A atual Interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o efeitos do Mandado de Injunção e o Princípio da Separação de Poderes


03/04/2017 às 16h16
Por Advocacia Scoty Diniz

INTRODUÇÃO

 

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXI, preceitua que o Mandado de Injunção (MI) é o remédio adequado para proteger o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, assim como as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando ameaçados pela falta de uma norma regulamentadora, sendo a medida cabível para sanar as omissões legislativas, na medida em que muitas normas tem eficácia limitada, não produzindo efeitos até que o Legislativo edite regulamento tratando do tema.

Até um tempo atrás, as decisões no mandado de injunção tinham como limite a declaração da omissão legislativa sem providências concretas, teoria que ficou conhecida como não concretista. Isso causava a falta de efetividade do instrumento que não possibilitava ao impetrante o exercício do direito pretendido.

Foi no julgamento dos Mandados de Injunção (MI´s) 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep) que, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº 7.783/1989). Os sindicatos buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamava da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal.

Por derradeiro, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sofreu uma mudança, passando a suprir omissões legislativas. Em vez de limitar-se a declarar a mora do legislador, o STF estabeleceu norma regulamentar que possibilita o exercício do direito para o impetrante, bem como, sobre casos idênticos, gerando, uma espécie de efeito “erga omnes”. Há argumentos que entendem que essa interpretação violaria a separação de poderes, uma vez que ao Judiciário cabe aplicar a lei preexistente ao caso concreto e não exercer função legislativa, criando normas jurídicas. O trabalho a ser desenvolvido pretende abordar essa questão, procurando esclarecer se o STF fere ou não a separação de poderes quando dá efeitos concretistas ao Mandado de Injunção.

 

1 A INTERPRETAÇÃO DOS EFEITOS DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

O Mandado de Injunção é a garantia constitucional a ser utilizada quando da falta de norma regulamentadora não torne possível o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania, sendo uma ação incidental de constitucionalidade, tendo o impetrante com um direito constitucional e o impedimento de exercê-lo em virtude da ausência de norma regulamentadora, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988, verbis:

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (BRASIL, 1988).

Na doutrina de Moraes (2014, p.177):

“o mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal.” (MORAES, p. 177, 2014)

Na visão de Bulos (2012, p. 417):

“o mandado de injunção tem a natureza de uma ação civil, de caráter essencialmente mandamental e procedimento específico, destinado a combater a síndrome da inefetividade das constituições” (BULOS, p. 417, 2012)

O mandado de injunção, assim como o mandado de segurança coletivo e o habeas data, nasceu com a Constituição Federal de 1998, sendo aceito por muitos estudiosos como uma originalidade brasileira. Porém, há quem entenda que o instituto surgiu por influência de diversos ordenamentos jurídicos, como o norte-americano – writ of injunction -, o inglês – injuction -, o português – derivação da ação de inconstitucionalidade por omissão, e ainda o alemão – ação constitucional alemã.

Para Silva (2007, p. 448) a origem do instituto remonta ao Século XIV na Inglaterra, como remédio essencial da Equity, ou seja, do juízo de equidade, na ocasião em que inexistia a norma legal e a Common Law não oferecia proteção suficiente. O autor ainda demonstra a influência do Direito norte-americano na concepção do instituto: “A fonte mais próxima deste é o writ of injunction do Direito norte-americano, onde cada vez mais tem aplicação na proteção dos direitos da pessoa humana”.

A preocupação aqui, sempre foi a de encontrar meios para coibir a omissão inconstitucional, meios para coibir a inércia do legislador em editar uma norma que dessa eficácia a outra, no intuito de buscar “uma maior efetividade das normas constitucionais que, em regimes passados, pareciam desvalidas, por inércia do legislador em regulamentar os direitos delas decorrentes” (Barroso, 2002, p. 247). Meios para coibir a omissão inconstitucional, em razão, ainda que, segundo a Constituição Federal de 1988, assevera que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§1.º as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (Brasil, 1988)

Por não ter antecedente histórico no direito brasileiro de como os Tribunais deveriam proceder frente ao instituto, coube ao Supremo Tribunal Federal a responsabilidade de interpretar a Constituição do país e definir os efeitos do Mandado de Injunção.

No ano de 1989, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção n. 107, decidiu que a ação constitucional tem como objetivo, apenas, a declaração, pelo Poder Judiciário, da omissão da norma regulamentadora, que torna inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas. Assim, ao Judiciário, caberia, tão somente, dar ciência ao poder competente para que este edite a norma regulamentadora, sendo sua função primordial a comunicação ao Poder Legislativo da inexistência da lei e da necessidade de edição da norma regulamentadora. Posição esta denominada de “não-concretista” e embasada no princípio da separação dos poderes, conforme o art. 2º da Carta maior:

Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (BRASIL, 1998)

Não cabendo ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo, interferindo na esfera de atuação do Poder Legislativo, suprindo a omissão legislativa, sob pena de afronta ao princípio da separação de poderes.     

Celso de Mello, ministro do STF à época do julgamento do MI n. 107, ressalta a questão em seu voto, quando pontua que o Judiciário não se pode substituir ao Legislador ou Administrador omissos, devendo estrita observância ao princípio constitucional da divisão funcional do poder. A partir do que foi prolatado no julgamento acima dito, o Supremo Tribunal Federal seguiu aplicando o entendimento nele adotado, permitindo-se breves incursões à posição concretista, como no Mandado de Injunção n. 232/RJ, que decidiu que após seis meses sem a edição da lei regulamentadora do art. 195, §7º, da Constituição Federal, a requerente poderia gozar da imunidade requerida.

Dessa forma, o mandado de injunção, surge com o intuito de “curar” a “doença” chamada síndrome da inefetividade constitucional, conforme discorre Lenza (2012, p. 1051/1052):

“O mandado de injunção surge para “curar” a “doença” denominada de síndrome de inefetividade das normas constitucionais, vale dizer, normas constitucionais que, de imediato, no momento que a Constituição é promulgada não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional.” (LENZA, 2012, p. 1051/1052)

Porquanto a persistente omissão legislativa, o entendimento da Corte somente se modificou no ano de 2007, quando do julgamento do Mandado de Injunção nº 670/ES, que discutia o direito de greve dos servidores públicos.

Nesse MI, o Tribunal decidiu suprir a omissão por si, determinando que se aplicasse aos servidores públicos a lei de greve dos empregados privados, até que o Poder Legislativo editasse regulamento sobre o tema, representando um grande avanço na proteção dos direitos e liberdades constitucionais, que passaram a contar com um instrumento efetivo para lhes viabilizar a fruição.

Dessa forma, ao invés de se limitar a declarar a mora do legislador, a Suprema Corte estabeleceu norma regulamentar que possibilita o exercício do direito do impetrante, bem como sobre casos idênticos, gerando uma espécie de efeitos “erga omnes”.

Atuando como legislador positivo, o Tribunal passou a exercer uma função atípica, geralmente relacionada ao Poder Legislativo. No próprio Tribunal a decisão não foi pacífica, posicionando-se alguns Ministros pela manutenção do entendimento anterior, por considerar que uma modificação como a que se aventava violaria o princípio da separação de poderes, não se adequando ao sistema instaurado pela própria Constituição Federal.

O Ministro Ricardo Lewandowsky, se posicionou de forma contrária a mudança de entendimento da Corte, afirmando que se tal ocorresse o Tribunal estaria interferindo na esfera de competência que a Constituição reservou aos representantes da soberania popular, eleitos pelo sufrágio universal. Haveria, portanto, a invasão de um Poder do Estado sob as competências de outro, o que violaria o princípio da separação dos poderes.

Contrariamente, o Ministro Gilmar Mendes sustentou que o entendimento da Corte a respeito dos efeitos do Mandado de Injunção não vinha conferido ao instituto efetividade capaz de assegurar a fruição dos direitos e liberdades assegurados na Constituição.

Por fim a maioria dos membros do Tribunal se posicionou de maneira favorável no sentido de que o Mandado de Injunção deve ter efeitos concretos, devendo possibilitar o gozo imediato dos direitos e liberdades constitucionais. Agindo dessa maneira, privilegiou a eficácia dos direitos previstos na Carta Magna em detrimento de uma rígida separação das funções do Estado.

Para melhor compreensão do tema, faz-se mister uma breve acepção acerca das teorias existentes sobre os efeitos do mandado de injunção e seu desenvolvimento no decorrer dos anos, tendo em vista que há divergência entre os doutrinadores e a jurisprudência no que diz respeito aos efeitos do MI.

 

1.1 Efeitos do Mandado de Injunção: Teorias Existentes

 

Uma matéria que não há convergência entre os doutrinadores e a jurisprudência diz respeito a questão dos efeitos da decisão no mandado de injunção. Predominam quatro posições, a seguir sintetizadas:

I - Teoria não-concretista: Prevaleceu, majoritariamente, por muitos anos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, dispondo que ao Poder Judiciário caberia somente o reconhecimento formal da inércia do legislador e, por oportuno a comunicação ao órgão competente para a elaboração da norma regulamentadora necessária ao exercício do direito constitucional inviabilizado. O que se entendia era que a adoção de posição diversa iria contra a separação dos Poderes;

II - Teoria concretista geral: Empregada recentemente em poucas decisões prolatadas pela Suprema Corte (ex. MI 670, 708 e 712), dispõe que, diante da ausência de norma regulamentadora, cabe ao Poder Judiciário suprir a lacuna. Dessa forma, o Judiciário, mediante sentença, iria regular a omissão em caráter geral, ou seja, além de viabilizar o exercício do direito pelo impetrante do MI, também estenderia os efeitos a todos aqueles em idêntica situação (efeito erga omnes);

III - Teoria concretista individual: Esporadicamente está sendo adotada pelo STF em algumas hipóteses (ex. MI 721). Com base nesse entendimento, frente a lacuna, o Poder Judiciário deve criar a regulamentação para o caso específico. Quer dizer que, a decisão viabiliza o exercício do direito somente pelo impetrado, uma vez que a decisão teria efeitos inter partes;

IV - Teoria concretista intermediária: Formula-se na união da teoria não-concretista com a teoria concretista individual, dito posto que, afirma que o dever do Poder Judiciário, em um primeiro momento, é limitar-se a declarar a omissão ao órgão responsável pela elaboração da norma regulamentadora, estabelecendo um prazo para suprimento da lacuna. Estando o prazo assinalado expirado, o Poder Judiciário estaria autorizado a suprir a lacuna para o caso concreto, porém, somente para o impetrante.

A Suprema Corte de Justiça, por muito tempo, foi a favor da aplicação da teoria não-concretista, fato este que tornou o MI em um instrumento ineficaz, pois não concedia ao impetrante o exercício do direito constitucional até então impossibilitado pela falta de norma regulamentadora.

A partir do fim do ano de 2006 e no decorrer do ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal passou a reavaliar sua posição quanto aos efeitos da decisão no MI. No entanto, ainda não se pode afirmar que a Suprema Corte tenha adotado a teoria concretista individual ou a concretista geral, tendo em vista a aplicação de ambas em decisões.

Interessante, por derradeiro, observar - além das teorias existentes para explicar os efeitos desse writ constitucional - a quem compete processar e julgar o mandado de injunção. Mais adiante veremos o que dispõe a CF/1998 acerca da competência para o julgamento do Mandado de Injunção.   

   

1.2 Competência para Julgamento do Mandado de Injunção

 

Por circunstância das alíneas “q”, inciso I, do art. 102 e “h”, inciso I, do art. 105, expressamente dispostos na Constituição Federal de 1988, é de competência originária do STF e do STJ para o julgamento do MI. De acordo com o que se depreende dos dispositivos mencionados, se aplicando em razão da pessoa ou órgão a quem competir elaborar a norma regulamentadora necessária ao exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional conferidos.

Competência do Supremo Tribunal Federal a análise do mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “q” da Constituição Federal). Não obstante, também caberá ao STF a análise do recurso ordinário de mandado de injunção decidido em única ou última instância pelos Tribunais Superiores, quando a decisão for denegatória (art. 102, II, “a” da constituição Federal).

Será da competência do Superior Tribunal de Justiça a análise do Mandado de Injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, quando o ato envolver matéria sujeita à sua jurisdição (art. 105, I, “h” da Constituição Federal).

De outra vertente e não menos importante, é a dúvida que gira em relação às distinções entre o Mandado de Injunção (artigo 5º, inciso LXXI, da CF/88) e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (artigo 103, § 2º, da CF/88).

Inicialmente, focaremos na principal semelhança existente: as duas foram forjadas para combater omissões inconstitucionais, servindo para casos em que o Poder Público deveria legislar, mas ainda não legislou.

Agora que sabemos a principal semelhança que existe entre elas, quais seriam as diferenças?

No próximo tópico iremos analisar as mais importantes diferenças entres esses dois artifícios constitucionais de proteção contra as omissões legislativas.

 

1.3 Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

 

O mandado de injunção é uma ação constitucional que torna viável o exercício de direitos de maneira incidental, em um controle concreto de constitucionalidade, surgindo ao lado da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI por omissão) para acabar com a chamada síndrome da inefetividade das normas constitucionais, mas com essa não se confundindo, tendo em vista que a ADI por omissão torna efetiva a norma constitucional de forma abstrata.

No mais, faz-se necessário informar mais algumas características, que tornam o mandado de injunção uma garantia constitucional de aplicação diferenciada da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, quais sejam:

I – O MI quanto ao tipo de pretensão deduzida em juízo é um processo constitucional subjetivo, quando a ADIn por omissão é um processo objetivo;

II – O MI, quanto a competência, envolve um controle difuso limitado, enquanto a ADI por omissão, envolve um controle concentrado de constitucionalidade;

III – Quanto a legitimidade ativa, pode impetrar mandado de injunção individual qualquer pessoa cujo direito esteja sendo prejudicado pela ausência da norma regulamentadora, e podem entrar com uma ADI por omissão os legitimados do art. 103, da Constituição Federal de 1988;

IV – A legitimidade passiva no MI pertence a as autoridades ou órgãos responsáveis pela elaboração da norma regulamentadora, e na ADI por omissão pertence as autoridades ou órgãos responsáveis pela medida;

V – Não cabe liminar no MI, e cabe liminar na ADI por omissão para suspender a aplicação da lei ou do ato normativo (omissão parcial), suspender processos ou para tomar outras providências;

VI – Por fim, quanto a decisão de mérito, existem quatro correntes doutrinárias que visam fundamentar a decisão de mérito no mandado de injunção, quais sejam: não concretista, concretista geral, concretista individual e concretista intermediária (geral/individual); na ADI por omissão, na decisão de mérito, o Poder Judiciário apenas comunica o órgão administrativo para que este elabore a norma regulamentadora no prazo de 30 dias; no caso do legislativo, este não tem prazo para elaboração da norma regulamentadora.

Cabe salientar que, por mais que haja alguma semelhança entre o Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, com esta não se confunde, sendo apontada por muitos doutrinadores, como um instrumento de regulamentação normativa muito mais abrangente que a ADIn por omissão, justamente por dar efeitos concretos a norma que possui apenas eficácia limitada até que sobre ela o poder legislativo se manifeste.

Sobre o tema, afirmam Dimoulis e Lunardi (2011, pg. 410) que:

“essa dinamização do Mandado de Injunção enfatiza o papel do Judiciário e dá um novo significado às Constituições dirigentes-transformadoras. O Judiciário tornar-se garantidor da efetividade das normas constitucionais, substituindo-se ao legislador. A doutrina considerou essa evolução como “grande conquista para a cidadania brasileira”. Certamente o STF confirmou seu papel ativo no controle de Constitucionalidade das omissões legislativas.” (DIMOULIS E LUNARDI, 2011, pg. 410)

Depois de esclarecido alguns pontos de extrema importância para a adequada compreensão do tema e diante do presente panorama, cumpre questionar se a mudança de entendimento representaria uma violação ao princípio da separação de poderes. A supressão da omissão do Legislativo pelo Poder Judiciário em um processo de Mandado de Injunção representa a invasão das competências do primeiro pelo segundo?

Antes de responder a esse questionamento, é necessário fazer considerações a respeito do princípio da separação de poderes.

 

2. O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

 

As origens da separação de poderes remontam a Aristóteles, com a obra “A Política”. Posteriormente, o tema também foi trabalhado por João Locke e, finalmente, por Montesquieu, em sua célebre obra “O espírito das leis”.

Conforme discorre Ferreira Filho em breve citação (2007, p. 135):

“... Esse compromisso foi teorizado por Locke, no segundo tratado do Governo Civil, que justificou a partir da hipótese do estado de natureza. Ganhou ele, porém, repercussão estrondosa na obra de Montesquieu, O espírito das Leis, que o transformou numa das célebres doutrinas políticas de todos os tempos”. (FERREIRA FILHO, 2007, p. 135)

O art. 2º da Constituição Federal dispõe que:

Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (BRASIL, 1988)

A criação dos Estados modernos se dá em um contexto histórico de relevantes alterações na humanidade. Nesse prisma, exibe-se o fortalecimento dos Estados Nacionais, como meio de atingir a uniformidade política esquecida na Idade Média. Os monarcas, dentre outras atitudes, passam a valer-se do direito como forma de poder e unidade. Esses episódios contribuíram para a centralização do poder nas mãos de um monarca, levando à criação dos Estados absolutistas.

Diante disso, a teoria clássica da separação de Poderes, alicerça-se sobre uma divisão de atribuições entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, no qual um poder deve limitar o outro. Surgindo, como uma ideia de limitação da concentração de poder absoluta nas mãos de uma única pessoa. Apesar disso, nota-se que essa divisão de funções tem exceções, ou seja, tolera que em alguns casos um poder exerça uma função que não lhe é comum. Montesquieu (1997, p. 204/208), por exemplo, permite a oportunidade de o Poder Executivo, em uma situação de exceção, por um prazo curto e determinado, mandar prender os cidadãos suspeitos, ou de o Poder Legislativo proceder a julgamentos.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 acompanha esse raciocínio afirmando que a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e constatando uma divisão de funções, mas é liberal em determinar o exercício de funções atípicas pelos poderes do Estado, denominando-se o que convencionou chamar de sistemas de freios e contrapesos ou, nas palavras de Montesquieu, “checks and balances”. Como exemplo, temos os arts. 52, I e 84, XXVI, que determinam competir, respectivamente, ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente por crimes de responsabilidade, e ao Presidente editar medidas provisórias com força de lei.

Nesse prisma, afirma Silva (2002, p. 448):

“As exceções mais marcantes, contudo, se acham na possibilidade de adoção pelo Presidente da República de medidas provisórias […] e na autorização de delegação de atribuições legislativas ao Presidente da República.” (SILVA, pg. 448, 2002)

Sobre o tema, discorre Novelino (2016, p. 40/41):

“Na declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos, o tribunal constitucional atua como um autêntico legislador negativo. Na medida que, anular uma lei é estabelecer uma norma geral, porque a anulação de uma lei tem o mesmo caráter de generalidade que sua elaboração, nada mais sendo, por assim dizer, que a elaboração com sinal negativo e, portanto, ela própria uma função legislativa. No Sistema Constitucional Brasileiro, o direito judicial com força de lei revela-se, sobretudo, nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade (CF, art. 102, §§1º e 2º) e na edição de enunciados de súmula com efeito vinculante (CF, art. 103-A). Em tais hipóteses, é inegável a atribuição de um poder normativo ao Tribunal, ainda que pautado por parâmetros constitucionais.” (NOVELINO, pg. 40/41, 2016)

A Carta Magna da República Federativa do Brasil segue esse prisma ao afirmar em seu texto que a separação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, prever uma divisão de funções, mas não se preocupou a finco em estabelecer o exercício de funções atípicas pelos poderes do Estado. A exemplo, recorde-se dos arts. 52, I e 84, XXVI, que determinam competir, respectivamente, ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente por crimes de responsabilidade, e ao Presidente editar medidas provisórias com força de lei.

Nesse aspecto, podemos afirmar que o princípio da separação de poderes se caracteriza pela divisão de funções que se estabelece entre eles.

Por fim, cumpre salientar que a função basilar deste capítulo é expor que a separação de poderes, de maneira real, só poderia surgir e ser aceita em um contexto de uma sociedade pluralista, de tolerância, de entendimento mútuo, de diálogo e de humanização, e de forma alguma em um ambiente de “eternos” conflitos, tentando delimitar o campo de atuação de cada Poder, bem como os pontos de contato e de comunicação ente os três poderes. De outra maneira, não há uma método exato e absoluto, prévio e universal determinando em que limites deve se dar a separação de poderes. Esse paradigma pertence ao campo de atuação de cada Carta Constitucional. 

A CF/1988 previu o MI como remédio para a proteção de direitos e liberdades constitucionais, foi para tornar essa proteção efetiva. Assim, a nova interpretação da Suprema Corte sobre os efeitos do Mandado de Injunção tem a intenção de concretizar esse instrumento, o que somente se podia fazer por meio da assunção de funções políticas pelo Judiciário, na medida que, de maneira indireta, o Poder Judiciário poderá exercer as funções atípicas de legislar até que o legislativo sobre o assunto se manifeste, assunto que será tratado no próximo capítulo.

 

3 A ATUAL INTERPRETAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE OS EFEITOS DO MANDADO DE INJUNÇÃO E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

 

Com o advento da decisão que deu efeitos concretos ao Mandado de Injunção, a Suprema Corte assumiu uma função política, na medida que, levando em consideração os anseios do povo, que é o titular soberano do poder estatal, judicializou uma atribuição que lhe era atípica, interferindo, aparentemente da função legislativa e supostamente ferindo o princípio da separação de poderes.

Conforme transcrição parcial do pronunciamento do Ministro Néri da Silveira, constante na doutrina do professor Moraes (2014, p.184), que com absoluta clareza resumiu as posições iniciais existentes no Supremo Tribunal Federal em relação ao mandado de injunção:

“Há, como sabemos, na Corte, no julgamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção nº 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício dos direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto a posição que considero intermediária.” (MORAES, p. 184, 2014)

Dito mais:

“Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar-se ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento da reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parece conciliar a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei. Esse tem sido o sentido de meus votos, em tal matéria.” (MORAES, p. 184, 2014)

Sobre esse ponto, Bulos (2012, p. 422) afirma que, com a adoção da tese concretista geral, o Supremo, já em sua atual composição, vem fazendo as vezes do legislador, que não legisla, para desse modo conferir exequibilidade às normas constitucionais.

No entanto, de forma alguma, o Poder Judiciário agiu com a intenção de interferir no campo de atuação do legislativo. Ao dar efeitos concretos ao mandado de injunção, agiu embasado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXI, que previu que este é o remédio constitucional adequado para proteger o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, assim como as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando ameaçados pela falta de uma norma regulamentadora.

Sobre o tema, discorre Cunha Jr e Novelino, em ponto referente ao comentário do art. 5º, LXXI da CF/88 (Constituição Federal para Concursos, 4º edição, p. 121), que o mandado de injunção tem como pressupostos:

I – a existência de um direito constitucional de quem o invoca; e

II - o impedimento de exercê-lo em virtude da ausência de norma regulamentadora, afirmando que o objeto deste mandamus é a omissão inconstitucional em relação à tutela dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Esta ocorre quando o Poder Público deixa de atuar da forma exigida por uma norma constitucional, cuja aplicabilidade depende de outra vontade integradora de seus comandos.

De forma alguma, o constituinte originário ao elaborar a Carga Magna, não quis dar poderes meramente formais ao Mandado de Injunção, sendo sua intenção dar-lhe efetividade. A declaração da mora do Poder Legislativo não era o suficiente para resolver a adversidade do exercício dos direitos e liberdades assegurados pela Constituição. Exemplo disso é que o Supremo Tribunal Federal por muitas vezes reconheceu a mora do Legislativo em editar a lei regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos e isso não se deu na edição do referido objeto legislativo, deixando os destinatários da norma sem oportunidade de exercer o seu direito.

Data vênia, o fato de a Suprema Corte exercer uma função política não quer dizer que o Tribunal violou ou continua a violar o princípio da separação de poderes e a independência e harmonia que deve prevalecer na relação entre os três poderes do Estado.

O que se pode perceber, é que o Poder Judiciário, de uma forma ou de outra, valendo-se da inoperância do Executivo e, em especial, do Legislativo, na implementação dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania tomou postura que sai da seara de simples declaração da mora para ascender à posição de efetivo garantidor das promessas constitucionais, inacabadas e combalidas pelo descumprimento reiterado. 

Ei por bem transcrever, pelo seu grau de importância, alguns trechos do voto do ministro relator Marco Aurélio, nos autos do mandado de injunção de n.º 721, datado de 27/09/2006:

"É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e a harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se mandado de injunção não para lograr-se de certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas consequências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da atuação dos Tribunais do Trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que consoante prevê o § 2º do artigo 114 da constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho". (...).”

Ao dar efeitos concretos ao Mandado de Injunção, a Suprema Corte não agiu de forma contrária ao que prescreve a Constituição Federal, não fez mais do que cumprir com o que está disposto, dando efetividade a um instrumento de proteção previsto para produzir efeitos concretos e não meramente formais, fornecendo ao destinatário a prestação requerida, que outra não seria senão o exercício corpóreo dos direitos e liberdades constitucionais.

Com alguns anos de atraso, foi editada a Lei nº 13.300/2016, que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo. Existindo agora no ordenamento jurídico de maneira formal e não mais de forma analógica.

 

4 A NOVA LEI SOBRE O MANDADO DE INJUNÇÃO

 

No dia 23 de Junho foi sancionada a Lei N. 13.300/2016 pelo Presidente da República em exercício Michel Temer, que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo no que diz respeito ao controle judicial das omissões normativas do poder público e otimiza o processo constitucional, visando dar efeitos concretos aos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, com o fito de formalizar o procedimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos do writ 670, 708 e 712, quando da ausência de norma regulamentadora torne inexecutável o exercício dos direitos constitucionais. É que ficou evidenciado pela Corte a necessidade de uma legislação que determinasse melhor a linha entre as funções jurisdicionais e legislativa a respeito do controle de omissões inconstitucionais.

O mandado de injunção (MI) é instrumento processual instituído especialmente para fiscalizar e corrigir, concretamente, as omissões do Poder Público em editar as normas necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, da Constituição)." Ou seja, trata-se de garantia com o fim de controlar as omissões do poder público que visam à tutela de direitos constitucionais subjetivos cujo exercício fica condicionado pela inércia legislativa.

Entretanto, não havia concretização do direito subjetivo impossibilitado, razão por que o jurisdicionado não era beneficiado. Isso porque o Supremo Tribunal Federal tinha como entendimento inicial a premissa de que os efeitos da decisão prolatada fossem restringidos apenas à certificação de mora da autoridade incumbida de editar a norma regulamentadora ausente, posto que o Poder Judicante não carecia ser fitado como suplente do legislador ou mesmo do administrativo que houvesse se privado de exercer sua competência de regulamentação normativa.

Apenas com o julgamento dos MI 670, 708, 712, foi que o Supremo Tribunal Federal passou a dar novos entendimentos ao remédio constitucional, na medida em que a Suprema Corte de Justiça adotou posição concretista para efetivar o direito de greve dos servidores públicos, graças à aplicação analógica da Lei Geral de Greve (Lei 7.783/1989).

Em resumo, esse é o aperfeiçoamento do entendimento do STF sobre os efeitos da decisão prolatada em sede mandado de injunção. Assim, esse instrumento foi, com o passar dos anos, ganhando novos prismas em razão da construção jurisprudencial, na medida que a nova Lei n. 13.300/2016 aparece para enraizar e aperfeiçoar a eficácia desse writ constitucional, harmonizando-o com o princípio da separação dos poderes.

Durante a formalidade sanção do ato, o Ministro Teori Zavaski ressaltou, em discurso, que:

“A opção de conferir ao mandado de injunção o perfil normativo-concretizador, como faz o STF, importa, em boa medida, atribuir ao Judiciário uma atividade tipicamente legislativa, cujo resultado será uma decisão com especialíssimas características, a saber: (a) uma decisão com natural eficácia prospectiva, ou seja, com efeitos normalmente aptos a se projetar também para o futuro (o que não é comum nas sentenças em geral); (b) uma decisão que, por isso mesmo, fica sujeita, quando necessário, a ajustes em função de supervenientes modificações do estado de fato ou de direito; e, enfim, (c) uma decisão com natural vocação expansiva em relação às situações análogas, efeito esse que, aliás, também decorre e é imposto pelo princípio da isonomia, inerente e inafastável aos atos de natureza normativa.”

Diante do exposto, a Lei n. 13.300/2016 visa promover uma entendimento entre as funções legislativa e jurisdicional, possibilitando que diálogos institucionais tornem-se constantes, no intuito de evitar a omissão legislativa visando a efetivar o direito subjetivo protegido legalmente pelo jurisdicionado.

Apesar de ter trazido pouca inovação se comparada com os últimos precedentes do STF em sede de mandado de injunção, a Lei n. 13.300/2016 tem o fim de assentar, de maneira formal, clara e sistematizada, o que preceitua esse remédio constitucional, não apenas sobre os efeitos de uma possível decisão normativa, mas também com relação aos seus aspectos procedimentais. Além do que, ela avança para a legitimação democrática de decisões normativas do Poder Judiciário, que são constitucionalmente adequadas e essenciais em contextos excepcionais. Por fim, a Lei n. 13.300/2016 tem o fito de sanar uma das maiores omissões do ordenamento jurídico brasileiro, consistente na inexistência de lei sobre o instrumento constitucional de confronto à ausência de norma regulamentadora que impossibilita o exercício de direitos fundamentais.

 

4.1 EFEITOS DO MI SEGUNDO A LEI 13.300/2016

 

Não é de hoje que o assunto “efeitos do mandado de injunção” é tema polêmico, gerando grandes controvérsias quanto a sua aplicação ao caso concreto, tendo a nova lei do mandado de injunção surgido para formalizar aquilo que já vinha sendo aplicado.

Com base doutrinária no artigo do Juiz Federal Amazonense Márcio André Lopes Cavalcante, o mandado de injunção apresenta uma eficácia objetiva e uma subjetiva.

A eficácia objetiva é dividida ainda em corrente não concretista – que é aquela onde o Poder Judiciário, ao julgar procedente o mandado de injunção, deverá apenas comunicar o Poder, órgão, entidade ou autoridade que está sendo omisso – e corrente concretista – onde o Poder Judiciário, ao julgar procedente o mandado de injunção e reconhecer que existe a omissão do Poder Público, deverá editar a norma que está faltando ou determinar que seja aplicada, ao caso concreto, uma já existente para outras situações análogas.

A corrente concretista ainda admite a divisão em corrente concretista direta - o Judiciário deverá implementar uma solução para viabilizar o direito do autor e isso deverá ocorrer imediatamente (diretamente), não sendo necessária nenhuma outra providência, a não ser a publicação do dispositivo da decisão – e corrente concretista intermediária - ao julgar procedente o mandado de injunção, o Judiciário, antes de viabilizar o direito, deverá dar uma oportunidade ao órgão omisso para que este possa elaborar a norma regulamentadora. Assim, a decisão judicial fixa um prazo para que o Poder, órgão, entidade ou autoridade edite a norma que está faltando. Caso esta determinação não seja cumprida no prazo estipulado, aí sim o Poder Judiciário poderá viabilizar o direito, liberdade ou prerrogativa.

E quanto às pessoas atingidas pela decisão ou também chamada de eficácia subjetiva, a posição concretista pode ser fracionada em corrente concretista individual - a solução "criada" pelo Poder Judiciário para sanar a omissão estatal valerá apenas para o autor do MI – e concretista geral - a decisão que o Poder Judiciário der no mandado de injunção terá efeitos erga omnes e valerá para todas as demais pessoas que estiverem na mesma situação.

Atualmente, com a edição da Lei 13.300/2016, a corrente adotada pelo Direito brasileiro é a corrente concretista individual intermediária, como regra. O art. 8° da Lei do Mandado de Injunção autoriza o Judiciário a estabelecer prazo para que seja editada a norma regulamentadora; ainda, fornece as maneiras e condições em que atribuirá o exercício dos direitos, liberdades ou prerrogativas exigidos ou as formas que poderá o lesado intentar ação própria afim de exercê-los, em caso de não suprida a ausência de regulamentação legislativa no prazo proposto.

Quanto a eficácia subjetiva, em regra, o Poder Judiciário adotou a corrente individual. Excepcionalmente, pode-se aplicar a corrente geral conferindo eficácia ultra partes ou erga omnes em sede de decisão quanto aos efeitos do MI.

Dessa forma, o art. 9° pressupõe que a decisão prolatada terá efeitos até a criação da norma de regulamentação, de modo que a função legislativa não é impossibilitada pela edição de uma possível sentença normativa jurisdicional. Ou seja, no mandado de injunção individual, em regra, a decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e no MI coletivo, os efeitos limitam-se às pessoas integrantes da coletividade, do grupo, da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante. No entanto, a Lei nº 13.300/2016 afirma que poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração (art. 9º, § 1º). Essa possibilidade se aplica tanto para o MI individual como para o coletivo (art. 13).

Por fim, o art. 11, afirma que a norma regulamentadora posterior irá produzir efeitos somente ex nunc para os beneficiados por decisão com transito em julgado, por outro lado se a aplicar a norma que foi editada for a mais favorável para o interessado.

 

CONCLUSÃO           

 

O trabalho de curso abordou sobre uma possível violação do princípio da separação de poderes pelo julgado do Supremo Tribunal Federal que deu efeitos concretos ao Mandado de Injunção, decisão a partir da qual o Tribunal passou a suprir, por si, a falta de norma regulamentadora dos direitos e liberdades constitucionais não editada por inércia do Poder Legislativo.

No desenvolvimento do trabalho, que a separação dos poderes ou das funções do Estado, como proposta por Montesquieu, não é uma método pronto que deve sempre ser utilizado para os Estados modernos. A divisão das atribuições entre os poderes depende do texto de cada Carta Constitucional de seu respectivo Estado.

Diante do exposto, pode-se concluir que se a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o Mandado de Injunção é o remédio constitucional para a proteção de direitos e liberdades constitucionais, foi para tornar essa proteção efetiva, concreta. Até porque, ao longos dos anos, o Supremo Tribunal Federal salvaguardou a aplicação da teoria não-concretista, fato que tornou o mandado de injunção um instrumento “inerte”, pois, não propiciava ao impetrante o exercício do direito constitucional até então inviabilizado pela falta de regulamentação infraconstitucional.

Com maior vigor no ano de 2007, a Corte Maior passou a reexaminar sua posição quanto aos efeitos da decisão no mandado de injunção. No entanto, ainda não podemos afirmar que o Supremo Tribunal Federal tenha adotado a teoria concretista individual ou a concretista geral, tendo em vista a adoção das duas em decisões recente.

Com isso, a atual interpretação da Suprema Corte de Justiça sobre os efeitos do Mandado de Injunção veio no intuito de dar concreção a esse instrumento, o que apenas poderia se fazer através da assunção de funções políticas pelo Judiciário.

Sendo o exercício de uma atribuição acima de tudo política, que é ligada a outro poder Estatal, entretanto, não significa uma violação ao princípio da separação de poderes. Ao inverso, podemos afirmar que essa admissão de função política pelo Judiciário está dentro dos contornos que a Constituição Federal quis dar ao referido princípio.

O constituinte originário teve a intenção de que o Judiciário desse materialidade aos direitos e liberdades constitucionais, regulamentando-os quando, acionado a tal, constatar a inércia legislativa. Podemos imaginar, inclusive, que o exercício desse objeto de proteção é um exemplo dos controles mútuos entre os poderes, a que se convencionou chamar de sistema de freios e contra-freios ou “checks and balances”.

Portanto, de forma alguma, o poder judiciário agiu com a intenção de interferir no campo de atuação do legislativo. Ao dar efeitos concretos ao mandado de injunção, agiu embasado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXI, que previu que este é o remédio constitucional adequado para proteger o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, assim como as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando ameaçados pela falta de uma norma regulamentadora.

Por fim, a lei 13.300/16 filiou-se tese da teoria concretista direta, estabelecendo que a decisão terá, em regra, eficácia inter partes. Porém, poderá ser conferida eficácia erga omnes à decisão, quando isso for indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional. No mandado de injunção coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade, do grupo, da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante.

Surge, a Lei 13.300/2016, instrumento de efetividade das normas constitucionais de eficácia limitada, seja de estruturação ou programática. Além disso, possibilita ao cidadão o exercício pleno de direitos obstaculizados pela inércia do Poder Legislativo até que este se manifeste.

Em sua grande parte, senão todos esses dispositivos disciplinam o efeito concretista do mandado de injunção, resolvendo de maneira racional a convivência entre as funções típicas do Poder Legislativo e do Poder Judiciário referentes as omissões inconstitucionais.

  • Mandado de Injunção
  • Principio da Separação de Poderes

Referências

 

 

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http://www.dizerodireito.com.br/2016/06/primeiros-comentarios-lei-133002016 lei.html - Márcio André Lopes Cavalcante - Professor. Juiz Federal. Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.


Advocacia Scoty Diniz

Advogado - Manaus, AM


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