A CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE COM OS HERDEIROS NA HERANÇA DEIXADA PELO “DE CUJUS”, QUANDO CASADOS NO REGIME DA PARCIAL COMUNHÃO DE BENS


08/10/2019 às 17h12
Por Cíntia Ramalho Cantão

Resumo

 

Trata-se de Artigo Científico direcionado para o tema do direito sucessório do cônjuge supérstite como herdeiro necessário, quando o matrimônio era regido pelo regime da comunhão parcial de bens e, o “de cujus” deixou patrimônio particular. Foram desenvolvidos diversos pensamentos a partir do casamento até o campo sucessório do cônjuge, observando as mudanças e inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, o qual sempre buscou beneficiar o cônjuge sobrevivente. O trabalho foi concentrado para obstruir uma das grandes indagações do atual código, acerca da sucessão do cônjuge casado no regime da comunhão parcial de bens. Para a autora, nessa situação acima descrita, a posição tomada pelo Superior Tribunal de Justiça veio para harmonizar as desavenças sobre o assunto, sendo assim, seguindo a pacificação, o cônjuge na comunhão parcial de bens, será meeiro quando se tratar de bens comuns e será herdeiro necessário em rol dos bens particulares.

 

Palavras-chave: Casamento. Família. Regime de Bens. Cônjuge. Sucessão. Herança. Concorrência. Herdeiros.

 

THE COMPETITION OF THE SPOUSE WITH THE HEIRS IN THE INHERITANCE LEFT BY THE DECEASED WHEN MARRIED IN THE PARTNERSHIP COMMUNITY SCHEME

 

Abstract

 

This is a Scientific Article directed to the subject of the succession law of the superstitious spouse as necessary heir, when the marriage was governed by the regime of partial communion of property, and the deceased left private property. Several thoughts have been developed from marriage to the spouse's succession field, noting the changes and innovations brought about by the 2002 Civil Code, which have always sought to benefit the surviving spouse. The work was concentrated to obstruct one of the major questions in the current code about the succession of the married spouse under the partial property regime. For the author, in this situation described above, the position taken by the Superior Court of Justice came to harmonize the disagreements on the subject, thus, following pacification, the spouse in the partial communion of goods, will be better when it comes to common goods and will be necessary heir in list of private goods. Keywords: Marriage. Family. Goods Regime. Spouse. Succession. Heritage. Competition. Heirs.

 

 

1 Introdução

 

O presente estudo tem como escopo analisar em quais situações o cônjuge sobrevivente será herdeiro e não meeiro, motivo que gerou uma grande repercussão no nosso mundo jurídico, fazendo com que a doutrina e a jurisprudência se dividissem em mútuas interpretações em relação ao disposto em lei. Ficando claro, que o legislador originário do Código atual, sempre teve a intenção de proteger e assegurar o direito sucessório do consorte, sendo falho, em não deixar claro o que se pretendia ao realizar o dispositivo.

Serão observadas as grandes dificuldades que surgiram sobre a interpretação do artigo 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002, bem como, as variadas correntes lecionadas pelos doutrinadores. Na abordagem do assunto, foram necessárias diversas buscas em doutrinas especializadas e jurisprudência preponderante a respeito do assunto.

No primeiro tópico, foi feita uma abordagem sobre o conceito legal e doutrinário do casamento, suas peculiaridades, seus fundamentos e a proteção estabelecida pela nossa Carta Magna, para concluir, seguindo as doutrinas e a legislação, definiu-se o casamento.

Já no segundo tópico, foram apresentados os regimes matrimoniais de bens, a necessidade de cada um, o objetivo e a finalidade. Foram abordados os princípios, os entendimentos adotados pelas doutrinas e o que é disposto pelos dispositivos do Código Civil de 2002.

No terceiro tópico, adentramos no direito das sucessões, cerne desta pesquisa, tratando da causa que se dá a sucessão, mostrando em diversos pontos, como e quando o patrimônio do falecido se torna herança, bem como, as classificações dos herdeiros e as espécies de herança. Por fim, no último tópico foi feita uma retratação sobre o direito do cônjuge sobrevivente, abordando as correntes doutrinarias de interpretações contrárias e os entendimentos jurisprudenciais.

O presente estudo foi desenvolvido por uma pesquisa bibliográfica, por meios de livros e jurisprudência, bem como, consultas às legislações pertinentes para a classificação do assunto apresentado.

O dispositivo mencionado trouxe uma grande insegurança jurídica, mas com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acredita-se que haverá uma positiva pacificação no nosso ordenamento jurídico.

A conclusão que se pretende chegar, ao término desse artigo, é que o artigo 1.829, inciso I, trouxe uma grande incerteza jurídica. Sendo assim, pode-se afirmar que nenhuma jurisprudência e, tampouco, uma doutrina específica terá a solução concreta para as diversas consequências enfrentadas sobre esse dispositivo.

 

2 Conceito legal e doutrinário de casamento

 

O casamento é instituto vetusto e imutável, que possui diversas definições doutrinárias, após decisão do Estado de retirar a influência religiosa, passou a ser definido como um instituto meramente jurídico. A natureza jurídica do casamento não é definida pelo Código Civil de 2002, mas o seu artigo 1.511 define que o matrimônio passa a ter um estado de comunhão plena de vida, com a reciprocidade de direitos e deveres dos cônjuges (BRASIL, 2002).

Até o surgimento da Magna Carta, só era considerada família legítima aquela constituída pelo casamento, era a única que gozava de diretos e deveres, protegida pelo Estado, se não houvesse o casamento, considerava a família ilegítima. A Lei 9.278/96 dispõe em seu artigo 1º que, no nosso ornamento jurídico atual a entidade familiar não é apenas formada por um casamento, a convivência entre duas pessoas por um determinado tempo, com o objetivo de constituição familiar também é considerada como família legítima (BRASIL, 1996).

A Constituição Federal dispõe no seu artigo 226, §3 que o Estado é obrigado a proteger a família e facilitar quando for manifestada vontade das partes em converter a união estável em casamento, o que ocasionou em perda de exclusividade, mas não deixando de ser protegido e garantidor de direitos e obrigações.

 

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a União Estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (BRASIL, 1988).

 

Em uma análise doutrinaria, pode-se definir o casamento como um negócio jurídico bilateral e solene, é a manifestação dos nubentes de formalizar as relações, a comunhão de vida e os interesses do casal. Nesse sentindo conceitua, Carlos Roberto Gonçalves:

 

O casamento é cercado de um verdadeiro ritual, com significativa incidência de normas de ordem pública. Constitui negócio jurídico solene. As formalidades atribuem seriedade e certeza ao ato, garantem e facilitam sua prova e resguardam interesse de terceiros no tocante à publicidade da sociedade conjugal. (GONÇALVES, 2018, p. 98).

Nos termos da legislação brasileira, de acordo com o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.514, casamento é a vontade de duas pessoas, perante um juiz competente, para constituir um vínculo conjugal. Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. (BRASIL, 2002).

Segundo Maria Helena Diniz, “o casamento é o vínculo jurídico entre homem e mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família” (DINIZ, 2010, p. 37). Três são os princípios que regem o casamento, eles são: 1º) a livre união dos futuros cônjuges; 2º) a monogamia e a 3º) comunhão indivisa; Segundo o princípio da livre união dos futuros cônjuges; o casamento é advindo do consentimento e da vontade dos nubentes, sem substituições e autolimitações. A monogamia é a proibição de se casar mais de uma vez, embora seja aceita em alguns países, a maioria dos povos adotam o regime de singularidade. O último princípio é o da comunhão indivisa, a necessidade de valorização do aspecto moral da união sexual, com objetivo de criar plena comunhão no casamento, em que os cônjuges pretendem viver juntos nas alegrias e nas adversidades.

A partir do ano de 2011, passou a ser admitido o casamento homoafetivo, entre pessoas do mesmo sexo, o qual segue os mesmos deveres e direitos do casamento realizado por pessoas de sexo biológico diferente. A grande finalidade do casamento é de instituir uma comunhão plena de vida, manifestada pelo amor, afeto, convivência, nos direitos e deveres recíprocos dos cônjuges e, a criação da prole eventual, isto é, de prosseguir com determinado projeto.

 

3 Regime matrimonial de bens

 

O regime matrimonial de bens é a aplicação do conjunto de normas nas relações e interesses econômicos do casamento, com a finalidade de regulamentar a propriedade e a administração dos bens adquiridos particularmente e os conquistados durante o matrimônio.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves:

 

Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal. (GONÇALVES, 2018, p. 436).

 

São quatro os princípios fundamentais do regime de bens, são eles: O da variedade de regime de bens; liberdade dos pactos antenupciais; mutabilidade justificada do regime adotado e o da imediata vigência do regime de bens. O princípio da variedade de regime de bens é a alternativa concedida pelo código civil de oferecer mais de um regime matrimonial aos nubentes. O princípio da liberdade dos pactos antenupciais é a permissão dada aos nubentes de escolher qual regime será adotado no seu matrimônio. O princípio da mutabilidade justificada é a possibilidade de alterar o regime de bens no curso do casamento mediante autorização judicial. O último princípio é o da imediata vigência do regime de bens, o regime começa a vigorar no dia das núpcias (VENOSA, 2018).

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “regime de bens constitui a modalidade de sistema jurídico que rege as relações patrimoniais derivadas do casamento” (VENOSA, 2018, p.373). O Código Civil deixa claro sobre a necessidade da existência desse sistema. O art. 1.639 do C/C dispõe sobre a liberdade de escolha do regime aos nubentes, se o casal não manifestar sobre, a legislação disciplinará o regime patrimonial do casamento. Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. (BRASIL, 2002).

Quatro são os regimes de bens disciplinados pelo Código Civil de 2002, eles são: 1º) a comunhão parcial, 2º) comunhão universal, 3º) participação nos aquestos e a 4º) separação de bens, o casal pode criar um regime misto a partir destes. Os nubentes ao ter a liberdade de escolha, podem também, mesclar os regimes entre si, sendo necessária a escritura. São também permitidos à alteração do regime de bens durante o casamento, ambos os cônjuges podem pedir autorização judicial para a modificação, não é estabelecido pelo código um prazo mínimo para essa possibilidade.

O regime matrimonial de bens é absolutamente preciso para a realização do casamento, para ser resguardado a administração dos bens, os conquistados anteriormente e os na constância do matrimônio. Entretanto, o regime é de interesse de todos, dos cônjuges, dos descendentes e os ascendentes, para que sejam asseguradas todas as garantias disponíveis.

 

3.1 Regime da comunhão parcial

 

Nesse regime, os bens adquiridos na constância da união matrimonial formarão a comunhão de bens dos cônjuges, não havendo obrigação do pacto antenupcial. Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “a ideia central do regime da comunhão parcial, ou da comunhão de adquiridos, como é conhecido no direito português, é a de que os bens adquiridos após o casamento, os aquestos, formam a comunhão de bens do casal” (VENOSA, 2018, p.387).

A dissolução da comunhão é dada pela morte, separação e o divórcio, assim, como a comunhão universal, se por fim, o casal vier dissolver o matrimônio os bens comuns serão divididos e os bens particulares não serão assunto de discussão no processo de divórcio ou separação, os bens de aquisição a título oneroso ou eventual também fazem parte dos bens comum dos nubentes, assim, dispõe o presente código no artigo 1.658 “No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes”. (BRASIL, 2002).

O Código Civil estabelece no seu artigo 1.659 sobre os bens excluídos da comunhão parcial, bens estes que não se comunicam ao outro cônjuge, pois, foram adquiridos pelo cônjuge antes do casamento, por isso são excluídos, sendo caracterizado como bens particulares. Nesse mesmo sentido são as dívidas, já que o s bens particulares não se comunicam, as dívidas seguem o mesmo parâmetro.

Como anota Silvo de Salvo Venosa, os bens sub-rogados são os bens imóveis que fazem a substituição de outro bem, ex.: antes do casamento um dos cônjuges adquiriu uma casa, essa casa foi vendida na constância do casamento, esse mesmo valor foi investido em uma nova casa, assim, o outro cônjuge não terá participação desse bem, pois, a casa continua sendo um bem particular, não fazendo parte dos bens do casamento, o valor não teve beneficio de outro bem da comunhão e nem ajuda financeira do outro cônjuge, e para a aplicação desse dispositivo, é necessário fazer a ressalva no título aquisitivo e provar a substituição do bem particular por outro particular. (VENOSA, 2018).

Os bens móveis não se excluem, mas para comprovar a sua sub-rogação é mais difícil, caso não haja provas presumirá os bens móveis como adquiridos na constância do casamento. Nesse sentindo dispõe o atual diploma nos artigos 1.661e 1.662:

 

Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento.

Art. 1.662. No regime da comunhão parcial, presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior (BRASIL, 2002).

 

Os doutrinadores seguem a vertente de três modalidades de bens: os bens do esposo, os bens da esposa adquiridos anteriormente ao casamento, e os bens comuns conquistados por eles no casamento.

 

Nessa trilha, preleciona Carlos Roberto Gonçalves:

 

Caracteriza-se por estabelecer a separação quanto ao passado (bens que cada cônjuge possuía antes do casamento) e comunhão quanto ao futuro (bens adquiridos na constância do casamento), gerando três massas de bens: os do marido, os da mulher e os comuns (GONÇALVES, 2018, p. 469).

 

A administração dos bens comuns é competente para qualquer um dos nubentes, os bens particulares competem ao seu proprietário, podendo ser administrada pelo outro cônjuge se houve a autorização de ambos. As dívidas contraídas pelos bens particulares não obrigam os bens comuns do casamento, sendo resguardado o patrimônio de cada um, pois, muitas das vezes as obrigações se misturam. À união estável aplica as mesmas regras do regime da comunhão parcial.

Quando não é realizado o pacto antenupcial, aos nubentes será constituído o regime da comunhão de bens, este regime é caracterizado por organizar os bens que são excluídos da união e os bens que se comunicam.

 

3.2 Regime da comunhão universal

 

No nosso Estado, foi considerado o regime legal supletivo de vontade durante muito tempo. A comunhão universal é a comunicação dos bens, não existindo diferença entre os bens adquiridos anteriormente ao casamento e os adquiridos na constância do casamento, todos os bens e as dívidas passam a ser comum entre eles. Desse modo, a individualidade dos bens é cessada pela comunhão universal, o patrimônio torna-se pertencente do casal, fazendo com que cada cônjuge tenha direito à meação sobre toda massa patrimonial, o atual código no seu artigo 1.667, conceitua, “O regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presente e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com exceções do artigo seguinte” (BRASIL, 2002).

No regime de comunhão universal, existem restrições de patrimônios especiais que são excluídos da comunhão, uma terceira pessoa pode doar ou deixar como herança patrimônio com cláusulas de incomunicabilidade, assim, não fará parte dos bens comuns dos consortes. Nesse sentindo, conceitua Sílvio de Salvo Venosa, “A cláusula de incomunicabilidade pode ser imposta por terceiro em doação ou testamento”. (VENOSA, 2018, P. 396).

O proprietário do bem incomunicável, se por sua decisão decidir desfazer deste para aquisição de um novo pela sub-rogação, os bens não se comunicará. Esclarece Carlos Roberto Gonçalves que “Embora tudo quanto um deles adquire se transmita imediatamente, por metade, ao outro cônjuge, podem existir, no entanto, bens próprios do marido e bens próprios da mulher” (GONÇALVES, 2018, p. 479).

O fim da comunhão só ocorre quando há partilha, os bens comuns serão administrados pelo cônjuge sobrevivente ou pelo cônjuge administrador. A partir do momento em que começar o processo de divisão, os lucros e os frutos do patrimônio comum, serão agregados, ao fim, sendo dividido em partes iguais. Se o casal possuir filhos, o cônjuge sobrevivente até o momento em que não chegar ao fim da partilha, não poderá adquirir um novo matrimônio, se mesmo assim, decidir contrair nova união, o regime deverá ser da separação de bens.

 

3.3 Regime de participação final nos aquestos

 

O Código Civil de 2002 trouxe inovação com o regime de participação final nos aquestos, já adotado por diversas legislações. Esse regime remediou o regime dotal no nosso ordenamento jurídico, o dotal não estabelecia igualdade entre o homem e a mulher, a base de regime era o dote, os bens da mulher ou de alguém responsável por ela, era transferido para o esposo e desse patrimônio adquirir o sustento para o matrimônio, caso viesse à dissolução, o marido restituía o patrimônio para a mulher.

O regime de participação final nos aquesto é conhecido também como um regime de diferentes elementos, composto por regras de diversos regimes, durante o matrimônio seguem as regras do regime de separação total, após o rompimento, aplicam-se as da comunhão parcial.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “Trata-se de um regime híbrido, no qual se aplicam regras da separação de bens quando da convivência e da comunhão de aquestos, quando do desfazimento da sociedade conjugal” (VENOSA, 2018, p.399).

O patrimônio durante o casamento é particular de cada um, quando da dissolução da sociedade conjugal, os bens adquiridos onerosamente pelos consortes será dividido pela metade entre ambos, em caso de falecimento, para os herdeiros.

Nesse sentido, esclarece Carlos Roberto Gonçalves “Cada cônjuge possui patrimônio próprio, com direito, como visto, à época da dissolução da sociedade conjugal, à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento” (GONÇALVES, 2018, p. 486).

A escolha desse regime é dada pela liberdade de administrar os seus bens livremente, sem precisar de autorização do cônjuge. Na dissolução verifica-se a data em que decidiram cessar a convivência, e não a do casamento, assim, estatui o artigo 1.672 do atual código:

 

Art. 1.672. No regime de participação final nos aquesto, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento (BRASIL, 2002).

 

A doação não poderá ser feita sem a autorização do outro consorte, caso venha acontecer, será computada nos bens comuns do casal, podendo ser até mesmo reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou pelos herdeiros. Se a divisão dos bens não for possível, deverá fazer a reposição em dinheiro, fazendo a somatória de todos ou de poucos, podendo ser realizado extrajudicialmente. Os bens que excluem nesse regime, estão dispostos no artigo 1.674 do Código Civil:

 

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:

I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;

II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;

III - as dívidas relativas a esses bens. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis (BRASIL, 2002).

 

A sociedade brasileira não se adaptou a esse regime, não foi muito escolhido pelos brasileiros. Pode-se dizer que esse regime não foi destinado para a maioria das pessoas residentes no Brasil.

 

3.4 Regime da separação de bens

 

Esse último regime se divide em duas modalidades, o regime de separação obrigatória de bens e do regime convencional de bens. No regime convencional de bens, os bens são separados, distintos, cada consorte tem o seu patrimônio não existindo nenhuma comunicação entre eles, a administração e a posse são de responsabilidade do proprietário, os negócios podem ser realizados sem a necessidade de autorização do outro cônjuge. o artigo 1687 estabelece que, “Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva dele, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real” (BRASIL, 2002).

Aos consortes existe a obrigação de que cada um ajude nas despesas e encargos do matrimônio, podendo ser diferenciado no pacto antenupcial, ressaltando que, o pacto antenupcial nesse regime é facultativo. Carlos Roberto Gonçalves, afirma, “Por se tratar de regime imposto por lei, não há necessidade de pacto antenupcial”. (GONÇALVES, 2018, p. 464). No regime de separação obrigatória, não é decorrente apenas da vontade dos cônjuges, e sim por imposição legal, para a proteção dos bens da pessoa. O Código Civil de 2002, no artigo 1641 especificou quem deverá se casar sobre este regime:

 

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL, 2002).

 

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “Esse regime decorre não só da vontade dos nubentes, mas também por imposição legal” (VENOSA, 2018, p. 405). Na convencional, os nubentes podem estabelecer bens em comuns, se não houver a manifestação, cada cônjuge permanecerá com a administração e posse individual dos seus bens. Na legal, aplicam- se a regra pacifica da Súmula 377 do STF, a qual diz que: "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento" (BRASIL, 1964). Em caso de falecimento, se o “de cujus” tiver apenas ascendente, o cônjuge sobrevivente será considerado herdeiro na mesma proporção dos ascendentes. Se existir descentes não há em que se falar em herança. Nos casos em que não existir nem um e nem outro, a herança será totalizada para o cônjuge sobrevivente.

O regime de separação de bens tem características diferentes dos demais, pois, é um regime que dá liberalidade para que cada um dos cônjuges administre os seus bens como assim desejar e, é imposto por lei para proteger os direitos da pessoa.

 

4 Direito das sucessões

 

A sucessão geral é o conjunto de jurisprudências, princípios e normas que regulariza a transferência do patrimônio do “de cujus” para os seus herdeiros ou legatários, os quais passarão a ser responsável pela posição jurídica que o falecido ocupava, transmitindo-os por um ato entre vivos ou pela morte. Dispõe o artigo 1.784 do Código Civil que, “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (BRASIL, 2002).

A sucessão acontece no momento do óbito do sucedendo, passando todas as garantias e deveres da herança para os herdeiros legítimos ou testamentários. Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, conceitua, “A palavra ‘sucessão’, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens”. (GONÇALVES, 2010, p.19).

Nesse mesmo sentindo, Sílvio de Salvo Venosa, conceitua: “Destarte, sempre que uma pessoa tomar o lugar de outra em uma relação jurídica, há uma sucessão. A etimologia da palavra (sub cedere) tem exatamente esse sentido, ou seja, de alguém tomar o lugar de outrem” (VENOSA, 2013, p.1).

Os herdeiros são classificados em sucessíveis e não sucessíveis. Os sucessíveis são classificados por lei, sendo os cônjuges, companheiro, ascendentes, descendentes e os colaterais até o quarto grau, vocacionados a herdarem o patrimônio do falecido, já os não sucessíveis é a vontade declarada do “de cujus” em seu testamento para a transferência dos seus bens para determinada pessoa. Os legatários recebem um bem exclusivo. Entretanto, a sucessão será universal se o falecido deixa a totalidade de seu patrimônio para herdeiros, e se por sua vontade transmitir um ou alguns bens, os sucessores serão legatários, tornando a sucessão singular.

A sucessão é a transferência do patrimônio, direitos e deveres da pessoa falecida para os seus herdeiros, com diversas diretrizes e obrigações. Sendo imposta a partir do artigo 1784 do Código Civil de 2002. O patrimônio da pessoa falecida será transferido pelas regras previstas em lei ou pela sua última vontade. Assim dispõe o artigo 1786 do Código Civil de 2002, “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade” (BRASIL, 2002).

O direito das sucessões é classificado por duas espécies legítima e testamentária. A Sucessão Legítima é originada da lei, nas situações em que uma pessoa morre e não deixa o seu testamento, fazendo com que a legislação determine de como haverá a sucessão. A Sucessão Testamentaria é à vontade em que o falecido tem em deixar os seus bens para pessoas específicas, sendo mais utilizado por pessoas que não possui cônjuge, companheiro, dessedentes ou acendestes, essa sucessão é unilateral, solene, personalíssimo e revogável.

 

4.1 Do Direito sucessório dos cônjuges

 

O Código Civil de 2002, como já mencionado, trouxe mútuas alterações, e uma delas foi o artigo 1.790, o qual diferenciava no direito sucessório o casamento da união estável, sendo assim, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional este artigo, por sete votos favoráveis1.

A partir do julgamento, o companheiro goza dos mesmos direitos do cônjuge na sucessão hereditária, sendo incluído no artigo 1.845 do atual código.

Maria Helena Diniz comenta:

 

Protege-se, juridicamente, o consorte supérstite, deferindo-se lhe a sucessão, se, ao tempo da morte do outro preenchendo os requisitos gerais legais, do art. 1.830, não estava separado extrajudicial e judicialmente nem de fato a mais de dois anos, salvo se comprovar ocorrendo à última hipótese, que a convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente (DINIZ, 2010, p. 1.295).

 

Após diversas lutas, o Código Civil de 2002 trouxe uma grande conquista para os cônjuges e companheiros na sucessão, os quais passaram a serem herdeiros necessários em situação privilegiada, havendo igualdade entre eles e os descendentes no campo do direito sucessório, podendo até mesmo ter acesso a quinhão superior a ¼ dos bens e com os ascendentes. O Código Civil de 1916 dava o direito na meação e na habitação, no diploma legal de 2002, esses direitos continuaram a prevalecer. Nesse sentindo, conceitua Sílvio de Salvo Venosa, “A doutrina sempre defendeu a colocação do cônjuge como herdeiro necessário, posição que veio a ser conquistada com o Código de 2002, embora sob condições” (VENOSA, 2013, p. 132).

No momento em que entrou em vigor o Código Civil de 2002, o cônjuge ou companheiro passaram a concorrer na herança como herdeiros de 1ª, 2ª ou 3ª classe. Seguindo as regras de cada regime de bens os cônjuges concorrem com os descendentes, já na concorrência com os ascendentes não precisará do regime de bens. O artigo 1.829, inciso I, do Código Civil dispõe:

 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002).

 

Assim, os descendentes e os cônjuges são herdeiros de primeira classe, que concorrem a depender do regime de bens adotado no casamento ou na união estável. Conforme dispositivo legal o cônjuge ou companheiro herdará quando adotado os regimes de participação final nos aquestos, separação convencional de bens e comunhão parcial de bens, quando o de cujus houver deixado patrimônio particular. Por outro lado, o cônjuge não terá direito à herança nos regimes de comunhão universal de bens, separação legal ou obrigatória e comunhão parcial quando não existirem bens particulares (TARTUCE, 2018).

O cônjuge ou companheiro para concorrer à herança deve seguir algumas condições. A primeira está disposta no artigo 1.830 do Código Civil, o qual estabelece que o cônjuge sobrevivente só tenha participação ou concorrência na herança, se antes da morte do “de cujus” não estivessem separados judicialmente ou de fato por mais de dois anos, exceto se o motivo da separação foi dado pela culpa exclusiva do falecido:

 

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. (BRASIL, 2002).

 

A segunda condição está prevista no inciso I, do artigo 1.829 do Código Civil de 2002, nos regimes da comunhão universal, comunhão parcial e da separação obrigatória, sem patrimônio particular, o cônjuge não concorrer com os descentes, tendo direito apenas na meação dos bens. Os outros regimes de bens, o cônjuge concorrerá na totalidade da herança. (BRASIL, 2002).

Os direitos do cônjuge não acabam por aqui, ele ainda é assegurado pelo direito de habitação, não poderá este ficar privado de moradia e nem ficará desamparado:

 

Art. 1.831 Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (BRASIL, 2002).

 

Nesse contexto, verifica-se a evolução que o Código Civil de 2002 trouxe para os direitos do cônjuge no campo sucessório, estes que, por muito tempo, ficaram abandonados.

 

5 Hipóteses e concorrência do cônjuge em face dos herdeiros no regime da comunhão de bens

 

No Código Civil de 2002 o legislador regularizou que a concorrência do cônjuge se dará pelo regime de bens que regia o matrimônio. Entretanto, no regime da comunhão parcial de bens passaram a existir diversas interpretações sobre em quais patrimônios deixados pelo “de cujus” o supérstite concorreria na partilha.

Divergentes interpretações vêm acontecendo nas jurisprudências e doutrinas no nosso Estado, consequentemente, tornando-se alvo de críticas. Uma delas é de Silvo de Salvo Venosa:

 

O Código Civil brasileiro de 2002 representa verdadeira tragédia, um desprestígio e um desrespeito para nosso meio jurídico e para a sociedade, tamanhas são as improbidades que desembocam em perplexidades interpretativas. Melhor seria que fosse, nesse aspecto, totalmente reescrito e que apagasse o que foi feito, como uma mancha na cultura nacional (VENOSA, 2013, p. 135).

 

Nesses termos, o cônjuge é herdeiro necessário, e quando concorrer com descendentes e o regime de matrimônio for o de comunhão parcial só herdará se o “de cujus” tiver deixado bens particulares.

Como já mencionado, o legislador vem sendo alvo de diversas críticas pelos doutrinadores e o motivo é pela interpretação de quais bens que o cônjuge sobrevivente concorrerá na herança quando o falecido deixar bens particulares.

Flávio Tartuce, em sua obra nos relata que, no nosso Estado existem três correntes doutrinarias a respeito da interpretação do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil de 2002. Na primeira, entende-se que o cônjuge sobrevivente concorrerá como herdeiro apenas nos bens particulares do falecido, na segunda, defende que o espólio tem que ser total, sendo incluídos os bens particulares e comuns e o último entendimento é isolado, entende-se que a concorrência no regime de comunhão de bens é tão somente nos bens comuns. (TARTUCE, 2017).

A primeira corrente doutrinaria, defende que o legislador protegeu os descendentes na disputa da herança, a qual permite que o cônjuge sobrevivente só concorra na herança apenas nos bens particulares, aos bens comuns o cônjuge já tem direito a meação, de forma lógica, não sendo justo que àqueles apenas tenham direito em uma pequena parte da herança. Conceitua Flávio Tartuce, “no regime da comunhão parcial de bens, a concorrência sucessória somente se refere aos bens particulares, aqueles que não entram na meação” (TARTUCE, 2018, p.1.693).

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, o viúvo ou viúva tem o direito de concorrer junto com os descendentes sobre os bens particulares deixados pelo “de cujus”, tendo no matrimônio adotado o regime da comunhão parcial de bens.

 

Nesse sentindo, com habitual erudição, Pablo Gagliano e Rodolfo Filho ensina:

 

De acordo com a lógica linha de raciocínio, a teor do critério escolhido pelo legislador – no sentido de que cônjuge sobrevivente (que fora casado em regime de comunhão parcial) somente terá direito concorrencial quando o falecido houver deixado bens particulares –, é forçoso convir que tal direito incidirá apenas sobre essa parcela de bens (GAGLIANO,, PAMPLONA FILHO, 2014, p. 212).

 

Nesse mesmo sentido, o Enunciado n. 270 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil:

 

O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes (BRASIL, 2004).

 

Pode-se concluir que, o legislador ao legislar o artigo 1.829, inciso I, ao se expressar sobre “bens particulares” quis limitar o direito concorrencial do consorte apenas para essa categoria de patrimônio, trata-se de uma interpretação fácil e lógica. Ao supérstite já é garantindo um amparo a meação sobre o patrimônio comum, esses adquiridos conjuntamente durante o casamento (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2017).

A segunda corrente doutrinaria defende que o cônjuge sobrevivente tem que concorrer em todo o acervo hereditário, não podendo dividir os bens em particulares e os bens comuns. Entretanto, o sobrevivente não poderá ser colocado em situação inferior com os descendentes na disputa da herança.

Esta corrente é defendida por Maria Helena Diniz, segundo a autora, é importante destacar que, com o falecimento do cônjuge ou companheiro duas consequências são geradas, a primeira é na seara do direito de família, trazendo a extinção da união matrimonial e colocando fim no regime de bens, assim sendo, o supérstite sendo coproprietário, tem direito na meação, retirando o seu patrimônio comum, pois, já é possuidor da sua parte ideal, anterior a abertura da sucessão. A segunda consequência é no âmbito do direito das sucessões, no óbito do “de cujus” o seu patrimônio torna-se herança, sendo estes transferidos imediatamente para os descendentes em concorrência com o cônjuge e ascendentes (Diniz, 2018). Assim:

 

Há confusão terminológica, pois o art. 1.829, no inciso I, parece confundir meação com herança, o que não ocorre no inciso II. Da leitura do art. 1.829, caput, combinada com os incisos I e II e com os arts. 1.832, 1.845, 1.846 e 1.791, infere-se que se erigiu o regime matrimonial de bens do casamento como mero requisito ao direito de suceder do cônjuge em concorrência com descendente do autor da herança, ao lado dos previstos no art. 1.830: não estar separado extrajudicial ou judicialmente, nem de fato, há mais de dois anos (DINIZ, 2018, p.152).

 

Meação e herança são institutos diversos, a meação refere-se aos bens que já pertencem ao cônjuge e tem fundamento distinto do direito de herança, baseado no direito sucessório, que surge com o falecimento do cônjuge. A lei dispõe que o cônjuge herdará quando houver bens particulares, não diz que ele herdará se existirem bens particulares e que apenas sobre eles incidirá seu quinhão hereditário.

Adepta da segunda corrente, Maria Helena Diniz, argumenta que: a) a existência de bens particulares é apenas pressuposto para o direito à herança do viúvo casado sob o regime de comunhão parcial de bens, b) a herança é indivisível, ainda que vários sejam os herdeiros, c) o cônjuge sobrevivente que for genitor dos herdeiros, terá direito a uma quota não inferior a um quarto da herança (DINIZ, 2018).

A terceira e última corrente doutrinaria, é apenas observada por Maria Berenice Dias, a qual leciona que o cônjuge sobrevivente concorrerá somente nos bens comuns. Assim dispõe a Doutrinadora: “[...] buscando contornar ao menos em parte a incongruência da norma legal, sustento que o direito de concorrência deve ser calculado exclusivamente sobre os bens comuns, ou seja, os adquiridos durante o casamento” (DIAS, 2011, p.143, apud TARTUCE, 2017, p. 108).

Entretanto, este entendimento não é muito utilizado, pois sua principal fundamentação é de acordo com o artigo 1.790 do Código Civil de 2002, como já mencionado, o qual foi considerado inconstitucional por diferenciar cônjuge de companheiro.

É importante destacar a decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu que o cônjuge sobrevivente além da meação tem direito a concorrer na herança sobre os bens comuns, mesmo havendo bens particulares:

 

[...] Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02. - Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados apenas entre os descendentes. Recurso especial improvido2.

 

Esse foi o entendimento consagrado também em outras decisões do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo, no REsp 1.377.084 MG. Contudo em 2015, a segunda turma julgou a questão e decidiu que a concorrência do cônjuge no regime da comunhão parcial, referia-se apenas aos bens particulares, dos quais não há direito à meação:

 

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXISTÊNCIA DE DESCENDENTES DO CÔNJUGE FALECIDO. CONCORRÊNCIA. ACERVO HEREDITÁRIO. EXISTÊNCIA DE BENS PARTICULARES DO DE CUJUS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. 1. Não se constata violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando a Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. 3. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus3.

 

Assim, verifica-se que após a inovação trazida pelo o Código Civil de 2002 surgiram grandes divergências a respeito desse tema, as quais repercutiram por todos esses anos, espera-se que com essa última decisão do STJ, estabeleça-se maior estabilidade na análise desse assunto. Ressalta-se que o entendimento aplicado é o consagrado na maioria da doutrina (TARTUCE, 2018).

 

6 Considerações finais

 

Tomando como referência todo o acervo jurisprudencial e doutrinário que trouxe conhecimentos necessários para que fosse realizado este artigo, não restou dúvidas que o direito das sucessões tem papel fundamental no âmbito familiar, trazendo proteção e garantias para que o cônjuge supérstite não seja desamparado após o falecimento do seu consorte.

O Código Civil de 2002 veio com o objetivo de inovar a respeito da elevação do cônjuge na categoria de herdeiro necessário, entretanto, o artigo 1.829, inciso I, trouxe diversas desavenças a respeito do seu texto, pelo motivo de ser incompleto, não ser explícito e ter duplo entendimento, o que acarretou em uma grande insegurança jurídica.

No nosso país a jurisprudência tem elevada importância, por possuir o papel de uniformizar a aplicação da legislação, até mesmo de suprir as lacunas, verificar à norma interpretação conforme os princípios da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cujo legislador originário dispôs da dignidade da pessoa, consolidando direitos e garantias sociais, vedando a discriminação de todos os gêneros e reconhecendo todas as formas de entidades familiares.

Até o ano de 2014, não era possível concretizar em quais patrimônios do falecido o cônjuge sobrevivente seria herdeiro, somente no ano de 2015, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento que reconhecia que o cônjuge supérstite teria qualidade de herdeiro apenas para os bens particulares deixados pelo “de cujus”.

Sendo assim, o cônjuge sobrevivente que estiver casado pelo regime da comunhão parcial de bens, tem o direito a concorrer como herdeiro apenas no patrimônio particular do “de cujus”, não podendo receber quota inferior de um quarto, em relação aos bens comuns o supérstite terá direito apenas na meação.

Se essa solução não trouxe a satisfação de todas as realidades sociais, resta para os cônjuges que ao realizar o pacto antenupcial busquem alternativas, para atender os seus interesses pessoais e familiares, escolhendo o regime que vai proteger o direito dos filhos e para aqueles com quem escolheu trilhar os mesmos caminhos.

A solução encontrada pelo STJ não afasta uma nova reforma legislativa, mas espera-se que traga uma maior estabilidade e segurança jurídica para a nossa legislação, pois, esse entendimento já era consagrado por vários doutrinadores.

  • Casamento. Família. Regime de Bens. Cônjuge. Suces

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 jun. 2019.

 

______. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9278.htm>. Acesso em: 03 jun. 2019.

 

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 03 jun. 2019.

 

______. Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. Enunciado 270. III Jornada de Direito Civil, 2004. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/531>. Acesso em: 27 ago. 2019.

 

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.117.563 SP, 3ª Turma, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento:17/12/2009, Data de Publicação: 06/04/2010.

 

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.368.123 SP, 2ª Seção, Relator: Ministro Sidnei Beneti, Data de Julgamento: 22/04/2015, Data de Publicação: 08/06/2015.

 

______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 878.694 MG, Plenário, Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 16/04/2015, Data de Publicação: 19/05/2015.

 

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula 377. Data de Aprovação: 03/04/1964. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=4022>. Acesso em: 31 ago. 2019.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

 

______. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões.1. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2010.

 

______. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

 

______. Manual de Direito Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

 

______. Direito Civil: Família. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2018.


Cíntia Ramalho Cantão

Estudante de Direito - Teófilo Otoni, MG


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