Corrupção: recrudescer a punição não é a melhor medida


30/01/2019 às 18h56
Por Advocacia Fabiana Domingos

A Constituição Federal de 1988 positivou o Estado Democrático de Direito com um teor bem mais abrangente que apenas difundir uma democracia, mas sim atuar como um Estado promotor da justiça social. Nas palavras de José Afonso da Silva, a Carta Magna “abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais (…) e possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.”[1]

 

Sendo a dignidade da pessoa humana direito fundamental atinente aos Direitos Humanos, não se deve imprimir conduta que os viole, nem os coloque em risco. Nesse sentido, a utilização de uma forma punitiva que extrapole os limites legais vigentes, não somente fere o princípio da legalidade, mas também dilacera os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

 

A corrupção é um crime bastante peculiar, que transita tanto no âmbito público como no privado de maneira autônoma ou interligada. É um crime que parece haver nascido com a humanidade, sendo intrínseco aos meios que envolvam poder. Entretanto, este delito pode albergar em seu tipo diversas condutas com consequências de gradação muito ampla, não sendo possível imprimir a um crime com tipo tão aberto uma condição única, com penalidade e rigores de crime hediondo.

 

É mister a necessidade de se diferenciar os tipos penais relacionados à corrupção e atribuir penas proporcionais à gravidade da conduta e principalmente a suas consequências. Talvez um ato com consequências mais danosas possa ser classificado como hediondo, entretanto o crime genérico corrupção, sendo considerado hediondo, ultrapassa os limites dos direitos e garantias do cidadão podendo se tornar a aplicação do Direito Penal do Inimigo, o Direito de Terceira Velocidade, aquele em que se pune o indivíduo e não a sua conduta.

 

 Nessa esteira, seguimos a lição de Capano que discorre quanto a persecução penal dos envolvidos em casos de corrupção:

“inclusive os (crimes) com extensa cobertura jornalística, trazem à tona a necessidade de aperfeiçoamento da proporcionalidade entre a necessidade de combate às condutas perniciosas e a garantia das dignidades do Homem.”[2]

 

Deve-se punir de acordo com a materialidade do fato, em conformidade comas normas legais, sem se buscar vingadores, com o fito de punir a qualquer custo. Beccaria preconizou a humanização da pena para que esta fosse aplicada nas proporções do crime cometido. Desta feita, não se deve gerar um retrocesso e imprimir ao crime genérico de corrupção a pecha de crime hediondo, com peculiaridades mais severas quanto à persecução penal, esta conduta claramente seria norteada pelo Direito Penal do Inimigo e violação da dignidade humana.

 

Ao se vislumbrar a análise da punição, deve-se buscar como parâmetro primordial, os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade, além dos Princípios fundamentais do Direito Penal, afastando a característica de vingança social.

 

Levando-se em consideração os índices de corrupção medidos em diversos países, nota-se que onde há maior transparência quanto às informações, oferecendo à sociedade maior esclarecimento em relação às políticas públicas e verbas utilizadas, há índices mais baixos de corrupção, no entanto não é apenas a informação que diferencia estas sociedades e sim a cultura e principalmente a educação. Existe um senso de ética mais consolidado, sendo algo inerente ao seu legado, o que não erradica totalmente a corrupção, mas a torna menos frequente.

 

Na busca de um deslinde da ocorrência de atos corruptos e a luta por sua erradicação, deveria o Estado, valer-se da prevenção através da educação da população por meio de programas específicos, desde a infância, com vista à construção de uma geração com espírito mais ético, justo e solidário.

 

Foi assim na Itália, após a luta contra a máfia e a corrupção, com a “Operação mãos limpas”. O Ministério da Educação italiano instituiu programas de ensino nas escolas abordando temas relacionados à legalidade e à cidadania, com a finalidade de ensinar direitos e deveres, regras e leis, o respeito ao direito alheio dentre outros assuntos relacionados a ética, formatando uma base educacional sólida para se evitar a corrupção.

 

Conforme artigo 205 da Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

 

Decanta-se que a Educação, sendo direito subjetivo para o desenvolvimento e exercício da cidadania, caberia ao Estado a preocupação em oferecê-la, justamente no sentido de instruir a sociedade em relação à ética e práticas anticorrupção, uma vez que estas práticas e suas consequências, estão venalmente ligadas ao exercício da cidadania, consciência política e formatação da Dignidade Humana.

 

Uma sociedade alicerçada na ética e cidadania, torna-se bem menos suscetível às práticas de corrupção e à aceitação deste tipo de conduta, sendo formada por cidadãos mais íntegros e consequentemente menos corruptíveis.

 

Desta forma, reafirma-se a tese de que a educação se mostra muito mais eficaz do que classificar corrupção como crime hediondo. Outrossim, tal procedimento poderia inclusive gerar uma banalização quanto à natureza do crime hediondo, uma vez que o recrudescimento das penas e da persecução penal não apresentaria resultado efetivo na diminuição deste crime, pois não haverá consciência social caso não haja uma base sólida, com firme sustentação na ética, cidadania e educação.

 

 

[1] SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 36ªed, Malheiros, São Paulo, 2013, Pág. 122

 

[2] CAPANO, Evandro, Artigo - As mudanças legislativas e processuais do Direito Penal, Jota, https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-mudancas-legislativas-e-processuais-do-direto-penal-25092015, acesso em 10/01/2018.

 

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Advocacia Fabiana Domingos

Advogado - São Paulo, SP


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