1. DO INSTITUTO JURÍDICO DA PRISÃO
1.1 CONCEITO
Prisão é a retirada, pelo Estado, da liberdade de locomoção de um indivíduo, pondo-o no cárcere. É a privação do direito de ir e vir, a retirada do indivíduo do convívio social. O instituto jurídico da prisão pode ser subdividido em duas espécies, a prisão-pena e a prisão sem pena.
Para Nucci, prisão é:
A privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere. Não se destingue, nesse conceito, a prisão provisória, enquanto se aguarda o deslinde da instrução criminal, daquela que resulta de cumprimento de pena. Enquanto o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo as suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do condenado, o Código de Processo Penal cuida da prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar, quando necessário, até o trânsito em julgado da decisão condenatória.
1.1.1 PRISÃO-PENA
É a resposta estatal ao cometimento de determinada conduta delituosa. Trata-se de consequência jurídica pela infração de uma norma penal incriminadora, pelo abalo da ordem jurídica que foi perturbada.
Não obstante a negação por parte de alguns doutrinadores do caráter retributivo pelo mal causado da pena, tenho que se trata de um castigo, da retribuição ao ato delitivo que causou um mal. A pena possui também um caráter educativo, de modo que busca a reinserção do individuo no convívio social. Sabe-se, entretanto, que, pouco se tem feito no sentido da ressocialização dos encarcerados, de forma que se pode afirmar que a pena privativa de liberdade no Brasil tem caráter exclusivo de punição.
A prisão-pena decorria exclusivamente de sentença penal transitada em julgado. Este era o entendimento até o julgamento de Mandado de Segurança, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que réus condenados em segunda instância devem começar a cumprir sua pena, mesmo antes do trânsito em julgado.
1.1.2 PRISÃO SEM PENA
O ordenamento jurídico brasileiro prevê também a prisão processual, cautelar ou provisória, cuja finalidade principal é assegurar o andamento da investigação ou do processo penal.
Trata-se de hipótese excepcional, em virtude da presunção de inocência, em que o investigado ou o réu é recolhido ao cárcere quando cumpridos determinados requisitos exigidos pela legislação. Em decorrência desta excepcionalidade, é necessária ordem escrita e fundamentada de autoridade competente, como preceitua a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXI. In verbis:
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Há ainda prisão de natureza civil que não se refere à infração penal, em decorrência de inadimplemento de obrigação alimentícia.
1.2 HISTÓRICO DAS PRISÕES PROCESSUAIS
As origens históricas das prisões processuais remontam a Antiguidade, quando a prisão cautelar era uma forma de garantir a execução da pena, de modo a preservar o réu e sua integridade física até o momento de seu julgamento ou execução[1].
Não existia, porém, um caráter punitivo, a prisão cautelar era medida excepcional, como se verifica na frase de ULPIANO, Carcer ad continendos homines, non ad puniendos haberi debet,.
A prisão era também utilizada para garantir a execução de dívidas, época em que era comum a responsabilização corporal pelo inadimplemento de obrigações. Na Grécia, a prisão era utilizada como forma de garantir o crédito dado por um credor, forçando o aprisionado ao pagamento da dívida ou ao trabalho forçado.
Na Idade Média o caráter excepcional da prisão processual perdeu força. Frequentemente utilizada como meio aflitivo e de tortura, a prisão passou a ser meio de obtenção de confissões forjadas, no sistema inquisitorial de processo penal, através de técnicas cruéis. A finalidade de garantir a execução da pena continuou nesse período histórico, momento em que surgiram as bases ideológicas para a prisão como forma de penalização do culpado.
A prisão processual no Séc. XVIII retoma sua excepcionalidade, rompendo com o período sombrio da Idade Média, quando eram utilizadas em conjunto com técnicas de tortura e como meio de obtenção da confissão forçada. Nesse período, a prisão processual tinha como finalidade garantir a ordem pública, num momento de crescimento do índice de crimes. A garantia da justiça também era causa de prisão processual, visando assegurar a aplicabilidade da pena quando o acusado ameaçava a fuga, bem como a impedir que este destruísse provas ou coagisse testemunhas.
1.2.1 PRISÃO PROCESSUAL NO BRASIL
Já nas Ordenações Manuelinas (1512/1605) havia a possibilidade da prisão preventiva, a qual era passível de decretação em caso de denúncia de um crime. Excepcionavam-se os crimes de menor potencial ofensivo, de modo que para decretação nestes casos, era necessária a apresentação de provas concretas por parte do denunciante.
As Ordenações Filipinas (1603) modificaram este instituto jurídico, passando a ser obrigatória a apresentação de prova do fato e da autoria. Neste mesmo entendimento seguiu a Lei da Reformação da Justiça (1612), sendo necessária a apresentação de prova para que pudesse ser decretada a prisão preventiva.
No ano de 1821, Dom Pedro, então Príncipe Regente, devido a quantidade de arbitrariedades que ocorriam, decretou que “nenhuma pessoa livre no Brasil possa jamais ser presa sem ordem por escrito do juiz ou magistrado criminal do território, exceto somente em caso de flagrante delito, em que qualquer do povo deve prender o delinquente”.[2]
A Constituição do Império, em seu artigo 179, dispunha em seu inciso VIII que ninguém poderia ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados em Lei [...]. A ideia de culpa formada relacionava-se ao convencimento do magistrado acerca da existência do delito e de quem era o autor, momento em que a prisão preventiva era decretada.
O código de processo penal de 1941 endureceu as medidas de segregação ambulatorial, ampliando as hipóteses de decretação da prisão preventiva. O interesse da ordem pública, ou da instrução criminal, ou para assegurar a efetiva aplicação da lei penal, foram requisitos elencados no referido codex.
O novel diploma processual penal inovou ao criar a prisão preventiva obrigatória, cabível em casos de crimes com pena máxima de reclusão igual ou superior a dez anos.
Durante o Estado Novo houve uma ampliação dos poderes de polícia judiciária, de modo que se legitimou a prisão para averiguações por um período de 180 dias, sem qualquer controle judicial. Buscava-se conter os movimentos de oposição ao governo.