agravantes não podiam levar a pena para aquém ou para além dos limites estabelecidos no tipo penal infringido, sob pena de violar o primeiro momento da individualização da pena, que é legislativo, privativo de outro poder, e é realizado através de outros critérios e com outros parâmetros, além de infringir os princípios da reserva legal e da pena determinada (art. 5º, XXXIX e XLVI, da CF), recebendo a pecha de inconstitucional, por aplicar pena não cominada. Quando a pena base estivesse fixada no mínimo, impediria sua diminuição, ainda que se constatasse in concreto a presença de uma ou mais atenuantes, sem que isso caracterizasse prejuízo ao réu, que já teria recebido o mínimo possível (BITENCOURT, 2007, p. 587).

Desta forma, se partirmos do pressuposto de que toda pena deverá ser analisada individualmente, conseguiremos chegar a conclusão de que a aplicação da Súmula 231 do STJ, que, muito embora esteja em vigor há mais de mais de quinze anos, não acompanhou a evolução da sociedade e o constitucionalismo ocorrido no decorrer dos anos, que elevou a Constituição Federal como a base de todo o ordenamento jurídico, pois fere o princípio da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana, além de outros princípios..

3.2 Análise dos posicionamentos favoráveis a aplicação da súmula 231 do stj e sua interpretação constitucional

Para os que defendem a constitucionalidade da Súmula, seus argumentos estão amparados também, especialmente, pelo princípio da legalidade. Isto porque, sustentam que a pena-base somente poderá ser fixada dentro dos limites mínimos e máximos dispostos em Lei, ou seja, que somente as penas poderiam ultrapassar esses limites em terceira fase da aplicação da pena, quando da análise das circunstâncias atenuantes e agravantes, pois assim foi disposto pelo legislador.

Firmam seu entendimento, também pelo artigo 59, II, do Código Penal, que dispõe que o juiz estabelecerá a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos, cuja interpretação extraída seria que, como o legislador não abriu margem para fixação da pena abaixo do mínimo legal, na segunda fase da dosimetria da pena, esta não poderia ser aplicada.

Primeiramente, em análise a jurisprudência, percebe-se que são poucos os magistrados que discorrem sobre o tema, se limitando a afirmar que a pena teria que ser aplicada no mínimo legal, mesmo no caso de existir a superveniência de atenuante, em face da existência da Súmula 231 do STJ. Em análise aos poucos julgados fundamentados, percebe-se que as alegações para aplicação da Súmula se baseiam no fato de que a pena poderia chegar a “zero”, sem a resposta estatal devida para a prática do crime, além do que, se a atenuante fosse aplicada, existiria verdadeira interferência entre os poderes, eis que a norma jurídica elaborada pelo legislador, em sua função típica, estabelece que apenas na terceira fase da dosimetria da pena é que esta poderia ser fixada ultrapassando os limites legais. Ademais, afirmam que as atenuantes são partes integrantes do tipo penal, demonstrando, novamente, a impossibilidade de redução da pena.

Sobre o tema Nucci (2006) leciona que:

(...) as atenuantes não fazem parte do tipo penal, de modo que não tem o condão de promover a redução da pena abaixo do mínimo legal. Quando o legislador fixou, em abstrato, o mínimo e o máximo para o crime, obrigou o juiz a movimentar-se dentro desses parâmetros, sem possibilidade de ultrapassá-los, salvo quando a própria lei estabelecer causas de aumento ou de diminuição. Estas, por sua vez, fazem parte da estrutura típica do delito, de modo que o juiz nada mais faz do que seguir orientação do próprio legislador (NUCCI, 2006, p. 436-437).

Destarte, acerca da jurisprudência mencionada, em posição majoritária, que se manifesta favorável a aplicação e legalidade da Súmula 231 do STJ, urge trazer à baila os seguintes posicionamentos:

APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. INVOCAÇÃO DEFENSIVA DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE OFENSIVIDADE. ARMA QUE SE ENCONTRAVA DESMUNICIADA. DESCABIMENTO. IRRELEVÂNCIA PARA A CONCRETIZAÇÃO DO DELITO. CRIME FORMAL E DE PERIGO ABSTRATO. ERRO DE PROIBIÇÃO. INOCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DE REPRIMENDA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL DIANTE DA CONSTATAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 231 DO STJ. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. APELANTE PATROCINADO POR DEFENSOR PÚBLICO. CUSTAS ISENTAS DE OFÍCIO. - Suficientemente comprovadas a autoria e materialidade do delito de porte ilegal de arma de fogo, conforme demonstrado pela confissão do réu e demais elementos do acervo probatório, descabido o pleito de absolvição por ausência de provas. - É irrelevante para a ocorrência do tipo penal do artigo 14 da Lei 10.826/2003 que a arma esteja ou não municiada, porque se trata de delito formal e de perigo abstrato, não sendo necessária a demonstração do efetivo perigo no caso concreto para a sua configuração. - Restando demonstrado que o apelante possuía plena condição de conhecer e entender o caráter ilícito de sua conduta, não há que se falar em nenhuma das hipóteses de erro de proibição contida no art. 21 do CP. - Conforme entendimento firmado pela Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal", por violar o princípio da legalidade. - Verificado que o recorrente está sendo patrocinado por Defensor Público, deve-se isentá-lo, de ofício, do pagamento das custas processuais. (BRASIL, 2013)

REVISÃO CRIMINAL – LATROCÍNIO – DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO – NÃO CONHECIMENTO – REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO LEGAL – ACOLHIMENTO PARCIAL – RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO – POSSIBILIDADE – FIXAÇÃO DO QUANTUM DE REDUÇÃO REFERENTE À MENORIDADE RELATIVA E À CONFISSÃO ESPONTÂNEA EM 1/6 – INVIABILIDADE – RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO. I - Embora na petição inicial o próprio réu tenha pleiteado a desclassificação do delito, não há provas novas ou alegação de haver indícios de contrariedade às provas dos autos, tanto que a defesa técnica ao apresentar as razões para a revisão criminal não apresentou o mesmo pedido, de modo que não deve nesse ponto ser conhecido. II - As circunstâncias judiciais reconhecidas na sentença como desfavoráveis tiveram fundamentação idônea, devendo, portanto, persistirem. No entanto, imperiosa é a diminuição da pena-base imposta ao requerente para o mesmo quantum estabelecido ao corréu, porquanto fixada em patamar superior, sem haver qualquer distinção que justificasse a individualização implementada. III - Tendo sido utilizado o seu depoimento prestado na fase judicial como parte do fundamento da sentença condenatória (Cf. STJ. HC 216225/MS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 22/02/2012), deve ser reconhecida a atenuante da confissão. IV - Inviável a fixação do quantum de redução referente à menoridade relativa e à confissão espontânea em 1/6 (um sexto), haja vista que tal operação conduziria, na fase intermediária, diminuição da pena abaixo do mínimo legal, o que é vedado pela Súmula 231 do STJ. (BRASIL, 2015)

E M E N T A-APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ARTIGO 14 DA LEI N. 10.826/03)- PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL - ACOLHIDO - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA CULPABILIDADE, CONDUTA SOCIAL, PERSONALIDADE, DOS MOTIVOS E DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME MAL SOPESADAS - REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL PELA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - NÃO POSSÍVEL - SÚMULA 231 DO STJ - RESPEITO AO SISTEMA TRIFÁSICO DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL - SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITO - POSSIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A avaliação negativa da culpabilidade, sob o fundamento de que o agente possuía plena consciência da ilicitude, exigindo-se conduta diversa, não deve autorizar o recrudescimento da pena-base, na medida em que tais circunstâncias constituem elementos integrantes da própria tipicidade do delito. 2. O simples fato de ter respondido ou estar respondendo a outras ações penais, além de não ser indicativo automático de má conduta social ou de personalidade desregrada, não pode ser utilizado para agravar a pena-base, consoante determina a Súmula 444 do STJ. 3. Quanto ao motivo do crime, o magistrado sentenciante apenas consignou que "é injustificável", não dispensando uma linha sequer para justificar as razões de seu convencimento, o que impõe o afastamento da avaliação negativa. 4. Os "danos e sequelas irreversíveis à sociedade" que resultam da prática delitiva não podem autorizar a valoração negativa da moduladora das consequências do crime, mesmo porque o porte ilegal de arma de fogo é delito de perigo abstrato, em que há mera probabilidade de dano concreto. 5. É cediço nas Cortes Superiores que a imposição da pena-base no mínimo legal, como se afigura no presente caso, impede a aplicação de atenuantes para reduzir a sanção abaixo do mínimo legal, consoante entendimento expresso na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. Logo, não pode o Magistrado ultrapassar as balizas mínima e máxima previstas no tipo penal, sob pena de violação ao princípio da reserva legal e ao sistema trifásico de individualização da pena, que só permite tal operação na terceira fase da dosimetria penal, onde serão consideradas as causas de aumento e diminuição de pena. 6. Preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, a reprimenda corporal deve ser substituída por restritivas de direitos, tratando-se de direito subjetivo do réu. 7. Recurso parcialmente provido, apenas para reduzir da pena-base ao mínimo legal e substituir a pena corporal por duas restritivas de direitos a serem definidas pelo Juízo da Execução Penal. (BRASIL, 2014)

Desta forma, esta corrente preza pela constitucionalidade da Súmula 231 do STJ, especialmente com relação a obediência ao princípio da legalidade, haja vista que a penalidade mínima fixada pelo legislador para o tipo penal se trata de um marco mínimo com o propósito de adimplir os preceitos de prevenção, entendendo que, entendimento diverso ocasionaria em grave risco a segurança da sociedade.

3.3 Análise dos posicionamentos contrários a aplicação da súmula 231 do STJ e sua interpretação inconstitucional e ilegal

Como já dito, ambas as correntes, que sustentam a inconstitucionalidade ou não da Súmula 231 do STJ, estão amparadas por posicionamentos legais e também Constitucionais, cada qual com o seu entendimento e sua interpretação.

Ocorre que, se a análise for realizada minuciosamente pelo âmbito Constitucional, percebemos que a aplicação da Súmula pode violar alguns princípios e direitos fundamentais, tais quais o princípio da individualização da pena, da culpabilidade, isonomia, da dignidade da pessoa humana e o próprio princípio da legalidade.

É sabido que, na aplicação da pena, o magistrado deve analisar critérios pessoais do acusado, devendo fundamentar o seu decreto condenatório, demonstrando todos os elementos que contribuíram para a sua convicção, por determinação da própria Constituição Federal, disposta em artigo 93, inciso IX, demonstrando a necessidade da correta individualização da pena.

Em atenção ao princípio da culpabilidade, podemos concluir que, se existir circunstância que possa ser interpretada de forma favorável ao acusado, esta deverá acarretar em uma diminuição da sua pena, haja vista que deve ser compatível na exata medida de sua culpabilidade.

Já o princípio da legalidade encontra-se previsto no artigo 5°, inciso XXXIX da Constituição Federal dispondo que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal e no artigo 1° do Código Penal, com a mesma redação.

De acordo com o mencionado princípio, não poderá haver punição se não existir uma lei prévia que considere aquele determinado fato praticado como crime (DINIZ, 2012, p.281-282).

Desta forma, para os defensores da inconstitucionalidade e contrários a aplicação da Súmula 231 do STJ, sua redação é contrária à legislação, haja vista que o art. 65 do Código Penal não apresenta exceção contendo que a atenuante não seria aplicada no caso de inexistirem circunstâncias judiciais desfavoráveis. Ao contrário, referido artigo dispõe que "são circunstâncias que sempre atenuam a pena", e por esse motivo, não teria sentido o legislador ter adotado a expressão “sempre”, no caso de pretender não aplicar a atenuante quando a pena base fosse fixada no mínimo (GRECO, 2010, pg. 152).

No mesmo sentido, Bitencourt (2014) afirma que:

O entendimento contrário à redução da pena para aquém do mínimo cominado partia de uma interpretação equivocada, que a dicção do atual art. 65 do CP não autoriza. Com efeito, esse dispositivo determina que as circunstâncias atenuantes “sempre atenuam a pena”, independentemente de já se encontrar no mínimo cominado. É irretocável a afirmação de Carlos Caníbal quando, referindo-se ao art. 65, destaca que “se trata de norma cogente por dispor o Código Penal que ‘são circunstâncias que sempre atenuam a pena’… e – prossegue Caníbal – norma cogente em direito penal é norma de ordem pública, máxime quando se trata de individualização constitucional de pena”. A previsão legal, definitivamente, não deixa qualquer dúvida sobre sua obrigatoriedade, e eventual interpretação diversa viola não apenas o princípio da individualização da pena (tanto no plano legislativo quanto judicial) como também o princípio da legalidade estrita. (…) Enfim, deixar de aplicar uma circunstância atenuante para não trazer a pena para aquém do mínimo cominado nega vigência ao disposto no art. 65 do CP, que não condiciona a sua incidência a esse limite, violando o direito público subjetivo do condenado à pena justa, legal e individualizada (BITENCOURT, 2014, p. 08.).

Inclusive, há decisão do próprio Superior Tribunal de Justiça, que aplicou a atenuante e reduziu a pena abaixo do mínimo legal, com base na aplicação do princípio da legalidade, in verbis:

PENAL. PENA. INDIVIDUALIZAÇÃO. PENA-BASE. GRAU MÍNIMO. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. INCIDÊNCIA. REDUÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. - No processo trifásico de individualização da pena é possível a sua fixação definitiva abaixo do mínimo legal na hipótese em que a pena-base é fixada no mínimo e se reconhece a presença de circunstância atenuante, em face da regra imperativa do art. 65, do Código Penal, que se expressa no comando literal de que tais circunstâncias sempre atenuam a pena.- Habeas corpus concedido. (BRASIL, 1999)

Portanto, as decisões que negam aplicabilidade a redução da pena pela ocorrência de atenuante, podem ser consideradas como decisões contra legem, em face de contrariar o comando disposto no art. 65 do Código Penal, violando o sentido do “sempre” da norma jurídica.

Sobre essa questão, afirmou Greco (2010, p. 534):

Dissemos que tal interpretação é contrária à lei porque o artigo 65 não excepciona sua aplicação aos casos em que a pena-base tenha sido fixada acima do mínimo legal. Pelo contrário. O mencionado artigo afirma, categoricamente, que são circunstâncias que sempre atenuam a pena. Por que razão utilizaria o legislador o advérbio sempre se sua fosse sua intenção deixar de aplicar a redução, em virtude da existência de uma circunstância atenuante, quando a pena-base fosse fixada em seu grau mínimo?

Desta forma, uma das conclusões possíveis seria que, se as atenuantes sempre atenuam a pena, conforme visto, os Tribunais não poderiam construir entendimento em sentido contrário, por afronta direta ao princípio da legalidade, sob pena de gerar a injustiça.

Assevera Queiroz que o importante é fixar uma pena justa ao caso concreto, de maneira proporcional ao delito, conforme as variáveis, ainda que, para isso, o juiz a fixe abaixo do mínimo legal, sob pena de se adotar uma postura antigarantista e contrária aos preceitos constitucionais (QUEIROZ, 2002).

Destarte, a aplicação de entendimento contrário seria admitir interpretação restritiva contra o infrator, o que não é concebível, uma vez que o direito penal envolve regras que afetam o direito de liberdade, devendo a sua interpretação ser sempre direcionada no sentido de proteger o réu.

Ratificando tal entendimento, Santos (2005) leciona que:

a proibição de reduzir a pena abaixo do limite mínimo cominado, na hipótese de circunstâncias atenuantes obrigatórias, constitui analogia in malam partem, fundada na proibição de circunstâncias agravantes excederem o limite máximo da pena cominada – precisamente aquele processo de integração do Direito Penal proibido pelo princípio da legalidade. (SANTOS, 2005, p. 140-141)

Nesse sentido, inclusive, já se posicionou nossa jurisprudência:

RESP – PENAL – PENA – INDIVIDUALIZAÇÃO – ATENUANTE – FIXAÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL – O princípio da individualização da pena (Constituição, art. 5°, XLVI), materialmente, significa que a sanção deve corresponder às características do fato, do agente e da vítima, enfim, considerar todas as circunstâncias do delito. A cominação, estabelecendo o grau mínimo e grau máximo, visa a esse fim, conferindo ao juiz, conforme critério do art. 68 do CP, fixar a pena in concreto. A lei trabalha com o gênero. Da espécie, cuida o magistrado. Só assim, ter-se-á Direito dinâmico e sensível à realidade, impossível de, formalmente, ser descrita em todos os pormenores. Imposição ainda da justiça do caso concreto, buscando realizar o direito justo. Na espécie sub judice, a pena-base foi fixada no mínimo legal. Reconhecida, ainda, a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, d). Todavia, desconsiderada porque não poderá ser reduzida. Essa conclusão significa desprezar a circunstância. Em outros termos, não repercutir na sanção aplicada. Ofensa ao princípio e ao disposto no art. 59, CP, que determina preponderar todas as circunstâncias do crime. (BRASIL, 1996)

APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO -EXISTÊNCIA DE ATENUANTE. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DA PENA PROVISÓRIA ABAIXO DO MÍNIMO ABSTRATAMENTE PREVISTO- PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RÉU NÃO REINCIDENTE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INFERIOR A QUATRO ANOS - IMPOSIÇÃO DO REGIME ABERTO. PENA DE MULTA. NECESSIDADE DE OBSERVÃNCIA DO CRITÉRIO TRIFÁSICO PARA FIXAÇÃO DOS DIAS-MULTA REDUÇÃO -PROVIMENTO DO RECURSO. I - O Apelante foi condenado pela prática do crime descrito no inciso I, do parágrafo único, do art. 16, da Lei nº 10.826/2003, ao cumprimento de 3 (três) anos de reclusão, em regime semi-aberto, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, em decorrência de no dia 20 de novembro de 2009, por volta das 21h:40min, na rua Airton Sena, no bairro Rocinha, na cidade de Feira de Santana, ter sido preso em flagrante, portanto uma arma, tipo revólver, marca Taurus, calibre 38, com numeração raspada, municiado com 5 (cinco) cartuchos intactos e sem autorização legal. II Reconhece-se a possibilidade de fixação da pena provisória abaixo do mínimo legal, ante a existência de atenuante de confissão espontânea, em decorrência do princípio da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana. III -Tendo o réu não reincidente sido condenado a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, e diante de todas as circunstâncias judiciais favoráveis, impõe-se a aplicação do regime aberto. IV -A fixação da quantidade de dias-multa deve observar o critério trifásico previsto para a aplicação da pena privativa de liberdade. APELO PROVIDO. AP. 0039543-37.2009.8.05.0080 - FEIRA DE SANTANA / 2ª VARA CRIME RELATOR:DESEMBARGADOR ESERVAL ROCHA. (BRASIL, 2012)

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMAS (ART. 14, DA LEI 10.826/03)- IRRESIGNAÇÃO APENAS QUANTO À DOSIMENTRIA DA PENA - OBRIGATORIEDADE DA INCIDÊNCIA DE ATENUANTE, MESMO QUE A PENA FIQUE ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL - NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA 231, DO STJ - RECURSO PROVIDO - MAIORIA. I - EXISTINDO ATENUANTE QUE FAVOREÇA AOS RÉUS É OBRIGATÓRIA A SUA INCIDÊNCIA À PENA-BASE APLICADA, EMBORA SE VERIFIQUE QUE A PENA FICOU ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL, POIS A ATENUANTE, NO SISTEMA TRIFÁSICO ADOTADO PELO BRASIL, É ANALISADA NA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA. II - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. MAIORIA. CONCLUSÃO: VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS OS PRESENTES AUTOS, ACORDAM OS INTEGRANTES DA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, POR MAIORIA, CONHECER A PRESENTE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0966/2011, JULGANDO A PROVIDA, A FIM DE REFORMAR A SENTENÇA FUSTIGADA, EM CONFORMIDADE COM O RELATÓRIO E O VOTO CONSTANTES DOS AUTOS, QUE FICAM FAZENDO PARTE INTEGRANTE DO PRESENTE JULGADO. (BRASIL, 2011)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. PECULATO PRATICADO NA EMBRATUR. ESTAGIÁRIO. EQUIPARAÇÃO A FUNCIONÁRIO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA. NÃO APLICAÇÃO. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ATENUANTES. APLICAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO-LEGAL. POSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. 1. O estagiário de empresa pública federal é equiparado a funcionário público, na forma do art. 327 do Código Penal. 2. Não incidência do princípio da insignificância, pois se trata de crime contra a Administração Pública, cujo bem jurídico tutelado é a probidade, a moral administrativa, e não somente o patrimônio público. 3. Não há que se falar em desnecessidade de aplicação da pena em razão de eventual humilhação e perda do estágio sofrida pela ré, pois são conseqüências naturais do delito por ela cometido. A punição administrativa independe da responsabilização penal. 4. Materialidade e autoria demonstradas pelas confissões da ré, pelos depoimentos das testemunhas e pelos documentos acostados nos autos. 5. O inciso XLVI do art. 5º da Carta Política estabelece o princípio da individualização da pena que, em linhas gerais, é a particularização da sanção, a medida judicial justa e adequada a tornar o sentenciado distinto dos demais. Assim, o Enunciado nº. 231 da Súmula do STJ, ao não permitir a redução da pena abaixo do mínimo legal, se derivada da incidência de circunstância atenuante, data venia, viola frontalmente não só o princípio da individualização da pena, como, também, os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da culpabilidade. 6. Em consonância com a Constituição Federal de 1988 (Estado Constitucional e Democrático de Direito), e à luz do sistema trifásico vigente, interpretar o art. 65, III, d, do Código Penal - a confissão espontânea sempre atenua a pena -, de forma a não permitir a redução da sanção aquém do limite inicial, data venia, é violar frontalmente não só o princípio da individualização da pena, como também os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da culpabilidade. 7. Configuração da continuidade delitiva nos autos, haja vista que, por meio de três ações, foram praticados três crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. 8. Apelação da ré não provida e apelação do Parquet provida. (BRASIL, 2010)

Portanto, para os defensores da inconstitucionalidade da Súmula 231 do STJ, como não há lei proibindo que, no caso de reconhecimento de circunstância atenuante, a pena não possa ficar abaixo do mínimo legal, ao contrário, há lei que determina a sua atenuação (artigo 65 do CP), sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite, acredita-se que se a pena não for fixada abaixo do mínimo legal, neste caso, tal fato viola o princípio da reserva legal, além de diversos outros princípios constitucionais, como o da isonomia, igualdade, culpabilidade e dignidade da pessoa humana.

4 CONCLUSÃO

Pela análise dos fundamentos acima, percebe-se que a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça vem sendo aplicada indiscriminadamente pelos tribunais, sendo que sua constitucionalidade vem sendo defendida pela maioria dos juízes, desembargadores e doutrinadores da atualidade.

No entanto, em face da crise que ora assola o Poder Judiciário, em que há excesso de serviço e escassez de servidores, é até compreensível tal conclusão, haja vista que se torna muito mais fácil seguir um posicionamento consolidado por uma Súmula de um Tribunal Superior do que praticar o estudo e investigação para combater tal preceito e inovar nas decisões.

Isto porque, se houver uma análise aprofundada e científica, sob a égide da Constituição Federal e de todos os seus preceitos, percebe-se que a Súmula 231 do STJ viola frontalmente diversos princípios constitucionais, tais como a reserva legal, isonomia, igualdade, culpabilidade e dignidade da pessoa humana.

Sua redação permite que aqueles que deveriam ter uma reprimenda menor, por não terem dado causa a qualquer valoração na primeira fase de aplicação da pena, são equiparados aqueles que tiveram uma conduta mais reprovável.

Em termos práticos, se ambos os réus forem presos pela prática do mesmo crime, com nenhuma circunstância judicial valorada negativamente em primeira fase e, digamos que apenas um deles confessa a prática delitiva, este que colaborou com a instrução do processo e com o Poder Judiciário, facilitando-lhe o serviço, terá a mesma pena do outro réu, que não confessou. Desta forma, não há como tal preceito ser justo, especialmente se levarmos em consideração a imensurável relevância dos princípios fundamentais insculpidos em nossa Magna Carta.

Desta forma, embora remanesça quase que consolidado, por mais de quinze anos, a aplicação da Súmula 231 do STJ, e ainda que este seja o posicionamento majoritário dos tribunais pátrios pela constitucionalidade da Súmula, denota-se que esta não encontra guarida na Constituição da República de 1988, eis que sua aplicação indiscriminada ocasiona afronta direitos fundamentais do acusado, com a fixação de penas injustas, fixadas acima do devido ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana.

  • Princípios constitucionais
  • dosimetria da pena
  • individualização da pena
  • Direito penal
  • Direito Processual Penal

Referências

5 REFERÊNCIAS

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