O EXAME DE PATERNIDADE (DNA) COMO HIPOTESE DE CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA PREVISTA NO ART. 485 CPC.


04/09/2014 às 06h58
Por Carine Cruz Advogada

O EXAME DE PATERNIDADE (DNA) COMO HIPOTESE DE CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA PREVISTA NO ART. 485 CPC.

RESUMO

Pertinente o questionamento se se encerra ou não o Art. 485 do CPC, com os seus nove incisos, em números Clausius, ou se haveria espaço para mais hipótese de rescindibilidade, mediante interpretação não literal este dispositivo de lei. Tema que assume tons mais fortes, quando contrastado com a recente “sacralização” do exame de DNA (porta-estandarte da Ação de Investigação de Paternidade), e que se intensifica em face da evidencia de que a recusa ao exame em foco pode produzir, por si só, em razão do seu elevado grau de certeza, a declaração da paternidade vindicada pela parte demandante, independentemente de qualquer cotejo ou comparação com as demais provas produzidas no processo. Premissa que induz a conclusão de que o exame de DNA, na condição de meio de prova capaz de dirimir por completo a dúvida quanto a paternidade presumida, pode e deve ser concebido, numa interpretação extensiva, do Art. 485 do Código de Ritos, como hipótese de Rescisão, porquanto perfeitamente compatível com a acepção de “documento novo”, nos termos do inciso VII do citado dispositivo legal. Cabendo, pois, ao presente trabalho, a reflexão crítica e pragmática em torno do tema com os contornos da relativização da coisa julgada, em necessário contraponto com a segurança jurídica.

Palavras-chave: Ação Rescisória, Exame de DNA, Investigação de Paternidade, Presunção, Coisa Julgada (Material), relativização da coisa julgada, interpretação extensiva de dispositivo de lei.

INTRODUÇÃO

Em recente posicionamento manifestado em sede da Egrégia Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça[1], entendeu-se que o exame de DNA, realizado, posteriormente à declaração de paternidade, deve, sim ser considerado “documento novo”, e, por isso mesmo, meio pato a ensejar a propositura de ação rescisória, nos termos do Artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil.

Entendemos que as ações de investigação de paternidade tem muito a contribuir para a pacificação dos conflitos na identificação das relações de parentesco, mesmo nos casos em que não utilizou o exame de DNA como prova no bojo do processo em que se discutiu a paternidade. Melhor dizendo, inferimos eu o exame da carga genética, dado o seu grau de certeza no resultado, deve vir contemplado dentre as hipóteses cabíveis da ação rescisória do Artigo 485 do Código de Processo Civil.

Porém, é necessária cautela e uma análise detida, sobretudo do ponto de vista procedimental (processual mesmo), quanto aos desdobramentos deste método de investigação, notadamente sob a óptica da distribuição da carga probatória, conquanto inviável a imposição, ao demandante, - muitas vezes hipossuficiente-, da comprovação do fato do seu alegado direito, dado o impacto financeiro próprio desta medida.

Afinal de contas, claro esta que a referida prova apresenta dupla ordem de dificuldade. A primeira, quanto à imprescindibilidade da participação do demandado na sua realização, e a segunda, como dito no parágrafo anterior, relacionada ao empecilho de ordem financeira, por ser dispendioso o exame de DNA; não dispondo os litigantes, no mais das vezes, de recursos suficientes ao custeio da investigação por meio deste exame, a culminar na dispensa da perícia técnica, substituída pela prova testemunhal (que não garante a justiça na decisão a ser prolatada).

Ainda assim, a margem do referido imbróglio, o que aqui nos interessa soa os casos em, que o demandado, valendo-se do seu direito de não usar ser submetido ao exame de DNA, - seja por não desejar realizar prova contra si mesmo, seja por não dispor de meios para custear o exame pericial-, acaba sendo declarado, de forma presumida, genitor da criança demandante; descobrindo-se depois, pelo estudo da carga genética, não ser verdadeira dita declaração.

Contexto em que se pretende erigir o exame de DNA à condição de hipótese de rescindibilidade de eventual declaratória de paternidade presumida, quando esgotados os recursos cabíveis contra tal decisão, ou na ausência de interposição do recurso cabível no caso especifico. Considerações que faremos cientes de que não é unanime a classificação do exame em apreço como “documento novo”.

Aliás, sabemos inclusive, que o próprio Superior Tribunal Federal, nos termos do informativo nº 361, entendeu que o exame de DNA, realizado posteriormente à sentença declaratória de paternidade presumida, afigura-se muito mais como novo documento produzido, ou seja, prova produzida após transito em julgado na sentença rescindenda, do que documento já existente e posteriormente apresentado como novo.

De todo modo, o que aqui se pretende discutir, em síntese, é o caráter inconteste do resultado do multidirecionado exame, conquanto suficiente, por si só, para permitir ao jurisdicionado a prolação de uma decisão mais juta, com a consequente e necessária rescisão da declaratória de paternidade presumida, a qual quando constatada com o exame da carga genética acaba se mostrando comprovadamente equivocada.

Pelo que propomos, a título sugestivo, a aplicação do entendimento esposado pelo STJ,- especificamente no REsp nº 653942-MG-, ao Art. 485, inciso VII, do CPC, seja pela via da inclusão do exame de DNA como hipótese de ação rescisória, ou como interpretação extensiva do já existente dispositivo legal do Código de Ritos (no que diz respeito ao “documento novo”).

Pretensão que enfrentara, inevitavelmente, o eterno conflito entre dois valores essenciais do nosso ordenamento jurídico, a saber, a justiça e a segurança jurídica. Devendo prevalecer, na investigação da paternidade, ao nosso sentir, a derradeira chance à justiça, na busca da verdade real,- ainda que de maneira excepcional, por vida da ação rescisória-, em detrimento de uma equivocada segurança jurídica, com a atribuição da falsa paternidade presumida.

Antes, de firmarmos o entendimento em torno da rescindibilidade da decisão declaratória da paternidade presumida, algumas questões de fundo precisam ser devidamente esclarecidas, a exemplo da coisa julgada, “que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”, em contraponto com o Art. 485 do CPC, que estabelece de modo preciso o âmbito da incidência da coisa julgada, prevendo para a desconstituição da sentença de mérito transitada em julgado a via restrita e excepcional da ação rescisória[2].

Cabendo notar que dentro da mesma Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça já divergências quando a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. Sem contar que na jurisprudência o tema está longe de ser pacifico, independentemente de doutrina, - dividida em duas correntes-, vir admitindo amplamente a relativização da coisa julgada.

Sendo que a corrente, considerada, aqui, a primeira, preceitue que sempre que a decisão violar a Constituição Federal, a coisa julgada poderá ser relativizada. Enquanto a segunda corrente estabelece que sempre que a decisão afrontar um princípio constitucional, mais relevantes que a coisa julgada, tal como é o princípio da dignidade da pessoa humana, admite-se a sua relativização.

Pelo que entendemos que o projeto individual do futuro do acionante na ação de investigação de paternidade deve partir, - no caminho da efetiva concretização do direito fundamental à filiação-, de premissas dotadas e confiabilidade, cuja higidez não seja colocada em xeque diante de prova cientifica dotada de tamanho de grau de certeza

quanto o exame de DNA.

{C}1. A RESCINDIBILIDADE E A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Em sede de princípio, cumpre-nos registrar que a decisão a ser desconstituída por meio da ação rescisória pressupõe a existência jurídica do decisum. Ou seja, o ponto de partida de todo entendimento ao derredor da rescisão reside na existência da decisão rescindenda, vez que a sentença proferida e processo juridicamente inexistente, ou eivada de vicio in procedendo intrínseco, - a torna-la juridicamente inexistente-, jamais poderá ser rescindida pela via da ação excepcional.

É que o ato sentencial maculado por vícios de natureza absoluta jamais produzira efeitos e não terá eficácia, conquanto inexista como ato jurídico propriamente dito, e porquanto não produza coisa julgada; justo em face da sua total ineficácia perante o ordenamento jurídico. Daí porque se afirmar, com toda segurança, que a sentença proferida em processo juridicamente inexistente jamais poderá ser objeto de ação rescisória.

Por outro lado, quando se trata de sentença nula, o entendimento pacificado é no sentido da extirpação dela do ordenamento jurídico, através, - segundo entendimento majoritário da doutrina-, da impugnação autônoma, ou melhor, da rescisória; cuja natureza jurídica, como a própria qualificação sugere, é de uma ação propriamente dita, submetida, inclusive, ao princípio da inércia da jurisdição, a exigir, dos legitimados, provocação mediante petição inicial, nos moldes entabulados nos artigos 282, 283 e 487 do CPC.

Tudo isso sem perder de vista, até mesmo por se tratar do objeto patrimonial deste estudo, o entendimento de que mesmo as sentenças válidas serão passiveis de desconstituição pela via da propositura da ação rescisória. Precisamente como deve ocorrer diante da constatação da existência de “DOCUMENTO NOVO”, - no caso, do exame de DNA -, conforme elencado no Art. 485, inciso VII, do atual Código de Processo Civil.

Afigurando-se a rescisória, pois, como espécie de sucedâneo recursal externo, como meio de impugnação de decisão judicial que se desenvolve em processo distinto daquele em que a decisão impugnada foi proferida. Daí porque se convencionou chama-la de “ação autônoma de impugnação”. Ou seja, enquanto o recurso é meio de impugnação cabível no tramite processual, e no processo em que discute a questão de fundo, a ação rescisória é remédio cabível tão somente após o transito em julgado da decisão rescindenda, a ser intentada em processo autônomo, novo.

Diante da necessidade de a decisão impugnada resolver o mérito da demanda, pode-se muito bem concluir que ação rescisória, enquanto ação autônoma e impugnação, visa a desconstituição das decisões judiciais formadoras de coisa julgada material, daí por que considera-la como hipótese excepcional,- ainda que legalmente prevista -, de “relativização da coisa julgada “.

No entanto, o entendimento até o presente momento sedimentado é o que apenas cabe a propositura de ação rescisória contra decisões transitadas em julgado, - independentemente do seu enquadramento como sentença [3]-, ou contra decisões finais de processos, que se encartem em uma das hipóteses taxativamente elencadas no Art. 485, incisos, do CPC, das quais não caiba mais qualquer recurso ou qualquer outro meio de impugnação.

Cabendo-nos registrar, contudo, que não há necessidade de esgotamento de todos os recursos cabíveis para o avivamento da rescisória. Demais disso, a rescisória é uma ação de competência originaria de tribunal, dependendo a determinação do órgão julgador, no entanto, dos eventuais recursos interpostos no processo originário e da espécie de julgamento de tais recursos.

Demais disso, a rescisória é uma ação de competência originaria de tribunal, dependendo a determinação do órgão julgador, no entanto, dos eventuais recursos interpostos no processo originário e da espécie e julgamento de tais recursos.

Logo, havendo sentença declaratória de paternidade transitada em julgado, ou seja, de decisão a ser impugnada pela via da ação rescisória (indecium resciends), e a pretensão de novo julgamento da questão envolvendo a paternidade declarada (iudicium rescissorium ), é possível a propositura da rescisória dentro de dois anos, contados do transito em julgado da decisão rescindenda, a qual, segundo entendimento do STJ, deve ser a última proferida no processo,, ainda que verse exclusivamente sobre a inadmissão de recurso.

Cabendo ponderar, precisamente no presente trabalho, - envolvendo a investigação de paternidade -, não haver confusão entre o prazo para a propositura da ação rescisória e o caráter e imprescritibilidade da ação de investigação, que repousa na conexão existente entre o interesse do indivíduo e o interesse do Estado. Afinal, enquanto vivo o filho, assiste ao filho o direito de reclamar o seu status familiae, que implica coincidência de direitos e deveres, em múnus que impõe a alguém isentar-se de seus deveres, despojando-se dos direitos que porventura lhe assistam. Neste sentido, inclusive, o enunciado da sumula 149 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual: “é imprescritível a ação de investigação de paternidade...”

Significando que o filho pode investigar a sua paternidade genética e socioafetiva a qualquer tempo, sem prazo decadencial a incidir sobre sua ação, o que tem sido confirmado pela jurisprudência.

Bastando, então, a subsunção dos fatos as disposições constantes do multimencionado Art. 485 do Código de Processo Civil, em especial, in causu, com a evidencia de que o exame de DNA não fora apresentado nãos autos da ação declaratória da paternidade presumida, o qual, na condição plena e “documento novo”, poderá ser perfeitamente utilizado na ação rescisória, nos precisos termos do inciso VII daquele dispositivo da Código de Ritos.

Diversos são os questionamentos surgidos em torno da “relativização da coisa julgada”, ou melhor, da possibilidade de “relativização” dela independentemente do uso da ação rescisória.

E um dos melhores exemplos para se dar fundamento a tese da “relativização da coisa julgada “é a ação de paternidade, cuja sentença, transitada em julgado, declara se o autor é ou não filho do réu. Decisão após a qual, com a produção da prova inconteste do exame de DNA, a demonstrar o contrário do que se decidiu, se faz possível uma pertinente rediscussão, visto que o argumento, mais do que valido, recai sobre a discutibilidade da coisa julgada, que não pode prevalecer sobre a realidade, a saber, de que o réu é, ou deixa de ser, pai biológico do autor.

Importante registrar que não se pretende, aqui, negar a importância da coisa julgada. Contudo, não é possível aceitar como racional o entendimento de que, em prol de suposta segurança jurídica, se venha a cristalizar decisão flagrantemente equivocada, ainda mais em face de tamanha evidencia, - cientifica, inclusive, no caso do exame e DNA-, de que a decisão proferida e transitada em julgado contem erro crasso, com gravíssima repercussão na esfera dos direitos patrimoniais e personalíssimos da parte insurgente.

E que não se argumente, de forma equivocada, que a investigação de paternidade não se enquadra perfeitamente na moldura traçada no dispositivo legal do Art., 485 do CPC, pois, nosso entendimento, o exame de DNA é, sim, um documento; e quando não existente, ou de uso indisponível na investigação da paternidade, “documento novo”, sem dúvida.

De se convir, também, que a impossibilidade de o legislador acompanhar a velocidade do progresso de tecnologia não pode servir de argumento para se ignorar que o Juiz não tendo à disposição do exame de DNA por motivos diversos, não deva considera-lo no momento em que provocado mediante ação rescisória. Para isso basta aceitar que a investigação de paternidade seja alcançada a categoria de hipótese rescisória.

Como se, basta somente adequar o conceito de “documento novo” -, desenvolvido em época já distante, -à realidade da sociedade contemporânea, isto é, a descoberta do exame de DNA.

O fato é que a coisa julgada sempre pôde ser relativizada nos casos expressos em lei, como, por exemplo, na hipótese de documento novo de que a parte não pôde fazer uso, mas que seja capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável (art. 485, VII do CPC). Logo, nos basta o reconhecimento do exame de DNA, nos termos do inciso VII do citado dispositivo, como hipótese ensejadora de ação rescisória.

Ademais, de acordo com o escolio de Ilustre Doutrinador Humberto Theodoro Junior[4] “a coisa julgada existe como criação necessária à necessária pratica das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão”. Não se pode olvidar, todavia, que “numa sociedade de homens livres, a justiça tem de estar acima da segurança, porque sem justiça não há liberdade.”

Não se pretendendo aqui, claro, inferir que a ação de paternidade seja sempre julgada de tal o qual forma, não. O que se discute é que nessas demandas, envolvendo a investigação de paternidade, seja perseguida, acima de tudo a paternidade genética, com a produção, inclusive de oficio pelo magistrado, de todas as provas, documental, testemunhal, depoimento pessoal e pericial, especialmente com o exame genético de DNA, de modo a evitara prolação de sentenças de improcedência por insuficiência de provas, ou a declaração de paternidade pela simples colheita de depoimento pessoal do Autor e do Réu, bem assim das testemunhas envolvidas.

Concorda com a incoerência da coisa julgada material, nas ações de investigação de paternidade, a insigne professora Maria Berenice[5], uma vez que “a ausência de prova, que no juízo criminal enseja absolvição, ainda que não tenha correspondência na esfera cível, não pode levar a um juízo de improcedência, mediante sentença definitiva”. Atestando a ilustre doutrinadora que “ainda que ditas disposições sejam tidas como verdadeiras excrescências ao princípio da estabilidade jurídica, não se pode deixar de invocar como precedentes a autorizarem o afastamento dos efeitos da coisa julgada quando a ação diz como o estado da pessoa”.

{C}2. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E A QUESTAO DA PROVA;

Como já dito alhures, das demandas que transitam pelo Poder Judiciário, a investigatória de paternidade talvez se afigure como aquela que apresentava, até o advento do exame de DNA, maiores dificuldades no campo da produção probatória.

Entrementes, a evolução cientifica veio a revolucionar a investigação dos vínculos parentais, por meio de métodos cada vez mais seguros de identificação dos indicadores genéticos, revelando-se como meio de muita utilidade na busca do reconhecimento a essa espécie de direito o exame de DNA, com índices de certeza por demais significativos, os quais acabaram por subsidiar a decisão dos juízos nas ações de investigação de paternidade.

Tal descoberta, tonou possível a comparação dos padrões genéticos de dois ou mais indivíduos e, pela primeira vez, a comprovação com certeza absoluta (superior a 99,9999%), se um indivíduo é ou não pai biológico de uma criança.

Porém , nada obstante ao reconhecido avanço , eis que a prova pericial em questão passou a se confrontar com questões intrincadas, a exemplo de imprescindibilidade de participação do demandado na realização da perícia, o que se esbarra no impedimento legal de se obrigar alguém a produzir prova contra si mesmo, não sendo possível, portanto, submeter o investigado, coactamente, ao exame de DNA, sobe pena de grave afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e do respeito a integridade física do cidadão, ambos resguardados constitucionalmente.

Afigurando-se a recusa a submissão ao exame genético em DNA, pois, como um dos mais difíceis imbróglios a se resolver na seara da investigação da paternidade, sendo que parte dos tribunais admite a condução coercitiva do investigado[6], enquanto o Supremo Tribunal Federal nega essa conduta processual.

O STJ, por seu turno, tem entendido como obrigatória a produção desta prova (exame de DNA), já o STF, por maioria, decidiu não ser possível a condução coercitiva do investigado à realização do exame de DNA.

Como consequência da sobredita divergência de entendimento, instalou-se um conflito jurisprudencial entre o STF e o STJ, garantindo o STF, de um lado o direito ao investigado de recusa ao exame de DNA, e de outro, o STJ determinando a produção dessa prova, sob o fundamento de que o modo de ser filho, de serem-família, é “um direito de personalidade à descoberta de sua real identidade, e não mais apenas um vínculo presumido por disposição de lei[7]”.

Outro fator e dificuldade na produção desta prova pericial é de ordem eminentemente pragmática, financeira, em razão do valor do exame de DNA, que não é custeado pelo Estado, e que, a maioria dos casos, também não é suportado pelas partes litigantes, dando o caráter de hipossuficiência.

O que sobreleva o dever de ambas as partes colaborarem com o julgamento, e com a distribuição da carga probatória (art. 339 do CPC), procedendo, deste modo, com lealdade boa-fé (inc. II do art., 14 do CPC). Notadamente quando evidenciado que se trata, na investigação de paternidade, de ação atrelada ao estado da pessoa, ou seja, a envolver direito personalíssimo, onde não se operam os efeitos confessionais decorrentes da revelia. De modo que a eventual omissão do réu, negando-se a se submeter ao exame, não pode, ou pelo menos, não deve onera-lo, não automaticamente, a título de aplicação dos efeitos da revelia, com a presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial.

Contudo, tendo em vista, primordialmente, o fato de que a omissão do próprio demandado ou do Estado em viabilizar a realização da prova não implica, necessariamente, na formação de um juízo de convicção, a ser selado pelo manto da imutabilidade, de não ser o réu pai do autor. Daí porque se entende, e aqui se pretende sustentar como cabível, a ação rescisória mediante apresentação de exame de DNA como documento novo.

O que não implica, desconsideração das demais provas a serem produzidas em sede do processo da ação de investigação de paternidade. Cabendo ao magistrado em conformidade com as prerrogativas que lhe são próprias, valorar as provas de acordo com o seu livre convencimento. Sendo inconteste, entretanto, o caráter de certeza do exame de carga genética, cuja precisão equivale a 99,9 % de acerto.

Outro aspecto de igual relevância reside na produção probatória, ou melhor, na distribuição do ônus da prova, uma vez que, quando nãos e produz prova nenhuma par fatos significativos e discutidos, ou quando e assenta a conclusão sobre provas temerárias, a exemplo de testemunho e depoimentos de partes inclinadas à verdade pretendida por um, assume relevo a questão da carga probatória. Neste caso específico a parte a quem incumbia dito ônus, ou seja, o investigado, na ação de declaração de paternidade, que resulta prejudicado, pela não determinação de um fato que lhe competia provar.

Pertinentes, neste comenos, as conclusões do magistrado FLAVIO RENATO CORREIA DE ALMEIDA, segundo o qual: “Não basta ao julgado despreocupar-se da realidade, jungindo-se apenas ‘ao alegado e aprovado pelas partes’, assim como não bastam as partes meras e superficiais negativas ao fato. Todos os sujeitos processuais, conquanto integrantes de uma função estatal, possuem responsabilidades e normas ao acionar e manipular a máquina jurisdicional. Cumpre-lhes, acima de tudo, e com regras claras de repartição de atribuições processuais, buscar a justa solução dos litígios, sem o que a pacificação social torna-se utopia[8]”

{C}3. PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE PELA RECUSA AO DNA;

Por tudo o quanto exposto nas linhas antecedentes, pode-se afirmar, com toda serenidade, que o sancionamento da Lei nº 12.004/09 veio me muito boa hora. Isto porque a referida legislação, ao alterar a Lei nº 8.560/92, passou a regular a investigação de paternidade de modo a reconhecer que todos os meios legais, ai incluídos todos aqueles moralmente legítimos e hábeis a comprovarem a veracidade dos fatos alegados na inicial da investigação de paternidade. Fazendo com que a recusa do réu em submeter ao examede código genético – DNA gere tão somente uma presunção de paternidade, a ser apreciada em conjunto com o restante do contexto probatório.

Pode-se afirmar que a alteração legislativa veio em boa hora, conquanto a edição da nova Lei nº 12.004/09 conforme, de maneira bastante incisiva, a generalização dos julgamentos pela presunção de que a recusa ao exame de DNA implicaria, necessariamente, na assunção de paternidade. Afinal, por duvidosa que é a segurança ou a certeza do resultado do julgamento, não se pode negar que a aplicação irrestrita da presunção de paternidade pela recusai ao DNA representa uma espécie de espúria de punição ao réu que se recusa a se submeter ao exame.

Inclusive são invocados os seguintes fundamentos jurídicos no afastamento da condução coercitiva o investigado na produção do exame genético de DNA. Primeiro, a defesa dos direitos fundamentais a liberdade, a intimidade, a vida privada, à intangibilidade física e da não obrigatoriedade de produção de provas contra si garantindo os princípios da legalidade e da reserva da Constituição do Brasil[9].

A alteração legislativa, nesse contexto, muito mais do que o sensacionalismo da presunção de paternidade ante a recusa ao exame de DNA, veio, isto sim, para disciplinar a aplicação indiscriminada desta ferramenta, que é importante, disto não há menor dúvida, mas não é um fim em si mesmo, não é o fato gerador d paternidade, que precisa ser investigada com cautela e prudência, produzindo-se prova documental e testemunhal sempre que possível, com a qual deve ser cotejada a recusa ao exame de DNA, que, dentro do contexto, se reforçar as demais provas, devera conduzir a procedência da ação de investigação de paternidade, ao mesmo tempo em que, se contrariar da demais provas dos autos, não deverá ser plicada, dando-se pela improcedência do pedido.

A ideia de presunção, é ter algo por verdadeiro até que se possa provar o contrário, ou, até mesmo, o entendimento de que se toma alguma coisa por verdadeira por ausência de prova contraria à dita presunção (exatamente como ocorre em casos de declaração de paternidade presumida).

A despeito, da importância da presunção legal para a pratica processual e para a possibilidade mesma de que haja a formação da convicção do julgador, sabemos que os ser humano – na sua condição de ser falível-, é passível de errar, de levar-se por preconceitos e de ter uma percepção erradas das coisas, deve lançar mão, sempre que possível, de um maior grau de certeza quando dos seus julgamentos. De modo que, havendo a possibilidade da utilização do exame pericial, para fins de atestar a paternidade biológica, muito além da paternidade presumida, não se deve, sob o pretexto de privilegiar técnica de presunção, ignorar a chance do certo.

Parece ser esse, precisamente, o caso do direito do filho a revelação da sua paternidade, ou, o direito fundamental que o indivíduo tem a filiação ou, também, e noutra margem, à paternidade, de saber se é ou não, em realidade, filho ou pai de determinada pessoa.

O fato é de que os ventos tem mudado no pensamento jurídico pátrio hodierno, conduzindo à interpretação de que o direito constitucionalmente assegurado à filiação se sobrepõe sobre outros invocados pela parte contraria, que deseja se esquivar da realização do exame da carga genética de DNA.

O novo Código Civil, a bem da verdade, sintetiza os avanços jurisprudenciais, no sentido de que a parte que se recusa imotivadamente a se submeter à perícia medica deve ter contra si o peso da presunção (ainda que juris tantum) da verdade que apenas o exame pericial poderia provar.

A par de outras repercussões em esferas jurídicas distintas, sem dúvida haverá grande ressonância no campo das ações judiciais que questionam a paternidade, onde o exame de DNA se tornou a prova máxima e decisiva. Parecendo acertado, assim o entendimento codificado, no sentido de que: “Art.231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. E mais “Art. 232.A recusa à perícia medica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”

Todavia, evidentes são os problemas na subsunção dos fatos narrados na ação de investigação de paternidade ao citado dispositivo de lei, exatamente quando considerado que o texto legal refere-se à “documento ou coisa”, o que não se aplica tão facilmente ao material genético colhido do suposto genitor investigante, nem tampouco dos materiais genéticos da parte autora, que, de uma análise literal, não se enquadrariam, a rigor, como “coisa” ou como “documento”.

De modo que tal leitura somente é viável a partir de uma interpretação social da norma jurídica reconhecendo que o seu escopo alcança, também o exame de DNA, cuja existência era impensada à época da elaboração da lei processual.

{C}4. O EXAME DE DNA CONCEBIDO COMO “DOCUMENTO NOVO”;

Sem dúvida, o exame de DNA realizado posteriormente à decretação de paternidade presumida, pode ser considerado, no nosso entendimento, como “documento novo”, e, portanto, apto a ensejar a ação rescisória. Afinal, a dicção do Art. 485, inciso VII, do Código de Processo Civil nos remete ao entendimento de que a expressão “não pode fazer uso” comporta interpretações várias, que não apenas a impossibilidade física, existencial, do documento capaz de lhes assegurar pronunciamento favorável.

Todas as particularidades envolvendo a ação de investigação de paternidade não podem e nem devem ser ignoradas, vez que se refletem diretamente na análise da respectiva compatibilidade da decisão a ser tomada com a Constituição Federal. De modo, que no mais das vezes, a questão central devera convergir para a possibilidade ou não de afastamento da coisa julgada material, formada em relação à filiação/ paternidade presumida, em contraponto com a superveniência de novo meio de prova em razão de evolução tecnológica, meio este dotado de altíssimo grau de confiabilidade.

Sabemos, e por isso mesmo tratamos outra vezes deste aspecto, que na discussão da utilização posterior do exame de DNA para dirimir a controvérsia suscitada em derredor da paternidade presumida, se encontram em oposição, de um lado, a garantia fundamental da coisa julgada material (como prevista no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal), informada pelo princípio da segurança jurídica (CF, art. 227, caput e parágrafo 6º), e a própria noção de justiça, mais aproximada possível da verdade real que se busca em todo e qualquer julgamento responsável, probo.

Sabe-se que, como consequência lógica e jurídica, nas condições e situações postas, pela imprescindibilidade da adoção de critérios rígidos para se determinar a forma de vinculação ao alcance da norma jurídica no que tange ao direito fundamental à filiação ( no que se refere a verdadeira paternidade biológica ), notadamente em razão do avanço cientifico com o advento do exame da carga genética ( exame de DNA), visando evitar, acima de tudo, os voluntarismo diversos nas tutelas jurisdicionais não ações de investigação de paternidade.

Tendo como fundamento para o parâmetro proposto acima a presunção de que o Poder Judiciário, através dos órgãos jurisdicionais, ao atuar na concretização do direito fundamental à adequada filiação/distribuição da paternidade biológica, deve avaliar as necessidades prioritárias de toda a coletividade, notadamente em relação à eficácia da tutela jurisdicional a ser proferida. Presunção que, por natural não é absoluta ou inteiramente infensa à revisão judicial, mas que pelo menos sirva para coibir eventuais equívocos com a indevida declaração de paternidade presumida.

Devendo se evitar, sempre que possível o excesso de subjetividade na apreciação das provas utilizadas na ação de investigação de paternidade, que, sob, o pretexto de se propiciar o florescimento da tutela da pessoa, acaba interferindo de modo equivocado na relação entre os particulares, com a imposição de uma paternidade e filiação que, de fato, não pertencem aos litigantes.

{C}5. PRINCIPIO DA SEGURANÇA JURIDICA E A JUSTIÇA;

Enquanto princípio constitucional, a segurança jurídica, seguindo-se da Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy, se afigura como um “mandado de otimização”, cuja efetividade deve ser a máxima possível, tendo em vista as possibilidades fáticas e jurídicas da situação posta em exame, a ordenar que o aplicador do direito a observe de modo a concede-la a máxima efetividade possível. Dependendo, sempre, da situação fático-jurídica posta e dos demais princípios em colisão.

Fato é que, numa ordem objetiva de valores (princípios), ou seja, num sistema jurídico em que prevalecem valores selecionados pelo constituinte como máximas a serem seguidas por aqueles que pretendem atribuir efetividade as normas constitucionais, a segurança jurídica se afigura como a “garantia das garantias”, ou seja, a garantia de manutenção dos valores selecionados na Constituição (direitos fundamentais) de maneira irrevogável.

É tão relevante o princípio da segurança jurídica que, além de contribuir para a duração e um sistema político, na sua, ausência, qualquer sociedade poderia entrar em colapso. Em verdade, dito princípio funciona como um dos mais elementares preceitos que todo ordenamento jurídico deve observar.

Toda essa digressão serve, ao entendimento de que há, também, certa frustração relacionada à expectativa normativa, da mesma forma, inclusive, em que há no tocante a expectativa cognitiva dos atores sociais. E é justamente neste sentido que o Direito desenvolve os mecanismos de reparo dos desapontamentos, com o objetivo de restabelecer a confiança de todos no sistema.

A busca pela pretensão jurisdicional, especificamente nas hipóteses de investigação de paternidade, se frustra diante da ausência de uma resposta segura por parte do órgão judicante,- pelos menos nãos com o grau de certeza próprio da perícia com exame de carga genética (DNA)-, o que conduz a sessão de quebra da expectativa de comportamento padrão, ou de entendimento sedimentado como absoluto, que condiz tão somente com a resposta especifica obtida através da carga genética dos envolvidos, investigante e investigado.

Sendo indubitável, portanto, que o Direito deve exercer o papel fundamental na manutenção da paz, da estrutura social. Função do Direito que, do ponto de vista da Teoria Luhmanniana, está voltada a estabilização das legitimas expectativas dos cidadãos que muitas vezes pende mais para a noção de justiça do que para o instituto da segurança jurídica, já que não subsiste a paz, no corpo social, diante de uma declaração equivocada de paternidade presumida.

O importante e imprescindível, acima de tudo, é ter a consciência de que o conceito de Justiça vira sempre imbuídos de valores e que, junto com tal conceito, virão, também, outros conceitos valorativos que completam a camada axiológica dos seres humanos.

Portanto, o juiz, ao verificar o sistema jurídico como um todo, voltando as exigências da sociedade, e o Direito, como instrumento a entender estas exigência, portanto, na prática, ao interpretar os fatos, as normas e os conceitos da dogmática a fim de solucionar o que lhe foi posto, trata, de alguma forma, o processo como um discurso em que há comunicação entre ele e sociedade, ainda que o faça hipoteticamente e através de argumentos de fundamentação da decisão.

Entendendo-se por justa, pois, a decisão capaz de utilizar argumentos consistentes, em sua fundamentação, e suficientes para convencer as partes de que foi tomada a melhor escolha dentre as possíveis, no momento e, ao mesmo tempo, conquistar a confiança da esfera pública, sem que persista, no tempo, a sensação de injustiça, própria dos casos em que se presume uma paternidade e se comprova, depois, através do exame de DNA, não ser o investigado o pai biológico da criança investigante.

Para uma decisão ser justa é preciso, portanto, que seja consistente, isenta de contradição em relação aos argumentos utilizados; seja capaz de convencer a partes, embora possa contrariar seus interesses individuais; seja, ainda, confiável perante a esfera pública, ou seja, contenha argumentações extrajudiciais destinadas a explicar as razoes pelas quais foi escolhido aquele posicionamento jurídico em vez de outros caminhos que poderiam ter sido escolhidos pelo interprete. O que não se coaduna com a presunção, juris tantum, de uma paternidade pelo simples fato de não ter sido realizado o exame de DNA.

O que se pretende, neste trabalho, é firmar o entendimento de que a decisão não ação de investigação de paternidade , em sua argumentação estritamente jurídica, coerência interna , mas também extrajurídica, deve ser composta de justificação pela escolha do método, bem como dos elementos que, integrando a decisão , lhe atribua adequação e paz social. Ou seja, não podendo permitir , sob o pretexto de preservação da segurança jurídica, o descontentamento com a declaração infundada de uma paternidade equivocadamente presumida.

{C}6. HERMENEUTICA E CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO;

O Direito é uma instituição construída pela racionalidade humana e como fenômeno posto na sociedade é passível de interpretação.

Contudo, há pouco tempo entendia-se que o ato de interpretar o Direito se equiparava à extirpação, à retirada do verdadeiro sentido e o real alcance da lei. De modo que o juiz não podia, nesta linha de entendimento, desobedecer ao comando legal, sob o pretexto de penetrar em seu espírito. Ou seja, os códigos - como se costumava afirmar - nada deixavam ao arbítrio do intérprete, que não tinha por missão fazer o Direito, conquanto o Direito já estivesse feito.

Depreende-se da referida visão dois erros básicos. O primeiro, no sentido de que o Direito se resumiria à lei - de que o jus se reduziria a lex. -; já o segundo, de que o Direito possuiria um significado em si mesmo, pronto e acabado.

Contrariando a visão acima, já ultrapassada pela novel hermenêutica jurídica, o entendimento tem se inclinado muito mais para a noção de discricionariedade, de criatividade, inerente a toda e qualquer interpretação, não só da norma e do direito, mas de todos os produtos da civilização humana.

Neste sentido, inclusive, é o pensamento balizado do Mestre Mauro Cappelletti[10], que, na tentativa de elucidar qual seja o conceito de interpretação que melhor condiz com as evoluções hermenêuticas dos últimos tempos, assevera:

Especialmente no fim do século passado e no curso do nosso, vem se formando no mundo ocidental enorme literatura, em muitas línguas, sobre o conceito de Interpretação. O intento ou o resultado desta amplíssima discussão foi demonstrar que, com ou sem consciência o intérprete, certo grau de discricionariedade, e pois de criatividade, mostra-se inerente a toda interpretação, não só a interpretação do direito, mas também no concernente a todos outros produtos da civilização humana, como a literatura, a música, as artes visuais, a filosofia etc. Em realidade, interpretação significa penetrar os pensamentos, inspirações e linguagens de outras pessoas com a vistas a compreendê-los e - no caso do juiz, não menos que no do musicista, por exemplo - reproduzi-los, aplicá-los e realiza-os em novo e diverso contexto de tempo e lugar. É obvio que toda a reprodução e execução varia profundamente, entre outras influências, segundo a capacidade do intelecto e estado da alma do intérprete.

Fato é que o processo interpretativo/hermenêutico em foco envolve o caráter produtivo e não meramente reprodutivo, claro que sem se valer, logicamente, de discricionariedade exacerbada, desmedida, e decisicionismo jurídico'".

O excesso de arbitrariedade, inclusive, neste sentido, deve ser uma preocupação constante, o que não quer dizer que não seja possível assumir a subjetividade da norma jurídica, o papel do sujeito na sua construção, que não significa, de maneira alguma, aceitar que as normas jurídicas sejam obtidas ao arbítrio do intérprete, por um mero ato de decisão, livre e desregrado.

Ademais, para se construir normas jurídicas, é preciso atentar para o regramento já estabelecido pelo próprio sistema jurídico; respeitando-se, inclusive, as normas de linguagem.

Já que a norma jurídica tem sua significação construída - ou reconstruí da, como preferem alguns - a partir de um enunciado prescritivo em conjugação com um recorte temporal, denominado evento ou fato.

De igual forma, é imprescindível seguir as normas da lógica, vez que, apesar de a interpretação e a aplicação do Direito não poderem ser realizadas puramente pela lógica formal, jamais poderão se distanciar das regras por meio das quais se chega a determinadas conclusões de certas premissas.

Acima de tudo, é preciso seguir as normas da argumentação, pois a significação construída precisa estar fundamentada, porquanto seja preciso convencer da adequação às regras impostas pelo sistema jurídico, pela lógica e pela linguagem, além, é claro, de convencer da adequação da norma jurídica às circunstâncias do caso concreto.

De fato, o reconhecimento de que é intrínseco em todo ato de interpretação certo grau de criatividade - ou, o que vem a dar no mesmo, de um elemento de discricionariedade e assim de escolha -, não deve ser confundido com a afirmação de total liberdade do intérprete. Discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade, e o juiz, embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador completamente livre de vínculos.

A Hermenêutica-jurídico-filosófica pretende, pois, permanecer fiel às coisas mesmas, partindo da base do próprio caso jurídico concreto, da singularidade desses casos e não das hipóteses categóricas, de construções imaginárias ou de quaisquer outras posturas desse jaez. É preciso entender, conforme leciona Tércio Sampaio Ferraz Jr.[11], que "é hoje um postulado quase universal da ciência jurídica a tese de que não há norma sem interpretação, ou seja, toda norma é, pelo simples fato de ser posta, passível de interpretação.”[12]

O ponto de partida, no dizer do ilustre Professor André Ramos Tavares[13], é sempre um problema que se inscreve na existência do sujeito e que supõe a sua "pré-compreensão" em relação tanto à "compreensão" do "texto" como do "problema", dando lugar a uma estrutura circular entre a realidade existencial e o texto a interpretar (círculo hermenêutico).

Dito isto, cumpre frisar, ainda, que, ao lado da ideia de que o Direito não se encontra pronto e acabado, é clara, em tempos correntes, a ideia que atribui ao Direito contornos de transdisciplinariedade. Explicando: o Direito não é visto mais somente como uma ciência que trata de sistema de regras e princípios hermeticamente fechados ao mundo circundante. Ao revés, o Direito é influenciado por todo o contexto social seja ele econômico, social, cultural, ético etc.

E é exatamente a partir desta noção que podemos, a partir da interpretação extensiva do Art. 485 do Código de Processo Civil, sem que o intérprete da lei se esquive do contexto social na qual se encontra inseri da, questionar se se encerra ou não o citado dispositivo, com os seus nove incisos, em numerus clausus, ou se haveria espaço para mais uma hipótese de rescindibilidade, mediante interpretação não literal.

Tudo no sentido de buscar a pacificação dos conflitos inerentes às ações de investigação de paternidade. Partindo sempre da premissa de que o exame de DNA, na condição de meio de prova capaz de dirimir por completo a dúvida quanto à paternidade presumida, pode e deve ser concebido, - repita-se: numa interpretação extensiva do Art. 485 do CPC, como hipótese de Rescisão, porquanto perfeitamente compatível com a acepção de "documento novo", nos termos do inciso VII do multimencionado dispositivo legal.

Valendo sublinhar, neste exato contexto, aquilo que leciona o mestre português J.Gomes Canotilho[14], para quem, ao tratar da norma constitucional, é preciso ter em mente a condição de obra inacabada da própria Constituição, na sua condição própria de sistema aberto de normas jurídicas, sejam elas regras ou princípios.

Afinal, o Texto Maior, como também outros textos jurídicos, encontra-se em constante mutação, dialogando a todo tempo com o meio social. Pelo que é tarefa primordial de todo jurista pôr em marcha a tendência dispersiva do texto, sem permitir que se esvaia o sentido de norma ou que se destrua a engenharia original dos fundadores. Notadamente em face da acelerada e constante evolução do corpo social, com as suas ciências todas voltadas para o desenvolvimento e superação de limites (como é o caso, clássico, do exame de DNA nas causas em que se investiga a paternidade).

Pelo que, ao lado da função de resolver litígios, se eleva outra função social das cortes judiciárias, com igual dignidade e importância, a saber, a função de complementar desenvolver o direito legislado. Afinal, nas atuais e complexas sociedades tecnologicamente adiantadas, a velocidade das mudanças em situações anteriormente estruturadas sobre padrões éticos, sociais, culturais, tecnológicos e econômicos já superados e o surgimento de novas fontes de litígios até então impensáveis, acabam por gerar demandas por normas legais para regulá-las, fazendo com que o Poder Legislativo simplesmente não consiga se adequar, em tempo real, para satisfazer estes anseios do corpo social.

Percebe-se, portanto, que a abertura das normas constitucionais pode possibilitar a evolução do Texto Constitucional, o acompanhamento do desenvolvimento da realidade, superando-se, assim, a mentalidade que se tinha acerca do sistema jurídico, como um sistema fechado, conforme vigorou no positivismo formalista, em que predominava a ultrapassada crença de que as leis constantes do Codex eram aplicáveis a toda e qualquer situação, por mais nova, estranha ou rara que fosse.

O Direito é uma estrutura aberta, amplamente mutável e o instrumento dessa mutação não é outro senão a interpretação. Esta, por sua vez, não só declara o conteúdo da norma, mas, sim, acaba por concretizá-la a cada aplicação, precisamente por ser aquele cambiante às variáveis sociais, bem assim por sofrer variações em cada caso específico, consoante tratar-se deste ou daquele ao qual é dado a tarefa de interpretar.

{C}7. CONCLUSÃO;

Dúvidas não há de que as teorias disseminadas em relação à relativização da coisa julgada reclamam análise mais acurada, caso a caso, sobe pena de se colocar em risco instituto da segurança jurídica. De fato, as soluções apresentadas não podem ser encaradas de modo demasiado simplista, principalmente no atual estágio de desenvolvimento da ciência do Direito e na absoluta ausência, no dizer do Mestre Luiz Guilherme Marinoni: "de uma fórmula racionalmente justificável que faça prevalecer, em todos os casos, determinada teoria da justiça”

A conclusão é a de que a tese da relativização, contrastada com a noção de coisa julgada material, com matizes nos valores justiça e segurança jurídica, em específico no que se refere aos casos de investigação de paternidade, hão de conduzir ao entendimento de que não pode prevalecer decisão que equivocadamente declara, de forma presumida, uma paternidade que não é verdadeira, sob pena de se punir alguém com a paternidade, que, antes, deve ser encarada como uma dádiva.

Obviamente que se existisse uma maneira de se fazer com que todos os processos convergissem para um julgamento justo, jamais existiria a necessidade de se conduzir a uma discussão mais DNA como hipótese de Ação Rescisória. Mas, na falta de remédio, ou de decisões deste jaez, quais sejam, perfeitamente justas, não há dúvida de que se deve conceder meios de reforma do equívoco na declaração presumida de uma paternidade inexistente, sob pena de serem cometidas injustiças imensuráveis, tanto com o suposto genitor quanto com o pretenso filho.

Assim, e em suma, deve-se ter por válido, em primeiro lugar, à luz da Constituição, afastamento da coisa julgada material formada sobre decisão de improcedência por falta de provas, em demandas que envolvam relação de filiação, quando for alegada a viabilidade de produção de prova técnica capaz de reverter a conclusão do julgamento anterior, cuja realização só tenha se mostrado possível, do ponto de vista prático, pelo avanço tecnológico superveniente, somado à inadequação do regime da assistência jurídica aos necessitados, respeitado, em qualquer caso, o prazo de dois anos para o ajuizamento de nova demanda, que flui, por presunção iuris tantum, a contar do trânsito em julgado da demanda anterior, salvo nas hipóteses excepcionais em que restar também excepcionalmente demonstrado que apenas posteriormente se tornou viável, do ponto de vista prático, o acesso ao exame de DNA, cabendo ao demandante o ônus do afastamento da referida presunção.

O tema, sem sombra de dúvida, é dos mais intrincados, tanto na doutrina civil (do direito de família) quanto na processual, dando margem a uma profunda divergência entre os doutrinadores, assim como entre as jurisprudências, cada um e cada uma com os seus argumentos igualmente razoáveis.

O fato é que a sociedade reclama uma resposta, da qual não se furtou a Corte Suprema, especificamente acerca do modo como deve ser entendida, no terreno das garantias fundamentais do processo, o regime da secundum eventum probationis coisa julgada material no tocante às declarações de paternidade presumida, em especial quando em choque cláusulas constitucionais, a exemplo do direito à filiação e à segurança jurídica.

Valendo esclarecer, por oportuno, que a coisa julgada apenas ocorre, no direito brasileiro, nos casos em que há expressa previsão legal, a exemplo do que se passa com a ação popular - Lei na 4.717/65, art. 18 -, com a lei da ação civil pública - Lei n° 7.347/85, art. 16 - e, ainda, com as ações coletivas disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor a respeito de direitos difusos e coletivos - CDC, art. 103, inc. I e II.

Merecendo ser destacado que, no cenário jurisprudencial brasileiro, a polêmica em torno da relativização da coisa julgada em demandas de investigação de paternidade acabou alcançando as instâncias máximas. Dividindo-se o STJ, de início, em duas linhas jurisprudenciais: a primeira, manifestava-se contrariamente à possibilidade de ajuizamento de nova demanda; já a segunda, favorável ao afastamento da coisa julgada.

Ocorre que nenhuma norma constitucional, nem mesmo a regra da coisa julgada ou o princípio da segurança jurídica, pode ser interpretada isoladamente, ainda no contexto que envolve avanço técnico-científico capaz de subsidiar a decisão com resposta acurada, com 99,9% de chance de acerto.

Ademais, a Constituição Federal caracteriza-se como um típico compromisso entre forças políticas divergentes'", balizando a atuação dos poderes políticos através das regras e dos princípios definidos no pacto constitucional, porquanto a base plural da sociedade, no momento constituinte, assinalava relevância a valores díspares, sem uma univocidade ideológica, provocando a convivência, por exemplo, a coisa julgada material (CF, art. 5°, XXXVI), o direito à intimidade (Art. 5°, X, da CF), o direito à filiação (CF, art. 227, caput e § 6°), à segurança jurídica e de muitos outros casos mais.

O argumento central é o de que a supressão da informação do resultado do exame de DNA consiste, sempre, num erro crasso, seja o resultado do exame positivo ou negativo. Porque, se for positivo, estar-se-á negando ao verdadeiro pai o conhecimento da verdade, de que ele é de fato pai da criança. Já se for negativo, estar-se-á, também, e muito pior, negando, ao falso pai, o conhecimento da verdade de que ele não é de fato o pai da criança. Impondo-se àqueles indivíduos, - falso pai e falso filho -, uma falsa relação de parentesco, forçosa e sem o necessário afectio, como é típico em casos em que paira a dúvida quanto a paternidade.

Cabendo, pois, ao intérprete conciliar as normas constitucionais cujas fronteiras não se mostram nítidas à primeira vista, assegurando a mais ampla efetividade à totalidade normativa da Constituição, sem que qualquer de seus vetores seja relegado ao vazio, desprovido de eficácia normativa.

O cerne da questão narrada nas ações de investigação de paternidade é, invariavelmente, a rota de colisão das normas constitucionais que tutelam a coisa julgada material (CF, art. 5°, XXXVI) e o direito fundamental à filiação (CF, art. 227, caput e § 6°). Sendo que o primeiro comando citado consubstancia verdadeira regra jurídica, porquanto enuncia a invalidade de qualquer ato do poder público que afronte a autoridade da coisa julgada material'". Já o último dispositivo assume a forma de princípio jurídico, apontando para estado ideal a ser alcançado, sem predeterminar, desde logo, quais as condutas vedadas ou permitidas e quais os efeitos que, em cada caso, devem ser produzidos.

O fato é que, não há modo de se prestigiar a coisa julgada material sem que, simultaneamente, seja colocado de lado o direito fundamental à filiação, ou, pior ainda, o princípio universal da busca pela verdade real.

De modo que impedir o ajuizamento da ação rescisória sob o fundamento de que o exame de DNA não encontra-se elencado no rol taxativo do Art. 485 do CPC, implica vedar peremptoriamente a elucidação, à luz da nova prova técnica disponível, da origem biológica do autor.

E, de outro lado, o raciocínio simétrico também se mostra verdadeiro: tolerar a realização do exame técnico nestes autos, como fruto da admissibilidade da demanda, colocará em xeque inarredável a regra da coisa julgada material, desfazendo a proteção que ela visa a promover.

Demonstrando, assim, inconciliáveis as duas proposições acima, conquanto a prevalência de uma leva, inevitavelmente, ao afastamento da eficácia normativa da outra. Cenário que, na linha de todo o raciocínio desenvolvido na presente obra, conduz a única opção metodologicamente válida, qual seja a utilização da técnica da ponderação.

E como dito acima, em capítulo específico sobre a novel doutrina da hermenêutica constitucional, também as regras jurídicas, em hipóteses excepcionais, submetem-se a um raciocínio ponderativo". Para tanto, deve ser realçada a razão subjacente à regra, isto é, o princípio que informa a sua interpretação finalística e a sua aplicação aos casos concretos.

É dizer, o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5°, caput), como já visto, deve servir de manancial para a definição do sentido e do alcance da garantia da coisa julgada material. Entretanto, não bastará o cotejamento e o peso de tal razão subjacente sobre o princípio do direito à real filiação.

Imprescindível, portanto, levar em consideração que as regras jurídicas, como categoria normativa, têm por reflexo, em sua aplicação, a promoção de valores como previsibilidade, igualdade e democracia. De modo que a aplicação delas, regras jurídicas, promova a previsibilidade pela certeza de que a configuração de seus pressupostos de fato desencadeará a consequência estabelecida em seu enunciado normativo.

Assim, a técnica da ponderação apenas poderá levar ao afastamento de uma regra jurídica quando restar demonstrado, de modo fundamentado, que os princípios que lhe são contrapostos superam, axiologicamente, o peso, primeiro, da razão subjacente à própria regra, e, depois, dos princípios institucionais da previsibilidade, da igualdade e da democracia.

Deste modo, como afirma o Prof. Luís Roberto Barroso especificamente quanto à tese da relativização da coisa julgada material[15], "a técnica da ponderação, instrumentalizada pelo postulado da proporcional idade, tem de ser usada com cautela, já que a previsão da coisa julgada como uma regra "reduz a margem de flexibilidade do intérprete".

E é sob este ângulo que é possível inferir, hodiernamente, que a construção de um direito fundamental à identidade genética, através da qual se torna possível o esclarecimento, ­ como não era possível, em outro tempo -, da origem e da historicidade pessoal de cada membro componente da sociedade (expressão máxima do direito constitucional à filiação), notadamente por meio do exame genético do DNA.

Afinal a identidade no contexto da sociedade moderna, passa a ser concebida como o complexo de elementos que individualizam cada ser humano, distinguindo-o dos demais na coletividade, conferindo-lhe autonomia para que possa se desenvolver e se firmar como pessoa em sua dignidade, sendo, portanto e nessa medida, expressão objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana[16].

Sendo nessa linha a Convenção Americana de Direito Humanos prevê, entre os seus artigos 17 a 19, a proteção da família e da criança, fazendo menção expressa ao direito que o menor possui com relação ao nome vinculado ao de seus pais - Art. 18 -, de cuja interpretação conjugada deve-se extrair, inequivocamente, o direito fundamental à filiação (previsto em nossa Carta Magna, no Art. 5, inciso X), in verbis:

Artigo 17. Proteção da família

1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.

2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de fundarem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas, o princípio da não discriminação estabelecido nesta Convenção.

3. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos contraentes.

Não se ignora aqui, evidentemente, o reconhecimento, no campo do direito civil, do estado de filiação por decorrência de três espécies de vínculos, quais sejam os jurídicos, biológicos ou sócio afetivos[17]. Todavia, em casos em que se identifica a inaplicabilidade do vínculo jurídico e sócio afetivo, quando não atingido o Autor da investigação de paternidade por qualquer presunção estabelecida pelo direito material, nem tampouco recebedor do afeto indispensável ao convívio paternal, põe-se em discussão apenas a busca pela origem genética, sem que essa pretensão conflite com qualquer outra lógica material da paternidade perseguida.

Ademais, a vinculação entre o direito à filiação, como condição para o desenvolvimento da personalidade, e o princípio da dignidade da pessoa humana, resultantes, ambos, do próprio texto expresso da Constituição, conduzem ao entendimento de que é necessário cuidar dos aspectos atinentes ao desenvolvimento da personalidade no seio da família, que a Constituição menciona expressamente, no § 7° do art. 226, nos seguintes e precisos termos:

"fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas".

Com efeito, a Carta Magna aponta a família como base da sociedade, conferido a esta formação a necessária proteção do Estado, de maneira a assegurar aos filhos o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar, os quais pressupõem o reconhecimento do seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 30,40,50 e 70; 227, § 60).

De modo a não restar a menor dúvida de que o simples direito à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, com a inviabilização da confirmação da paternidade e consequente imposição, ao pai biológico, dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares.

Por outro lado, e na mesma linha de raciocínio acima, há de se convir que o exame de DNA, realizado posteriormente à declaração de paternidade presumida, deve, sim, ser considerado "documento novo", e, por isso mesmo, meio apto a ensejar a propositura de ação rescisória, nos termos do Artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil.

Afinal, por entendermos que as ações de investigação de paternidade têm muito a contribuir para a pacificação dos conflitos na identificação das relações de parentesco, é preciso compreender que nos casos em que não se utilizou o exame de DNA como prova no bojo do processo em que se discutiu a paternidade, cabe, sim, dado o grau de certeza no resultado deste exame, a contemplação dele, - ainda que através de interpretação extensiva -, dentre as hipóteses cabíveis da ação rescisória do Artigo 485 do Código de Processo Civil.

E mesmo diante da dupla ordem de dificuldade na realização desta prova pericial, o que aqui nos interessa são precisamente os casos em que o demandado, valendo-se do seu direito de não ser submetido ao exame de DNA, - seja por não desejar realizar prova contra si mesmo, seja por não dispor de meios para custear o exame pericial -, acaba sendo declarado, de forma presumida, genitor da criança demandante; descobrindo-se depois, pelo estudo da carga genética, não ser verdadeira dita declaração.

Contexto em que se pretende erigir o exame de DNA, repita-se, à condição de hipótese de rescindibilidade de eventual decisão declaratória de paternidade presumida, quando esgotados os recursos cabíveis contra tal decisão, ou na ausência de interposição do recurso cabível no caso específico.

Por isso é que aqui se discutiu, em síntese, o caráter inconteste do resultado do multimencionado exame, suficiente, por si só, para permitir ao jurisdicionado a prol ação de uma decisão mais justa, com a consequente e necessária rescisão da declaratória de paternidade presumida, a qual, quando contrastada com o exame da carga genética, acaba se mostrando comprovadamente equivocada ou incontestavelmente acertada.

Daí porque propusemos, a título sugestivo, a aplicação do entendimento esposado pelo ST1, - especificamente no REsp n" 653942 - MO -, ao Art. 485, inciso VII, do CPC, seja pela via da inclusão do exame de DNA como hipótese de ação rescisória, ou como interpretação extensiva do já existente dispositivo legal do Código de Ritos (no que diz respeito ao "documento novo").

Enfrentando, inevitavelmente, claro, o eterno conflito entre os dois valores essenciais da justiça e da segurança jurídica, cuja ponderação é reclamada do interprete, que, ao nosso sentir, deve fazer prevalecer, na investigação da paternidade, a derradeira chance à justiça, na busca da verdade real, - ainda que de maneira excepcional, por via da ação rescisória -, em detrimento de uma equivocada segurança jurídica, com a atribuição da falsa paternidade presumida.

Assim é que, calcado em direitos e princípios constitucionais, entendemos que deve o legislador infraconstitucional se valer, de maneira especial, dentre as provas admitidas em direito, do exame genético de DNA, na viabilidade de uma investigação mais precisa, com o acolhimento da noção da condição humana tridimensional, fundada tanto na genética, quanto na afetividade e ontologia.

Afinal, a investigação de paternidade se consubstancia precisamente numa ação que visa "ao acertamento do estado da pessoa, seja para afirmá-lo, quando ele não lhe está na posse, seja para contestá-lo, quando um terceiro quer privá-lo das vantagens de um estado em que se acha, sem a ele ter direito, e, particularmente, as que têm por objeto a fixação da relação jurídica da paternidade, distinguindo-se entre positivas, ou ações de vindicação de estado, e negativas, ou de contestação de estado".

Sendo necessária, assim, a imbricação entre direito à filiação, proteção constitucional à família e o princípio da dignidade da pessoa humana no sistema das normas constitucionais. Afinal, na era do constitucionalismo, há de se compreender a principiologia constitucional de forma harmonizada, não afastando a incidência de nenhum princípio, pelo que não deve se sobrepor a coisa julgada ao princípio da condição humana tridimensional (genética, afetiva e ontológica), ínsito no Art. 1°, inciso III, da CF, que assegura a dignidade da pessoa humana, sobre a qual estão assentados a República e o Estado Democrático de Direito.

E é sob este prisma, no núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, que se deve assegurar o direito fundamental à identidade pessoal do indivíduo, que se desdobra, dentre outros aspectos, na identidade genética, a partir dos dados biológicos inseridos na formação primeva, advindos dos verdadeiros progenitores. Afinal, é com o conhecimento do estado de filiação que se fincam as premissas da atribuição à pessoa humana de reconhecimento e de distinção no cenário social, permitindo ao indivíduo a sua autodeterminação no convívio com os seus iguais.

Reconduzindo-se a garantia da coisa julgada material, pois, em última análise, e ainda que indiretamente, ao princípio-matriz da Constituição Federal, consistente na dignidade da pessoa humana (nos moldes do Art. 1°, inciso III, da Carta Magna), onde reside "a possibilidade de que cada indivíduo, dotado de igual consideração e respeito por parte da comunidade em que se insere, formule e ponha em prática seu plano ideal de vida, traçando os rumos que entende mais afeitos ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Pelo que entendemos que o projeto individual de futuro do acionante na ação de investigação de paternidade deve partir, - no caminho da efetiva concretização do direito fundamental à filiação -, de premissas dotadas de confiabilidade, cuja higidez não seja colocada em xeque diante de prova científica dotada de tamanho grau de certeza quanto o exame de DNA.

[1]{C} Resp. nº 653942-MG (2004/0078102-1), em sede da Quarta Turma do STJ, de relatoria do Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, Desembargado convocado do TJ/AP.

[2] TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.P.30-31.

[3] Tal entendimento denota ser cabível a ação rescisória, mesmo quando a decisão final não for de mérito, se não houver meio para eliminar a ilegalidade.

[4] THEODORO JUNIOR, Humberto. Prova da Verdade Real. Poderes do Juiz. Ônus da prova e sua eventual inserção.in Revista Brasileira de Direito de Família nº 03, de out./nov./dez.99, Porto Alegre, Síntese, 1999, P. 23.

[5] DIAS, Maria Berenice. Investigação de Paternidade, prova e ausência de coisa julgada

material. In: Revista brasileira de direito de família n° 01, de abril/maio/jun./99. Porto Alegre: Síntese, 1999, p.18.

[6] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça.Ap. Cível nº 594101032. 8. Ccv. 27.10.94.Relator Antônio Carlos Stangler Pereira. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 8.137. 2ª Ccv. 19.04.94.Relator:Napoleão Amarante

[7]{C} ALMEIDA, Maria Cristina de. Investigação de Paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.48-49.

[8] COREIA DE ALMEIDA, Flávio Renato. Do ônus da Prova. Revista de Processo 71/46-63, p. 60, jul,-set.1993.

[9] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 1997,p.194.

[10] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988.

[11] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980. __________. Introdução ao Estudo do Direito, Técnica, decisão, dominação. São Paulo:Atlas,1989

[12] Ainda com Tércio Ferraz Jr (1980, p.72-73).

[13] TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. São Paulo:Metodo,2006.

[14] CANOTILHO, Joaquim Jose Gomes. Direito Constitucional.7. ed. Coimbra: Livraria Almedina,2003.

[15]{C}BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo:Saraiva,2009, p.226.

[16] BARBOZA, Heloísa Helena. A proteção da identidade genética, In:Dignidade da pessoa humana – fundamentos e critérios interpretativos, (orgs) Agassiz Almeida Filho e Plinio Melgaré, São Paulo:Ed. Malheiros,2010, p.84.

[17] BARBOZA, Heloísa Helena. Direito à identidade genética. In:Juris poiesis, Edição temática:biodireito,2004, p.124-5.

  • Ação Rescisória, Exame de DNA, Investigação de Pat

Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Malheiros Editores, São Paulo. 2008. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5º edição alemã Theorie der Grundrechte publicada pela SuhrKamp Verlag, 1986;

ALMEIDA, Maria Cristina de. Investigação de Paternidade e DNA: aspectos polêmicos.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001;

ALMEIDA, Maria Christina de. O DNA e estado de filiação à luz da dignidade humana,

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003;

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2009;

BARBOZA, Heloísa Helena. Direito à identidade genética, In: Juris poiesis, Edição temática: biodireito, 2004, p. 129; e MORAES, Maria Celina Bodin de. Recusa à realização do exame de DNA e direitos da personalidade, In: Na medida da pessoa humana - estudos de direito civil-constitucional, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2010;

BRAGA, Paula Sarno. DIDIER JR., Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2010. V.2;

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26. Ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2010;

COREIA DE ALMEIDA, Flávio Renato. Do ônus da Prova. Revista de Processo 71/46-63, p. 60, jul,-set.1993;

DIAS, Maria Berenice. Investigação de Paternidade, prova e ausência de coisa julgada

material. In: Revista brasileira de direito de família n° 01, de abril/maio/jun./99. Porto Alegre: Síntese, 1999;

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às

decisões judiciais e processo nos tribunais. 7ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. v.3;

FILHO, Ruy Alves Henriques. Direitos fundamentais e processo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008;

GRECO, Leonardo. Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior, In: Relativização da coisa julgada (org. Fredie Didier Jr.). Salvador: Editora Jus Podivm, 2004;

IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007;

KARAM, Munir. Princípio distributivo do ônus da prova na organização judiciária romana. Revista de Processo, 24/89-98, p. 89, out.-dez. 1981;

LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Tradução e Comentário de Ada Pellegrini Grinover. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006;

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1985;

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004;

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. Ed. ver. E atual. - São Paulo: Saraiva, 2008;

MOREIRA, José Carlos Barbosa. "Coisa julgada e declaração". Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1977;

OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex -Jurídica, 1993. PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976;

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos, 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996;

PERELMAN, Chaim. Lógica Jurídica: nova retórica. Tradução Vergínia K. Lupi: revisão da tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão: revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. - 2a Ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2004;

RASKIN, Salmo. A Evolução das Perícias Médicas na Investigação de Paternidade: dos

redemoinhos do cabelo ao DNA. Direito de Família: a família na travessia do milênio. Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família. Rodrigo da Cunha Pereira (coord.) Belo Horizonte, IBDFAM, OAB-MG: DeI Rey, 2000;

RINCÓN, Jorge Carreras deI. Comentarios a Ia doctrina procesal civil del tribunal

constitucional y del tribunal supremo, Madrid: Marcial Pons, 2002;

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005;

T A V ARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. São Paulo: Método, 2006;

THEODORO JR., Humberto; e FARIA, Juliana Cordeiro de. "A Coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle", Coisa Julgada

Inconstitucional, coord. Carlos Valder do Nascimento. Rio de Janeiro: Editora América

Jurídica, 2002;

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da Coisa

julgada. São Paulo: RT, 2003;

WELTER, Belmiro Pedro. Investigação de Paternidade. Porto Alegre: Síntese, 1999;


Carine Cruz Advogada

Advogado - Santo Antônio de Jesus, BA


Comentários