O PAPEL DA FAMÍLIA EM RELAÇÃO À CRIMINALIDADE


28/02/2018 às 06h29
Por Maria G. Portugal

O PAPEL DA FAMÍLIA EM RELAÇÃO À CRIMINALIDADE

 

 

Maria das G. Portugal

 

(Advogada no escritório Portugal & Fernandes Consultoria e Assessoria Jurídica

Administradora de Empresas, especialista em Gestão Estratégica Financeira e Controladoria)

 

 

 

 

RESUMO: A família exerce papel imprescindível no contexto de prevenção e combate à criminalidade. Sua função social fundamenta se na transferência de valores e princípios éticos e morais aos seus descendentes de modo que possam solidificar suas personalidades ao ponto que saibam mensurar e diferenciar o certo e o errado, se determinado ato ou decisão serão ilícitos ou não e quais os reflexos que sua prática irá gerar no meio social. A família é base essencial no processo de formação de qualquer pessoa.

Palavras chaves: Família, Criminalidade e Transferência de Valores.

 

 

 

 

Introdução

 

 

             A sociedade atual é demarcada pelo aumento do índice de criminalidade, infelizmente a prática de condutas antissociais têm se espargido de modo muito célere, onde a própria Intervenção do Estado se mostra impotente.

            Todas as pessoas são suscetíveis à prática de determinado delito, existe a influência do próprio meio onde vivem e oriundo dos mais diversos fatores, como o crescimento populacional, desigualdades sociais, alcoolismo, consumo de substâncias entorpecentes, consumismo desenfreado, violência disseminadas pela mídia, fatores psicológicos, dentre outros.

            No entanto, todos estes fatores estão acoplados a uma crise de cunho estrutural na sociedade; a base está na família. Neste aspecto emerge a importância da competência educativa dos pais.

            Conforme elenca Calhau (2005), a família é uma peça fundamental nesse intricado problema. Uma família desestruturada pode gerar adultos problemáticos para enfrentar a complexidade da convivência social, aproximando-os das drogas e do alcoolismo desenfreado, o que possibilita o aparecimento de oportunidades para a prática de delitos.

            Assim, é impreterível questionar o papel da família no combate à diminuição e prevenção da criminalidade no âmbito social.

 

A Relação Criminalidade e a Família

 

           O crime é a infração da lei penal, seu pressuposto é a legislação vigente, criada anteriormente, com o intuito de estabelecer a ordem social. Assim, segundo Segre, (2006, p.30) essa ordem obriga cada uma das células sociais (indivíduos) a agirem ou deixarem de agir no sentido de se preservar um tecido social (comunidade) dentro de padrões que lhe permitam a continuidade em condições, tanto quanto, possível de segurança.

            Igualmente, Segre (2006, p.38) assevera a relação da criminalidade com dois tipos de influências: a decorrente de fatores pessoais sejam eles constitucionais ou introjetados, e a resultante de fatores ambientais, neles incluindo se o meio sociocultural em que a pessoa se encontra e a própria atuação do ecossistema sobre o individuo.

            É impreterível buscar analisar a estirpe de todos os delitos na natureza humana, das tendências congênitas do homem, em decorrência das quais todos podem cometer algum ato ilícito, se não fosse pela educação e pelas sanções impostas pelo Estado.

            De acordo com Beccaria, há delitos que tendem diretamente à destruição da sociedade ou daqueles que a representam. Outros afetam o cidadão em sua existência, em seus bens ou em sua hora. Outros, por fim, são atos contrários, ao que a lei determina ou proíbe, tendo em mira o bem público.

            Assim cabe a sociedade, a prática das regras e normas de condutas de convívio social e moral e ao Estado intervir de modo efetivo com a imposição de normas de regulamentação desse convívio social.           

            Segundo Beccaria, é preterível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-lo de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência. Mas os processos utilizados se mostram insuficientes e contrários à finalidade que se almeja, uma sociedade pacífica.

            Dentro desse contexto, pode-se afirmar que existe uma relação intima sobre a criminalidade e a base educacional oriunda da família.

            Assim, as transformações estruturais são notadas pelo acervo de ações iniciando com a publicação do movimento e culminando com o concretizar. Atualmente, a maioria dos índices de criminalidade analisados na sociedade pode se observar a predominância de uma grande participação de jovens, em sua maioria de origem de famílias desestruturadas.

          Todas estas mudanças se deparam com as questões econômicas, e sociais. Quanto ao fator econômico, o aumento ou não do consumo, varia de acordo com seu nível de estabilidade. Atualmente, as pessoas consomem bens diversificados e em maior número. E como a sociedade é capitalista, é inevitável conter este consumo, a fixação e a inovação de produtos, serviços crescem dia a dia de modo eloquente, a necessidade tem dado lugar ao desejo incessante de adquirir determinado bem, simplesmente pelo fato de “ter”. Em contrapartida estes fatos são diretamente refletidos no contexto social, colaborando acirradamente para o aumento dos índices de desigualdades sociais, juntamente com a falta de políticas efetivas na sociedade de um modo geral.

          Segundo López, (2007, p.93) o indivíduo ao nascer contem em si todas as tendências delitivas, posto que trate de satisfazer suas necessidades vitais sem ter em conta para nada o prejuízo que isto possa ocasionar no meio que lhe rodeia. Somente a lenta e penosa ação coercitiva da educação irá ensinar que sua conduta tem de resultar sempre de um compromisso, de uma transação entre a satisfação de suas necessidades e a dos demais.

          A educação, a saúde, a segurança não são apenas direitos resguardados na Constituição Federal de 1988, devem dispor de políticas realmente efetivas, tendo em vista que a violência cresce gradativamente, diante da ineficiência desses setores.

         Os diversos sistemas sociais estão interligados entre si, as alterações são refletidas em todos. Cada sistema compreende um conjunto integrado de funções.

Linton, (1968, p.426), afirma que a função de um complexo é a soma total de suas contribuições para perpetuar a configuração social-cultural. Esta função é normalmente um composto, que pode ser analisado em certo número de funções, cada uma das quais está relacionada à satisfação de uma determinada necessidade.

         O contexto social, insere se o papel da família, como base imprescindível na formação de um indivíduo. Sua função primordial é estabelecer princípios educacionais sustentáveis, de modo que a instituição familiar possa efetivamente transmitir valores sociais, fundamenta em um convívio de afeto e ampla interação entre pais e filhos, e principalmente através da imposição de limites, para que estas crianças possam crescer com referências morais e éticas.

        É evidente que a família influencia o desenvolvimento de seus descendentes, se o poder familiar expõe um comportamento condizente com as normas sociais vigentes a tendência é que a criança vai se primar inicialmente no exemplo que tem em sua própria casa. Da mesma forma, se a família, transmitir um convívio desajustado, essa mesma criança tende a construir uma base desestruturada em sua vida futura.

      É impreterível, ressaltar a importância da aptidão educativa da família, assim seus alicerces devem transcender o âmbito jurídico, suas ideologias precisam incessantemente estar conectadas as relações afetivas.

      Deste modo, a responsabilidade pelo aumento da criminalidade em nossa sociedade vai além da competência do Estado, a mesma está atrelada ao convívio familiar.

      Segundo, Souza, (2012) o Estado deve assumir suas responsabilidades previstas na constituição Federal de 1988 e nas leis, como, por exemplo, no Estatuto da Criança e do Adolescente para se evitar a prática de delitos.

       Dispõe ainda na Constituição Federal de 1988 em seu art. 227:

 

                                          É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à                                            alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além                                            de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

         Assim, Castro, (2009, p.292) considera que a criminalidade pode associar se a fatores tanto psicológicos quanto sociais, no entanto suas consequências se configuram no social.

          Independentemente se a criminalidade está atrelada aos fatores sociais ou psicológicos ou não, a base familiar dos indivíduos são peças essências que irão servir de elementos para que o mesmo mensure se determinado ato fere ou não seus valores e quais os reflexos sua prática terão na sociedade. O bem e o mal, o certo ou errado estão na verdade embutidos na personalidade que o individuo adquire em seu processo de formação quando ainda criança. E se estes conceitos foram formados de modo concreto, certamente a pessoas terá uma fonte de princípios e valores condizentes com as normas sociais, no momento de decidir entre a prática de um ato lícito ou ilícito no meio social onde está inserido.

 

CONCLUSÃO

 

            Existem incessantes questionamentos acerca da criminalidade, porém, é impreterível ressaltar, que a solução deste problema não se concentra simples e puramente no ato de repressão, o que é visivelmente inoperante no atual contexto social o qual estamos inseridos.

            A problemática vai além desta conjuntura que a sociedade e o Estado insistem ser a solução. É mais conveniente “fechar os olhos” para a realidade e se ater a pragmatismos. A essência da sociedade atual é o imediatismo, a superficialidade, o momentâneo; infelizmente tudo que se relaciona ao que é de fato verdadeiro concreto e essencial ficou em segundo plano. A origem do problema exposto é de cunho educacional, responsabilidade inerente à família.

             A família é o cerne das relações sociais e agente de socialização, onde se constrói e desenvolve o individuo, através da transmissão dos valores essenciais primados na ética, na moral, no caráter e intelecto, sendo o liame entre as necessidades intrínsecas ao ser humano e as normas de convívio social.

            Os pais são fundamentais no processo de formação de um individuo, eles são o marco de referência para os filhos. Neste contexto se insere a importância da afinidade familiar firmada no afeto, na prática de imposição de limites e de uma participação realmente efetiva dos pais no que se refere à responsabilidade de formar indivíduos capazes de respeitar as normas de convívio social.

            Conclui se, que o papel da família e a criminalidade estão intimamente ligados. Uma família que preserva seus valores e princípios e os transmite aos seus descendentes independentemente de suas condições econômicas, a possibilidade de um de seus membros aderirem à criminalidade é ínfima, pois seus valores estão enraizados em sua personalidade, e certamente estes valores, transcendem a influência para a prática de delitos.

            Em suma, é inútil querer transferir o ônus de responsabilidade única e exclusivamente ao Estado e a sociedade, o encargo de formação de um individuo é particularidade da família. Cabe ao Estado dar subsídios para contribuir com as responsabilidades da família. Porém, é primordial elucidar que valores morais, éticos e caráter não dependem de leis, políticas, ou valores econômicos para serem ensinados ao indivíduo. Para disseminar estes valores basta simplesmente que a família cumpra o seu papel na sociedade: educar seus descendentes.


 

 

 

 

 

  • Maria das G. Portugal (Advogada no escritório P

Referências

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Texto Integral. Trad. Torrieri Guimarães. 6ª ed. Col. Obra Prima de Cada Autor. São Paulo - Martin Claret Ltda., 2000.

BRASIL, Constituição (1988).  Constituição Federal da República Federativa do Brasil.

CALHAU, Lélio Braga. Redução da Criminalidade Depende da Ajuda da Família.

Disponível em: http://www.conjur.com.br. Acessado em: 20/08/2012.

CASTRO, Celso A. Pinheiro de. Sociologia do Direito: Fundamentos da Sociologia Geral: sociologia aplicada ao direito. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

LINTON, Ralph. O Homem: uma introdução à antropologia. São Paulo: Martins, 1968, p. 426.

LÓPEZ, Emílo Mira Y. Manual de Psicologia Jurídica. São Paulo: Minelli, 2007.

SEGRE, Marco, tal. Saúde Mental, Crime e Justiça. 2ªed.  São Paulo: editora Universidade de São Paulo, 2006.

SOUZA, Manuel Messias de. Por que as pessoas praticam crimes no Brasil? De Quem é a culpa? Uma reflexão crítica. Revista: Prática Jurídica. Ano Xl – nº 121, Consulex. 30/abr/2012.

 


Maria G. Portugal

Advogado - Alfenas, MG


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