SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.. 4
1. DO INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 6
2. DO CASO MABE.. 8
4. DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.. 10
5. DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.. 14
6. DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES.. 18
7. DO FRACASSO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EMPRESA E DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA...................................................................19
CONCLUSÃO..........................................................................................21
REFERÊNCIAS.......................................................................................22
INTRODUÇÃO
A ideia de empresa geradora de lucro a qualquer custo ficou no passado. A empresa dos tempos hodiernos tem papel fundamental para a sociedade, vez que esta representa um conjunto de fenômenos econômicos e sociais.
Neste sentido, o instituto jurídico da Recuperação Judicial surgiu para conceder às empresas em crise uma oportunidade de recuperação em virtude de sua importância social como geradora de empregos, pagadora de tributos, responsável pela produção de bens de consumo.
A Lei de n° 11.101/2005 disciplina o instituto da Recuperação Judicial, cujo objetivo principal é a reestruturação das empresas que estão em crise através da intervenção estatal, de modo a evitar a decretação da quebra. Este instituto foi criado em decorrência da incapacidade da antiga concordata em dar à boa empresa em crise capacidade para se reestabelecer.
Pode-se afirmar que a referida lei se propõe a, através de medidas judiciais, àquelas empresas que preenchem determinados requisitos, sanear a crise econômico-financeira e patrimonial, de modo a preservar os postos de trabalho, e num âmbito geral, cumprir sua função social.
Foi realizado um estudo de caso referente à empresa Mabe Brasil Eletrodomésticos LTDA, a qual tinha como principal atividade a fabricação de fogões, fornos, estufas, refrigeradores, lavadoras e secadoras das marcas GE, Dako e Continental. Suas atividades fabris estavam localizadas em Campinas, Itu e Hortolândia.
A empresa sofreu com a crise econômica mundial de 2008, período em que as empresas de praticamente todos os setores da economia tiveram dificuldades em obter financiamentos em prazos e custos razoáveis e compatíveis com seu ciclo produtivo.
Não obstante as medidas preventivas adotadas pelo sistema bancário nacional para contenção da crise no sistema financeiro nacional e as políticas governamentais de incentivos fiscais, a indústria brasileira sofreu recuo na produção ano após ano.
Devido a grave crise enfrentada pela empresa em comento, em maio de 2013, a Mabe Brasil Eletrodomésticos LTDA ingressou com pedido de Recuperação Judicial, objetivando a reestruturação de seu endividamento que se intensificou neste mesmo ano.
1. DO INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A Constituição Federal do Brasil positivou a função social da empresa em seu Art. 5°, inciso XXIII, ao afirmar que “a propriedade atenderá a sua função social”. Insere-se em propriedade o conceito de empresa em razão de sua importância para a sociedade e a concretização da atividade econômica.
A empresa dos tempos hodiernos não deve buscar o lucro a todo custo, de modo que é fundamental o respeito ao meio ambiente, as leis, os preceitos fundamentais da Constituição Federal, as obrigações tributárias e trabalhistas.
A falência da empresa, na maioria das vezes, é prejudicial ao Estado, sobretudo por esta ser geradora de renda, de empregos, pagadora de tributos, produtora de bens e serviços. É nesse sentido que surge o instituto da recuperação judicial, em substituição a antiga concordata. A importância da empresa para a sociedade faz com que o Estado interfira na administração da empresa em crise para tentar salvá-la da falência.
Diversos são os mecanismos utilizados pelos países para o saneamento da crise econômico-financeira e patrimonial e consequente preservação das empresas. Há quem prefira meios preventivos, como o modelo da França, outros pela reorganização da atividade falida, como o modelo alemão. O Brasil adotou a Recuperação Judicial e a homologação da Recuperação Extrajudicial.
A Lei de Falências e Recuperação Judicial define em seu art. 47 o instituto da recuperação judicial, in verbis:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Neste sentido, afirma Fábio Ulhoa Coelho que quando as estruturas do sistema econômico não funcionam convenientemente, a solução de mercado não ocorre. Neste caso, o estado deve intervir, por meio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da empresa (dos empregados, consumidores, fisco, comunidade etc.)[1].
Este instituto deve ser utilizado apenas quando houver viabilidade econômica, uma vez que se trata de mecanismo custoso, de modo que todo um aparato de advogados, administradores, contabilistas é movido para buscar uma solução para a crise da empresa. Inexistindo a viabilidade da empresa, o pedido de recuperação judicial deverá ser negado, devendo esta buscar outros mecanismos para sair da crise, não havendo, será decretada a falência.
A Lei de n° 11.101/2005 elenca em seu art. 48, os requisitos que devem ser cumpridos pela empresa para um possível pedido de recuperação judicial. Deverá, pois, a empresa exercer regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e também:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
A Recuperação Judicial é, portanto, um instituto jurídico voltado para a reestruturação das empresas viáveis economicamente que se encontram em crise. A função social da empresa e o princípio da preservação da empresa são norteadores deste instituto cujo escopo principal é a manutenção dos empregos, o adimplemento junto aos credores, a manutenção da produção.
2. DO CASO MABE
A Mabe do Brasil iniciou suas atividades neste país com a fusão da GE Dako e da CCE no ano de 2003. Sua principal atividade era a fabricação de fogões, fornos, cooktops, estufas, refrigeradores, lavadoras e secadoras.
Suas fábricas localizavam-se em Campinas, Itu e Hortolândia e contavam com mais de quatro mil empregados diretos que produziam eletrodomésticos das marcas GE, Dako e Continental.
No ano de 2008, a Mabe do Brasil comprou a BSH Continental Eletrodomésticos Ltda e se tornou proprietária das marcas BOSH e Continental, de modo que em alguns anos, tornou-se líder nacional no mercado de eletrodomésticos.
A Mabe do Brasil era uma empresa que investia em tecnologias, procedimentos e produtos que garantiam o desenvolvimento de forma sustentável, de modo que sempre buscou oferecer soluções que reafirmavam seu compromisso com a sociedade e a construção de um meio ambiente saudável. Ademais, todos os efluentes gerados no processo fabril eram reciclados por meio de unidades de tratamento.
A Mabe realizava projetos em parceria com escolas da região de Campinas e Itu, onde conscientizava os alunos da importância da preservação do meio ambiente.
Neste sentido, verifica-se que a Mabe do Brasil era uma empresa de importância nacional, seja em virtude da produção de bens de consumo fundamentais para a população, seja pela existência de quatro mil colaboradores diretos.
A crise na empresa se iniciou com a crise mundial de 2008, período em que empresas de praticamente todos os setores da economia tiveram dificuldades em obter financiamentos em prazos e custos razoáveis e compatíveis com seu ciclo produtivo.
Não obstante as medidas preventivas adotadas pelo sistema bancário nacional para contenção da crise no sistema financeiro nacional e as políticas governamentais de incentivos fiscais, a indústria brasileira sofreu recuo na produção.
No ano de 2013, houve uma intensificação dos problemas de geração de fluxo de caixa, ainda decorrentes da crise mundial financeira de 2008. A empresa sofreu ainda com a inflação e com câmbio desfavorável, bem como com a decadente demanda dos produtos e novações das dívidas com os clientes varejistas.
Na busca da contenção de gastos, em virtude das dificuldades financeiras da Mabe do Brasil, houve o fechamento da unidade fabril localizada em Itu, bem como houve um enfoque nas unidades fabris de Campinas e de Hortolândia.
Neste mesmo ano, em Maio, a Mabe do Brasil ingressou com o pedido de Recuperação Judicial, objetivando a reestruturação do seu endividamento.
3. DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
É sabido que não são todas as empresas que são passíveis de recuperação judicial. O custo da recuperação judicial é grande, em virtude do aparato de profissionais movido para consecução do objetivo que é a retirada da empresa da situação de crise em que ela se encontra. Ademais, sabe-se que o ônus da recuperação judicial não recai apenas sobre os credores da empresa em recuperação, mas para toda a sociedade que arcará com o repasse dos riscos dos serviços prestados pelos agentes econômicos.
Apenas as empresas viáveis devem se beneficiar do instituto jurídico da recuperação judicial. A empresa deve se mostrar em condições de retribuir o benefício que recebeu.
O judiciário, ao receber o pedido de recuperação judicial, deverá efetuar uma análise acerca da viabilidade da empresa, verificando os seguintes requisitos:
1- Importância social: a empresa deverá possuir uma importância para a economia local, regional ou nacional;
2- Volume do ativo e passivo;
3- Mão de obra e tecnologia empregadas;
4- Idade da empresa;
5- Porte econômico.
No dia 07 de maio de 2013, a 2ª Vara do foro Distrital de Hortolândia deferiu o
Processamento do pedido de recuperação judicial, vez que restaram presentes o critério da crise econômico-financeira, bem como os requisitos legais previstos nos artigos 48 e 51 da Lei de nº 11.101/2005.
Ainda na decisão de processamento do pedido de recuperação judicial, o juízo nomeou a administradora judicial, já solicitando informações acerca da situação da empresa no prazo de 10 dias.
Determinou-se ainda a suspensão de todas as ações ou execuções contra a empresa devedora, de modo que deveriam permanecer os respectivos autos no juízo onde se processam, com ressalva das ações previstas nos §§ 1°, 2° e 7º do art. 6º da Lei 11.101/2005.
Determinou-se, também, a expedição de cartas de comunicação às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que a devedora possuir estabelecimentos.
Advertiu ainda que a não apresentação do plano de recuperação judicial no prazo de 60 dias, em conformidade com o art. 55 da Lei 11.101/2005, a empresa sofreria a pena de convolação do presente processo em falência.
Deferido o processamento, o Banco do Brasil S/A peticionou requerendo o declínio da competência para a Vara de Falências e Recuperação Judiciais da capital do Estado, em virtude do que preceitua o art. 3° da Lei de Recuperações de Empresas e Falências, a saber, “o foro competente para o processamento do pedido de recuperação judicial é o do local do principal estabelecimento do devedor”. Deste modo, afirmou que o principal estabelecimento comercial da recuperanda localizava-se na cidade de São Paulo.
O sindicato dos trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico de Campinas, Americana, Indaiatuba, Monte Mór, Nova Odessa, Paulínia, Sumaré, Valinhos e Hortolândia, peticionou requerendo acesso aos autos, em virtude da repercussão no processo de recuperação judicial nas relações laborais.
O pedido do sindicato foi indeferido pelo juízo, fundamentando a magistrada no fato do sindicato não possuir legitimidade para compor o polo passivo da demanda. Designou ainda audiência com o intuito de esclarecer os objetivos da recuperação judicial e o seu funcionamento, tendo em vista que estaria havendo restrição de acesso de funcionários à empresa, bem como a liberação de mercadorias.
Verificou-se ainda que os ex-funcionários, cujos créditos foram suspensos em virtude do processamento da recuperação judicial, amparados pelo sindicato da categoria, estavam obstando o acesso da recuperanda a sua unidade fabril que foi encerrada em Itu, de modo que estaria prejudicando as atividades da empresa, visto que ainda havia matéria prima, produtos, maquinário no local.
O pleito do Banco de Brasil de deslocamento de competência não foi acolhido. Fundamentou a MM magistrada que o estabelecimento comercial principal da empresa localizava-se em Hortolândia, onde estavam situadas a administração, departamentos, e contabilidade, além da principal linha de produção.
No dia 22 de maio de 2013, a empresa solicitou ao juízo autorização para a alienação de maquinário que se encontrava parado da unidade fabril de Itu, de modo a gerar fluxo de caixa e capital de giro, essencial para a manutenção da atividade produtiva. Sabe-se que a Lei 11.101/2005 elenca alguns mecanismos utilizados pela empresa para consecução do objetivo da recuperação judicial. In verbis:
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:
XI – venda parcial dos bens;
O juízo solicitou, então, que o perito contador nomeado, juntamente com o oficial de justiça e o preposto da recuperanda, fosse no estabelecimento localizado em Itu, afim de verificar se os bens elencados, seriam, de fato, equipamentos em desuso e que a alienação não prejudicaria a produção.
Determinou, ainda, a abstenção das empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, água e esgoto, gás, correios, telefonia fixa e móvel a cortar o fornecimento, tendo em vista que, deferido o processamento da recuperação judicial, todos os créditos devidos até a data da decisão judicial, estão sujeitos a este procedimento. Esta é a interpretação que se pode extrair do art. 49 da Lei de n° 11.101/2005, de modo que os tribunais tem assim entendido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DESCABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 49 DA LEI Nº 11.101/2005. 1. A parte agravante se insurgiu contra a decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada, determinando que a concessionária se abstenha de efetuar o corte no fornecimento de energia elétrica, enquanto perdurar o processo de recuperação judicial. 2.O princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47 da Lei 11.101/2005, dispõe que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação daquela, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 3.Ressalte-se que o corte no fornecimento de energia elétrica inviabilizaria a atividade da empresa, impossibilitando que a referida sociedade comercial cumpra a sua função social, causando prejuízo e lesão a toda a cadeia de fornecedores, funcionários, fisco e credores, os quais não terão seus créditos satisfeitos. 4.O objeto do presente recurso está consubstanciado na possibilidade do crédito atinente prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica estar ou não sujeito aos efeitos do da recuperação, nos termos do artigo 49, caput, da Lei 11.101/2005. 5.Portanto, levando em consideração o fato de o crédito em questão não estar arrolado dentre as exceções de sujeição à recuperação judicial previstas nos parágrafos do dispositivo legal precitado, é lícito concluir que os créditos decorrentes do serviço de fornecimento de energia elétrica se submetem ao regime de recuperação judicial da empresa devedora. 6. Ademais, em se tratando o fornecimento de energia elétrica de serviço público indispensável ao funcionamento da empresa, aplica-se ao caso em análise o princípio da continuidade dos serviços públicos, de sorte que aquele não poderá ser interrompido durante o concurso de observação, prazo no qual há a suspensão da exigência de todos os créditos até se operacionalizar a reorganização da empresa recuperanda. Negado provimento ao agravo de instrumento. (Agravo de Instrumento Nº 70056648520, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 26/06/2014)
(TJ-RS - AI: 70056648520 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 26/06/2014, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/07/2014)
4. DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Nas lições de Fábio Ulhoa Coelho, o plano de recuperação judicial é a mais importante peça do processo de recuperação judicial. Tal importância se dá em virtude da dependência exclusiva dele para a concretude dos objetivos deste instituto jurídico que é a preservação da empresa e o cumprimento de sua função social.
A Mabe do Brasil apresentou seu plano de recuperação judicial no dia 12 de julho de 2013, tempestivamente.
O plano de recuperação judicial deverá ser apresentado no prazo de 60 dias, contados do deferimento do processamento da recuperação judicial, sob pena de decretação da falência da empresa. Trata-se do documento que indicará, de maneira minuciosa e fundamentada, os meios utilizados pela sociedade empresária para superar as dificuldades que enfrenta.
Para que haja efetividade nos resultados almejados, o plano de recuperação judicial deve ser adequado aos problemas que a empresa enfrenta, ou seja, o diagnóstico adequado das razões da crise da empresa. Desta forma, o magistrado deverá verificar se o plano de recuperação apresentado é viável para a efetivação do objetivo deste instituto jurídico, evitando o dispêndio de recursos.
O plano de recuperação judicial da Mabe do Brasil foi elaborado em cima de quatro premissas, a saber:
I- Redução de custos fixos e variáveis e dos níveis de produção pela Mabe;
II- Alienação e bens do ativo permanente da empresa;
III- Obtenção de novos recursos por meio de financiamentos observando-se as condições estabelecidas em lei;
IV- Reescalonamento de seu endividamento, com alterações no prazo, encargos e forma de pagamento dos créditos.
Acerca dos pagamentos aos credores houve uma novação de todos os créditos, de modo que todas as obrigações, covenants, índices financeiros, hipóteses de vencimento antecipado, multas, bem como outras obrigações e garantias que sejam incompatíveis com o plano apresentado deixaram de ser aplicável.
O plano apresentado tentou impor aos credores a não incidência de juros e correção monetária sobre seus créditos, de modo que esta cláusula deu origem a impugnação ao plano de recuperação por parte de vários credores, a posteriori.
O início do pagamento aos credores se daria após a aprovação do plano de recuperação judicial, respeitados os períodos de carência em créditos específicos.
Os créditos trabalhistas seriam pagos da seguinte forma:
1- O valor correspondente a até cinco salários mínimos, relativos a créditos de natureza estritamente salarial e vencidos nos três meses anteriores à data do pedido, deverão ser pagos no prazo de até trinta dias da homologação judicial do plano;
2- O valor restante deverá ser pago em quatro parcelas trimestrais, vencendo-se a primeira no prazo de noventa dias a contar da homologação judicial do plano;
3- O crédito das ações trabalhistas em curso deverão ser pagos no prazo de um ano, a contar do trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória ou homologatória.
Os credores com garantia real deveriam receber seus créditos, sem incidência de deságio, com incidência de juros à taxa de 8% ao ano a partir da homologação judicial do plano, com carência de 18 meses para pagamento de principal e juros e amortização do principal capitalizado em 7 anos contados a partir do término do período de carência referido.
Os credores quirografários deveriam receber seus créditos, antes da incidência de eventual deságio, o valor de R$3.000,00 (três mil reais), até o limite de valor do seu respectivo crédito, em uma única parcela, no dia 10 (dez) subsequente à data da homologação judicial do plano. Sobre o valor que exceder o montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) e não ultrapassar o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), será aplicado deságio de 40% (quarenta por cento). O valor resultante deveria ser pago aos credores quirografários, até o limite de valor de seus créditos, em 4 (quatro) parcelas mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira parcela no dia 10 (dez).
Pelo plano apresentado todos os garantidores, solidários e subsidiários, e seus sucessores e cessionários seriam liberados de suas garantias com a quitação. Já as garantias reais foram mantidas até a quitação, momento em que, por obvio, seriam liberadas.
O plano trouxe ainda cláusula que continha a possibilidade de, durante o período em que permanecer a recuperação judicial, empresa recuperanda alienar, locar, arrendar, remover, onerar ou oferecer em garantia sem necessidade de prévia autorização do Juízo da Recuperação, ou de qualquer credor ou grupo de credores quaisquer bens do seu ativo permanente, financeiro ou intangível. Desta feita, os valores obtidos com estas operações seriam utilizados para a continuidade das atividades da empresa.
Diversas foram as objeções impetradas pelos credores ao plano de recuperação judicial apresentado. Impugnações por credores quirografários ao valor do crédito apresentado, descontentamento com o percentual de deságio proposto (40%), período de carência de 02 anos e parcelamento dos pagamentos em 10 anos.
O plano apresentado pela empresa recuperanda onerou por demasiado os credores quirografários, de modo que esta categoria de credores foi a que mais se rebelou contra o plano apresentado. Sabe-se que os credores com garantia real estão resguardados devido a sua preferência quando da execução de possíveis créditos, de modo que estes foram os que menos se opuseram ao plano de recuperação judicial.
Em virtude do descontentamento por parte dos credores e as diversas impugnações ao plano apresentado, a Mabe do Brasil requereu a retificação do plano apresentando, a fim de modificar alguns pontos do documento anterior. Apresentou um documento mais efetivo, mais claro, com propostas melhores aos credores. Trouxe ainda, de maneira mais específica, os mecanismos utilizados para a concretude do objetivo. Colaciono aqui algumas medidas trazidas no novo plano de recuperação judicial apresentado:
Implantação de práticas de Gestão e Governança Corporativa. Como parte de sua reestruturação operacional, a Mabe implantou medidas que sisaram à melhoria de suas práticas de gestão. A Mabe manterá, durante todo o período de cumprimento do plano, uma administração profissional. A gestão da Mabe pautar-se-á pelas melhores práticas de governança corporativa.
Relatórios mensais. Como forma de implantação das práticas de gestão referidas anteriormente, serão disponibilizados aos credores, a partir do primeiro mês subsequente à homologação judicial do plano, os relatórios mensais. Os relatórios mensais serão enviados, por e-mail, a todos os credores que os solicitarem, na forma prevista neste plano. Os relatórios mensais serão revisados trimestralmente por empresa de auditoria externa idônea.
Reorganização societária. A Mabe será transformada em uma sociedade anônima de capital fechado, sem prejuízo da eventual realização de outras operações de reorganização societária com o objetivo de simplificar a sua estrutura. A transformação da Mabe em sociedade anônima deverá ocorrer antes da conversão.
Alienação dos imóveis Built-to-Suit, alienação de bens do ativo pernamente, alienação de unidades produtivas isoladas.
Modificou, ainda, as antigas cláusulas que oneravam demasiadamente seus credores.
No dia 23 de outubro de 2013, foi realizada a assembleia geral de credores.
5. DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES
Sabe-se que a recuperação judicial possui três órgãos específicos, são eles: A Assembleia Geral dos Credores, o Administrador Judicial e o Comitê.
A Assembleia dos Credores é o órgão colegiado e deliberativo responsável pela manifestação do interesse ou vontade predominantes entre os que titularizam crédito perante a sociedade empresária requerente da recuperação judicial sujeitos aos efeitos desta.[2]
Todos os sujeitos aos efeitos da recuperação judicial que tenham sido admitidos no processo podem participar da assembleia geral dos credores.
Após aprovação do plano de recuperação judicial na Assembleia Geral dos Credores, a juíza da 2ª Vara de Hortolândia concedeu, não obstante diversos recursos e impugnações com alegações de fraudes na condução da Assembleia dos Credores, a recuperação judicial a empresa.
6. DO FRACASSO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EMPRESA E DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA
No mês de fevereiro deste ano, a administradora judicial da Mabe do Brasil requereu a falência da empresa. Fundamentou seu pedido no fato da empresa em recuperação não possuir quaisquer condições econômico-financeiras para continuar com o procedimento da recuperação judicial.
A administradora judicial diligenciou, utilizando sua atribuição de fiscalizadora, e constatou que houve uma suspensão das atividades da empresa no dia 18 de dezembro de 2015, de modo que houve uma concessão de férias coletivas aos colaboradores, com data prevista de retorno em 18 de janeiro de 2016.
Constatou ainda que não houve o pagamento de verbas trabalhistas dos atuais funcionários, não tendo estes recebido sequer a parcela devida do 13º salário referente ao ano de 2015. Afirmou também que a empresa não possuía receita para retomada de seu funcionamento.
A recuperanda não cumpriu com suas obrigações no tocante ao pagamento dos serviços contratados e na aquisição de matéria prima, de forma que possuía 2.234 protestos no 1º Tabelionato de Notas e Protestos de Letras e Títulos da comarca de Sumeré.
No tangente ao plano de recuperação judicial, houve um efetivo descumprimento do que fora pactuado. Os credores trabalhistas não foram pagos, não houve pagamento aos credores com garantia real, os creditos quirografários também não foram pagos em sua totalidade.
Após manifestação ministerial favorável ao pleito, o juízo decretou a convolação da recuperação judicial em falência.
Caso, na fase de execução, a sociedade empresária em recuperação judicial não cumpra o plano homologado ou aprovado pelo juiz, tem lugar também a convolação em falência. Nessa hipótese, os credores serão atendidos, na execução concursal, pelo valor e classificação dos créditos que titularizavam antes do processo de recuperação judicial. Em outros termos, a homologação ou aprovação pelo juiz do plano importou novação ou renegociação dos créditos de forma condicional. Os credores aprovaram a substituição de garantias, capitalização de crédito, prorrogação de vencimentos ou qualquer outro meio de recuperação no pressuposto de que o sacrifício de seu direito viabilizaria a superação da crise. Há, por assim dizer, uma cláusula resolutiva tácita em qualquer plano de recuperação judicial, que é o sucesso de sua implementação. Na hipótese de desobediência e convolação da recuperação judicial em falência, opera-se a resolução do plano. Em síntese, a condição sob a qual os credores concordaram em rever seus direitos não se realizou e retornam eles, por isso, ao status quo ante.[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial vol. 03 – Direito de Empresa. São Paulo, Saraiva, 13ª edição, 2012.
CONCLUSÃO
O instituto da recuperação judicial pode ser utilizado nos casos de empresas em crise econômica, incapaz de satisfazer o passivo. Neste interim, diante das dificuldades, a empresa poderá recorrer ao poder judiciário e solicitar o deferimento da recuperação judicial, preservado a empresa e também todas as riquezas que ela gera à sociedade.
A empresa estudada no presente trabalho realizou papel fundamental, não só para a economia do Brasil, mas também pela sua importância social em oferecer produtos da chamada linha branca a preços menores dos que eram apresentados no mercado, de modo a beneficiar principalmente as famílias de menor poder aquisitivo. Movimentou ainda vultosos valores econômicos, sendo responsável por cerca de 4.000 empregos diretos. Em virtude dessa importância econômico e social, a Mabe do Brasil teve seu pedido de recuperação judicial processado e posteriormente deferido.
Durante o estudo deste caso, verificou-se o constante interesse dos credores na busca de receber seu crédito, aceitando muitas vezes drásticas diminuição de valores. Muitas foram, também, as alegações de fraudes nos procedimentos da recuperação judicial.
Não obstante a negociação com os credores e novação das dívidas com parcelamento dos créditos, diminuição dos juros, obtenção de empréstimos, a empresa não conseguiu superar sua crise. Não restou outra opção diferente da decretação da falência da Mabe do Brasil.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial vol. 03 – Direito de Empresa. São Paulo, Saraiva, 13ª edição, 2012.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial vol. 03 – Direito de Empresa. São Paulo, Saraiva, 13ª edição, 2012.
[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial vol. 03 – Direito de Empresa. São Paulo, Saraiva, 13ª edição, 2012.