O sistema de responsabilização judicial de crianças e adolescentes


10/08/2015 às 09h15
Por Bruno Paiva

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 104 e a Constituição Federal de 1988 em seu art. 228, estabelecem que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, estando sujeitos à aplicação do ECA, afirmando ainda, que para os fins dessa aplicação deverá ser levada em consideração a idade do adolescente à data do fato. Além disso, o Estatuto trouxe ao longo de sua redação a previsão de medidas de proteção, aplicadas às crianças e as medidas socioeducativas destinadas aos jovens em situação de risco.

Esta inimputabilidade a qual se refere o art. 104 do ECA e o art. 228 da CF, diz respeito a incapacidade que tem a criança e o adolescente em responder por sua conduta delituosa, isso devido a sua condição peculiar de pessoa em formação. Quanto a isso é importante que não se interprete a palavra inimputabilidade como sinônimo de impunidade, pois aquele que ainda não atingiu a maioridade penal e cometeu uma conduta tida como delituosa estará sujeito as medidas referidas na Lei n. 8.069/90, que vão de advertência à internação em estabelecimento educacional.

Ainda nesse sentido, vale destacar que ao preocupar-se com a inimputabilidade da população infanto-juvenil, o legislador teve por base a permeabilidade de sociabilização que tem essa população.

Quando uma criança (até doze anos incompletos) é autora de um ato infracional deverá lhe ser aplicado, conforme já mencionado, medidas de proteção, pela autoridade competente, incluindo-se neste caso, o Conselho Tutelar.

Já o adolescente (entre doze e dezoito anos de idade) que cometer ato infracional estará sujeito à aplicação de medida socioeducativa, podendo variar de advertência à internação em estabelecimento educacional.

  • Ato infracional

Segundo o artigo 103 do ECA, "considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal". Sendo assim, ato infracional é todo comportamento típico descrito no Código Penal Brasileiro cometido por crianças ou adolescentes.

No que concerne ao ato infracional, explicou-nos Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 540-1) que ao definir ato infracional, a Lei nº 8.069/90, disse:

[...]conteúdo certo e determinado, abandonando expressões como ato antissocial, desvio de conduta etc., de significado jurídico imperioso [...] afastando-se qualquer subjetivismo do intérprete quando da análise da ação ou omissão.

Para que o ato infracional seja caracterizado, faz-se necessário que a conduta seja típica, antijurídica e culpável. No entanto, deve ser garantido a criança ou adolescente que cometeu tal ato medidas impostas por um sistema compatível a sua condição de pessoa em desenvolvimento, ou seja, deverá este ser submetido às medidas socioeducativas às quais se referem o ECA.

Quanto a apuração judicial pela prática de ato infracional, esta possui previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente e tem por finalidade a aplicação de uma correspondente medida socioeducativa ou de proteção referente a infração cometida por criança ou adolescente.

No que diz respeito a criança, quando da prática do ato infracional, sabemos que a medida cabível é a de proteção, ela se aplica mediante procedimento junto ao Conselho Tutelar e está prevista no artigo 98, inciso III, 131 e 136, inciso I, da Lei nº8.069/90. A atuação do Conselho Tutelar, durante a aplicação de medida de proteção ao infante visa inibir a repressão policial àquele devido a sua conduta ilícita lesou algum bem jurídico tutelado.

Quanto ao adolescente, a apuração de ato infracional dá-se através de três etapas, que são a fase policial, o procedimento do Ministério Público e a fase judicial.

A fase policial poderá iniciar-se com a apreensão em flagrante do adolescente, que deverá ser encaminhado à delegacia especializada e, em caso de condutas praticadas com violência ou grave ameaça, cabaré a autoridade policial adotar as providências elencadas no art. 173 do ECA, no entanto se não houver flagrante, essa fase terá inicio após o registro de ocorrência, que poderá ser feito por qualquer pessoa.

Em caso de necessidade de garantia da ordem pública, ou mesmo de proteção do adolescente, cabaré a autoridade policial, no momento do flagrante, decidir pela internação. Cumpre destacar que a apreensão do adolescente deverá ser comunicada imediatamente à Autoridade Judiciária competente, e a família ou outra pessoa por ele indicada.

Após a execução de todas as diligências policiais as informações colhidas, assim como os antecedentes do adolescente apreendido deverão ser encaminhas ao Ministério Público para que se inicie a segunda fase de apuração do ato infracional.

Durante essa segunda fase será realizada oitiva informal com o adolescente, podendo serem ouvidos também os pais ou responsáveis, as testemunhas e as vítimas. O representante do Ministério Público, poderá ainda, conceder ao adolescente, nos termos do artigo 126 e 180 do Estatuto, a remissão ou o arquivamento dos autos. Se não ocorrer nenhum dessas opções, será oferecida denuncia e se iniciará a fase judicial.

No que diz respeito à remissão e ao arquivamento, nos ensina Ishida (2008, p. 300):

A promoção de arquivamento e a remissão ministerial são dois institutos distintos. O primeiro refere-se à hipótese em que o órgão do MP verifica a incidência das hipóteses do art. 189 do ECA. Quanto à remissão, o Promotor de Justiça verifica as hipóteses do art. 189 do ECA, mas se atém ao disposto no art. 126, caput, doECA.

Caso seja concedida a remissão, que deverá ter a concordância do adolescente, não ocorrerá apuração de ato infracional e após homologação do juiz o processo será arquivado.

Na fase judicial, a representação do Ministério Público independerá de prova pré-constituída da autoria e da materialidade e o prazo máximo para a conclusão quando o adolescente estiver internado será de 45 dias.

Posterior a representação deverá ser designada audiência e o adolescente precisará comparecer com os pais ou responsável, no entanto, caso não seja possível localizar estes, será designado curador especial. Na data marcada, ocorrerá a oitiva de todos os envolvidos e ao final do processo, o juiz decretará, se for necessário, a medida

socioeducativa cabível, que caso seja aplicada, serão executadas na forma do ECA e do SINASE.

É importante salientar, que nesse procedimento, deverão ser respeitados todos os princípios processuais cabíveis e também as peculiaridades da vara da infância e juventude.

  • Medidas de proteção

Ao conceituar medidas de proteção, de Plácido Silva (1999, p.121), conceitua-as como "do latim protectio, de protegere (cobrir, amparar, abrigar), entende-se toda espécie de assistência ou de auxílio, prestado às coisas ou às pessoas, a fim de que se resguardem contra os males que lhes possam advir”. Essas medidas deverão ser aplicadas, quando houver uma de criança em situação de risco, ou seja, quando seus direitos forem violados ou ameaçados, em razão de ação ou omissão da sociedade ou do Estado; falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável ou em razão de sua conduta, nos termos do art. 98 do ECA.

No momento de aplicação dessas medidas, deverão ser observadas as necessidades pedagógicas do infante, desde que seja dada preferência àquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, pois esta é a finalidade a qual se destinam as medidas de proteção. Tais medidas poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, assim como substituídas a qualquer tempo.

Estabelece o artigo 101 do ECA, quais são as medidas de proteção aplicáveis:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – acolhimento institucional; VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar (BRASIL. Lei n. 8.069/90).

Aqui é importante observar que o legislador preocupou-se em tocar tanto na criança quanto em sua família, pois a partir do momento que uma criança ou

adolescente comete ato infracional é necessário que toda a estrutura familiar receba e dê apoio.

  • Medidas socioeducativa

As medidas socioeducativas, são aplicáveis somente aos adolescentes autores de ato infracional e estão previstas nos incisos do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, são elas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida e internação em estabelecimento educacional. Mias uma vez, vale destacar que as crianças, quando da prática de ato infracional estão sujeitas as medidas de proteção.

No que se refere aos objetivos das medidas socioeducativas, a Lei nº 12.594/12 (Lei do Sinase), no decorrer dos três incisos de seu artigo 1º, § 2º, dispõe que:

Art. 1º -Esta Lei institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. § 2º Entendem-se por medidas socioeducativas as previstas no art. 112 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), as quais têm por objetivos: I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.

Sendo assim, temos que no momento em que é aplicada ao adolescente a medida, deve ser levado em consideração sua capacidade de cumpri-la, além das circunstâncias e gravidade da infração. Isso diz respeito a condição pessoal do adolescente (psicológicas, físicas, sociais, familiares e econômicas).

Importa destacar que não deve ocorrer comparação de medidas socioeducativas aplicadas a outros adolescentes em razão da prática do mesmo tipo de ato infracional, não sendo correto que prevaleça a forma preponderante, pois conforme mencionado, a medida deve atender às condições pessoais de cada um. Sendo assim, tem-se que podem ser aplicadas medidas diferentes a dois adolescentes que cometeram o mesmo ato infracional, da mesma maneira poderia se aplicar o inverso, dois adolescentes cometem atos infracionais diferentes podem receber a mesma medida.

Em relação a esta questão, demonstra Teixeira (1994, p.15):

[...] se o ato infracional homogeneíza o grupo, é uma característica comum e reveladora de todos. Mas ao mesmo tempo é preciso diferenciá-los. O grupo não é homogêneo se considerarmos: a gravidade do ato infracional, os motivos circunstanciais desencadeantes do ato, a trajetória no estilo de vida associado à prática do ato infracional, o envolvimento com gangues, a presença ou não de adultos responsáveis, e, também, os aspectos de comprometimento da dinâmica psicológica (capacidade de vinculação, internalização da Lei, controle dos impulsos, etc.). [...] Portanto, na compreensão destes adolescentes, na atribuição da medida socioeducativa e no atendimento direito a eles, é fundamental considerar as diferenças.

A medida socioeducativa é, portanto, a manifestação do Estado, em resposta ao ato infracional praticado por menores de 18 anos, cuja aplicação visa inibir a reincidência, além de possuir caráter pedagógico, que tem por finalidade a reinserção do adolescente em conflito com a lei na vida em sociedade. Possui também caráter sancionatório, que servem como resposta à sociedade pela lesão que lhe foi causada. Isso desmistifica totalmente a ideia de que jovens autores de ato infracionais não sofrem nenhum tipo de sanção.

Desta feita, é válido afirmar que as medidas socioeducativas, apesar de possuírem em sua natureza a finalidade de"repreensão"e correção ao adolescente pelo ato cometido em desconformidade com Lei, deverá ser aplicada de maneira tal que este torne ao convívio social pronto para não cometer mais nenhum ato infracional, devendo para tanto existirem meios eficazes de atingir essa finalidade.

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Referências

CASSADRE, Andressa Cristina Chiroza. A Eficácia Das Medidas Socioeducativas Aplicadas Ao Adolescente Infrator. Monografia, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, 2008.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 30. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

______. Lei 12.594/12. Lei do Sinase. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm>; Acesso em 18 de fevereiro 2015.

______. Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: ; Acesso em 28 de dezembro de 2014.

PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Art. 182. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Comentários jurídicos e sociais. 5. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Liberdade Assistida, uma polêmica em abert São Paulo: IEE - PUC/SP, 1994.

Ruthiléia Barbosa Jusbrasil.com


Bruno Paiva

Advogado - Mossoró, RN


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