Limites Éticos do Desenvolvimento em Saúde


29/05/2023 às 22h20
Por Carvalho Pena Advocacia

Durante a segunda guerra mundial, milhares de judeus foram torturados e assassinados, mas o que a história pouco mostra é que além dessas barbaridades humanitárias grandes corporações médicas e farmacêuticas se utilizaram daquele fatídico momento para realizar experimentos científicos com cobaias humanas.

Este artigo tem por objetivo analisar a Constituição Federal Brasileira, mais especificamente em seus princípios correlacionados ao Direito à Saúde para compreender em que medida determinados tratamentos médicos podem ser recomendados mesmo quando comprovadamente desenvolvidos com base em informações científicas, eticamente repudiáveis.

Questionamentos judiciais relacionados ao tema saúde são sempre polêmicos justamente por que envolvem um dos princípios fundamentais protegidos pela Constituição, que é o direito à vida. Por este motivo, o legislador constitucional foi enfático e prolixo com o tema.

E se já não bastasse, o Constituinte elevou a questão ao patamar máximo de tutela estatal, ratificando o Direito à vida como Cláusula Pétrea, e, portanto, inviolável.

É possível identificar na jurisprudência diversas decisões que mesmo cercadas de polêmica vão de encontro ao desejo do constituinte em preservar e valorizar a vida e permitir o acesso universal à saúde. Como exemplo há uma centena de decisões favoráveis liberando a aquisição e consumo medicinal do Canabidiol (substância proveniente da maconha) antes de sua efetiva regularização, assim como a importação de medicamentos não autorizados pela ANVISA (Agência de Vigilância Sanitária), ou aprovados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) assim como de técnicas e medicamentos off label (que foram desenvolvidos para outros fins).

Procedimento X Resultado

Vale ressaltar que a polêmica acerca do tema extrapola as fronteiras nacionais e até os dias atuais é responsável por diversos debates ao redor do planeta.

Nessa linha de entendimento cabe uma observação sobre o estudo de Sífilis de Tuskegee. Conforme Goldim (1999) o estudo sobre esta doença se desenvolveu nos Estados Unidos em meados da década passada e utilizou cobaias humanas em total desacordo com os preceitos médicos então vigentes causando a morte de dezenas de pessoas. Conforme este mesmo autor:

Analisar um projeto de pesquisa feito no passado (1932) merece alguns cuidados. O primeiro e mais o importante deles é o de manter a adequação dentro dos parâmetros então utilizados e não cair na tentação de utilizar reflexões posteriores como base para o julgamento. É fundamental utilizar os critérios contemporâneos para criticar e prevenir outras situações semelhantes.

Nessa linha de análise, segundo este autor, é preciso compreender que os estudos realizados sobre a Sífilis de Tuskegee contribuíram para desenvolver diversos tratamentos para a doença sendo necessário distinguir os resultados obtidos dos procedimentos utilizados mesmo que eles tenham contrariado os parâmetros éticos e morais da sociedade.

Da mesma forma, Lana (2013) argumenta que grande parte do estudo científico sobre o câncer de colo de útero assim como o desenvolvimento de equipamentos médicos utilizados para a realização do exame de colposcopia foi desenvolvido na Alemanha durante o período da segunda guerra. Segundo esta autora “muitos estudiosos viram no nazismo a possibilidade de garantir status pessoal e financiamento para efetuar suas pesquisas”.

O objetivo até aqui não se trata de validar os meios pelos quais as informações médicas foram obtidas uma vez que o processo utilizado na pesquisa científica foi oriundo de flagrante desrespeito aos princípios estipulados pelos Direitos Humanos. A finalidade é apenas ponderar racionalmente se a utilização de técnicas, medicamentos ou equipamentos desenvolvidos sob condições éticas reprováveis podem ser atualmente utilizados em uma causa mais nobre, qual seja, salvar vidas.

Direito à vida como bem maior

Para esclarecer esta dicotomia é válido observar decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial número 1002335/RS que tratou de caso de fornecimento de medicamento não previsto pelo Sistema Único de Saúde.

Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. (…)

A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais.

E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da Republica que destina especial proteção à dignidade da pessoa humana.

Logo, o direito à vida é o bem maior a ser tutelado pelo Estado brasileiro e, portanto, a proteção deste princípio a qualquer pessoa enferma vai de encontro ao desejo do legislador constituinte.

O Estado tem o dever, senão a obrigação de possibilitar a qualquer interessado o direito de buscar a sua própria sobrevivência, do contrário estaria indiretamente compactuando, em uma interpretação extensiva, com a pena de morte.

O holocausto só foi possível porque teve o apoio de pessoas normais da sociedade, dentre as quais, empresários, médicos, juízes, professores e advogados que contribuíram para que o Estado alemão planejasse e executasse o maior extermínio da história da humanidade.

É impossível de se reparar o que aconteceu, mas se houvesse, certamente não seria impedindo que uma pessoa doente buscasse seu direito fundamental à saúde e à vida. Não se pode colocar um fardo sobre as gerações atuais por crimes cometidos no passado.

Sobre o Escritório

A Carvalho Pena Advocacia é um escritório jurídico com atuação nacional e 100% digital.
Utilizando ferramentas de tecnologia e comunicação, conseguimos atender nosso cliente com comodidade, segurança e no momento mais adequado para ele.

Nossos clientes fazem quimioterapia, hemodiálise, passam dias internados, muitos não enxergam, não andam ou estão acamados.

Portanto, desenvolver uma plataforma jurídica digital não é uma opção, mas uma forma de levar o direito a todas as pessoas. É nisso que acreditamos: Atender pessoas especiais que precisam de apoio jurídico para isenção e restituição do imposto de renda.

Referências Bibliográficas

GOLDIM, José Roberto. O Caso Tuskegee: quando a ciência se torna eticamente inadequada. O Caso Tuskegee: quando a ciência se torna eticamente inadequada, 1999.

LANA, Vanessa. O colposcópio no diagnóstico do câncer: as relações entre a ciência brasileira e alemã. BELCHIOR, Luna Halabi; PEREIRA, Luísa Rauter e MATA, Sérgio Ricardo da. Anais do 7º Seminário Brasileiro de História da Historiografia–Teoria da História e História da Historiografia. Ouro Preto: EdUFOP, 2013.

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Referências

Publicado por Thiago Carvalho Durães Pena, Sócio da Carvalho Pena Advocacia, OAB/MG 211.527


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Escritório de Advocacia - Bocaiúva, MG


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