INTRODUÇÃO
A questão da violência contra a mulher em qualquer fase da vida e em qualquer lugar do mundo é tema de estudo recorrente em várias áreas do conhecimento. A cada dia novas teorias são reveladas e discutidas, novos conceitos aparecem, mas a violência contra a mulher permanece.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu artigo 3° que “todo indivíduo tem o direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa” e em seu artigo 5° que “ninguém será submetido a torturas nem a penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.[1] Dessa forma, não se admite que tantas mulheres tenham seus direitos violados sendo agredidas, humilhadas e passem por situações constrangedoras nas instituições de saúde brasileiras.
Este breve artigo tem o objetivo de abordar algumas das formas com que as mulheres são tratadas nestes espaços de atenção à saúde quando se sentem vulneráveis e desprotegidas, por desconhecer o que estar por vir no processo de parturição e como o dever informacional pode contribuir para a prevenção da violência obstétrica.
1.Da violência obstétrica
A definição de violência segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) se refere à imposição de uma pessoa a um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis. Enquanto, a violência contra a mulher, abarca não somente a violência física, mas a sexual e psicológica também. Conforme discutido na Convenção de Belém do Pará, "[...] inclui qualquer ato ou conduta baseada no gênero, causando morte, dano ou sofrimento de ordem física, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada".[2]
A Venezuela foi o primeiro país latino-americano a adotar a expressão “violência obstétrica” em uma lei de 2007, a Ley orgánica sobre el derecho de las mujeres a una vida libre de violência, advinda de reivindicações de parte do movimento feminista local e do processo de reconhecimento institucional da violência contra a mulher como um problema social, político e público.[3]
A violência institucional obstétrica está relacionada a um tipo de violência praticada pelas equipes de saúde com o consentimento das mulheres durante o trabalho de parto. Estas se submetem a esse tipo de violência por desconhecerem o processo fisiológico do parto, por não serem informadas sobre as melhores práticas de assistência, por temerem pela vida do bebê e pela condição de desigualdade entre médico e paciente ou simplesmente por acreditarem que “é assim mesmo”.[4]
Nesse sentido, a violência obstétrica institucional pode ser identificada nas seguintes formas e situações: peregrinação por diversos serviços até receber atendimento; falta de escuta e tempo; frieza, rispidez, falta de atenção, negligência e maus-tratos dos profissionais com os usuários, motivados por discriminação, devido à idade, orientação sexual, deficiência física, gênero, racismo, doença mental; violação dos direitos reprodutivos, aceleração do parto para liberar leitos, preconceitos em relação às mulheres soropositivas quando grávidas; desqualificação do saber prático, da experiência de vida de cada uma, diante do saber científico.[5]
De acordo com D’Oliveira, Diniz e Schraiber,[6] a violência contra as mulheres nas instituições de saúde se subdividem sob quatro aspectos: negligência (omissão do atendimento), violência psicológica (tratamento hostil, ameaças, gritos e humilhação intencional), violência física (negar o alívio da dor quando há indicação técnica) e violência sexual (assédio sexual e estupro).
No cotidiano dos serviços de saúde, usuárias e profissionais não associam suas práticas como maus-tratos ou violência na assistência ao parto. Em pesquisa realizada por Aguiar [7], as gestantes e os profissionais de saúde consideram essas práticas como rotineiras ou como resposta dos profissionais às parturientes que demandam uma maior atenção às suas queixas. Os profissionais entrevistados, relacionam a violência à uma agressão física ou sexual, mas não com suas práticas diárias.
2. O dever de informação em obstetrícia
O direito à informação está previsto no art. 5, inciso XIV, da Constituição Federal como um direito fundamental. Compreende o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado.[8]
O direito de informar consiste na liberdade de transmitir informações a outrem, sem qualquer impedimento pelo Poder Público, pois a todos é concedido o direito à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, sem qualquer restrição, observado o disposto na Constituição.
Já o direito de se informar consiste no direito de todos ao acesso à informação. Portanto, é possível exigir a informação de quem a detém, desde que sejam respeitadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Por fim, o direito de ser informado nasce, sempre, do dever que alguém tem de informar.
Conforme França,[9] o dever de informação se refere a todos os esclarecimentos considerados incondicionais e obrigatórios, tais como: necessidade de determinadas condutas e intervenções, seus riscos e consequências, sendo requisito prévio para o consentimento. Dessa forma, o chamado “consentimento livre e esclarecido” não pode ser entendido como apenas mais uma regra para atividade do médico, mas como, a operacionalização do princípio da autonomia e da beneficência, estando dentro de um contexto de uma questão político-social própria das sociedades organizadas que primam pelo bem comum.
No campo da obstetrícia um documento ainda pouco utilizado, mas que pode auxiliar a dirimir maus entendimentos e más práticas durante o atendimento da parturiente, é o Plano de Parto. Tal documento pode ser realizado pela própria gestante com a ajuda de familiares, doulas, enfermeiras e pelo próprio médico que atende as consultas do pré-natal. Consiste na descrição dos desejos da mulher a respeito da assistência médica e hospitalar e dos procedimentos a serem realizados durante o pré-parto, parto, puerpério e nos cuidados com o recém-nascido. Na impossibilidade da sua realização, quais os procedimentos podem ser substituídos e quais não devem ser feitos sob hipótese alguma. Tais questões quando trabalhadas durante a gestação se torna uma ferramenta útil no confronto da violência obstétrica.
O Código de Ética Médica[10] em seu capítulo V, artigo 34 reforça tal dever, vedando ao médico:
“Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal”.
Em atenção ao princípio da autonomia, todo indivíduo tem o direito de ser autor do seu próprio destino, e uma vez que a gestante tem o conhecimento a respeito dos procedimentos que serão realizados durante e após o parto, compreendendo sua necessidade, benefícios ou prejuízos, se torna apta a consenti-los ou não, por meio de documento escrito e com sua assinatura, o chamado Consentimento Informado.
Conforme descrito no capítulo IV, art. 22 do Código de Ética Médica[11], é vedado ao médico deixar de obter o consentimento informado do paciente ou representante legal, e em seu art.24, trata do direito do paciente de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, sem que o médico exerça sua autoridade para limitá-lo.
A falta do dever de informar em obstetrícia reside no fato de muitas vezes o médico não prestar as devidas informações à gestante antes, durante e no pós-parto, sobre os procedimentos que serão realizados e suas consequências. Além de não oferecerem opção à mulher que por força da rotina do estabelecimento e do próprio processo de trabalho, só ficam sabendo que determinado procedimento será feito no momento da sua realização.
São inúmeras as vezes em que a mulher é surpreendida sem que tenha tempo de pensar se deseja ou não ser submetida a determinados procedimentos e qual sua real necessidade. Um exemplo decorre do procedimento de episiotomia, o qual é uma prática desnecessária segundo dados da OMS, por não trazer benefícios à mulher.
No entanto, é procedimento utilizado de rotina e geralmente sem o devido consentimento da parturiente, pois esta só é avisada da ocorrência do procedimento no momento da realização do ato, algumas vezes seguido da justificativa de que a sutura cirúrgica promove melhor cicatrização que a laceração, que na maioria das vezes nem ocorre, afinal, pessoa sempre nasceram mesmo antes do obstetra e da episiotomia.
Dessa forma, tal prática fere o princípio da dignidade humana, causa um dano à integridade física da mulher, que terá um pós-parto doloroso e com maior risco de infecção.
3.Considerações Finais
Com o protagonismo e a autonomia da mulher consolidada no que diz respeito ao seu corpo e sua intimidade, qualquer profissional interessado em prestar um atendimento de qualidade à mulher, bem como aos familiares que a acompanham, terão reduzidas as chances de envolvimento em episódios de violência obstétrica se estiverem atentos às oportunidades de diálogo e troca de informações durante os atendimentos.
As mudanças nas práticas assistenciais vigentes devem ser direcionadas para a redução e consequente eliminação das intervenções desnecessárias e rotineiras no contexto da atenção à saúde da mulher no ciclo gravídico-puerperal. No entanto, tais mudanças devem começar, sobretudo, na formação do profissional médico, participante indispensável na assistência obstétrica no modelo vigente no Brasil, pois é a formação o momento em que os futuros profissionais devem aprender que o lugar ocupado pela medicina hoje, difere sobremaneira, da medicina de anos atrás, quando a informação era restrita somente aos profissionais da área.
Outro ponto que pode auxiliar a dirimir maus entendimentos e más práticas durante o atendimento da parturiente, reside no Plano de Parto, documento realizado pela própria gestante com a ajuda de doulas, enfermeiras e pelo próprio médico que atende as consultas do pré-natal.
Apesar de o termo humanizar e seus derivados terem adquirido sentidos diversos, o movimento feminista, trouxe o sentido da humanização com o significado de uma atenção que reconhece os direitos fundamentais de mães e bebês, além do direito à tecnologia adequada baseada nas evidências científicas, o direito à informação proveniente dos médicos e profissionais de saúde que atendem essa mulher tem significativa importância para dirimir casos de violência obstétrica trazendo segurança jurídica aos profissionais que se preocupam verdadeiramente com suas pacientes.