1 INTRODUÇÃO
Diante das inovações trazidas pela Lei 12.403/11, até então apelidada “Lei de prisões” é de suma importância fazermos uma ampla análise do instituto da prisão em flagrante delito, uma vez que com as modificações apresentadas neste novo diploma legal se passou a entender que ela não pode mais ser um meio de privar o indivíduo de sua liberdade até o final do processo, pois justifica-se durante brevíssima duração.
Desse modo, fala-se em brevíssima duração, porque a autoridade policial ao lavrar o auto de prisão em flagrante deverá encaminhá-lo ao magistrado no prazo de 24 horas, o qual, ao recebê-lo analisará se é possível relaxar a prisão, conceder liberdade provisória com ou sem fiança, ou conceder a liberdade provisória com alguma medida cautelar ou ainda em ultimo ratio convertê-la em preventiva. Assim, diante desta esteira de pensamentos surgiram diversas discussões doutrinárias em relação a correta natureza jurídica da prisão em flagrante delito, sendo que alguns a classificaram como natureza de um ato administrativo, de uma medida cautelar, de uma medida precautelar ou até mesmo como um ato complexo.
Fora essas alterações trazidas pelo diploma legal, importante também mencionarmos a ampliação do arbitramento das fianças pelas autoridades policiais, que agora poderão arbitrá-las em uma gama maior de crimes.
Desta forma, entendemos que o estudo da prisão em flagrante se faz necessário para compreendermos esta modalidade de restrição da liberdade do indivíduo. Assim, iremos abordá-la desde seus aspectos históricos em nosso ordenamento jurídico, aos princípios norteadores, bem como as diversas espécies de flagrante e a sua lavratura do auto até as modificações ocasionadas pela Lei 12.403/11.
Como se observa teremos como escopo de pesquisa tão somente a prisão em flagrante delito de uma maneira geral, sendo, contudo, analisado com maior ênfase as possíveis mudanças ocorridas em relação ao instituto diante da Lei 12.403/11.
Portanto, é nessas questões que aprofundaremos nossa pesquisa, levando-se como problemática qual é a sua natureza jurídica, bem como se as alterações da Lei 12.403/11 foram ou não adequadas para o instituto.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PRISÕES
2.1 Surgimento da Prisão Pena
De início ousaremos fazer uma retrospectiva histórica sobre as prisões, abordando o momento em que a prisão passou a ser considerada um meio de punição e não um local onde custodiaria os indivíduos até a execução de sua real sanção, as quais seriam geralmente de cunho corporais.
Desta forma, vislumbraremos os momentos marcantes e decisivos para tal mudança da prisão-custódia para a prisão-pena, no entanto, antes de adentrarmos nesta seara, importante apontarmos os conceitos de pena e prisão. Assim, partindo da definição de pena Plácido e Silva a descreve em seu dicionário jurídico da seguinte forma (2010, p. 572):
Do latin poena, é vocábulo, no sentido técnico do Direito, empregado em acepção ampla e restrita.
Em sentido amplo e geral, significa qualquer espécie de imposição, de castigo ou de aflição, a que se submete a pessoa por qualquer espécie de falta cometida.
Desse modo, tanto exprime a correção que se impõe, como castigo, à falta cometida pela transgressão a um dever de ordem civil, como a um dever de ordem penal.
E ainda, a respeito do seu conceito Capez informa (2012, p. 384): “Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico [...]”.
Portanto, pena é uma punição aplicada pelo Estado aos agentes infratores de normas legais, restringindo-lhes ou privando-os de algum bem jurídico.
Vencida a conceituação de pena, iniciaremos a da prisão, palavra derivada “do latin prehensio, de prehendere (prender, segurar, agarrar), tanto significa o ato de prender ou o ato de agarrar uma coisa ou pessoa” (SILVA, 2010, p. 606).
Desta forma, Nucci ensina (2013, p. 586) “É a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere” e não fugindo deste pensamento Tourinho Filho (2009, p. 407) “A prisão nada mais é do que a privação da liberdade pessoal de regra, mediante clausura”.
Logo, conclui-se que apesar da prisão em nosso ordenamento possuir diversos significados em nenhum deles ela deixa de ser um ato pelo qual se restringe a liberdade do indivíduo, o privando do direito de ir e vir, ou seja, o de locomoção.
Apresentados tais conceitos, passaremos para o conciso enfoque histórico, analisando em especial o momento em que a prisão passou a ser um instrumento da pena, pois como é sabido a prisão embora decorra desde tempos imemoriáveis nem sempre foi uma sanção aplicada aos delinquentes transgressores de normas legais, mas sim durante longa data serviu tão somente com o fim de custodiá-los para aplicação de futuras punições, as quais seriam na maioria das vezes corporais das mais variadas formas ou em certos casos a de morte. Desta forma, explica Cezar Roberto Bitencourt (2004, p. 04):
Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.
Desse modo, durante a antiguidade seus povos e civilizações nada conheceram da prisão como sanção penal, sendo que apenas utilizavam a segregação da liberdade do indivíduo de forma provisória, perdurando até o momento da execução de suas penas.
Observando importantes povoações deste período como Grécia e Roma, vislumbra-se que a prisão também não era utilizada como uma forma de repreensão, o que Bitencourt ressalta (2004, p. 08):
Grécia e Roma, pois, expoentes do mundo antigo, conheceram a prisão com finalidade eminentemente de custódia, para impedir que o culpado pudesse subtrair-se ao castigo. Pode-se dizer, com Garrido Gusman, que de modo algum podemos admitir nesse período da história sequer um germe da prisão como lugar de cumprimento de pena, já que o catálogo de sanções praticamente se esgotava com a morte, penas corporais e infamantes. A finalidade da prisão, portanto, restringia-se à custódia dos réus até a execução das condenações referidas. A prisão dos devedores tinha a mesma finalidade: garantir que cumprissem as suas obrigações.
Quando o império Romano cai com a invasão dos povos bárbaros, surgia a idade média, mas nesse período o pensamento não mudou muito, sendo que os réus continuariam presos aguardando as mais horrendas punições. Nesta época, no entanto apareceram mínimos vestígios da pena de prisão que seria aplicada aos infratores de normas de menor gravidade, assim, surgiu à prisão Estado, a qual destinava-se aos inimigos do poder dominante e dividia-se em duas modalidades, a primeira, em prisão-custódia que serviria para a aplicação da verdadeira pena e a segunda em detenção, podendo está ser temporal e perpétua até o momento em que réu receberia o perdão real. Em virtude dessas prisões não trazerem em si a finalidade da prisão como sanção penal não era necessário estabelecimentos com uma arquitetura adequada.
Ainda na idade média surgi à prisão Eclesiástica, a qual se destinava a alguns membros do clero que deveriam ser recolhidos em mosteiros e permaneceriam isolados, fazendo meditações e orações para que se arrependessem do mal causado e pudessem se redimir. Esta prisão, portanto, tratava o internamento do recluso como uma penitência, fato que desencadeou as primeiras ideias de reabilitação do indivíduo e influenciou consideravelmente para o surgimento da prisão moderna. Nesse sentido, novamente se faz necessário os ensinamentos Bitencourt (2004, p. 12):
De toda Idade Média, caracterizada por um sistema punitivo desumano e ineficaz, só poderia destacar-se a influência penitencial canônica, que deixou como sequela positiva o isolamento celular, o arrependimento e a correção do delinquente, assim como outras idéias voltadas à procura da reabilitação do recluso. Ainda que essas noções não tenham sido incorporadas ao direito secular, constituem um antecedente indiscutível da prisão moderna.
O pensamento cristão no que pese tenha sido fundamental para a prisão moderna, não deve ser comparado com ela, visto que com a chegada da idade moderna, a prisão surge como uma alternativa para coibir a vagabundagem.
Por volta dos séculos XVI e XVII, inicia-se o período da idade moderna, o qual foi tomado pela pobreza que se estendeu por toda a Europa, ocasionando, diversas mudanças sociais, as quais foram derivadas por vários fatores. Esses fatos constituíram verdadeiros pilares para o início de uma criminalidade generalizada praticada pelos pobres que já se tornavam grande parte da população, sendo que diante de toda escassez de recursos acabavam se submetendo a prática constante de delitos.
Primeiramente, foi aplicado a esses indivíduos várias formas de punições, bem como a pena de morte, mas devido ao grande número de delinquentes, esta já não serviria como uma forma de solução. Assim, com uma imensa necessidade de novas políticas criminais, a partir da segunda metade do século XVI, começou aparecer um movimento balizador para o desenvolvimento das penas privativas de liberdade, visando à criação e construções de prisões que deveriam ser organizadas e destinar-se a correção dos apenados.
Esses estabelecimentos teriam como objetivo a reforma dos indivíduos reclusos, a qual seria alcançada por meio do trabalho e de uma rígida disciplina.
O primeiro estabelecimento com estas características supra que se pode mencionar derivou da grande preocupação de membros do clero inglês, no tocante a mendicância e a criminalidade do país, desta forma como resposta o rei lhes cedeu o Castelo de Bridwell em Londres, para que nele se recolhessem os vagabundos, ociosos e delinquentes de pequenas infrações. Após a criação deste estabelecimento, em pouco tempo começaram a aparecer outros em diversos lugares da Inglaterra, houses of correction ou bridwells e workhouses. Na Holanda, também apareceram casas de correção, sem contar que estas influíram definitivamente para o surgimento das penas privativas de liberdades, vez que primeiramente surgiram para os homens, denominando-se (rasphuis) e posteriormente para as mulheres (spinhis) e uma seção para jovens, a qual era intitulada como a casa secreta. Aqui essas instituições, como as inglesas foram criadas para tratar da delinquência, portanto, buscavam com o trabalho, punições corporais e assistência religiosa corrigir seus reclusos.
Durante a idade moderna, ainda existiu a pena de galés, a qual se destinava a criminosos condenados a penas graves e a prisioneiros de guerra, consistindo em acorrentar os infratores, que mais se assemelhavam a escravos aos bancos das galés militares e, sob ameaça de um chicote eram obrigados a remar.
Também, emergiu-se nesta época na Europa, o Hospício de San Felipi Neri, fundado em Florença em 1667, pelo sacerdote Fillippo Franci, sendo que tal instituição foi de relevante importância para as prisões, pois se tratava de um local onde eram destinados em princípio, crianças errantes e posteriormente adolescentes rebeldes e desencaminhados, aplicando-se a eles o regime celular estrito, visto que os condenados não se conheciam em virtude de um capuz que era colocado em suas cabeças para atos coletivos, fazendo, desta forma com que um desconhecesse o outro. Esta ideia é de suma importância para o regime celular que foi aplicado no século XIX, além disso, ela influenciou demasiadamente Jean Mabillon, monge beneditino francês, autor da obra Reflexões sobre as prisões monásticas.
Igualmente com os demais iniciadores da reforma carcerária, podemos mencionar Clemente XI, o qual em razão de seus pensamentos colocou em prática a fundação da Casa de Correção de São Miguel em Roma, lugar onde os reclusos permaneceriam trabalhando juntos pelo dia e a noite seriam recolhidos em celas e obrigados a guardar diariamente o silêncio, aplicando-se fortemente o ensino religioso. Assim, como já cita Bitencourt (2004, p.21) “[...] a instituição fundada por Clemente deve ser considerada um importante antecedente do que atualmente qualificamos de tratamento institucional do delinquente”.
Diversas causas motivaram o surgimento da pena privativa de liberdade, tendo dentre elas as razões econômicas, penológicas e políticas criminais.
Entende-se, portanto que a mudança da prisão custódia para a prisão pena originou-se do fato de a pena de morte não ser a mais viável, bem como em razão de ideias humanistas de reforma do infrator, além do fator econômico, o qual faria com que os condenados trabalhassem e gerassem riquezas para o Estado Capitalista, tornando-se, desta forma a privação da liberdade o meio mais eficaz de controle social.
2.2 Breve Histórico da Prisão em Flagrante
Partindo agora para a sucinta análise histórica da prisão em flagrante, entendemos que primeiramente se faz necessário destacar a origem etimológica da palavra flagrante, bem como conceituá-la, assim como nos informa o ilustríssimo doutrinador Tales Castelo Branco (2001, p. 14) “[...] flagrante vem do latim flagrans e quer dizer ardente, queimante” e completando Fernando Capez (2013, p. 326) diz que “é o crime que ainda queima, isto é, que está sendo cometido ou acabou de sê-lo” e prossegue afirmando que é “[...] medida restritiva da liberdade, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independente de ordem escrita do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido um crime ou uma contravenção”. No mesmo sentindo Mirabete (2000, p. 370)
“Flagrante” significa, em sentido jurídico, uma qualidade do delito, é o delito que está sendo cometido, praticado, é o ilícito patente, irrecusável, insofismável, que permite a prisão do seu autor, sem mandado, por ser considerado a certeza visual do crime.
Assim, com base em nosso atual Código de Processo Penal considera-se que a prisão em flagrante é aquela que poderá ser realizada por qualquer um do povo, não necessitando de mandado judicial para sua efetivação, bastando que o indivíduo seja surpreendido cometendo a infração ou tenha acabado de praticá-la, sem contar que também poderá ser preso em flagrante, aquele que for perseguido logo após ou for encontrado logo depois, com objetos que lhe façam presumir ser o autor do delito.
Exposto singelamente o conceito e origem etimológica, seguiremos adiante apresentando os aspectos mais importantes do nascimento da prisão em flagrante.
A prisão em flagrante já era prevista em legislações demasiadamente antigas, como na Lei Mosaica, a qual fazia distinção entre a prisão em flagrante e a derivada de condenação, pois o indivíduo poderia ser preso em flagrante delito, antes mesmo de ser apresentado ao Tribunal para sua defesa e julgamento. A Lei de XII Tábuas, que vigorava entre os romanos, também a consagrava, estabelecendo que era permitido o extermínio dos ladrões presos em flagrante durante a noite ou ao dia, caso reagissem a prisão valendo-se de armas. A diferenciação, conforme era pautada pela doutrina antiga, era decorrente da evidência do crime, pois ela trazia um grande desejo de vingança, o qual derivava do maior alarma social.
No código de raptu virginum, permitia-se que os pais ou tutores da vítima executassem os infratores e seus cúmplices, caso fossem abordados em flagrante.
Nesta época dizia-se que estava em flagrante quem fosse encontrado cometendo o crime ou que tivesse acabado de cometê-lo, não necessitando, portanto, autorização judicial, além disso necessitava que fosse apreendido no local do crime. O preso deveria ser levado para um juiz, o qual após ouvi-lo, decretaria que fosse levado à prisão.
Na idade média foi reconhecido o direito de qualquer pessoa prender o delinquente em flagrante, evidenciando, assim a legítima defesa própria e de terceiros nesses casos. O instituto passou a ser voltado para garantir a certeza visual do crime, sendo permitido se possível, o impedimento do mal que começará a ser praticado pelo criminoso. No entanto, a pessoa que presenciasse o crime não era obrigada a tentar impedir o delito. Já no Egito, tal posição era diversa, uma vez que era necessário que as testemunhas de um crime, provassem que não puderam impedir a sua consumação.
No que concerne a prática dos povos bárbaros, qualquer pessoa poderia prender o criminoso, contudo, como bem expôs Tales Castelo Branco: (2001, p. 19):
[...] mas se não era preso no momento da prática do crime ou se conseguia fugir, a autoridade dava o grito de “Haro!” e o delinquente era perseguido, a cor et a cri, como diziam os francos; hue and cry, como dizem os ingleses, a gritos e a buzina, de cidade em cidade, de vila em vila, de centúria, até ser entregue ao juiz.
Começava aparecer aqui a necessidade de perseguição ininterrupta do indivíduo que praticasse um delito.
A legislação francesa trouxe também no Código de Instrução Criminal de 1808, grande ampliação para o conceito de flagrante, dizendo que estaria em flagrante delito o acusado que fosse perseguido pelo clamor público, bem como aquele que fosse encontrado com objetos, armas, instrumentos ou papéis que fizessem presumir ser ele o autor ou cúmplice da infração, contudo, era vago no que se referia ao tempo em que o indivíduo poderia ser encontrado, fato que motivou a edição de leis em 1863 e 1897, que determinassem em 48 horas a fase policial, a qual a prisão poderia ocorrer e continuar. Esse pensamento serviu de modelo para outras legislações da época, inclusive, para a nossa legislação pátria, mas ela deixou ao arbítrio do juiz, a interpretação do tempo relativo ao momento da prisão ser próximo do delito.
Partindo para os acontecimentos evolutivos da prisão em flagrante no Brasil, inicia-se na Legislação Colonial, a qual segundo Tales Castelo Branco (2001, p. 25):
[...] considerava o flagrante delito não só quando delinquente era encontrado no lugar da infração, cometendo a infração, como também quando, não encontrado no lugar, estava, ainda, em ato contínuo ou pouco tempo depois, fugindo ao seguimento dos agentes da autoridade [...] o flagrante delito tinha um duplo efeito: 1º) dar ao juiz o direito de proceder ex officio; 2º) dar a qualquer do povo o direito de prender o delinquente e apresentá-lo ao juiz antes de ser levado à cadeia”
O decreto de 23 de maio de 1821, o qual inclusive foi considerado por alguns doutrinadores, segundo a sua relevância como uma Carta Magna, decretado pelo príncipe regente do país D. Pedro I, voltava-se para a liberdade individual, trazendo grandes avanços nessa vertente. Nesse sentido, destaca-se expressamente no decreto que nenhuma pessoa no Brasil poderia ser presa sem ordem escrita do juiz, salvo o caso de flagrante delito, que é dever de qualquer do povo prender o delinquente.
Com a Constituição Política do Império do Brasil de 1824, após a nossa independência, sendo a primeira constituição nacional, ela trazia em seu artigo 179, X, o seguinte a respeito da prisão em flagrante:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar.
A Constituição reforçou claramente os direitos individuais, especificando mais uma vez que somente era possível restringir a liberdade do indivíduo sem ordem do magistrado, no caso de flagrante delito.
Posteriormente, o Código de Processo Criminal, promulgado em 1832, no artigo 131, adiante exposto estabeleceu o que segue:
Art. 131. Qualquer pessoa do povo póde, e os Officiaes de Justiça são obrigados a prender, e levar á presença do Juiz de Paz do Districto, a qualquer que fôr encontrado commettendo algum delicto, ou emquanto foge perseguido pelo clamor publico. Os que assim forem presos entender-se-hão presos em flagrante delicto
Assim, como transcrito pelo consagrado e ilustríssimo doutrinador Tales Castelo Branco (2001, p. 26) “estava delineada a prisão em flagrante facultativa, (praticada pelos particulares) e a prisão em flagrante compulsória (praticada pelos oficiais de justiça)”.
Não obstante, tal diploma legal não estabeleceu somente este preceito, mas também que estaria em flagrante aquela pessoa que tinha acabado de cometer o delito. Sem contar que também considerava em flagrante, quem fosse perseguido pelo clamor público.
O Código de processo criminal, portanto, disciplinava três situações em que o criminoso estaria em flagrante, contudo, como demonstrado por Tales Castelo Branco (2001, p. 26) “O encontro, mesmo logo depois de consumada a infração, de instrumentos, armas, objetos ou papéis em poder do indigitado poderá constituir veemente indício de autoria, mas não constitui o flagrante delito”. Tal hipótese, qual seja, do indivíduo ser encontrado com objetos logo após a prática do crime, passou a ser considerada uma modalidade de flagrante com o advento dos Códigos de Processo Penal do Rio Grande do Sul e do Estado de Goiás, em decorrência do processo federativo, que permitiu que cada ente federativo pudesse criar seu próprio Código de Processo Penal. No entanto, grande parte dos juristas da época acreditavam que o flagrante por se tratar de matéria pertinente a liberdade individual do homem não poderia ser disciplinada por leis estaduais.
A Constituição de 1891, primeira constituição da república, nada trouxe de inovador para a prisão em flagrante, continuando então a vigorar o Código de Processo Criminal de 1832. Nesse sentido, bem expôs Tales Castelo Branco (2001, p. 27):
Vingou o mesmo princípio já anteriormente consagrado, com certo aprimoramento constitucional, pois a Lei Magna da Primeira República não especificou o que se devia entender por flagrante delito, deixando, assim, maior liberdade de ação ao legislador ordinário.
Já a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, considerada a primeira Carta Magna a se preocupar com os direitos fundamentais sociais, sem contar que foi a primeira a prever a comunicação da prisão ao juiz competente, estabeleceu a prisão em flagrante no seu artigo 113, 21:
Art. 113: A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
21) Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e promoverá, sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora.
A prisão necessitaria de ordem escrita do juiz, devendo, ainda, o magistrado ser comunicado da restrição da liberdade.
A Constituição de 1937, outorgada na mesma data do início da ditadura do Estado Novo, por Getúlio Vargas trouxe a prisão em flagrante em seu artigo 122, 11:
Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
11) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa;
O decreto lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, o então Código de Processo Penal que entrou em vigor 1º de janeiro de 1942 e continua vigente até o presente, tratava da matéria pertinente a prisão em flagrante nos artigos 301 a 310, deixando evidente as hipóteses de flagrante delito, as quais serão abordadas pormenorizadamente posteriormente:
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.
A Carta Magna republicana do nosso país, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, além de estabelecer o regime presidencialista e representativo, bem como o voto, secreto e universal, consagrava novamente a comunicação da prisão em flagrante ao magistrado competente:
Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 20 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou, por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei.
§ 21 - Ninguém será levado à prisão ou nela detido se prestar fiança permitida em lei.
§ 22 - A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e, nos casos previstos em lei, promoverá a responsabilidade da autoridade coatora.
A Constituição de 1967, a qual institucionalizou o regime militar no país, nada modificou no que concerne à prisão em flagrante comparando com a anterior Carta Magna:
Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 12 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal.
Em 17 de outubro de 1969, foi baixada a Emenda nº 1, sendo considerada praticamente para alguns doutrinadores como uma nova Constituição, contudo, nada inaugurou a prisão em flagrante.
Com a nossa atual Constituição de 1988, considerada a Constituição Cidadã, a prisão em flagrante vinha prevista no artigo 5º, inciso LXI:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
A Constituição vigente deixou claro a premissa de que ninguém será preso sem ordem escrita e fundamentada do juiz, salvo a prisão em flagrante delito e excepcionando os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar. As hipóteses de prisão em flagrante encontram-se disciplinadas pelo Código de Processo Penal que a seguir serão verticalizadas.
3 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
Passaremos agora a dissertar sobre os princípios constitucionais inerentes a prisão em flagrante, especificando-os e aprofundando-os em suas peculiaridades.
3.1 Princípio da Presunção de Inocência
O princípio da Presunção de Inocência, presunção da não-culpabilidade ou do estado de inocência está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 5º, LVII, “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Assim, “Consiste ele na asseguração, ao imputado, do direito de ser considerado inocente até que sentença penal condenatória venha a transitar formalmente em julgado, sobrevindo, então, a coisa julgada de autoridade relativa” (TUCCI, 2009, p. 313).
Destarte, o princípio da presunção da inocência traduz a ideia de que o agente somente poderá ser considerado culpado, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, estabelecendo assim, a premissa de que a prisão aqui atuaria como uma medida de exceção, pois como regra poderia ter sua liberdade restringida depois da decisão que o condenou a pena privativa de liberdade. No entanto, cabe ressaltar que a restrição da liberdade é a exceção, até porque a Lei 12.403/11, traz as medidas cautelares a prisão, as quais poderiam ser invocadas, caso preenchesse seus requisitos. Não se deve esquecer dá prisão cautelar, que bate de frente com o princípio da presunção da inocência e inclusive é prevista constitucionalmente.
A presunção de inocência é uma das garantias fundamentais do indivíduo, contudo, em caso de eventual prisão cautelar não haveria o que se falar em ofensa ao mencionado princípio, pois ambos possuem previsão no artigo 5º, do texto constitucional. Nesse sentido, Capez (2013, p. 341):
Consoante a Súmula 9 do STJ, a prisão provisória não ofende o princípio constitucional do estado de inocência (CF, art. 5º, LVII), mesmo porque a própria Constituição admite a prisão provisória nos casos de flagrante (CF, art. 5º, LXI) e crimes inafiançáveis (CF, art. 5º, XLIII). Pode, assim, ser prevista e disciplinada pelo legislador infraconstitucional, sem ofensa à presunção de inocência.
Não obstante, apresentamos jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, demonstrando que não há incompatibilidade entre a prisão cautelar e o princípio do estado de inocência:
Ementa: HABEAS CORPUS - ROUBO - PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA - DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA - EXISTÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PREVENTIVA - ART. 312 DO CPP - SUPOSTAS CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS À CONCESSÃO - IRRELEVANTES, IN CASU - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - INOCORRÊNCIA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO - ORDEM DENEGADA 1 - Presentes os pressupostos autorizadores para a manutenção da custódia cautelar mantém-se esta em benefício da garantia da ordem pública, sendo a segregação medida que se impõe. 2- Supostas condições pessoais favoráveis não impedem a prisão cautelar quando sua necessidade restar demonstrada. Precedentes do STF e STJ. 3- Não há ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, vez que a prisão cautelar é admitida constitucionalmente (art. 5º , LXI , CR ), mormente quando sobrevém sentença penal condenatória em desfavor do paciente. 4- Ordem denegada. TJ-MG - Habeas Corpus HC 10000140317652000 MG (TJ-MG). Data de publicação: 24/06/2014.
Não podemos esquecer que a prova fica a cargo da parte acusadora, como bem cita Reis e Gonçalves (in LENZA, 2012, p. 1020) “Assim, nada mais natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida, cabendo ao MP ou à parte acusadora (na hipótese de ação penal privada) provar a culpa. Caso não o faça, a ação penal deverá ser julgada improcedente”.
A prova caberá a acusação, uma vez que é presumida a inocência, sendo o Ministério Público nos casos de ação penal pública ou ao querelante na ação penal privada, aptos a produzirem a prova, a fim de levarem a demonstração da culpa e a posterior condenação do criminoso.
3.2 Princípio do Devido Processo Legal
A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe no Título II, Capítulo I, artigo 5º, inciso LIV, sobre o princípio do Devido Processo Legal (due process of law), “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
A garantia constitucional do devido processo legal traça a ideia de que nenhuma pessoa poderá ter sua liberdade ou bens restringidos sem o processo regular, conforme a lei o define. Nesse sentido, Fernando Capez ventila sobre o tema (2012, p. 81) “Consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei (due process of law — CF, art. 5º, LIV)”.
O princípio do “due process of law” é claramente importante, uma vez que ele é o tronco de diversos outros princípios constitucionais, pois sem o processo regular não haveria como se aplicar os demais princípios, como o da ampla defesa, contraditório, juiz natural etc.
Não podemos deixar de mencionar que respectivo princípio possui dois sentidos, sendo um formal, adjetivo ou processual e o segundo material ou substantivo. Primeiramente, no que concerne o seu aspecto processual, bem expôs Capez (2012, p. 81):
No âmbito processual garante ao acusado a plenitude de defesa, compreendendo o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, de ter acesso à defesa técnica, de ter a oportunidade de se manifestar sempre depois da acusação e em todas as oportunidades, à publicidade e motivação das decisões, ressalvadas as exceções legais, de ser julgado perante o juízo competente, ao duplo grau de jurisdição, à revisão criminal e à imutabilidade das decisões favoráveis transitadas em julgado.
No tocante ao seu sentido substancial a fundamentação está no artigo 5º, inciso LIV e artigo 3º, inciso I, ambos da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Do seu sentido material, extrai-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, deste modo, novamente buscamos respaldo do ilustríssimo professor Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira (2014):
A conclusão é obtida por meio da interpretação da palavra "justa". É objetivo da República Federativa do Brasil que as normas e atos do Poder Público tenham conteúdo justo, razoável, proporcional. Tal norma reforça a existência do princípio do devido processo legal no seu sentido substantivo, e como decorrência a razoabilidade e proporcionalidade das leis. [...] Do devido processo legal substancial ou material são extraídos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não há repercussão prática na discussão sobre a origem do princípio da razoabilidade(42) e da proporcionalidade, considerando-se que os mesmos tem "status" constitucional, e diante de tal situação todos atos infraconstitucionais devem com eles guardar relação de compatibilidade, sob pena de irremissível inconstitucionalidade, reconhecida no controle difuso ou concentrado.
Por fim, cabe lembrar que o devido processo legal é utilizado em todas áreas do direito, como civil, criminal, administrativa e inclusive na seara militar.
3.3 Princípio do Contraditório
O importantíssimo princípio do contraditório decorre do dues process of law, encontrando-se previsto no artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela inerentes”.
Tal princípio impõe que deverá haver entre as partes igualdades de condições, sendo que ouvida uma parte a outra terá a mesma possibilidade, igualmente em relação a produção de provas.
Os doutrinadores Reis e Gonçalves apontam (in LENZA, 2012, p. 78):
Em decorrência do princípio do contraditório as partes devem ser ouvidas e ter oportunidades de manifestação em igualdade de condições, tendo ciência bilateral dos atos realizados e dos que irão se realizar, bem como oportunidade para produzir prova em sentido contrário àquelas juntadas aos autos.
O respectivo princípio tem origem do antigo brocardo romano audiatur et altera pars, onde se firma que se deve ouvir também a outra parte, trazendo, assim, a baila a paridade entre elas.
Não obstante, as partes também possuem o direito de produzirem todas as provas capazes de convencerem o magistrado, cabendo, portanto, a ele apreciá-las para firmar o seu convencimento.
Nesse sentido, Rogério Lauria Tucci (2009, p. 160) afirma em sua obra:
Impõe-se, destarte, a contraditoriedade, calcada na tradicionalizada parêmia audiatur et altera pars, em toda a instrução criminal, seja ela pré-processual, seja realizada em juízo, a fim de que o órgão jurisdicional competente, devidamente formado o seu convencimento, possa pronunciar-se o mais corretamente possível e com justiça.
Imperioso salientarmos que o réu deverá ser cientificado com antecedência de qualquer ato processual para que seja possível contrariá-lo.
Ainda se faz necessário mencionarmos sobre o contraditório diferido, o qual, “não há violação à garantia da bilateralidade da audiência, que, firme, se vê apenas diferida para momento ulterior à pronunciação de ato decisório liminar, prosseguindo-se regularmente no procedimento instaurado” (TUCCI, 2009, p. 162).
O contraditório posteriori é permitido em razão de perigo de perecimento do provimento jurisdicional, sendo, concedido inaudita altera pars, ou seja, sem ouvir a parte contrária, que será ouvida antes da concessão definitiva do provimento, para se defender.
Cabe lembrarmos que é pertinente afirmarmos que o magistrado não poderá somente fundamentar sua decisão com base nas provas produzidas no Inquérito Policial.
3.4 Princípio da Ampla Defesa
A ampla defesa, princípio também decorrente do devido processo legal, além de ser claramente ligado ao contraditório, está inclusive previsto no respectivo artigo 5º, inciso LV da nossa Carta Magna, como acima já mencionado.
O princípio obriga o Estado a propiciar ao réu a mais plena defesa, a fim de ser efetivado o dues process of law, consubstanciando a ele a utilização de todos os meios que possibilitem a sua defesa, vedando, contudo, as provas ilícitas.
A toda pessoa é assegurado o direito de defesa, podendo ser técnica ou autodefesa (pessoal), sendo a primeira aquela realizada por advogado constituído ou dativo e a segunda pelo próprio acusado, quando do seu interrogatório, cabendo lembrarmos que nesta hipótese o réu poderá deixar de exercê-la, uma vez que lhe seria permitido o direito ao silêncio e à revelia.
É interessante citarmos que a defesa é sempre a última a se manifestar, nesse sentido Capez (2011, p. 65).
[...] Desse princípio também decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em último lugar. Assim, qualquer que seja a situação que dê ensejo a que, no processo penal, o Ministério Público se manifeste depois da defesa (salvo, é óbvio, nas hipóteses de contrarrazões de recurso, de sustentação oral ou de manifestação dos procuradores de justiça, em segunda instância), obriga, sempre, seja aberta vista dos autos à defensoria do acusado, para que possa exercer seu direito de defesa na amplitude que a lei consagra.
Por fim, entendemos interessante apresentarmos algumas considerações para verificação de tal princípio, como bem expôs Rogério Lauria Tucci (2009, p. 148):
A concepção moderna do denominado rechtliches Gehor (garantia de ampla defesa), reclama, induvidosamente, para sua verificação, seja qual for o objeto do processo, a conjugação de três realidades procedimentais, a saber: a) o direito à informação (nemo inauditus dammari potest); b) a bilateralidade da audiência (contraditoriedade); e, c) o direito à prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade).
Assim, conforme o entendimento do saudoso jurista acima, se faz necessário a presença do direito à informação, a contraditoriedade e a prova legitimamente obtida para a ocorrência efetiva da ampla defesa.
4. PRISÕES PROCESSUAIS
Dentro das espécies de prisões temos a prisão-pena ou a prisão penal, a qual é imposta pelo Estado ao indivíduo condenado por pena privativa de liberdade após a sentença penal condenatória com o trânsito em julgado. Tal prisão é regida pelos artigos 32 a 44 do Código Penal e pela Lei de Execuções Penais nº 7.210/84.
Há ainda a prisão processual, prisões sem pena ou também denominadas prisões provisórias, que são aquelas que visam assegurar o processo, possuindo finalidade cautelar. Desse modo, bem asseverou Tales Castelo Branco (2001, p.11), “[...] é cautelar porque expressa uma precaução (uma cautela) do Estado para evitar o perecimento de seus interesses [...]”, além disso, ainda são excepcionais, podendo somente ser decretadas quando estiverem presentes os respectivos requisitos e os pressupostos do periculum libertatis, conhecido no Código de Processo Civil como periculum in mora e fumus comissi delictic, que é conhecido como fumus boni iuris.
No tocante aos pressupostos, alguns doutrinadores como Fernando Capez e Guilherme de Souza Nucci mencionam apenas fumus boni iuris e periculum in mora. Já Gomes e Lopes Júnior criticam as expressões.
A respeito da prisão processual, trazemos considerações do ilustríssimo doutrinador Fernando Capez (2013, p. 313/314), o qual esmiuçou o seu conceito:
[...] Prisão sem pena ou prisão processual: trata-se de prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da futura execução da pena, ou ainda a impedir que, solto, o sujeito continue praticando delitos. É imposta para garantir que o processo atinja seus fins. Seu caráter é auxiliar e sua razão de ser é viabilizar a correta e eficaz persecução penal.
É importante frisarmos que a súmula nº 716 do STF, determinou que o tempo que o indivíduo permanecer preso cautelarmente poderá ser descontado da sua pena, para fins de progressão e benefícios.
Das prisões processuais temos a prisão em flagrante delito, a prisão preventiva e a prisão temporária, que é prevista não no Código de Processo Penal como as duas primeiras, mas na Lei nº 7.960/89. Essas modalidades de prisões serão estudadas nos tópicos seguintes.
Outrossim, não podemos esquecer que anteriormente era também considerado prisões processuais, a prisão decorrente da pronúncia e a prisão condenatória recorrível.
4.1 Prisão Preventiva
Seguiremos o presente trabalho monográfico apresentando algumas elucidações acerca da prisão preventiva, que é modalidade de prisão provisória puramente cautelar, decretada pelo juiz durante as investigações ou no decorrer da ação penal, mas antes do trânsito em julgado da sentença penal, sendo uma medida excepcional e determinada quando presentes seus requisitos de admissibilidade e pressupostos.
A supra prisão encontra-se prevista no artigo 5º, LXI, da Constituição Federal e artigos 312 a 316 do Código de Processo Penal.
É importante observar que com a inovação do Código de Processo Penal, pela Lei 12.403/11, conforme estipulado no artigo 311 do CPP, o juiz somente no transcorrer da ação penal poderá decretá-la de ofício, pois se o fizer antes será manifestamente ilegal. Já antes da fase processual, o magistrado não poderá decretá-la de ofício, cabendo para tanto a representação da autoridade policial, o requerimento do Ministério Público, querelante e agora também pelo assistente de acusação já habilitado, como bem trouxe a supra lei.
Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 617) cita em sua doutrina “A Lei 12.403/2011 trouxe relevante novidade para a legitimidade ativa do requerimento da prisão preventiva, permitindo que a vítima do crime, por meio do assistente de acusação, o faça”.
No entanto, há uma exceção de que mesmo sem requerimento o juiz poderá decretá-la, senão vejamos o que elucida Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves (in LENZA, 2012, p. 378, grifo nosso):
O art. 311 do CPP diz que o juiz não pode decretar prisão preventiva de ofício durante o inquérito policial. Este dispositivo, contudo, é aplicável somente à hipótese em que o indiciado está solto, posto que a decretação da prisão, dependendo do caso, poderá atrapalhar as investigações, pois a autoridade policial passaria a ter prazo de dez dias para a conclusão do inquérito. A redação do art. 310 não deixa dúvida de que o juiz pode converter a prisão em flagrante em preventiva, ainda que não haja pedido expresso do Ministério Público, do querelante ou da autoridade policial nesse sentido. O Código de Processo, aliás, não prevê a necessidade de vista ao Ministério Público antes de o juiz proferir sua decisão, embora, na prática, isso seja muito comum.
Como visto, não há necessidade do juiz ao receber os autos da prisão em flagrante ter requerimento do Ministério Público, do querelante ou da autoridade policial para decretar a preventiva, podendo fazê-la de ofício, quando o indiciado já estiver preso. Já em posicionamento diverso é o dos doutrinadores Afrânio Silva Jardim e Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim (2013, p. 426):
Verifica-se, portanto, que a possibilidade do juiz decretar a prisão preventiva, quando da homologação do flagrante, em atuação ex officio, é inconstitucional, por violar o art. 129, inciso I, da CR, já que o juiz provoca a própria jurisdição, na fase inquisitorial, avançando indevidamente acercada opinio delicti.
O juiz somente pode converter a prisão em flagrante em prisão preventiva mediante provocação do Ministério Público ou por representação da Autoridade Policial
A prisão preventiva não tem um prazo de duração como as outras modalidades de prisão (prisão em flagrante e temporária), sendo cabível perdurar plenamente durante toda a instrução criminal, apenas devendo obedecer os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse sentido, trouxemos novamente os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci, no que se refere aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (2013, p. 620):
“Razoável é a prisão cautelar cujo tempo de duração é o menor possível em face dos concretos elementos extraídos do processo [...] e proporcional é a prisão cautelar cujo período de duração não excede os limites da pena mínima prevista para o delito – e muito menos o máximo – nem tampouco chega a superar prazos relativos à concessão de benefícios de execução penal [...].
Para a decretação da prisão preventiva é necessário o preenchimento de determinados elementos, os quais, alguns doutrinadores dividem em pressupostos, fundamentos e condições de admissibilidade e outros tão somente em requisitos. Para melhor elucidação optamos em apresentá-la de forma dividida, como pressupostos, fundamentos e condições de admissibilidade, desta feita, passaremos a análise.
Os pressupostos para decretar uma preventiva como bem citou Fernando Capez é fumus boni iuris, ou em outros dizeres o fumus comissi delicti, que nada mais é do que a justa causa para a prisão, os indícios de autoria e a prova de materialidade do fato delituoso.
Nesse contexto, Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 621) esclarece que o indício de autoria “é a suspeita fundada de que o indiciado ou réu é o autor da infração penal. Não é exigida prova plena da culpa, pois isso é inviável num juízo meramente cautelar [...]”. Além disso, o doutrinador arremata explicando a prova da materialidade delitiva, que “é a certeza de que ocorreu uma infração penal, não se podendo determinar o recolhimento cautelar de uma pessoa, presumidamente inocente, quando há séria dúvida quanto à própria existência de evento típico” (NUCCI, 2013, p. 621).
Por sua vez, os fundamentos, são os motivos que servem de base para o juiz decretar a preventiva é o periculum in mora, ou como alguns preferem periculum libertatis, sendo as hipóteses de decretação previstas no artigo 312 do CPP, estando entre elas:
a) Garantia da Ordem Pública: Refere-se a paz pública, a ordem na sociedade, pois há delitos que causam um imenso clamor social para justiça, sendo que tal crime causa na sociedade uma sensação de impunidade e insegurança. Deste modo necessário manter o agente no cárcere para evitar o cometimento de novos delitos.
b) Garantia da Ordem Econômica: Essa hipótese fundamenta a restrição da liberdade do agente, sob o argumento de que ele em liberdade continuaria a praticar crimes contra a ordem econômica.
Para diversos doutrinadores a garantia da ordem econômica é uma espécie ou tão somente uma repetição da garantia da ordem pública, contudo, a sua decretação visa “impedir que o agente, causador de seriíssimo abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área”. (NUCCI, 2013, p. 623).
A garantia da ordem econômica trata-se de prisão para coibir os graves crimes de colarinho branco, contra a ordem econômica e ordem tributária.
c) Garantia da Conveniência da Instrução Criminal: Busca-se aqui a proteção da produção das provas, ou seja, sua grande motivação é tutelar o devido processo legal. O doutrinador Fernando Capez, claramente nos ensina sobre a conveniência da instrução criminal (2013, p. 343):
[...] visa a impedir que o agente perturbe ou impeça a produção de provas, ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime, destruindo documentos etc. Evidente aqui o periculum in mora, pois não se chegará à verdade real se o réu permanecer solto até o final do processo. Embora a lei utilize o termo conveniência, na verdade, dada a natureza excepcional com que se reveste a prisão preventiva (CPP, art. 282, §6º), deve-se interpretá-la como necessidade, e não mera conveniência.
A Lei 12.403/11 trouxe medidas cautelares alternativas à prisão, assim, mesmo havendo alguma perturbação a instrução criminal, sendo esta de maneira leve seria possível ao invés de ser decretada a prisão preventiva aplicar-se ao caso as medidas cautelares.
d) Garantia da Aplicação da Lei Penal: Aqui visa nitidamente evitar a fuga do agente, pois apresenta-se de maneira iminente que ele vai fugir ou já fugiu, com o objetivo de furtar-se do cumprimento da pena em caso de condenação. Sobre o tema Nucci (2013, p. 624) leciona que “significa assegurar a finalidade útil do processo penal, que é proporcionar ao Estado o exercício do seu direito de punir, aplicando a sanção devida a quem é considerado autor de infração penal” e Vicente Greco Filho (2013, p. 312) complementa que “[...] não pode ser decretada a preventiva para assegurar a execução de multa”.
Ainda, além dos fundamentos clássicos para a decretação da preventiva, desde o surgimento da Lei 12.403/11, o magistrado passou a ter a possibilidade de aplicar as medidas cautelares diversas da prisão, no entanto, caso elas sejam descumpridas poderia se fosse necessário decretar a prisão preventiva.
Essa possibilidade de decretação da preventiva surgiu claramente com a Lei 12.403/11, onde se incluiu o parágrafo único no artigo 312 do CPP, o qual consta o seguinte “A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011)”.
Para melhor explicarmos demarcaremos essa possibilidade de decretação da preventiva como sendo o item e.
e) Descumprimento das Medidas Cautelares: Esse caso de decretação de preventiva ocorre em razão do descumprimento das cautelares que foram impostas pelo juiz. O magistrado diante do descumprimento poderia se pautar da seguinte forma, qual seja substituindo a medida por outra mais adequada ao caso; cumular a medida com outra aumentando o ônus do agente e por fim ele poderia decretar a prisão preventiva. Fernando Capez nos explica essa questão (2013, p. 343):
[...] havendo o descumprimento de qualquer das medidas cautelares prevista no art. 319 do CPP, poderá o juiz: (a) substituí-la por outra medida; (b) impor cumulativamente mais uma; (c) e, em último caso, decretar a prisão preventiva (CPP, art. 312, parágrafo único). Trata-se aqui de prisão preventiva substitutiva ou subsidiária, a qual somente será decretada excepcionalmente, quando não cabível a substituição da medida cautelar descumprida por outra providência menos gravosa (CPP, art. 282, §6º).
Apresentados os fundamentos para a decretação da preventiva seguiremos os estudos expondo as hipóteses de cabimento ou ainda condições de admissibilidade, como os experts no assunto afirmam, assim, citamos o artigo 313, onde as mencionadas hipóteses legais repousam.
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Como consta do artigo 313 do CPP, para se decretar a preventiva precisa além dos fundamentos do artigo 312 do supra Código, preencher algumas circunstâncias. Dentre elas é necessário que o delito tenha sido doloso, não sendo admitida tal prisão para crimes culposos ou contravenções penais, além disso, deve observar a quantidade de pena aplicável, pois o delito precisa ter pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, não sendo igual e nem inferior.
É interessante fazermos um parêntese no inciso I do artigo 313 do CPP, uma vez que antes da entrada em vigor da Lei 12.403/11, era utilizado o critério de crime apenado com reclusão e detenção, não crime cuja pena privativa de liberdade fosse superior a 4 (quatro) anos como passou a ser.
Para as seguintes hipóteses é independente a quantidade de pena para ser possível a decretação da preventiva, contudo, o juiz deveria avaliar se realmente seria cabível a preventiva, ou se o caso comportaria alguma outra medida, diversa da restritiva da liberdade.
Dentre essas circunstâncias, primeiramente temos a reincidência do réu em crime doloso, não podendo ter decorrido mais de 5 (cinco) anos da extinção da pena anterior com o novo delito. Ressalta-se que o segundo crime deve ser doloso, bem como o primeiro também há de ser, não sendo cabível crime doloso com culposo, ou vice e versa.
Já a segunda hipótese que é descabido observar a quantidade de pena, é o caso do crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Ressalta-se que antes da entrada em vigor da nova lei de prisões, não havia a inclusão da criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência.
Por fim, o parágrafo único do artigo 313 do CPP, inovou o inciso II da sua anterior redação, posto que traz que independente do crime ser punido com reclusão ou detenção, será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, caso em que nem a identificação criminal será suficiente. Cabe lembrar que tão logo o indivíduo seja identificado, será colocado em liberdade.
Importante frisarmos que para a decretação da preventiva deve haver os pressupostos do fumus comissi delicti e periculum libertatis, bem como um dos fundamentos previstos no artigo 312 e uma das hipóteses contidas no artigo 313, ambos do CPP.
É interessante apontarmos que conforme consta do artigo 314 do CPP, a prisão preventiva não será decretada quando houver provas e fortes indícios do agente ter praticado a infração em razão de alguma das causas excludentes da ilicitude, como estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal, previstos no artigo 23 do Código Penal. Ainda, segundo Nucci (2013, p. 627) “podem ser incluídas as excludentes de culpabilidade por analogia, uma vez que também são causas de exclusão do crime, não se justificando a decretação da prisão preventiva contra quem agiu, por exemplo sob coação moral irresistível ou em erro de proibição”.
Não obstante a impossibilidade da preventiva no caso acima, também não caberá a sua decretação, nos seguintes casos como bem ensinou Vicente Greco Filho (2013, p. 312/312):
Há hipóteses de não decretação ou exclusão da preventiva.
Ela não será decretada:
a. se a hipótese for de contravenção penal, porque o Código sempre se refere a crime e não a infração penal;
b. nos crimes em que o réu se livra solto independentemente de fiança, porque se ele se livrou solto do flagrante não tem cabimento outro fundamento de prisão processual;
c. nos crimes culposos, porque o art. 313 a admite expressamente apenas nos crimes dolosos;
Outrossim, acerca da prisão preventiva conforme as modificações ocasionadas pela Lei 12.403/11, ela ocorrerá quando o juiz se deparar com a cópia do auto de prisão em flagrante, oportunidade que diante da nova redação do artigo 310 do CPP, o magistrado poderá tomar três atitudes, quais sejam relaxar a prisão se for ilegal, convertê-la em preventiva, que será aqui a preventiva convertida, ou conceder a liberdade provisória com ou sem fiança.
A redação do artigo 310 do CPP mostra a desnecessidade de requerimento pelo membro do parquet e representação pela autoridade policial para se converter o flagrante em preventiva, pois caberá ao juiz decretá-la simplesmente de ofício caso esteja presente os “dois requisitos: uma das situações de urgência previstas no art. 312 do CPP + a insuficiência de outra medida cautelar em substituição à prisão (CPP, art. 319)” (CAPEZ, 2013, p. 347). Não obstante, é interessante visualizar que inclusive para se relaxar a prisão ou conceder liberdade provisória, não há necessidade de sequer oitiva do membro do Ministério Público.
A respeito da conversão da prisão em flagrante para a preventiva trataremos posteriormente, fazendo maiores elucidações.
Ainda, no tocante a possibilidade de decretação da prisão preventiva, o magistrado poderá decretá-la de maneira autônoma no curso da investigação policial, desde que haja requerimento ou a representação das pessoas elencadas no artigo 311 do Código de Processo Penal e durante o curso da ação penal poderá decretá-la de ofício.
Por fim, com o advento da Lei de prisões, o juiz passou a ter a possibilidade de ordenar a preventiva diante do descumprimento de alguma medida cautelar, assim, será possível a preventiva substitutiva, a qual se encontra prevista no artigo 312, parágrafo único do CPP. Nesse sentindo, Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves afirmam que (in LENZA, 2012, p. 380): “[...] Em qualquer caso, o descumprimento da medida justificará a substituição por outra, a cumulação com medida ou, em último caso, a decretação da prisão preventiva (art. 282, § 4º, do CPP)”.
Optamos ainda por mencionarmos a preventiva domiciliar, a qual surgiu no artigo 317 do CPP, artigo que anteriormente tratava do óbvio, uma vez que constava a seguinte redação “A apresentação espontânea do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza”.
A prisão preventiva domiciliar estabeleceu que o réu ou o indiciado deverão permanecer fechados em sua residência, podendo de lá se ausentar somente com autorização judicial, ressalta-se, ainda que o indivíduo deverá possuir uma residência.
As suas hipóteses vieram previstas no artigo 318, as quais demonstram claramente uma visão de humanização, visto que ela será admitida quando o agente for maior de 80 (oitenta) anos, estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave, for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos ou com deficiência ou for gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Posto isto, levando-se as breves considerações apresentadas da prisão preventiva diante das modificações da Lei 12.403/11, seguiremos o presente trabalho monográfico.
4.2 Prisão Temporária
A prisão temporária está prevista não no Código de Processo Penal, mas sim na legislação extravagante, na Lei 7.960/89, assim, “é uma modalidade de prisão cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial, quando se tratar de apuração de infração penal de natureza grave” (NUCCI, 2013, p. 598). Tal prisão que veio para auxiliar os delegados de polícia no transcorrer da investigação policial, será determinada por um prazo específico, além disso, deverá somente ser ordenada na fase investigativa e nunca durante a instrução processual.
O artigo 1° da Lei 7.960/89 estipulou as hipóteses de decretação da temporária, sendo elas:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
Não podemos esquecer como bem explicou Nucci em sua obra (2013, p. 599) que “[...] o artigo 2.º, §4.º, da Lei 8.972/90, possibilitou a decretação da temporária a todos os delitos hediondos e equiparados, logo, os previstos nos arts. 1.º e 2.º da referida Lei [...]”.
Além disso, deve ser apontado que para efetivação desta medida restritiva da liberdade cautelar é preciso haver conjunção dos incisos III com o II ou com o inciso I do artigo 1.º da Lei 7.960/89. Nesse sentido já se posicionou os doutrinadores Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves (in LENZA, 2012, p. 394, grifo nosso): “Apesar de divergências a respeito, prevalece o entendimento de que a prisão temporária só é cabível nos crimes mencionados no inciso III e desde que também presente a hipótese do inciso I ou do inciso II”.
Há respeito de sua decretação ainda é exigível como bem nos informa Tourinho Filho, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis (2013, p. 539):
A exigência de fundadas razões quanto à autoria ou participação é necessariamente imprescindível, visto não existir cautelaridade sem esse requisito. O periculum in mora, ou libertatis, consistirá na circunstância de ser a medida “imprescindível às investigações policiais”, tenha ou não o indiciado residência fixa, crie ou não crie embaraços à colheita de dados para esclarecer sua identidade, ou, finalmente, ainda que não imprescindível às investigações, “se o indiciado não tiver residência fixa” ou “não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”.
Entendemos também ser necessário citarmos para fins de conhecimento, que o artigo 313, parágrafo único do CPP, com sua nova redação dada pela Lei de prisões, revogou o final do inciso II do art. 1º da Lei da Prisão Temporária. Nesse sentido é as elucidações de Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves (in LENZA, 2012, p. 394):
O art. 313, parágrafo único, do CPP (com a redação dada pela Lei n. 12.403/2011) revogou a parte final do inciso II do art. 1º, que previa a possibilidade de prisão temporária por falta de identificação do acusado, uma vez que a hipótese é a mesma que atualmente autoriza a preventiva durante o inquérito e, em relação a esta, o Código de Processo Penal passou a prever a imediata e automática soltura do acusado quando obtida a identificação, ao contrário da prisão temporária que pressupõe revogação por expressa decisão judicial ou pelo decurso do prazo.
Os trâmites para decretação da prisão temporária se encontram previstos no artigo 2.º de sua Lei. Desse modo, ela somente será decretada pelo magistrado, no entanto, deverá haver requerimento do Ministério Público ou representação pela autoridade policial, não podendo ser feita de ofício. Visualize que na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz antes de decidir ouvirá o membro do parquet.
Assim, logo que o juiz receber os autos, terá o prazo de 24 horas para decretá-la ou indeferir o seu pedido, devendo, inclusive, decidir de maneira fundamentada. Caso a prisão seja decretada, será determinado a expedição de mandado de prisão em duas vias, sendo uma das vias entregues ao agente, que lhe servirá como nota de culpa.
O magistrado poderá até mesmo de ofício, ou a requerimento do promotor de justiça e do advogado determinar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito, conforme o § 3º, artigo 2º da Lei 7.960/89.
Após efetuar-se a prisão, o delegado de polícia informará o preso dos direitos constantes do artigo 5º da Carta Magna.
A prisão temporária terá o prazo de duração de 5 (cinco) dias, os quais poderão ser prorrogáveis por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. Já conforme o disposto no artigo 2º, § 4º da Lei 8.072/90, no que concerne os crimes hediondos ou equiparados, o prazo será de 30 dias, prorrogáveis também por igual período. Note-se que para haver a decretação e a sua prorrogação deve haver prévia oitiva do Ministério Público.
Ao terminar esse prazo, sequer é necessária a expedição de alvará de soltura, pois ela simplesmente se auto revoga, cabendo, para tanto o preso ser colocado em liberdade, caso contrário implicaria abuso de autoridade.
Encerrando as considerações desta modalidade de prisão cautelar, observa-se que os indivíduos que tiverem sua liberdade restringida deverão permanecer separados dos demais detentos, conforme dispôs o artigo 3º de sua lei.
4.3 Prisão em Flagrante
Neste tópico e nos seguintes capítulos iremos analisar e esmiuçar a prisão em flagrante, a qual é o objeto central de nosso presente trabalho.
Por sua vez, o flagrante como já citado no início de nosso trabalho, tem como origem de sua palavra o verbo em latim flagrare, que significa ardência, queimar, criptar, em chamas, ou seja, flagrante é aquilo que está ocorrendo, é o imediato. Nesse sentido, surge a expressão em flagrante delito, “para significar o delito no instante mesmo da sua perpetração, o delito que está sendo cometido, que ainda está ardendo [...]” (TOURINHO FILHO, 2013, p. 487).
Assim, Vicente Greco Filho (2013, p. 303) demonstra o conceito de flagrante afirmando, “O flagrante é a situação, prevista na lei, de imediatidade em relação à prática da infração penal que autoriza a prisão, independentemente de determinação judicial”, e ainda diz sobre a justificativa da existência da mencionada prisão, alegando “Duas são as justificativas para a existência da prisão em flagrante: a reação social imediata à prática da infração e a captação, também imediata, da prova” (GRECO FILHO, 2013, p. 487).
Cabe observar que o Código de Processo Penal, precisamente em seu artigo 302 ampliou o contexto do significado da prisão em tela, pois ela é possível quando não só na hipótese do agente ser flagrado cometendo a infração penal, mas também nos casos de que acaba de cometê-la, é perseguido logo após e detido, ou é encontrado e preso logo depois com armas, instrumentos ou papéis que façam presumir ser ele o autor do delito. Temos ainda, hipóteses de flagrante delito fora do Código de Processo Penal, na Lei 12.850/13, artigo 8.º, §1º e na Lei 11.343/06, artigo 53, II.
A respeito das modalidades de flagrante trataremos, no capítulo subsequente com maior precisão.
No tocante a prisão em flagrante, cabe ser apontado que ela é a única modalidade de prisão que não necessita de mandado judicial, como bem preceituou a Constituição Federal, no seu artigo 5º, “inciso LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Sobre a desnecessidade da expedição de mandando de prisão, Guilherme de Souza Nucci, argumenta (2013, p. 601):
Autoriza-se essa modalidade de prisão na Constituição Federal (art. 5.º, LXI), sem a expedição de mandado de prisão pela autoridade judiciária, daí por que o seu caráter administrativo, já que seria incompreensível e ilógico que qualquer pessoa – autoridade policial ou não – visse um crime desenvolvendo-se à sua frente e não pudesse deter o autor de imediato.
Como visto para se efetuar a prisão em flagrante é descabido autorização judicial, ou seja, não é necessário expedir-se um mandado de prisão.
4.3.1 Natureza Jurídica
A natureza jurídica da prisão em flagrante vem sendo debatida por diversos doutrinadores, os quais não chegam a um consenso acerca de verdadeira natureza jurídica, pois alguns acreditam ser ela uma medida cautelar de caráter administrativo, outros afirmam que ela é apenas um ato administrativo, já outra parcela acredita ser uma medida precautelar e outra um ato complexo.
A despeito do tema como sendo de natureza jurídica de ato administrativo, parte da doutrina como Walter Nunes da Silva Junior, acredita que ela assim o é, em razão de que para a sua efetivação dispensar a atuação jurisdicional, podendo ser efetivada como preceitua o artigo 5º, LXI, pela autoridade policial, ou por qualquer pessoa que visse um crime ocorrendo. Nesse sentido é Walter Nunes da Silva Júnior (apud TÁVORA; ALENCAR, 2011, p. 530): “não se mostra coerente dizer que a prisão em flagrante é, ao mesmo tempo, um ato administrativo e mediada processual acautelatória”.
Já outra turma acredita que ela é medida cautelar, como Afrânio Silva Jardim e Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim (2013, p. 424):
Sendo assim, parece-nos irrefutável que a prisão em flagrante continua a ostentar a natureza jurídica cautelar, tendo ela todos os pressupostos, característicos e fundamentos exigíveis para que se enquadre em tal categoria. Podemos ir além afirmar que a natureza jurídica da prisão em flagrante, como medida cautelar, é inerente a sua própria existência, de modo que, da mesma forma que não se poderia exigir ordem escrita do juiz para que o flagrante se concretize, assim também ocorre com a presença de seus caracteres e fundamentos cautelares. Onde houver previsão de prisão em flagrante, esta será inarredavelmente uma medida cautelar, e, no nosso ordenamento jurídico, está ela posta na própria Constituição Federal.
Agora, alguns doutrinadores como Tourinho Filho acreditam que a prisão em flagrante é uma prisão cautelar, partilhada no rol das prisões processuais, dizendo nesse sentido (2013, p. 494) “Não obstante se trate de medida cautelar, o ato de prender em flagrante não passa de simples ato administrativo levado a efeito, grosso modo, pela Polícia Judiciária, incumbida que é de zelar pela ordem pública” e completando o raciocínio argumenta “Se a prisão-captura é um ato emanado do poder de polícia do Estado, manifesto é o seu caráter administrativo. Entretanto, depois de efetivada a prisão e de lavrado o respectivo auto, a prisão em flagrante pode converter-se e convolar numa verdadeira medida cautelar” (TOURINHO FILHO, 2013, p. 494).
Além de Tourinho Filho, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci se posiciona ao seu lado alegando (2013, p. 601):
Tem essa modalidade de prisão, inicialmente, o caráter administrativo, pois o auto de prisão em flagrante, formalizador da detenção é realizado pela Polícia Judiciária, mas torna-se jurisdicional, quando o juiz, tomando conhecimento dela, ao invés de relaxá-la, prefere mantê-la, pois considerada legal. Tanto assim que, havendo a prisão em flagrante, sem a formalização do auto pela polícia, que recebe o preso em suas dependências, cabe a impetração de Habeas Corpus contra a autoridade policial, perante o juiz de direito. Entretanto, se o magistrado confirmar, sendo ela ilegal, torna-se coatora a autoridade judiciária e o habeas corpus deve ser impetrado no tribunal
Como expõe os doutrinadores Tourinho Filho e Guilherme de Souza Nucci, a natureza da prisão em flagrante seria como um ato complexo, sendo uma parte administrativa, a qual primeiramente seria a captura do indivíduo e posteriormente após cumprida as formalidades legais nas dependências da delegacia, seria encaminhado o auto de prisão para o magistrado, o qual teria a possibilidade de conhecer da prisão e convertê-la em preventiva, tornando-a numa medida cautelar.
Outros doutrinadores, como Aury Lopes Júnior acreditam tratar-se a prisão em flagrante de uma modalidade de prisão de natureza precautelar, haja vista que está prisão não tem a finalidade de garantir o resultado final do processo, mas visa colocar à disposição do magistrado o delinquente para que ele decida, conforme dispõe o artigo 310 do CPP. Nesse sentido é Lopes Júnior sobre a precautelaridade do flagrante (apud TÁVORA; ALENCAR, 2011, p. 531):
[...] de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24 horas, onde caberá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão [...]”.
A nosso ver o melhor entendimento sobre a natureza jurídica da prisão em flagrante, seria a posição do doutrinador Tourinho Filho e Guilherme de Souza Nucci, os quais a consideram como uma medida cautelar, mas de caráter administrativo, uma vez que primeiramente o desencadear da prisão pode ser feito por qualquer pessoa, sendo lavrado o auto na delegacia e pelo delegado de polícia, tendo assim, o caráter eminentemente administrativo e posteriormente seria encaminhado para o magistrado, o qual tomaria alguma providência, a tornando cautelar.
4.3.2 Sujeitos do Flagrante
Sobre os sujeitos do flagrante, apontaremos as pessoas que podem realizar a prisão em flagrante, bem com as pessoas que poderão ser presas nessa condição.
De início, conforme nos dispõe o Código de Processo Penal, cabe observarmos o disposto no artigo 301 “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. O presente artigo deixa expresso quem poderá realizar a prisão em flagrante, sendo as autoridades policiais e seus agentes de maneira obrigatória e qualquer pessoa do povo de forma facultativa.
Assim, cabe observarmos o flagrante obrigatório e o flagrante facultativo, consistindo a primeira hipótese de um dever para a autoridade policial e seus agentes. Nesse sentido expõe Tourinho Filho (2013, p. 497):
[...] a expressão do art. 301: “...e as autoridades policiais e seus agentes deverão...”, exprimindo, de maneira bastante clara, o dever jurídico que têm eles de prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. O não cumprimento desse dever, dependendo do caso concreto, poderá sujeitar a autoridade omissa às sanções de natureza administrativa e, às vezes, às sanções de natureza penal, pois poderá configurar-se o crime de prevaricação.
O dever da autoridade policial ou seus agentes darem voz de prisão quando presenciarem a prática do crime, devem ser observados a cada caso, pois deve ter capacidade de agir para impedir a infração, caso não o tenha não será obrigado. Reis e Gonçalves assim demonstram (in LENZA, 2013, p. 365): “O descumprimento do dever de prender em flagrante (quando possível a concretização do ato), desde que por desleixo, preguiça ou por interesse pessoal, caracteriza crime de prevaricação e infração administrativa”.
Já o flagrante facultativo, diz respeito a possibilidade de qualquer do povo poder efetuar a prisão em flagrante, referindo-se a uma faculdade colocada para a pessoa efetuar a prisão, não sendo portanto uma obrigação de fazê-lo, mas caso o faça estará colaborando com o Estado. Na hipótese de qualquer indivíduo visualizar a prática de um crime e não efetuar a prisão, não receberá qualquer sanção.
O sujeito passivo da prisão em flagrante, em regra poderá ser qualquer pessoa, no entanto, há exceções.
Dentre elas, expõe Fernando Capez (2013, p. 331):
[...] Não podem ser sujeitos passivos de prisão em flagrante: os menores de 18 anos, que são inimputáveis (CF, art. 228; CP, art. 27); os diplomatas estrangeiros, em decorrência de tratados e convenções internacionais; o presidente da República (CF, art. 86, §3º); o agente que socorre vítima de acidente de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro – Lei n. 9.503, de 23-9-1997, art. 301); todo aquele que se apresentar à autoridade, após o cometimento do delito, independentemente do folclórico prazo de vinte e quatro horas, uma vez que não existe flagrante por apresentação (cf. disposição do STF, RT, 616/400). Todavia, nada impede que, por ocasião da apresentação espontânea do agente, lhe seja decretada a prisão preventiva, desde que presente os seus requisitos próprios, ou imposta, pelo juiz, outra medida cautelar alternativa à prisão (CPP, art. 282, §6º).
Nota-se que o presidente da República, conforme prevê o artigo 86, parágrafo 3º, não será preso em flagrante, em nenhuma hipótese, sendo somente recolhido ao cárcere após o trânsito em julgado de sentença condenatória.
O caso dos menores de 18 anos, por serem inimputáveis não serão presos em flagrante, contudo, os adolescentes estão sujeitos a apreensão, caso pratiquem algum ato infracional.
Outrossim, novamente acertou Fernando Capez escrevendo sobre quem poderá ser preso em flagrante, mas somente nos casos de crimes inafiançáveis (2013, p. 332):
Podem ser autuados em flagrante, mas apenas nos crimes inafiançáveis: os membros do Congresso Nacional (CF, art. 53, §2º), os deputados estaduais (CF, art. 27, §1º), os magistrados (art. 33, II, da LOMN) e os membros do Ministério Público (art. 40, III, da LONMP). Por força do novo Estatuto da OAB, também “o advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável” (Lei n. 8.906/94, art. 7º, §3º) [...].
Em relação aos membros do Congresso Nacional, apontamos que os deputados federais e senadores, logo que forem presos em flagrante, os autos serão encaminhados no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as suas casas, quais sejam, Câmara dos Deputados e Senado Federal, que ao decidirem pela prisão remeteram os autos ao Supremo Tribunal Federal.
Já o caso do deputado estadual é parecido, porque os autos serão encaminhados pelo respectivo prazo acima para a Assembleia Legislativa, que avaliará sobre a prisão e posteriormente caso ela seja mantida, será os autos encaminhados ao Tribunal de Justiça do Estado.
Na hipótese de ser preso em flagrante por crime inafiançável juiz ou promotor de justiça, o primeiro deverá ser apresentado imediatamente, após a lavratura do auto perante ao Presidente do Tribunal. Já se for promotor de justiça, será encaminhado ao procurador geral de justiça em 24 horas.
Em relação aos advogados, os doutrinadores Reis e Gonçalves explicaram claramente em sua obra, a qual citamos (in LENZA, 2012, p. 368):
O art. 7º, § 3º, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB) diz que o advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável. Em tal caso, acrescenta o art. 7º, IV, do mesmo Estatuto, que é direito do advogado preso ter a presença de representante da OAB no Distrito Policial no momento da lavratura do auto de prisão, sob pena de sua nulidade. Esta formalidade, entretanto, mostra-se dispensável quando a prisão por crime inafiançável não for relacionada ao desempenho da profissão.
Em se tratando de crime afiançável no desempenho da advocacia, é vedada a prisão em flagrante, devendo a autoridade policial instaurar inquérito mediante portaria. Se o crime afiançável não for cometido no desempenho da profissão, será plenamente possível a prisão em flagrante, aplicando -se as regras comuns do Código de Processo Penal.
É importante ser constatado que após a entrada em vigor da Lei 12.403/11, as hipóteses de crimes inafiançáveis foram reduzidas, nesse sentido Tourinho Filho aponta em sua obra (2013, p. 500):
Urge, sem mais tardança, alteração das disposições que não permitem a prisão em flagrante das pessoas supramencionadas, como Senadores, Deputados Federais e Estaduais, membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e os Advogados inscritos na OAB, uma vez que, em face da Lei n. 12.403/2011, só não permitem fiança os crimes de racismo, tortura, hediondos, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, crimes cometidos por grupos armados civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito, e seria e é um encimado desconchavo um Deputado Federal, hoje, sendo surpreendido cometendo um homicídio doloso, p. ex., e não poder ser preso em flagrante, visto tratar-se de crime afiançável... o que teria um indissimulável sabor de disparte.
Em caso de inimputável por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto poderão ser presos em flagrante, para posteriormente receberem medida de segurança.
4.3.3 Delitos que possibilitam a Prisão em Flagrante
Neste tópico analisaremos os crimes que possibilitam a prisão em flagrante, tendo dentre eles os crimes habituais, permanentes, continuado, bem como os delitos de ação penal privada e condicionados a representação, dentre outros.
Desse modo, passaremos a abordagem individual de cada tipo de delito que autoriza a prisão em flagrante, pois em regra, como bem nos informa Vicente Greco Filho (2013, p. 303): “Qualquer infração penal, em princípio, admite a prisão em flagrante, ainda que em algumas delas haja dificuldades práticas de efetivação [...]”.
Citamos aqui os casos de crimes materiais, crimes formais e de mera conduta, por não serem necessárias grandes considerações a respeito.
Crimes Materiais são aqueles que necessitam para a sua consumação a ocorrência de um resultado, haja vista que é preciso ocorrer uma modificação física. Nessa hipótese estaria em flagrante o agente no momento que iniciar os atos executórios, lembrando-se que caso os atos preparatórios constituírem algum delito também poderiam ser passiveis de flagrante.
Já os crimes formais, basta a realização da conduta descrita no tipo penal para a sua consumação, não sendo sequer necessários ocorrer o resultado naturalístico, contudo, se isto ocorrer será seu mero exaurimento. Estaria em flagrante delito o agente ao realizar a conduta descrita no tipo.
Por fim, o crime de mera conduta seria aquele que não há possibilidade de haver nenhum resultado naturalístico, bastando apenas a realização da conduta descrita, por exemplo o delito de porte de arma de fogo ou violação de domicílio. Assim, haveria o flagrante com a simples prática da conduta descrita no tipo, sendo desnecessário haver o resultado naturalístico, pois sequer lhe é possível nesses crimes.
4.3.3.1 Crimes permanentes
Os delitos permanentes são aqueles que enquanto se perduram no tempo, ou seja, enquanto não cessada a permanência o flagrante estará ocorrendo.
Não há segredo para essa hipótese de flagrante, pois consta expressamente no Código de Processo Penal, no artigo 303, o qual diz o seguinte “Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”.
Optamos por expor um exemplo citado na obra do ilustríssimo doutrinador Fernando Capez (2013, p. 330): “[...] no crime de sequestro, enquanto a vítima permanecer em poder dos sequestradores, o momento consumativo se protai no tempo e, a todo instante, será possível efetivar o flagrante”.
4.3.3.2 Crimes habituais
Os crimes habituais são aqueles que necessitam de uma reiteração de condutas, ou seja, pluralidade de ações. No tocante a configuração do flagrante em relação a esses delitos, não há unanimidade na doutrina, nem jurisprudencial.
Alguns doutrinadores como Fernando Capez e Tourinho Filho, entendem que não é compatível mencionados delitos com a prisão em flagrante. Nesse sentido eles expõe:
[...] não concebemos o flagrante no crime habitual. Este ocorre quando a conduta típica se integra com a prática de várias ações que, insuladamente, são indiferentes legais. Ora, quando a polícia efetua a prisão em flagrante, na hipótese de crime habitual, está surpreendendo o agente na prática de um só ato. O auto de prisão vai apenas e tão somente retratar aquele ato insulado. Não os demais. Ora, aquele ato isolado constitui um indiferente legal. O conjunto, a integralidade, não. Se a corrente é formada de dezenas de elos, não se pode dizer que um elo seja uma corrente. Assim também no crime habitual.
O tipo integra-se com a prática de várias ações. Surpreendido alguém cometendo apenas uma das ações, evidente que o auto da prisão não vai retratar o tipo... mas uma das ações que o integram. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 509).
[...] em tese, não cabe prisão em flagrante, pois o crime só se aperfeiçoa com a reiteração da conduta, o que não é possível verificar em um ato ou momento isolado. Assim, no instante em que um dos atos componentes da cadeia de habitualidade estiver sendo praticado, não se saberá ao certo se aquele ato era de preparação, execução ou consumação. Daí a impossibilidade do flagrante. (CAPEZ, 2013, p. 330).
Em opinião diversa o doutrinador Vicente Greco Filho afirma que (2013, p.303): “[...] Nos crimes habituais, se o ato flagrado revela a conduta habitual, é possível a prisão” e além dele Mirabete (apud CAPEZ, 2013, p. 330): “... não é incabível a prisão em flagrante em crime habitual se o agente é surpreendido na prática do ato e se recolhe, no ato, provas cabais da habitualidade”. Ainda, na mesma esteira de raciocínio o grande mestre Tales Castelo Branco conclui (2001, p. 71):
Vale dizer que não é possível materializar-se a prisão em flagrante delito enquanto não estiver comprovada a habitualidade.
Trata-se de difícil solução prática. Costumeiramente, a polícia faz anteceder, nas infrações habituais, a prisão em flagrante de uma sindicância, com o fito de positivar a habitualidade.
A questão é de magna importância, pois o flagrante abrange todos os atos anteriores.
Diante das posições doutrinárias apontadas, acredito que o pensamento dos doutrinadores Fernando Capez e Tourinho Filho encontram-se como os mais adequados, pois na visão de Vicente Greco Filho, Mirabete e Tales Castelo Branco, para que ocorra a prisão em flagrante em crimes habituais seria necessário haver provas colhidas pela polícia e caso presenciassem mais algum ato isolado poderiam efetivar a prisão. No entanto, não há como se ponderar essa conclusão, uma vez que o flagrante é o que está ardendo, o que está ocorrendo e levando em consideração somente um ato isolado, com base em provas de atos passados, não haveria mais a possibilidade de realizar a prisão em flagrante, em virtude de não existir mais aquela chama.
4.3.3.3 Crime continuado
O delito continuado previsto no artigo 71 do Código Penal, ocorre quando o agente realiza várias ações, constituindo cada uma isoladamente um delito, sendo que os crimes posteriores seriam a continuação do primeiro.
Para que haja o delito continuado, deve os delitos serem da mesma espécie, além de ocorrerem de forma periódica, nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução.
Assim, por essa razão poderá ser o indivíduo preso em flagrante ao efetuar qualquer uma das condutas consideradas como crime.
4.3.3.4 Crimes de ação penal privada ou pública condicionada
Tais delitos aceitam a prisão em flagrante, haja vista que como bem demonstrou Tourinho Filho (2013, p. 501): “O art. 301 do CPP não faz qualquer distinção entre crime de ação penal pública incondicionada, condicionada ou de alçada privada [...]”. O entendimento do digníssimo doutrinador a nosso ver é correto, sendo que é possível a prisão do indivíduo em crimes sujeitos a ação penal privada ou pública condicionada. No entanto, cabe algumas observações a respeito.
A prisão será efetuada se houver representação do ofendido, requisição do Ministro da Justiça, requerimento do ofendido ou do seu representante legal.
Sobre o tema Guilherme de Souza Nucci nos explica (2013, p. 603):
Na realidade, pode haver a prisão em flagrante, desde que haja, no ato de formalização do auto, se a vítima estiver presente, autorização desta. Não há cabimento, no entanto, na realização da medida constritiva, se o ofendido não confere legitimidade à concretização da prisão, até porque não será possível, em seguida, lavrar o auto. Mas, a solução, nesse caso, não deve ser rígida. Caso a vítima não esteja presente – ou seja incapaz de dar o seu consentimento – lavra-se a prisão e busca-se colher a manifestação do ofendido para efeito de lavratura do auto de prisão em flagrante.
Como exposto pelo doutrinador Nucci, a prisão poderá ocorrer mesmo se a vítima não estiver presente, mas deverá no prazo de 24 horas, prazo para a formalização da prisão em flagrante, com a entrega de nota de culpa, buscar a manifestação da vítima ou seu representante legal.
Nesse sentido também se manifesta o professor Fernando Capez, em específico a crimes de ação penal privada (2013, p. 331): “[...] capturado o autor da infração, deverá o ofendido autorizar a lavratura do auto ou ratificá-la dentro do prazo da entrega da nota de culpa, sob pena de relaxamento”. Ainda, Vicente Greco Filho complementa (2013, p. 304): “[...] sua representação ou a do seu representante legal deve ser colhida no prazo máximo de 24 horas, que é o prazo da entrega da nota de culpa, sob pena de não se lavrar o auto liberando-se o agente”.
Cabe apontar e indagar quando seria proposta a queixa-crime, pois bem, Tourinho Filho especifica em sua obra (2013, p. 502):
Lavrado o auto de prisão, nesses casos, dentro de que prazo deverá ser ofertada a queixa? O Código silencia. Na verdade, o art. 38 faz referência ao prazo de 6 meses para o oferecimento da queixa, na suposição, é claro, de estar o querelado solto. Se preso estiver, quer-nos parecer deva ser oferecida dentro de 5 dias, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 46, que estabelece tal prazo para oferecimento da denúncia, quando preso estiver o indiciado. Tratando-se de crime contra a propriedade imaterial, há preceito expresso: o art. 530 do CPP estabelece o prazo de 8 dias.
Em relação a possibilidade de efetuar a prisão nesses casos, novamente citamos o ilustre Tourinho Filho (2013, p.501), o qual alegou que nos crimes que dependam de requisição do Ministro da Justiça, representação da vítima ou requerimento do ofendido, não poderá a autoridade policial, seus agentes ou qualquer do povo efetivar a prisão, uma vez que deve a vítima ou seu representante legal julgar conveniente ou não.
A nosso ver não se deve pensar dessa maneira, sendo que o flagrante delito é uma oportunidade de qualquer do povo efetuar a prisão, é obvio que pessoas leigas ao assunto não saberão qual delito ou não admite ação penal privada ou condicionada. Além disso, se os agentes policias e autoridades policiais constatarem a prática de um crime será o dever deles efetuarem a prisão em flagrante, mas nesse caso, caberá a eles entrarem em contato com a vítima ou seu representante para que no prazo da entrega de nota de culpa, manifeste a sua vontade, quando da prisão ou não.
4.3.3.5 Crimes de menor potencial ofensivo
Em relação aos crimes de menor potencial ofensivo, podemos dizer que eles são os crimes cuja pena máxima em abstrato não seja superior a 2 (dois) anos e as contravenções penais.
Nessa hipótese conforme preceitua o artigo 69, parágrafo único da Lei 9.099/95, se o autor do fato delituoso assumir o compromisso de comparecer perante o juizado não será lavrado o auto de prisão, além disso nem se imporá fiança, segue abaixo na íntegra o mencionado parágrafo.
Artigo 69 - Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima
Frisa-se que o que ocorrerá é a não formalização do auto de prisão em flagrante, pois a prisão captura irá ocorrer, segundo esclarece o doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 602): “Embora referida lei mencione que não se imporá “prisão em flagrante”, deve-se entender que esta não será apenas formalizada através do auto, pois qualquer do povo pode prender e encaminhar à delegacia o autor de uma infração de menor potencial ofensivo [...]”.
Ainda é importante observar os casos do delito previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06, onde a prisão em flagrante será dispensada, conforme dispõe o artigo 48, §2º da respectiva Lei (grifo nosso).
Artigo 48 - § 2o Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.
Em relação aos casos do delito previsto no artigo 28 da Lei de Drogas, interessante é os ensinamentos do professor Fernando Capez (2013, p. 332):
Ressalva-se que, em se tratando de conduta prevista no art. 28 da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006), jamais se imporá prisão em flagrante, ainda que o agente se recuse a assumir o compromisso de comparecer à sede dos Juizados (vide art. 48, §2º, da LEI).
Achamos ainda de relevância mencionarmos um pensamento do doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho, (2013, p. 500, grifo nosso):
[...] não haverá necessidade de ser lavrado o auto respectivo, dês que o autor do fato se comprometa a comparecer perante o Juizado, nos termos do parágrafo único do art. 69 da Lei n. 9.099/95. Parece-nos que essa regra deve ser observada onde houver Juizado Especial, e, mesmo assim, a Autoridade Policial deverá encaminhá-lo ao Juizado. Onde não houver, melhor será a lavratura do auto, mesmo porque não tem sentido o Juiz desta ou daquela Vara Criminal suspender a audiência para atender àquele caso.
Como exposto, nos crimes de menor potencial ofensivo, onde o indivíduo se encontra em situação de flagrância ele poderá ser capturado, mas não haverá a necessidade de se lavrar o auto para a sua formalização, desde que ele tenha assumido o compromisso de comparecer ao Juizado, ressalvado o caso exposto pelo consagrado Tourinho Filho.
5 ESPÉCIES DE FLAGRANTE
Neste capítulo buscaremos abordar as diversas espécies de flagrante previstas em nosso ordenamento jurídico, sendo as encontradas no Código de Processo Penal, bem como as de legislação extravagante.
No Código de Processo Penal nos deparamos com as espécies de flagrante nos incisos do artigo 302, assim, podemos dizer que estamos diante do flagrante próprio, real ou verdadeiro; flagrante impróprio, irreal ou quase flagrante e flagrante presumido ou ficto.
Nesse sentido, explana Vicente Greco Filho (2013, p. 304):
Quatro são as situações em que o Código reconhece como de flagrância. Não poderão elas ser ampliadas, sob pena de se violar a ideia de imediatidade da prisão em relação ao fato punível, essencial ao flagrante, aspecto que deve ser levado em consideração, também, na interpretação dos dispositivos legais.
O doutrinador diz que quatro são as situações de flagrante, pois ele poderá ocorrer quando o agente for surpreendido cometendo o ato, ou ter acabado de cometê-lo, ou for perseguido, logo após, ou ainda, no caso de ser encontrado logo depois da prática da infração com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.
Há hipótese de flagrante que se encontra fora do Código de Processo Penal, é o chamado flagrante protelado, postergado, diferido, retardado ou ação controlada, tal modalidade de flagrante está prevista no artigo 8º, §1º da Lei 12.850/13 e no artigo 53, II, parágrafo único da Lei 11.343/06.
Além dessas hipóteses de flagrante temos outras, as quais foram criadas pela doutrina e jurisprudência, sendo elas o flagrante obrigatório ou facultativo; flagrante provocado, delito de ensaio, delito de experiência ou delito putativo por obra do agente provocador; flagrante esperado e flagrante forjado, fabricado, urdido ou maquinado.
Todas as espécies de flagrante acima expostas serão esclarecidas nos tópicos subsequentes, com exceção do flagrante obrigatório e facultativo, que já foram assunto de debate no tópico 4.3.2 Sujeitos do Flagrante.
5.1 Flagrante Próprio, Real ou Perfeito
O flagrante próprio, real, perfeito, verdadeiro ou propriamente dito, é aquela modalidade de flagrante prevista nos incisos I e II do artigo 302 do Código de Processo Penal, ou seja, será considerado nessa espécie o agente que é surpreendido praticando a infração ou no momento em que tenha acabado de praticá-la.
Primeiramente observamos a expressão do inciso I, sendo que estará em flagrante quem é encontrado cometendo a infração penal, sendo assim, o agente estará realizando os atos executórios do crime ou ainda colaborando para que ele ocorra. Desse modo, caso seja surpreendido na execução da faina criminosa, provavelmente o delito será interrompido, ocasionando então a tentativa delitiva.
Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 604):
[...] Ocorre, pois, quando o agente está em pleno desenvolvimento dos atos executórios da infração penal (inciso I). Nessa situação, havendo a intervenção de alguém, impede-se o prosseguimento da execução, redundando, muitas vezes, em tentativa. Mas, não é raro que, no caso de crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, a efetivação da prisão ocorra para impedir, apenas, o prosseguimento do delito já consumado.
Deve ser ponderado o caso de partícipe, pois caso ele não esteja em flagrante delito não poderá ser preso juntamente com o autor.
Em relação ao inciso II do respectivo artigo 302 do CPP, que ainda trata do flagrante próprio, ocorrerá quando o agente for surpreendido, após a consumação do delito, ainda no local dos fatos. Observa-se que o delito aqui já foi consumado, sendo o indivíduo flagranciado na cena do crime.
Salienta-se o importante destaque de Fernando Capez (2013, p. 327): “[...] devemos interpretar a expressão “acaba de cometê-la” de forma restritiva, no sentido de uma absoluta imediatidade, ou seja, o agente deve ser encontrado imediatamente após o cometimento da infração pena [...]”. Cumpre especificar que não deve haver nenhum intervalo, uma vez que deverá se ter completamente quase uma situação de imediaticidade.
Esse flagrante portanto exige que o agente esteja no local dos fatos, além de uma imediaticidade para a sua configuração.
5.2 Flagrante Impróprio, Irreal ou Quase flagrante
Essa hipótese de flagrante delito é alicerçada no inciso III do artigo 302 do CPP, sendo que aqui o agente será perseguido logo após a prática do ato delituoso, podendo ser preso por qualquer do povo, em razão dessa perseguição, em situação que lhe faça presumir ser ele o autor da infração.
Não podemos esquecer que o agente não será preso no local do delito, segundo bem nos aponta Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 605): “[...] o agente conclui a infração penal – ou é interrompido pela chegada de terceiros – mas sem ser preso no local do delito, pois consegue fugir, fazendo com que haja perseguição por parte da polícia, da vítima ou de qualquer pessoa do povo”.
Haverá uma perseguição para que seja encontrado o autor do delito, sendo que a própria legislação nos esclarece no artigo 250 e 290 do CPP:
Art. 250. A autoridade ou seus agentes poderão penetrar no território de jurisdição alheia, ainda que de outro Estado, quando, para o fim de apreensão, forem no seguimento de pessoa ou coisa, devendo apresentar-se à competente autoridade local, antes da diligência ou após, conforme a urgência desta.
§1o Entender-se-á que a autoridade ou seus agentes vão em seguimento da pessoa ou coisa, quando:
a) tendo conhecimento direto de sua remoção ou transporte, a seguirem sem interrupção, embora depois a percam de vista;
b) ainda que não a tenham avistado, mas sabendo, por informações fidedignas ou circunstâncias indiciárias, que está sendo removida ou transportada em determinada direção, forem ao seu encalço.
Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor poderá efetuar-lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso.
§1 - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:
a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;
b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.
Como visto estaremos diante de um caso de perseguição quando alguém vai ao encalço do criminoso, por informação própria ou de terceiros. Além disso, a perseguição poderá ser imediata, sendo que a pessoa se põe a perseguir o delinquente assim que ele começa a fuga do lugar da infração. Entretanto, poderá a perseguição se iniciar logo após a prática do delito, expressão que segundo Reis e Gonçalves (in LENZA, 2013, p. 360): “[...] o tempo necessário para que a polícia seja acionada, compareça ao local, tome informações acerca das características físicas dos autores do crime e da direção por eles tomada, e saia no encalço destes”.
A lei não estipula um prazo de perseguição, bastando apenas que não se quebre a continuidade ou haja interrupção. A mudança de perseguidores não acarreta prejuízo na perseguição e também não será necessário contato visual com o delinquente.
O criminoso será preso em flagrante impróprio, ao iniciar a fuga do local do delito, assim, alguém o perseguirá e independente da duração dessa perseguição poderá prendê-lo em flagrante, desde que não haja alguma interrupção.
5.3 Flagrante Presumido, Ficto ou Assimilado
O flagrante presumido, ficto ou assimilado é a última modalidade de prisão em flagrante prevista no Código de Processo Penal no inciso IV, do artigo 302, o qual prescreve que será considerado em flagrante quem for encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.
Nessa possibilidade não é necessário a perseguição, segundo preleciona Fernando Capez (2013, p. 327): “Não é necessário que haja perseguição, bastando que a pessoa seja encontrada logo depois da prática do ilícito em situação suspeita [...]”.
Desse modo, basta que o criminoso seja encontrado portando algo que lhe faça presumir ser o autor da infração.
É imprescindível não esclarecermos que a expressão logo depois comporta um lapso maior do que a contida na expressão logo após do flagrante impróprio. No entanto, este lapso é em relação a conduta e o encontro do indivíduo, sendo que nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 606): “[...] não se pode conferir à expressão “logo depois” uma larga extensão, sob pena de se frustrar o conteúdo da prisão em flagrante. Trata-se de uma situação de imediatidade, que não comporta mais do que algumas horas para findar-se”.
O indivíduo estará em situação de flagrante, quando for encontrado, não num grande elastério de tempo, mas no razoável, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.
5.4 Flagrante Esperado
O flagrante esperado é aquele caracterizado pela campana, tocaia, onde a autoridade policial ou seus agentes, aguardam a realização do primeiro ato executório para efetivarem a prisão, assim, sendo o flagrante realizado estaríamos diante de um flagrante próprio.
Ressalta-se que a modalidade em tela não é prevista no nosso Código de Processo Penal, tendo sido criada pelos grandiosos doutrinadores.
No flagrante esperado não há qualquer interferência de quem efetiva a prisão na conduta praticada pelo delinquente, o que o torna plenamente plausível e lícito.
A respeito do tema citamos trecho da obra do professor Hidejalma Muccio (2003, p. 590):
Obtida a informação de que o agente vai praticar determinada infração penal, a autoridade policial ou seus agentes postam-se estrategicamente e prendem-no no momento em que pratica os atos de execução. Tem-se, aí, o flagrante esperado. Não há falar, na hipótese, de flagrante preparado ou provocado.
O importante no flagrante esperado, que é válido, é que não haja qualquer indução ou instigação do autor do delito à sua prática, seja pela autoridade policial, por seus agentes, ou por qualquer pessoa, a fim de que venha a ser surpreendido no momento em que está a perpetra-lo.
É interessante se ponderar que caso a polícia fique sabendo que um delito irá ocorrer e se desloca para o local, criando meios de proteção do bem jurídico que seria lesado, além de implementar objetivos para evitar a realização do delito, estaremos diante de crime impossível, o que não permitiria a prisão em flagrante.
Assim, segundo Vicente Greco Filho (2013, p. 305): “Se a intervenção policial, ainda que prévia ao início de execução, mas a consumação é em tese possível, o flagrante é meramente esperado, de modo que a interrupção da atividade criminosa é válida, e válido o flagrante”.
Apresentadas as considerações dos autores, entendemos que logo que a autoridade policial e seus agentes tomarem conhecimento que um delito será realizado, eles irão até o local da suposta prática criminosa e sem ter o controle de tornarem a infração impossível, aguardaram em tocai até que se inicie algum ato executório, relembrando que não há qualquer instigação ou induzimento para que o agente criminoso efetue o delito.
5.5 Flagrante Preparado
O flagrante preparado, delito de ensaio, provocado ou ainda delito de ensaio por obra do agente provocador ou delito de experiência é totalmente ilegal e ilícita, além do fato praticado pelo criminoso ser considerado atípico, pois é enquadrado como crime impossível.
A súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal, veda expressamente essa espécie de flagrante, dizendo que “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Desta súmula extrai-se que não se pode estimular o indivíduo a praticar o delito, a fim de prendê-lo após a realização de algum ato delituoso.
Define-se flagrante preparado aquele que alguém induz, instiga ou influência outrem a cometer o delito, para prendê-lo. É o caso do policial que disfarçado sai pelas ruas portando objetos de alto valor monetário, até que algum delinquente tente assaltá-lo, mas nas espreitas outros policiais esperam o dito delinquente cair na isca.
Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, é um crime impossível, o qual esclarece da seguinte forma em sua obra (2013, p. 607):
[...] Trata-se de crime impossível (art.17, CP), pois inviável a sua consumação. Ao mesmo tempo em que o provocador leva o provocado ao cometimento do delito, age em sentido oposto para evitar o resultado. Estando totalmente na mão do provocador, não há viabilidade para a constituição do crime.
A conduta do agente será atípica, diante do crime impossível que ele praticará e caso venha a ser preso em flagrante, deverá ser o auto imediatamente relaxado.
Haverá também o caso da polícia se valer de um agente provocador, este é o típico caso do tráfico de drogas, onde o policial se passando por usuário chega ao traficante solicitando drogas. De modo que, o delinquente, tendo as drogas armazenadas, em depósito ou em estoque para a entrega, ele não será preso em flagrante pelo fato de vendê-las, mas sim em razão de o delito já ter sido consumado, quando preenchidas as condutas de armazenar, ter em depósito ou em estoque.
5.6 Flagrante Forjado
O flagrante forjado ou também conhecido como flagrante fabricado, maquinado, urgido, é o tipo de flagrante ilegal, haja vista que sequer houve a prática de qualquer infração penal por parte do agente, sendo que alguém cria provas que incriminem o outro, a fim de leva-lo a prisão.
O crime aqui foi fabricado por alguma terceira pessoa, sendo como nos ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho (2013, p. 534):
[...] policiais que colocam substância entorpecente no bolso do cidadão, ou em seu veículo, ou, no caso de busca domiciliar, para que esta não resulte infrutífera, apreendem, em qualquer dos cômodos, certa quantidade de maconha ou cocaína, por eles ali colocada e dão voz de prisão ao infeliz [...]
É interessante notar que se realmente houver alguma ocasião que seja intitulada como flagrante forjado e tiver sido feita por policias, eles responderam por abuso de autoridade.
5.7 Flagrante Protelado
O flagrante protelado, espécie prevista em legislações extravagantes, também conhecido como flagrante diferido, retardado, postergado ou ação controlada, é caracterizado da seguinte forma, nos dizeres de Tourinho Filho (2013, p. 533/534):
[...] O agente policial percebe que alguém está em estado de flagrância. Poderia até dar-lhe voz de prisão. Contudo, nesse caso, a lei permite que o agente policial não aja precipitadamente, conferindo-lhe poderes para procrastinar a ação repressiva, mantidos os responsáveis sob observação à espera de uma oportunidade “mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações”.
A ação controlada possibilita aos policias retardarem o momento da prisão, com o intuito de se produzir mais provas, a fim de identificar e penalizar o maior número de criminosos, relativizando, assim, o artigo 301 do Código de Processo Penal, que diz que a autoridade policial e seus agentes são obrigados a efetuar a prisão.
Ainda concluísse de maneira a reforçar o entendimento que o flagrante protelado “[...] nada mais é do que o retardamento ou prorrogação da prisão em flagrante, de acordo com os interesses probatórios da investigação policial” (BRANCO, 2001, p. 218).
Tal flagrante anteriormente se encontrava na Lei 9.034/95, no inciso II do artigo 2º, contudo, a respectiva lei foi revogada pela Lei 12.850/13, estando a modalidade atualmente disciplinada no seu artigo 8º, §1º, o qual dispõe:
Art. 8o Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
§ 1o O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.
No tocante ao dispositivo acima, quando estivermos diante da situação do flagrante postergado, no que concerne o combate ao crime organizado, deverá ser previamente comunicado o juiz e ouvindo o membro do parquet, poderá se definir e limitar a diligência.
O flagrante diferido está previsto igualmente na Lei 11.343/06, no artigo 53, inciso II e parágrafo único, que estabelecem o seguinte:
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
[...]
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.
Segundo César Dario Mariano da Silva (2011, p. 143):
A lei de drogas possibilita, nesta situação, que o policial deixe de agir e não prenda os portadores de drogas, de seus precursores químicos ou de outros produtos empregados em sua produção, que se encontram no território nacional, com o propósito de identificar os demais participantes do tráfico, sem prejuízo de posterior ação penal contra os infratores.
Posto isto, como se vê é necessário para a realização da ação controlada na lei de drogas, a autorização prévia do magistrado, o qual, ouvirá o Ministério Público, decidindo desde que tenha conhecimento provável do itinerário da droga e os delinquentes envolvidos e seus colaboradores. Apontamos que não haverá obrigatoriedade de se conhecer todos envolvidos como bem observou César Dario Mariano da Silva (2011, p. 144): “[...] não há necessidade da identificação de todos eles, até porque a finalidade da ação é justamente a de identificar o maior número de criminosos possível e, principalmente, os chefes da organização”.
6 DO AUTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE
Por fim, chegamos ao último tema abordado neste trabalho monográfica, assim, neste capítulo analisaremos os procedimentos para lavratura do auto de prisão em flagrante, além das atitudes que o delegado de polícia poderá tomar se forem cabíveis, como arbitramento de fiança e até mesmo a possibilidade dele próprio relaxar a prisão. Ainda, trataremos das providências que o magistrado poderá tomar ao se deparar com o auto de prisão em flagrante, conforme estabelece o artigo 310 do Código de Processo Penal, podendo relaxar a prisão ilegal, converter o flagrante em preventiva se presentes os requisitos ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança.
6.1 Procedimentos
De início apontaremos as minúcias do procedimento para a lavratura do presente auto de prisão em flagrante, o qual, inclusive é uma forma de instauração do inquérito policial. Pois bem, para a lavratura do auto, temos como a princípio a captura do indivíduo, que será denominado custodiado, tendo-lhe a liberdade imediatamente cerceada, pelo condutor, que lhe encaminhará até a presença da autoridade policial, para que seja tomada as devidas providências.
Desse modo, antes de iniciarmos ao que concerne à atuação do delegado de polícia, é importante visualizarmos o prazo para lavratura do auto, haja vista a opinião do doutrinador Vicente Greco Filho (2013, p. 306):
Antes da alteração do art. 306 pela Lei n. 11.499/2007 e, depois, pela Lei n. 12.403/2011, sustentávamos que o auto, a rigor, deveria ser lavrado imediatamente, mas a jurisprudência já vinha admitindo que fosse lavrado até, no máximo, 24 horas da prisão, que é o prazo de entrega da nota de culpa. Referido prazo foi acolhido pela nova redação do art. 306, §1º. A elasticidade é compreensível, inclusive porque, em cidades de grande porte, pode haver mais de uma prisão concomitantemente, devendo os autos ser lavrados um a um, podendo, ainda, a autoridade estar a autoridade ocupada com outras diligências. Não há nulidade do flagrante, pois, se a prisão foi efetivada à noite e o auto é lavrado pela manhã.
Em discordância com o ilustríssimo doutrinador acima, é a opinião de Tourinho Filho, o qual argumenta em sua obra Processo Penal (2013, p. 513/514):
[...] O auto de prisão em flagrante deve ser lavrado no instante mesmo em que o conduzido é apresentado à Autoridade Policial. É certo não existir preceito expresso. Entretanto, pela redação do art. 340 do CPP, notadamente com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.113/2005, subentende-se tenha sido essa a vontade do legislador. Não teria cabimento que o condutor, acompanhado do conduzido e das testemunhas, se apresentasse à autoridade e esta os dispensasse para, no dia imediato, lavrar o flagrante. Manifesto seria o incomedimento da autoridade. Haveria infringência ao art. 5º, LXVI, da Magna Carta. Mais: absurda seria a providência da autoridade no sentido de, inclusive, “dispensar” o conduzido, para, no dia seguinte, ouvi-lo também. Veja-se, e a propósito, o §1º do art. 306 do CPP, com sua nova redação.
Para o doutrinador Vicente Greco Filho como apresentado acima, a lavratura poderia ser feita dentro de 24 (vinte e quatro) horas, em razão de ser esse o prazo para entrega da nota de culpa, ou seja, para ele teria o delegado o mesmo prazo para entrega de nota de culpa, para lavratura do auto, pois somente após lavrado o auto seria realizada a entrega da nota de culpa.
Já na visão do ilustre Fernando da Costa Tourinho Filho, o auto deverá ser lavrado de imediato, assim que lhe seja apresentado o conduzido, em função de não só ter o delegado o dever de entregar a nota de culpa em 24 (vinte e quatro) horas, mas também de nesse respectivo prazo ser encaminhado para o juiz cópia do auto de prisão em flagrante, a fim de que ele possa tomar alguma providência.
Vencida essa abordagem seguiremos vislumbrando as formalidades da lavratura do auto, sendo que de regra o conduzido será apresentado perante autoridade policial, contudo, Guilherme de Souza Nucci aponta que (2013, p. 611): “[...] Há possibilidade legal de ser o auto lavrado pela autoridade judiciária ou mesmo por um parlamentar, como demonstra a Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal [...]”. Desse modo, será observado a regra do artigo 304 do Código de Processo Penal, a qual não poderá ser alterada a ordem.
Posto isto, ao ser entregue o preso a autoridade policial pelo condutor, acompanhado das testemunhas presenciais, que deverá ser no mínimo duas, será realizada a sua qualificação e oitiva, recebendo após a colheita de sua assinatura, a cópia do termo e recibo de entrega do preso, ficando a partir daí liberado, pois não haveria razão dele aguardar a oitiva das testemunhas e o interrogatório do conduzido.
A segunda oitiva e qualificação será das testemunhas que acompanharam o condutor, no entanto, caso não haja essas testemunhas poderá haver duas testemunhas que presenciaram a entrega do preso ao delegado, conforme prescreve o parágrafo segundo do artigo 304 do CPP. Cabe aqui se ponderar se o próprio condutor poderia ser uma testemunha. Nesse sentido, há divergência doutrinária, assim, apresentaremos posições dos doutrinadores, começando por Vicente Greco Filho (2013, p. 306/307):
A redação atual separou formalmente as declarações do condutor e das testemunhas de modo que aquele não pode ser computado como testemunha. O auto deverá conter, então, além do condutor, duas ou mais testemunhas, o que, na prática, pode trazer problemas sérios para a lavratura, porque o crime que tem a tendência da clandestinidade nem sempre é passível de ter duas ou mais testemunhas além do condutor. A intenção da lei, contudo, é clara: a validade do flagrante depende da existência do condutor e de pelo menos duas testemunhas.
Além de Vicente Greco Filho, o doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho compartilha esse entendimento, sendo (2013, p. 512):
[...] O art. 304 fala em condutor e testemunhas, dando a entender devam ser ouvidas, além daquele, duas testemunhas, no mínimo [...] A lei fala em condutor e testemunhas, distinguindo, perfeitamente, estas daquele. Além disso, a prisão em flagrante, como toda prisão cautelar de natureza processual, constitui uma exceção, e, por isso mesmo, não se pode interpretar o texto legal que versa sobre as formalidades de tal medida extrema com liberalidade. [...] Assim, o art. 304 do CPP determina à autoridade ouvir o condutor e as testemunhas, evidente que, ouvindo-se o condutor e uma testemunha, o auto se ressente de uma formalidade...
Agora em opinião diversa a esses doutrinados é a visão de Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 611):
O condutor é a pessoa (autoridade ou não) que deu voz de prisão ao agente do fato criminoso. Quanto às testemunhas, utiliza a lei o termo no plural dando indicação de ser preciso mais que uma para formalização do flagrante. Entretanto, atualmente, admite-se que o condutor – tendo ele também acompanhado o fato – possa ser admitido no contexto como testemunha. Assim, é preciso haver, pelo menos, o condutor e mais uma testemunha. Por outro lado, convém frisar ser o ideal que as testemunhas se refiram ao fato criminoso relacionado à prisão, porém é possível a admissão de pessoas que tenham apenas presenciado o momento da detenção. Um crime ocorrido no interior de uma residência, por exemplo, onde estavam somente agente e vítima, sem testemunhas, pode comportar flagrante. Nessa hipótese, as testemunhas a ouvir referem-se somente ao momento da prisão.
Também acompanha Nucci, o doutrinador Fernando Capez, o qual escreve em sua obra (2013, p. 335):
[...] Após a oitiva e dispensa do condutor, com fornecimento do recibo de entrega do preso, serão ouvidas as testemunhas, presenciais ou não, que acompanharam a condução, no número mínimo de duas, admitindo-se, porém, que o condutor funcione como primeira testemunha, o que significa a necessidade de ser ouvido, além dele, somente mais uma [...]
Diante das posições doutrinárias, acreditamos que a mais acertada seria aquela que considera o próprio condutor como também uma testemunha, devendo somente ser ouvida mais uma. Já se não houver sequer outra testemunha, poderá se valer das testemunhas instrumentárias.
Após feita a oitiva do condutor, das testemunhas e da vítima, o delegado de polícia realizará o interrogatório do conduzido, devendo para tanto informá-lo do seu direito constitucional de permanecer em silêncio, previsto no artigo 5º, LXIII. Além disso, terá ele o direito de prestar informações na presença de um advogado.
Cabe ponderarmos que quando o preso não quiser assinar o auto, não puder por qualquer motivo, ou não souber escrever a sua assinatura, as testemunhas instrumentárias deverão presenciar a leitura ao preso na íntegra do auto de prisão em flagrante.
Aqui importante observação faz Vicente Greco Filho ao dizer (2013, p. 307): “Se o preso não quiser ou não puder manifestar-se, isso não impede a lavratura do auto, que deverá, de qualquer maneira, ser lavrado em sua presença, ainda que no hospital”.
Em relação as oitivas, a autoridade policial deverá cuidar para que sejam realizadas de maneira que um não ouça o outro, ou seja, que as partes, condutor, testemunha e indiciado, um não escute a declaração do outro, sendo assegurada a incomunicabilidade.
Ao final, será lavrado o auto e assinado por todos participantes, não podendo se esquecer que o escrivão que lavrou o auto, “[...] deverá ser pessoa diferente do condutor e diferente da própria autoridade que o presidiu. Não havendo funcionário oficial, a autoridade deverá nomear escrivão ad hoc, especificamente para o ato, prestando o compromisso” (GRECO FILHO, 2013, p. 307). Já se o fato criminoso for praticado na presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, aplicará o artigo 307 do CPP.
Não podemos esquecer das garantias constitucionais do preso no artigo 306 do Código de Processo Penal, onde nos informa que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Neste artigo é importante se ver que com a Lei 12.403/11, passou a constar que a comunicação deveria ser feita também ao Ministério Público.
A respeito a imediaticidade que se refere o artigo 306 do CPP, Fernando Capez faz breve consideração (2013, p. 334):
[...] O advérbio de tempo imediatamente quer dizer logo em seguida, ator contínuo, no primeiro instante após a voz de prisão. Em tese, isso deveria ser feito antes mesmo de se iniciar a lavratura do auto, por qualquer meio disponível no momento, desde que eficaz (telefone, fax, mensagem eletrônica etc). Na prática, porém, tal comunicação acabará sendo feita somente ao final do prazo de conclusão do auto, que é de vinte e quatro horas. Não foi esse, no entanto, o intuito da lei, devendo o Poder Judiciário e o Ministério Público estruturarem sistema de plantão à noite e aos feriados [...].
Com a lavratura do auto, será realizada a remessa de cópia do auto, em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão ao juiz competente e caso o autuado não tenha informado o nome de seu advogado, será encaminhada cópia à Defensoria Pública. (artigo 306, §1º do CPP).
Observa-se “que tal prazo (24 horas) é o definido legalmente apenas para o encaminhamento da cópia do auto de prisão em flagrante ao juiz, sendo certo que podemos afirmar que o autuado sempre ficará preso em flagrante por mais tempo” (JARDIM; COUTINHO, 2013, p.433).
Neste mesmo prazo de 24 (vinte e quatro) horas, será entregue ao preso, o documento imprescindível, conforme determina o parágrafo 2º do supra artigo, a nota de culpa ao indiciado. A respeito da nota de culpa trataremos posteriormente.
6.2 Nota de Culpa
A nota de culpa vem prevista no §2º do artigo 306 do Código de Processo Penal, sendo ela o documento obrigatório que formaliza a prisão ao preso, sendo-lhe entregue dentro de 24 (vinte e quatro) horas, contados do momento da sua captura.
O documento escrito e assinado pela autoridade que lavrou o ato, que é a nota de culpa, conterá o nome do condutor, da autoridade, das testemunhas, o motivo da prisão, além do valor da fiança, se esta for possível.
É previsão constitucional no artigo 5º, LXIV, que o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório.
Deverá a autoridade entregar a nota de culpa mediante recibo ao preso, sendo ela posteriormente anexada aos autos do inquérito, no entanto, se o preso não quiser assiná-la, não souber ou não puder, deverá ser elaborada uma certidão informando o incidente, assinada por duas testemunhas.
O não cumprimento da entrega da nota de culpa no prazo estabelecido acarretará em ilegalidade e consequente relaxamento da prisão, além de responsabilização de quem deveria tê-lo expedido, nesse sentido bem elucida Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 616):
Se a nota de culpa não for expedida (ou for expedira fora do prazo), entendemos configurar-se ato abusivo do Estado, proporcionando o relaxamento da prisão em flagrante, bem como medidas penais – abuso de autoridade, se for o caso, havendo dolo – e administrativas contra a autoridade policial [...].
Como visto a nota de culpa deve ser emitida e entregue ao preso, para que ele tome ciência da infração que lhe é feita, além da autoridade, das testemunhas e condutor de sua prisão. O delegado fica incumbido de anexar aos autos do inquérito o comprovante de entrega de sua entrega.
6.3 Flagrante Relaxado pela Autoridade Policial
É plenamente possível haver o relaxamento da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando ele observar que não é caso de prisão em flagrante, ou sequer há indícios de autoria ou materialidade do fato, ou seja, em outras palavras é claro e óbvio que não houve infração penal.
Bem escreveu Tourinho Filho a respeito do assunto (2013, p. 531):
Pelo que se infere do §1º do art. 304 do CPP, se, quando da lavratura do auto, não resultar fundada suspeita contra o conduzido, nada impede possa a Autoridade Policial relaxar a prisão, sem contudo deixar de comunicá-la ao Juiz competente e ao Ministério Público para que se tomem medidas contra o ato arbitrário do condutor.
O delegado de polícia é uma autoridade administrativa e caso verifique que não há razão para ratificar a voz de prisão poderá relaxá-la, no entanto, nesta fase o que vale é o princípio do in dubio pro societate, sendo assim, um caso de extrema excepcionalidade, colocando o indivíduo em liberdade após verificada a ausência de meios para realizar a lavratura do auto.
Note-se que caso já tenha iniciado a lavratura do auto e posteriormente percebe-se que é caso de relaxamento, a autoridade “[...] Lavra a ocorrência, enviando ao juiz e ao Ministério Público para a avaliação final, acerca da existência – ou não – da tipicidade” (NUCCI, 2013, p. 614).
É ainda interessante o posicionamento de Fernando Capez acerca do relaxamento da prisão pelo delegado, pois expõe o seguinte (2013, p. 339):
[...] Não se trata aqui, a nosso ver, de relaxamento de prisão, uma vez que ela não chegou sequer a ser efetivada, tampouco formalizada. Melhor definir tal hipótese como recusa em iniciar a prisão, ante a ausência de requisitos indiciários mínimos da existência de tipicidade ou antijuridicidade [...] Como ele não chegou a ser preso em flagrante, não há prisão a ser relaxada. Haverá, no caso, mero juízo de valor negativo, o qual impede o ato de se aperfeiçoar. Situação distinta é a do auto de prisão em flagrante que chegou a ser consumado, inclusive com a assinatura de todas as partes, mas, antes da comunicação imediata ao juiz, a autoridade policial toma conhecimento de um fato que tornaria a prisão abusiva. Nessa hipótese, poderá proceder ao relaxamento.
Não se encaixa na hipótese do relaxamento do flagrante pelo delegado, quando ele “percebe ter havido alguma excludente de ilicitude ou de culpabilidade, pois cabe ao juiz proceder a essa análise” (NUCCI, 2013, p. 614). Como visto, caso esteja diante de excludente de ilicitude ou culpabilidade, o delegado não poderá deixar de lavrar o auto de flagrante, pois não cabe a ele a respectiva análise.
6.4 Arbitramento de Fiança pela Autoridade Policial
O arbitramento de fiança pela autoridade policial vem previsto nos artigos 322 e 325, no se inciso I, ambos do Código de Processo Penal, onde lhe torna permitido arbitrar fiança, fixando-a no limite de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando a pena privativa de liberdade no seu grau máximo não seja superior a 4 (quatro) anos.
Aqui ponderamos em fazer uma observação na modificação do artigo 325 do CPP, ocasionada em virtude da Lei 12.403/11, uma vez que na antiga redação do artigo era estipulado que a autoridade policial poderia fixá-la no limite de 1 (um) a 5 (cinco) salários mínimos de referência e ainda exigia-se que a infração fosse punida no seu grau máximo com pena privativa de liberdade de até 2 (dois) anos. É evidente e de ótimo caráter a alteração sofrida neste instituto, pois a além de ter aumentado a fixação do valor da fiança, também passou a ser possível o delegado oferecê-la em crimes cuja pena, no grau máximo seja de até 4 (quatro) anos.
Desse modo, a autoridade policial deverá avaliar se o crime é afiançável, além de ter a pena cominada no seu grau máximo de até 4 (quatro) anos. Nos casos em que a pena máxima seja superior a 4 (quatro) anos, somente o magistrado poderá arbitrar a fiança, podendo, inclusive estipulá-la no valor de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos.
Os crimes que vedam a fiança foram reduzidos, ou em outros dizeres, ampliou-se o número de crimes que autorizam a fiança. A vedação a fiança, ou seja, os delitos inafiançáveis encontram-se descritos nos artigos 323 e 324. Observe a nova redação dos artigos supra e a anterior na sequência.
Art. 323. Não será concedida fiança:
I - nos crimes de racismo;
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático
IV - (revogado);
V - (revogado).
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou militar;
III - (revogado);
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Agora a antiga redação dos artigos 323 e 324 do CPP:
Art. 323. Não será concedida fiança:
I - nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a 2 (dois) anos; (Redação dada pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
II - nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais; (Redação dada pela Lei nº 6.416, de
24.5.1977)
III - nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; (Redação dada pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
IV - em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio;
V - nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se refere o art. 350;
II - em caso de prisão por mandado do juiz do cível, de prisão disciplinar, administrativa ou militar;
III - ao que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou contravenção que admita fiança;
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
Observamos que houve grandiosa mudança nos artigos, sendo que a fiança tornou-se possível para uma gama maior de crimes.
Haverá casos em que a autoridade policial se deparará com a hipótese de arbitrar a fiança, mas o preso não terá condições econômicas de arcar com o custo, assim, terá o juiz que observar se é caso de dispensa da fiança ou de substituí-la por alguma medida cautelar, conforme dispõe o artigo 350 do CPP.
É relevante apresentarmos o caso da pessoa prestar a fiança por meio de um cheque, nesse sentindo é a posição do doutrinador Fernando Capez (2013, p. 338):
[...] É o caso de pessoa presa na madrugada, em momento em que o caixa eletrônico está fechado e não há como obter outro meio rápido para evitar a prisão em flagrante. A autoridade policial não está obrigada a aceitar esse tipo de garantia incerta, dado que não é passível de aferição no momento em que é prestada. Excepcionalmente, porém, a autoridade policial tem discricionariedade para avaliar a situação e evitar o encarceramento, aceitando essa forma anômala de caução, mediante fundamentação circunstanciada da ocorrência, na qual se demonstre efetivamente a impossibilidade da prestação da fiança por outro meio [...].
Em relação ao tema, também é de relevante importância nos atermos ao artigo 335 do CPP, o qual prescreve que “Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas."
No mais, os demais temas de relevante interesse sobre a fiança trataremos a seguir, no tópico das atitudes que o juiz poderá tomar ao se deparar com o auto de prisão em flagrante.
6.5 Atitudes que o Juiz poderá tomar ao receber a cópia do Auto de Prisão em Flagrante
Enfim chegamos ao último tema de nosso trabalho monográfico, sendo assim, abordaremos as atitudes que o magistrado poderá ter ao se deparar com o auto de prisão em flagrante, conforme dispõe o artigo 310 do Código de Processo Penal. Avaliaremos, a atual redação do artigo 310, pois com a entrada da Lei 12.403/11, houve uma mudança repentina em seu texto, pois trouxe as medidas alternativas a prisão, refutando e reforçando, mais uma vez que a liberdade do indivíduo é a regra em nosso ordenamento jurídico.
Segue a nova redação do artigo 310 do CPP:
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.
Além disso, se faz interessante citarmos Reis e Gonçalves (in LENZA, 2012, p. 376):
Deve -se dizer, em tempo, que a maior inovação da Lei n. 12.403/2011, no que se refere à prisão em flagrante, foi a alteração do art. 310 do Código de Processo, pois, no regime anterior, se o juiz entendesse que a prisão em flagrante continha todas as formalidades legais e que o preso não fazia jus à liberdade provisória, bastava declarar isso nos autos, hipótese em que o indiciado, automaticamente, permaneceria no cárcere. No novo regime, contudo, para que ele permaneça preso, será necessário que o juiz converta a prisão em flagrante em preventiva.
Desse modo, abordaremos a possibilidade do relaxamento da prisão, se for ilegal, a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, a determinação de alguma medida alternativa a prisão e por fim o caso de conversão do flagrante em prisão preventiva, como sendo ultimo ratio.
Expostas essas considerações, iremos estudar cada hipótese a seguir.
6.5.1 Relaxamento do Flagrante
O relaxamento da prisão em flagrante encontra-se como apontamos acima, no inciso I do artigo 310 do Código de Processo Penal, onde a autoridade judiciária ao receber a cópia do auto de prisão em flagrante, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, após a efetiva prisão do agente, deverá relaxar o auto, caso ao analisá-lo se depare com alguma ilegalidade. A redação deste artigo nada mais é do que já mencionada na nossa Carta Magna, no artigo 5º, inciso LXV, o qual prescreve que “A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.
Além desta consideração no artigo 5º da Constituição Federal, há na súmula 697 do Supremo Tribunal Federal, menção ao relaxamento do auto de prisão em flagrante, a qual ressalta o seguinte “A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo”. Como visto, referida súmula trata da admissibilidade do relaxamento da prisão, mesmo sendo incabível a liberdade provisória.
Ademais, frisamos que se o juiz diante de uma situação de clara admissão de relaxamento do auto, não o fizer, estará cometendo abuso de autoridade, como descreve o artigo 4º, alínea d da Lei 4.898/65, haja vista não ter ordenado o relaxamento.
As hipóteses que levam a ilegalidade e consequentemente ao relaxamento, será quando estivermos diante da ausência de alguma formalidade do auto de prisão em flagrante, bem como de uma hipótese de flagrante, atipicidade da conduta ou quando houver demora para a remessa do auto para o magistrado, o que causaria excesso de prazo.
Na ocasião de houver ausência de alguma formalidade ou sendo a hipótese de flagrante atípica, nos dizeres de Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves (in LENZA, 2012, p. 376): “[...] o juiz poderá, na mesma decisão que relaxar o flagrante, decretar a prisão preventiva, caso entenda que estão presentes os seus requisitos, de modo a manter preso o indiciado”. Ainda com esse mesmo pensamento é o doutrinador Fernando Capez (2013, p. 345):
[...] Relaxado o flagrante, nada impede que o juiz decrete a preventiva, desde que presente um dos motivos previsto no art. 312 do CPP, autorizadores da tutela cautelar, e desde que outra medida cautelar menos gravosa, dentre as elencadas no art. 319 do mesmo Código, seja insuficiente. Importante notar que, nessa hipótese, há necessidade de que a infração penal se encontre no rol do art. 313 do CPP [...].
Nessa visão, o magistrado embora relaxando a prisão nesses casos, ele poderia decretar a preventiva, por estarem presentes seus requisitos de admissibilidade.
Por fim, ao se tratar de relaxamento de prisão em flagrante, nada mais é do que a libertação do indivíduo que se encontrava recluso de sua liberdade de maneira ilegal.
6.5.2 Conversão do Flagrante em Preventiva
De acordo com artigo 310, inciso II do Código de Processo Penal, caso o magistrado entenda que a prisão é legal e seja necessária, poderá converter o flagrante em preventiva, e desde que estejam presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do CPP. Pondera-se aqui, a opinião do ilustre Fernando Capez, que passamos a expor (2013, p. 346):
[...] Não se trata de decretação autônoma da prisão preventiva, mas apenas de uma conversão do flagrante em outra modalidade de prisão, razão pela qual bastam os requisitos do art. 312 do CPP, mesmo não presente uma das hipóteses do art. 313 do mesmo Código [...].
E ainda o doutrinador continua:
[...] É que a lei, ao tratar da conversão do flagrante em preventiva, não menciona que o delito deva ter pena máxima superior a quatro anos, nem se refere a qualquer outra exigência prevista no art. 313 do CPP. Conforme se denota da redação do art.310, II, do Código de Processo Penal, para que a prisão em flagrante seja convertida em preventiva, basta a demonstração da presença de um dos requisitos ensejadores do periculum in mora (CPP, art. 312), bem como a insuficiência de qualquer outra providência acautelatória prevista no art. 319 [...] (CAPEZ, 2013, p. 347).
Diante da visão do caríssimo Fernando Capez, não seria sequer necessário haver a exigência do artigo 313 do CPP. Ainda, para que seja possível a conversão da prisão em flagrante para preventiva, como denota do próprio inciso II do artigo 310 do já mencionado código, teria que ser insuficiente ou inadequada qualquer outra medida cautelar diversa da prisão, prevista no artigo 319 do CPP. Sobre as medidas cautelares diversas da prisão trataremos do tema no desenrolar do trabalho.
A conversão da prisão em flagrante para preventiva surgiu diante do fato que anteriormente o flagrante poderia se perdurar até o final do processo, ou seja, o indivíduo poderia continuar preso em decorrência da sua prisão em flagrante. Agora na nova redação, o flagrante poderá ser convertido em preventiva, se for o caso, ou o juiz concederá a liberdade provisória, ou ainda, aplicará alguma medida cautelar diversa da prisão. É esse o entendimento mais do que correto, pois o flagrante é uma forma de se fazer cessar a prática criminosa, evitar que o indivíduo evada-se da aplicação penal, além de servir como uma forma de concretizar e materializar a infração nos autos.
Nesse sentido apresentamos novamente os ensinamentos do doutrinador Fernando Capez (2013, p. 339):
[...] Ninguém mais responde a um processo criminal por estar preso em flagrante. Ou o juiz converte o flagrante em preventiva, ou concede a liberdade (provisória ou por relaxamento em decorrência de vício formal). A prisão em flagrante, portanto, mais se assemelha a uma detenção cautelar provisória pelo prazo máximo de vinte e quatro horas, até que a autoridade judicial decida pela sua transformação em prisão preventiva ou não.
Em relação aos requisitos e maiores minúcias da prisão preventiva, já foram objetos de análise no item 4.1 do presente trabalho.
É de relevância fazermos ponderações sobre o prazo para o juiz se manifestar sobre alguma das condutas que deve tomar, conforme estipulado no artigo 310 do CPP. Assim, há diversas posições doutrinárias a respeito, dentre elas apresentamos a de Afrânio Silva Jardim e Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim, sendo a seguinte (2013, p. 435):
[...] o juiz ao receber a cópia do auto de prisão em flagrante delito terá 05 dias para proferir as decisões interlocutórias simples de converter a prisão em flagrante em prisão preventiva ou conceder liberdade provisória, sem fiança, quando ausentes os fundamentos da preventiva, conforme expressa determinação do art. 800, inc. II, do CPP.
Em posição diversa é Eugênio Pacceli de Oliveira e Dougals Fischer (apud JARDIM; AMORIM, 2013, p. 433/434): “[...] o juiz, após receber a cópia do auto de prisão flagrante, intime o Ministério Público, com vistas dos autos (da cópia do auto de prisão), para que, no prazo de 24 horas, manifeste-se da forma que melhor entender”.
Conforme opiniões dos doutrinadores acerca do momento da manifestação do juiz para realizar algum dos atos do artigo 310 do CPP, não podemos esquecer de esclarecer que o indivíduo, que esteja preso em flagrante, ou com ele convertido em preventiva, deverá ficar separado dos que estiverem definitivamente condenados, determinação do artigo 300 do CPP.
Por fim, a preventiva poderá ser revogada a qualquer tempo pelo magistrado, caso não tenha mais o motivo que lhe deu causa.
6.5.3 Liberdade Provisória
Abordaremos esse tema de maneira a aclarar a concessão da liberdade provisória pelo magistrado, portanto, não será aprofundado nos pormenores.
A liberdade provisória é um instituto pelo qual o magistrado poderá entender que não será caso de relaxamento do auto de prisão em flagrante, ou de conversão do flagrante em preventiva, sendo que embora a prisão seja legal, é desnecessária a mantença do indivíduo encarcerado, assim, tornando cabível a concessão da liberdade provisória, que poderá ser com ou sem fiança, ou inclusive, cumulada com alguma das medidas alternativas a prisão.
A concessão da liberdade provisória é previsão inclusive constitucional no artigo 5º, inciso LXVI, que diz “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. No caso do juiz concedê-la ele além da previsão constitucional se valerá do artigo 310, inciso III e parágrafo único, do CPP, onde a concederá nos moldes do artigo 321 e seguintes do CPP.
Nos dizeres de Fernando da Costa Tourinho Filho (2013, p.596):
A liberdade provisória é, pois, um substituto da prisão provisória, que atua como sucedâneo de qualquer modalidade de prisão provisória, ressalvadas as hipóteses de prisão temporária e prisão preventiva – quando decretada para preservar a instrução criminal ou para impedir se torne sua punição ineficaz.
E o doutrinador em tela ainda reforça
[...] é uma medida intermediária entre a prisão provisória e a liberdade completa. A liberdade provisória, de conseguinte, não é completa. Por duas razões: a) se o autor da infração, que estava provisoriamente em liberdade, vier a ser punido com pena privativa de liberdade sem sursis ou qualquer medida alternativa, cessa a liberdade, e ele será recolhido à prisão, b) durante o tempo em que o indiciado ou réu estiver em liberdade provisória, essa liberdade não é completa (TOURINHO FILHO, 2013, p. 596).
A liberdade provisória poderá ser concedida mediante fiança ou não, sendo que haverá casos em que o indivíduo encarcerado não possui condições de prestá-la. Tratando-se dos valores da fiança o artigo 325 sofreu forte alteração trazida pela nova Lei de Prisões, uma vez que seus valores aumentaram consequentemente.
Segue a nova redação do artigo, sendo comparada posteriormente coma anterior:
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:
a) (revogada);
b) (revogada);
c) (revogada).
I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;
II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.
§ 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:
I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código;
II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou
III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes.
§ 2o (Revogado):
I - (revogado);
II - (revogado);
III - (revogado). (NR)
Agora a antiga redação do artigo 325, veja como houve vasta alteração nos valores:
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: (Redação dada pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989)
a) de 1 (um) a 5 (cinco) salários mínimos de referência, quando se tratar de infração punida, no grau máximo, com pena privativa da liberdade, até 2 (dois) anos; (Incluída pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989)
b) de 5 (cinco) a 20 (vinte) salários mínimos de referência, quando se tratar de infração punida com pena privativa da liberdade, no grau máximo, até 4 (quatro) anos; (Incluída pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989)
c) de 20 (vinte) a 100 (cem) salários mínimos de referência, quando o máximo da pena cominada for superior a 4 (quatro) anos.
(Incluída pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989)
§ 1o Se assim o recomendar a situação econômica do réu, a fiança poderá ser: (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)
I - reduzida até o máximo de dois terços; (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)
II - aumentada, pelo juiz, até o décuplo. (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)
§ 2o Nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal, não se aplica o disposto no art. 310 e parágrafo único deste Código, devendo ser observados os seguintes procedimentos: (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)
I - a liberdade provisória somente poderá ser concedida mediante fiança, por decisão do juiz competente e após a lavratura do auto de prisão em flagrante; (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)
Il - o valor de fiança será fixado pelo juiz que a conceder, nos limites de dez mil a cem mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, da data da prática do crime; (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)
III - se assim o recomendar a situação econômica do réu, o limite mínimo ou máximo do valor da fiança poderá ser reduzido em até nove décimos ou aumentado até o décuplo. (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)
A fiança nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 604): “[...] é uma garantia real, consistente no pagamento em dinheiro ou na entrega de valores ao Estado, para assegura o direito de permanecer em liberdade, no transcurso de um processo criminal”. Além disso, acrescenta sobre a finalidade da fiança:
A finalidade da fiança é assegura a liberdade provisória do indiciado ou réu, enquanto decorre o inquérito policial ou o processo criminal, desde que preenchidas determinadas condições. Entregando valores seus ao Estado, estaria vinculado ao acompanhamento da instrução e interessado em apresentar-se, em caso de condenação, para obter, de volta, o que pagou. (NUCCI, 2013, p. 640).
Não é só mediante fiança que será concedida a liberdade provisória, assim, conforme evidencia o artigo 310, parágrafo único do Código de Processo Penal, o juiz ao visualizar que o agente praticou o delito respaldado por excludente de ilicitude, ou como alguns doutrinadores também defendem por excludente de culpabilidade, ele poderia conceder a liberdade provisória, independentemente de prestação de fiança, desde que o indivíduo assine termo de comparecimento a todos os atos do processo.
Poderá também de ser sem fiança, nos casos em que não é admitida a conversão do flagrante em preventiva, aí nesse caso poderá fixar alguma das medidas cautelares previstas no artigo 319 e 320 do CPP.
Não podemos esquecermos que ela será também plenamente possível, independentemente de fiança, nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo. Nesse sentido cita o doutrinador Fernando Capez (2013, p. 362): “[...] Infrações penais às quais não se comine pena privativa de liberdade (CPP, art. 283, §1º) e infrações de menor potencial ofensivo, quando a parte se comprometer a comparecer à sede do Juizado Especial Criminal [...]”.
Importante observação é quando o acusado for pobre, sendo que diante dessa circunstância o juiz diante do artigo 350 do CPP terá a possibilidade de concedê-la. A respeito do tema se faz interessante a lição de Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 652):
[...] quando o réu for pobre e não puder arcar com o valor da fiança (art. 350, CPP). Não seria mesmo justo que o risco justo que o rico fosse beneficiado pela liberdade provisória e o pobre ficasse preso, unicamente por não dispor de recursos para custear a fiança. Estarão, nesse caso, sempre presentes as condições fixadas nos arts. 327 (comparecimento a todos os atos e termos do processo ou inquérito) e 328 (mudança de residência, sem prévia autorização ou ausência da residência por mais de oito dias, sem fornecer o paradeiro).
Para encerrarmos o tema de liberdade provisória, mencionamos a situação dos crimes hediondos e os assemelhados, sendo que a prestação de fiança, aqui é incabível, mas admitem a liberdade provisória, o que demonstra claramente um contrassenso jurídico, pois crimes menos gravosos admitem a fiança e os ditos hediondos não. Esse entendimento é ratificado pelo artigo 2º, inciso II da Lei 11.343/06 e ainda pela declaração parcial de inconstitucionalidade do artigo 44, da Lei de Drogas.
Postas essas considerações passaremos a abordagem das medidas cautelares alternativas da prisão.
6.5.4 Medidas Cautelares Diversas da Prisão
A grande e consagrada inovação trazida pelo diploma legal nº 12.403/11 foi a implementação das medidas cautelares diversas da prisão, sendo que dentre as previstas no artigo 319 do CPP, algumas já se encontravam “[...] sendo aplicadas nas hipóteses de suspensão condicional da pena ou do processo. Outras já eram previstas no art. 47 do Código Penal como penas restritivas de direito [...]” (TOURINHO FILHO, 2013, p.579).
O artigo 319 do CPP, trouxe espécies de medidas cautelares, lembrando que elas somente poderão ser aplicadas a crimes que sejam apenados com pena privativa de liberdade.
Se faz interessante apontarmos o artigo 319 do CPP na íntegra:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).
§ 3o (Revogado).
§ 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares
Observa-se que o juiz avaliará no caso concreto qual medida será a mais pertinente e se deverá se valer de alguma delas, pois há casos que sequer seja necessário impor alguma.
Faz-se interessante a explicação do doutrinador Vicente Greco Filho sobre a implementação das medidas cautelares diversas da prisão (2013, p. 324):
Cabe explicar, inicialmente, que as revogações trazidas pela nova lei (parágrafos do art. 319) decorrem de ter sido o dispositivo (art. 319) utilizado para tratar do novo instituto “outras medidas cautelares”, enquanto o dispositivo anterior tratava da prisão administrativa que passou a não mais existir no Código de Processo Penal. O mesmo aconteceu quanto a outras revogações contidas na Lei n.12.403/2011, ou seja, aproveitamento de artigos que tratavam de outros assuntos na legislação anterior ou de dispositivos que se tornaram superados em fase do novo sistema.
As medidas cautelares acima relacionadas representam um avanço em relação ao sistema quase que maniqueísta anterior: ou havia a preventiva ou não havia nada. Procuraram elas estabelecer a maleabilidade de o juiz poder adaptar a situação do infrator penal à situação de fato, quando a prisão preventiva ultimo ratio não for o caso, mantendo-o, porém, vinculado aos ônus do processo penal aque esteja submetido.
Extrai-se da explicação do doutrinador acima que as medidas surgiram para se encaixarem a situação de fato, quando não a preventiva não fosse necessária e através destas medidas vincularia o indivíduo ao processo.
Para ser decretada alguma medida é mister que os requisitos de necessidade e adequação estejam presentes e inclusive sejam cumulados, tais requisitos encontram-se estipulados nos incisos do artigo 282 do CPP.
Assim, a necessidade se divide em três outros requisitos, os quais não precisam ser cumulados. Estão entre eles, a necessidade para aplicação da Lei penal, para investigação ou a instrução criminal e ainda a necessidade para evitar a prática de novas infrações penais, em casos previstos no texto normativo.
Já em relação a adequação, os seus requisitos estão no inciso II do artigo 282 do CPP. Dentre eles destaca-se, a adequação da medida para a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado ou acusado.
Frise-se que somente será decretada alguma medida cautelar se estiver ambos requisitos cumulados, ou seja, se houver a cumulação da necessidade e adequação.
O parágrafo 2º do artigo 282 do Código de Processo Penal, traz o rol dos legitimados que poderão requerer as medidas cautelares. Nessa linha cabe transcrevermos as palavras de Fernando Capez (2013, p. 359):
As medidas cautelares serão decretadas:
No curso da investigação criminal mediante: (a) representação da autoridade policial; (b) requerimento do Ministério Público.
Durante o processo: (a) de ofício pelo juiz; (b) a requerimento de qualquer das partes.
Pela redação do art. 282, §2º, do CPP, tem-se a impressão de que o juiz não pode decretar de ofício medidas cautelares durante a investigação criminal. No entanto, isso não corresponde à realidade, pois, ao receber os autos de prisão em flagrante, o juiz poderá conceder a liberdade provisória com ou sem fiança, ou mediante qualquer outra medida cautelar alternativa (CPP, art. 310, III). Obviamente, não depende de pedido específico para escolher a providência acautelatória que entender cabível.
Para a decretação de alguma medida cautelar é preciso que haja o contraditório, em consonância com o artigo 5º, LV da Carta Magna. No entanto, como prescrito no artigo 282, no parágrafo § 3º, o contraditório poderá ser diferido nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida.
No caso de houver descumprimento da medida será observada a regra do §4º do já mencionado artigo 282 do CPP, in verbis:
§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).
Diante da redação do dispositivo acima, a prisão preventiva será decretada somente no último caso. Cabe aqui os saudosos ensinamentos dos doutrinadores Afrânio Silva Jardim e Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim (2013, p. 419):
Importante, perceber, por fim, que a subsidiariedade da prisão preventiva, posta de forma clara no art. 282, §6º, do CPP, não significa que o juiz tenha que decretar, em primeiro lugar, uma cautelar diversa da prisão para, ao depois, sendo esta descumprida, impor a custódia cautelar. Na verdade, o que se exige é uma fundamentação adequada do juiz que a faz a opção por decretar diretamente a prisão preventiva, devendo esclarecer que as demais medidas cautelares se revelam insuficientes à tutela do processo ou dos fins extracautelares constitucionalmente e legalmente previstos.
Por fim, mas não menos importante, não podemos esquecer que as medidas podem ser fixadas isoladamente ou cumulativamente.
Deste modo, vencidas essa breve consideração sobre as medidas cautelares, encerra-se o presente trabalho monográfico, passando-se na sequência a exposição de sua conclusão.
7 CONCLUSÃO
Com o presente trabalho tínhamos como objetivo abordar a prisão em flagrante de uma maneira geral, sendo que a apresentamos desde os seus aspectos históricos até as suas minúcias nos dias atuais.
Nós visualizamos ainda, as diversas modificações sofridas pelo advento da Lei 12.403/11, em face desta mencionada modalidade de prisão, além disso, concluímos que as prisões em um Estado Democrático de Direito é a ultimo ratio, ou seja, deve ser a última opção do magistrado privar alguém de sua liberdade.
Essa ideia foi ainda mais reforçada com a nova lei de prisões, uma vez que juntamente com ela surgiram diversas possibilidades de se manter o indivíduo vinculado ao processo, mas em liberdade em razão de alguma medida cautelar diversa da prisão, o que concretiza amplamente o pensamento de que somente se deve encarcerar alguém quando for imprescindível.
Além disso, a nova lei de prisões aumentou as hipóteses de arbitramento de fiança pelos delegados de polícia, tendo eles agora a competência de arbitrá-las não só em crimes apenados com detenção, mas a delitos com pena no seu grau máximo de até 4 anos.
Tudo permite concluirmos que a nova legislação foi positiva para nosso ordenamento jurídico, dando a possibilidade do magistrado ao se deparar com o auto de prisão em flagrante aplicar alguma medida cautelar diversa da prisão, quando perceber que não seria caso de conversão do flagrante em preventiva, concedendo assim a liberdade provisória com alguma medida cautelar.
Outra pertinente questão de nosso trabalho era observarmos qual seria a melhor compreensão dos doutrinadores sobre a natureza jurídica da prisão em flagrante, haja vista que alguns a consideravam um ato administrativo, outros como uma medida cautelar, ou até mesmo precautelar ou ainda como um ato complexo.
Diante dessas opiniões doutrinárias, acabamos por nos posicionar e concluir que o melhor entendimento acerca de sua natureza jurídica é aquele que a considera como uma medida cautelar de caráter administrativo, sendo que logo que o indivíduo é capturado será encaminhado para a delegacia, onde serão tomadas as providências administrativas e posteriormente lavrado o auto, encaminhando-o para a autoridade judiciária, tornando-se, assim, judicializado.