ANÁLISE DA PENA DE MORTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


30/09/2014 às 17h02
Por Assante e Chagas

INTRODUÇÃO

A Escolha desse tema surgiu embasada no pensamento anarquista, que tem como característica fundamental frear e contestar as atrocidades causadas pelo Estado. Esse trabalho possui o objetivo de trazer à tona a reflexão acadêmica da norma criada pelo Estado, que tem como resultado a morte legalizada de seus integrantes. Acredito que isso não é democracia, e sim um resquício de ditadura e fanatismo, camuflado e fundamentado por um “pseudo-patriotismo”.

Somente uma razão entorpecida poderá crer que a pena de morte, em pleno século XXI, é capaz de realizar justiça e é compatível com os princípios do direito contemporâneo. Trata-se de uma norma jurássica que atualmente vige em nosso ordenamento jurídico e contraria o principio básico do direito, que é justamente à proteção ao ser humano.

Agradeço por viver em um governo democrático, que mesmo possuindo muitos problemas, posso exercer o meu direito de liberdade de pensamento e expressão perante a comunidade jurídica. Tenho a certeza que possuo o direito à vida e lutarei por ele, pois como dizia Rui Barbosa: “Quem não luta pelos seus direitos não é digno deles”.

Doravante o presente trabalho possui o objetivo de conter a expansão do poder punitivo que emana do Estado, defendendo em quaisquer circunstancias os direitos fundamentais, de lutar pela supremacia dos princípios garantidores positivados nas normas inscritas nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas, visando recuperar o sempre sonhado direito de liberdade e provar a subsistência do modelo democrático de direito.

No momento político de revolta e protestos que estamos vivenciando, o tema é de suma importância, pois é evidente que o Estado tem total controle sobre a vida de todos os cidadãos, é o detentor da vida de todos nós, assim fica evidente na norma que será analisada. Diariamente nos deparamos com situações onde há um excesso de força por parte de entes estatais, porém, todas as mazelas sociais vividas atualmente não chegam nem perto do potencial destrutivo que a norma em estudo irá causar e como toda guerra, sempre há sangue derramado e injustiças.

Partindo da premissa de que o Direito é uno, invoco a razoabilidade fundamentado nos princípios basilares dos Direitos Humanos, internacional e Constitucional, para refletirmos sobre a norma de maior potencial ofensivo ao Ser Humano em nosso ordenamento jurídico.

Aposto que o nosso ordenamento jurídico irá em breve revogar tal previsão da pena capital, basta apenas uma conscientização acerca do tema e que alguns conceitos sejam revistos, pois é fato que a vida humana é o Direito que nenhum Homem possui competência, a não ser o próprio individuo, caso contrário regrediria no tempo e nos tornaríamos escravos uns dos outros, escravos do Estado.

Defendo que dentro das obviedades das obviedades do mundo jurídico o papel principal do Estado Democrático é justamente o de proteger o Ser Humano, buscando garantir a paz social. Alguns valores nós podemos mudar voluntariamente, raciocínio guiado pela inteligência e respeito por opiniões diversas que podem transformar nossa visão de mundo, outros se perpetuam justamente por ser a viga mestre, (leia-se inabaláveis, princípios), não só para um ou mais grupos, e sim para todos que convivem juntos, ainda que em guerra declarada.

Versa a carta magna vigente:

Artigo 5º, inciso XLVII, Não haverá Penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX;

Tenho a convicção de que a discussão jurídica acerca do tema já está vencida pelos meus argumentos, pois os princípios trazidos são inabaláveis, colocando o Ser Humano no seu devido lugar, ou seja, no topo, pois é o único Ser Vivo possuidor do atributo conceituado pelo Direito como Dignidade da pessoa humana, sem o qual, não passamos de animais vestidos. Quando o Estado começa, a liberdade individual cessa, e vice-versa. Partindo dessa premissa, iremos analisar a pena de morte prevista da Constituição Federal de 1988.

ANÁLISE DA PENA DE MORTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Roberto Viana Chagas

1.0 - DO DIREITO À VIDA:

O presente trabalho buscando demonstrar qual é o bem jurídico que está passível de ser atingido pela norma constitucional vigente. Conforme a definição de Zaffaroni, (2004, p. 467), “o bem jurídico é uma relação de disponibilidade de um sujeito com um objeto”. No entanto, ensina a ilustre juíza de direito e doutrinadora Maria Lúcia Karam, que:

Embora costumeiramente o bem jurídico seja identificado ao objeto (como a vida, a saúde, o patrimônio, etc.), o que o direito protege (ou pretende proteger) não é o objeto em si mesmo, mas sim a possibilidade que o sujeito tem de usar ou de servir (ou seja, de dispor) daqueles objetos concretos. Naturalmente, tanto o sujeito quanto o objeto hão de ser determinados precisamente, o que, de resto, constitui exigência derivada do princípio da legalidade, assim, do próprio modelo do Estado de direito democrático. Nem sempre o sujeito será um indivíduo singular e determinado. Mas, sempre que se trate dos chamados bens jurídicos coletivos, a legitimidade de seu reconhecimento dependerá da vinculação de sua funcionalidade a interesses ou direitos individuais concretos. Nesse sentido, os bens jurídicos coletivos, embora não se referindo a sujeitos singulares e determinados, surgem como uma condição essencial para o bem estar e o desenvolvimento da personalidade de cada um dos indivíduos, que, juntos, são os titulares (...). Quando o bem jurídico não se vincula a interesses ou direitos individuais concretos (por exemplo, quando a moral ilegitimamente se torna um bem jurídico), o indivíduo acaba dissolvido em uma abstrata coletividade, sendo despersonalizado e reconduzido ao anônimo papel de instrumento para realização de fins que, distanciados da referência individual, sacrificam a liberdade e alimentam as mais diversas formas de totalitarismo. (KARAM, 2009, p. 12).

Portanto, a moral, (ou uma moral determinada qualquer) nunca poderá se tornar um bem jurídico. A Ilustre doutrinadora segue ainda afirmando que: “Seguramente, o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos. Sem a vida, nenhum outro direito poderá ser exercido. Sem a garantia do direito à vida, o reconhecimento de qualquer outro direito seria inútil”. Assegura ainda a doutrinadora que vale relembrar que “dispor” significa usar ou se servir de um objeto. Nesse sentido, o indivíduo constantemente dispõe de sua vida, e quando o indivíduo singular e determinado é o único titular do bem jurídico – esse é o caso da vida – sua possibilidade de disposição não pode sofrer qualquer limitação. Aí incluída naturalmente a disposição que resulta na própria destruição do objeto. Ensina ainda que quando uma lei pretende tratar a vida como um bem indisponível, ilegitimamente subtrai do individuo sua autonomia, pois a qualidade do indivíduo de titular daquele bem jurídico é transferida para o Estado e ele acaba por ser submetido à vontade e aos poderes estatais.

Nesse sentido, ensina Zaffaroni, (2004, p. 466), que, quando direitos fundamentais deixam de ser disponíveis por parte do indivíduo, se tornam direitos de um ente diverso e o indivíduo é reduzido à condição de sujeito constrangido a um dever. Acrescenta ainda Zaffaroni: sem a possibilidade de disposição, isto é, sem a referência à vontade de exercê-los ou não, os direitos perdem por completo o seu significado. Portanto, ninguém pode ser compelido a exercer um direito. Versa a ilustre doutrina que: “Se existe a obrigação de exercer um direito, este desaparece e se transforma em dever”. E viver, certamente não é um dever. (KARAM, 2009, p. 14).

Ademais, adverte Karam:

Toda intervenção estatal supostamente dirigida à proteção de um direito contra a vontade do indivíduo que é seu titular se torna absolutamente inconciliável com a própria ideia de democracia, pois impede que o indivíduo tenha a opção de não fazer uso dele ou de renunciar a seu exercício, assim excluindo sua capacidade de escolha. O Estado democrático de direito não pode substituir o indivíduo nas decisões que dizem respeito apenas a si mesmo. Ao indivíduo há de ser garantida a liberdade de decidir, mesmo se de sua decisão possa resultar uma perda ou um dano a si mesmo, mesmo se essa perda ou esse dano sejam irreparáveis ou definitivos, como é a eliminação da vida. (KARAM, 2009, p. 15).

Assim sendo o alicerce do pensamento adotado pela doutrina, fica claro que o Estado não pode em hipótese alguma decidir e eliminar um bem que diz respeito apenas ao indivíduo, o bem mais personalíssimo de todos, ou seja, a vida.

O Professor Pedro Lenza, leciona que:

O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna. Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. Assim, mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de se ferir a clausula pétrea do art. 60, §4º, IV. O segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, garantindo-se as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer tratamento indigno como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis etc. Assegura o STF que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo que o art. 2º do Código Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituição Federal, quando se refere à ‘dignidade da pessoa humana’ (art. 1º, III), aos ‘direitos da pessoa humana’ (art. 34, VII, b), ao ’livre exercício dos direitos individuais’(art. 85, III) e aos ‘direitos e garantias individuais’(art. 60,§4º, IV), estaria falando dos direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estagio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas de vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5.º diria respeito exclusivamente a um individuo já personalizado. (LENZA, 2009, p. 678).

Com o presente raciocínio do professor acima citado, fica simples concluir que estamos diante da norma com o maior potencial lesivo ao cidadão nacional. É simples visualizar que se trata de uma norma constitucional vigente que tem natureza de imputar uma pena, ou seja, existe uma natureza penal que afeta diretamente e tem o propósito de findar a vida humana, em caso de guerra declarada.

Ademais, no mesmo sentido ensina, de forma autoexplicativa, o voto do Ministro do STF, Celso de Mello, condenando o Estado a custear medicamentos para o tratamento da AIDS, independentemente da inexistência de previsão de recursos orçamentários, demonstrando a relevância e a imponência do direito à vida, vejamos:

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção; o respeito indeclinável à vida. (Ministro Celso de Mello, STF, acórdão proferido em 31.01.1997).

Assim sendo, fica nítido o prestígio e a importância do direito à vida, utilizando a suprema corte brasileira do princípio humanista, inclusive em situações de conflito aparente de normas constitucionais.

De forma precisa, ensina José Afonso da Silva, vejamos:

Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que mude de qualidade, deixando, então de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo desse fluir espontâneo e incessante contraria a vida. (SILVA, 2010, p. 197).

Assim, fica nítido entender qual o bem jurídico que será atingido, sendo a pena de morte, uma contrariedade em relação ao direito à vida.

1.1 – RELAÇÃO DOS DIREITOS À VIDA E À CRENÇA: (NUMA VISÃO DEMOCRÁTICA);

Para Maria Lúcia Karam, a discussão ao redor da vida vai mais afundo e acaba se correlacionando com o direito de crença. Versa em sua brilhante doutrina que:

Pode-se acreditar que a vida não pertença ao indivíduo que a vive. Pode-se crer que a vida seja um dom de Deus e que a Ele pertença e que, assim, somente Deus dela possa dispor de forma definitiva (ou destrutiva). Mas, esta é uma crença pessoal, inserida na esfera da liberdade individual de pensar e acreditar em tudo aquilo que se entenda conveniente. Se o indivíduo livremente escolher adotar essa crença, certamente há de lhe ser garantida a possibilidade de se comportar em conformidade com os preceitos morais ou religiosos que assim prescrevam a indisponibilidade da vida. O Estado, no entanto, não pode adotar um tal preceito. Se o adotar, estará abandonando sua necessária laicidade e, consequentemente, se afastando do modelo democrático. Vale repetir que a liberdade de crer (e de não crer), que há de ser garantida pelo Estado de direito democrático, só se efetiva quando são garantidas tanto as opções individuais de manifestar expressões da fé em um Deus (ou em diversos deuses), quanto às opções individuais de rejeitar qualquer crença religiosa. Uma lei que expressa um preceito emanado de uma determinada crença religiosa, mesmo quando essa crença é compartilhada pela maioria ou pela quase totalidade da população, elimina a possibilidade de divergir e, assim, viola a liberdade de crer (e de não crer). (...) as leis se dirigem e obrigam todos os indivíduos. Consequentemente, não podem ser ditadas por convicções religiosas, que são sempre particulares ou setoriais. Leis ditadas por convicções religiosas violam não apenas a liberdade de crer (e de não crer), mas também o princípio da igualdade, na medida em que privilegiam os adeptos de uma determinada religião, assim tratando desigualmente os adeptos de outras religiões ou os não crentes. Se ao Estado laico – e vale sempre repetir que o Estado de direito democrático é necessariamente um Estado laico – é vedada a adoção de crença de que a vida pertence a Deus e, por isso, o indivíduo que a vive não poderia dela dispor (no sentido da disposição definitiva ou destrutiva), ao Estado de direito democrático é vedada também a adoção de qualquer outro posicionamento que implique a imposição de uma tal indisponibilidade. A indisponibilidade, como já afirmado, significaria a própria perda do direito à vida, com a transferência da qualidade de titular do bem jurídico do indivíduo para um ente diverso. (KARAM, 2009, p. 16).

A intangível professora finaliza o presente raciocínio afirmando que:

Se a vida não pertence nem a Deus (o Estado laico não pode afirmar que a vida pertença a Deus), nem ao indivíduo que a vive (se um objeto nos pertence, consequentemente dele podemos dispor), a imposição de sua indisponibilidade por parte do Estado estaria a conduzir à lógica conclusão de que o próprio corpo do indivíduo seria uma propriedade do Estado ou da sociedade. Mas isso significaria instrumentalizar o indivíduo, negar sua dignidade e totalitariamente contrariar os fundamentos do Estado de direito democrático. (KARAM, 2009, p. 16).

Portanto, partindo da premissa adotada pela doutrinadora, de que vivemos em um Estados laico, logo, não podemos afirmar que a vida pertença a um Deus, e muito menos pertença ao Estado, caso contrário somos apenas um objeto do poder público, é certo terminar afirmando que cada um é dono de sua própria vida podendo fazer com ela o que bem entender, até mesmo dispor. O suicídio não é crime e por uma questão de lógica, nunca teria como o Estado punir o agente.

2 – A PRINCIPIOLOGIA NORTEANDO A CONSTITUIÇÃO DE 1988 - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS HUMANOS;

Guiado pelo pensamento do brilhante professor Rogério Greco, onde ele assevera que:

O inciso XLVII do art. 5º da Constituição Federal também preconiza que não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (...). Todas essas limitações giram em torno de um princípio, cujas origens remontam ao período iluminista, conhecido como princípio da dignidade da pessoa humana. O ser humano possui valores inalienáveis que não podem deixar de ser observado pelo Estado, encarregado da manutenção da paz social. (GRECO, 2011, p.7).

Adiante, o professor Greco, ensina segundo o nosso vernáculo, a palavra “princípios” significa: “1.Rudimentos. 2.Primeira época da vida. 3.Folhas preliminares. 4.Filos. Proposições diretoras de uma ciência , às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado.” (GRECO, 2011, p. 59).

Os princípios são considerados na ciência jurídica, como as normas gerais mais abstratas, que servem de norte e de observação obrigatória para a criação do sistema normativo. A palavra “princípio”, no singular, nos termos do dicionário, indica o início, a origem, o começo, a causa primária.

Com precisão, aduz Ruy Samuel Espíndola:

Pode-se concluir que a ideia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam. (GRECO apud ESPÍNDOLA, 2011, p. 59).

Podemos então visualizar e apontar os princípios como orientadores de todo o sistema normativo, sejam eles positivados ou não. Fala-se em positivados ou não porque os princípios podem estar previstos expressamente em textos normativos, ou outros que embora não positivados, são de obediência obrigatória, razão pela qual são denominados de princípios gerais do direito. Assim ensina Ivo Dantas quando, diz:

Princípios são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade. (GRECO apud DANTAS, 2011, p. 60).

Ensina o Mestre, que os princípios gerais do direito devem ser bem entendidos, caso contrário, nunca entenderemos como funciona o ordenamento jurídico. Assim versa Manoel Messias Peixinho, quando diz:

É problemática a definição de princípios gerais de direito, se se quer alcançar um enunciado formal e incontroverso, à semelhança de outros institutos jurídicos. Del Vecchio entende serem os princípios gerais os mesmos do Direito Natural. Gény, por sua vez, compreende os princípios gerais do direito como os que decorrem da natureza das coisas. Bianchi, Pacchioni e Clóvis Beviláqua consideram-nos como os princípios universais, presentes na filosofia e na ciência. (PAUPÉRIO, 1989, p. 309-310).

De forma brilhante, Greco, cita Mans Puigarnau e Paulo Nader, vislumbrando desmembrar os princípios gerais do direito, compreendendo como subconceitos a principialidade, a generalidade e a juridicidade. Assim os define:

Princípios: ideia de fundamento, origem, começo, razão, condição e causa; Gerais: a ideia de distinção entre gênero e a espécie e a oposição entre a pluralidade e a singularidade; Direito: caráter de juridicidade, o que está conforme à reta; o que dá a cada um o que lhe pertence (NADER, 1993, p. 110)

E conclui sua bela exposição, dizendo:

É relevante observar que a dificuldade em torno de uma definição dos princípios gerais do direito está adstrita ao exame de sua própria natureza. Por conseguinte, pode-se delinear a discussão dentro de duas vertentes ideológicas, no âmbito da Filosofia do Direito. O positivismo, com a escola Histórica, compreende os princípios gerais do direito como os próprios princípios do ordenamento jurídico, enquanto que, para o jusnaturalismo, os princípios gerais do direito são de conteúdo ultrapositivos, oriundos de princípios imutáveis, ou seja, do direito natural. (GRECO, apud PEIXINHO, p. 106).

O Professor Fábio Corrêa Souza de Oliveira, com maestria, assevera, ainda:

A par daqueles considerados válidos para toda forma de conhecimento, cada ramo do saber pode instituir princípios particulares. Temos os princípios da Física, da Psicologia, da Economia, da Teologia, da Sociologia, da Química, da Filosofia, do Serviço Social, do Direito etc. A declaração dos princípios não é feita, em grande parte dos casos, num clima de pacificidade. Inúmeras dificuldades e controvérsias existem mesmo nas Ciências Exatas ou Biológicas. A evolução do entendimento e da tecnologia se encarrega de derrubar princípios acreditados como absolutos e imperecíveis. Nas Ciências Humanas e Sociais, os desacordos e os antagonismos são frequentes. É de ampla aceitação a tese de que os princípios se revestem de algum caráter de relatividade, inclusive os estimados como universais. As disputas não se limitam apenas sobre quais princípios são determinados, mas ainda sobre a maneira de compreendê-los e aplicá-los. (GRECO, apud OLIVEIRA, p. 19).

Portanto, seguindo o pensamento contemporâneo em relação aos princípios, é certo afirmar que o caráter normativo como normas com alto nível de generalidade e informadoras de todo o ordenamento jurídico, com capacidade inclusive, de verificar a validade das normas que lhe devem obediência.

Quanto ao caráter normativo dos princípios, o professor Ricardo Guastini, com argúcia, aponta seis definições de princípios que se encontram estreitamente ligadas às disposições normativas, quando assevera:

Em primeiro lugar, o vocábulo ‘princípio’[...] se refere a normas (ou a disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de generalidade. Em segundo lugar [...], os juristas usam o vocábulo ‘princípio’ para referir-se a normas (ou a disposições que exprimem normas) providas de alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem a qual não seriam suscetíveis de aplicação aos casos concretos. Em terceiro lugar [...], os juristas empregam a palavra ‘princípio’ para referir-se a normas (ou disposições normativas) de caráter ‘programático’. Em quarto lugar [...], o uso que os juristas às vezes fazem do termo ’princípio’ é para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas) cuja posição hierárquica das fontes de Direito é muito elevada. Em quinto lugar [...], os juristas usam o vocábulo ‘princípio’ para designar normas (ou disposições normativas) que desempenham uma função ‘importante’ e ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político unitariamente considerado, ou num outro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigações). Em sexto lugar, finalmente [...], os juristas se valem da expressão ‘princípio’ para designar normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas aos órgãos de aplicação, cuja específica função é fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos. (GRECO, apud GUASTINI, p.63).

Avante, Ana Paula de Barcellos, enumera os sete critérios mais utilizados pela doutrina para que se compreenda a distinção entre os princípios e as regras, a saber:

O conteúdo. Os princípios estão mais próximos da ideia de valor e de direito. Eles formam uma exigência da justiça, da equidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm um conteúdo diversificado e não necessariamente moral. Ainda no que diz respeito ao conteúdo, Rodolfo L. Vigo chega a identificar determinados princípios, que denomina de ‘fontes, com os direitos humanos. Origem e validade. A validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de outras regras ou dos princípios. Assim, é possível identificar o momento e a forma como determinada regra tornou-se norma jurídica, perquirição essa que será inútil no que diz respeito aos princípios. Compromisso histórico. Os princípios são para muitos (ainda que não todos), em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes , ao passo que as regras caracterizam-se de forma bastante evidente pela contingencia e relatividade de seus conteúdos, dependendo de tempo e lugar. Função no ordenamento. Os princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras. Ao modo dos axiomas e leis científicas, os princípios sintetizam uma grande quantidade de informação de um setor ou de todo o ordenamento jurídico, conferindo-lhe unidade e ordenação. (GRECO, apud BARCELLOS, p.63).

Além de ser fundamental esclarecer que os princípios se complementam e não se excluem, divergindo das simples regras, outras características, vejamos:

Estrutura linguística. Os princípios são mais abstratos que as regras, em geral não descrevem as condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um número indeterminado de situações. Em relação à regras, diferentemente, é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação. Esforço interpretativo exigido. Os princípios exigem uma atividade argumentativa muito intensa, não apenas para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe para o caso, ao passo que as regras demandam apenas a aplicabilidade, na expressão de Jesef Esse, ‘burocrática e técnica’. Aplicação. As regras têm estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do ‘tudo ou nada’, popularizado por Ronaldo Dworkin. Isto é, dado seu substrato fático típico, as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas. Não são admitidas gradações. Como registra Robert Alexy, ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidade físicas e jurídicas existentes. (GRECO, apud BARCELLOS, p.64).

Adiante, destaco a evolução relativa às fases pelas quais passou a juridicidade dos princípios. “Inicialmente, os princípios possuíam caráter jusnaturalista, seguindo-se a ela a fase positivista, para, então, modernamente, atribuir-se lhes uma visão pós-positivista”.(GRECO, 2011, p.65).

Avante, o pensamento de Paulo Bonavides que na fase jusnaturalista:

Os princípios habitam ainda a esfera por inteiro abstrata e sua normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrasta com o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa de ideia que inspira todos os postulados da justiça. (BONAVIDES, 2011, p. 232).

Ensina o mestre Rogério Greco:

Na segunda fase, considerada positivista, os princípios deveriam ser extraídos do sistema de norma posto em determinado ordenamento jurídico, servindo-lhe como fonte normativa subsidiária ou, na expressão de Gordilho Cañas, citado por Paulo Bonavides, como “válvula de segurança”, que garante o reinado absoluto da lei. Na fase pós positivista, as constituições, seguindo as lições de Paulo Bonavides, “acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”. Os Princípios, portanto, passam nesta última fase, a exercer a primazia sobre todo ordenamento jurídico, limitando, por meio dos valores por eles selecionados, a atividade legislativa, somente permitindo no caso específico do direito penal, a criação normativa que não lhes seja ofensiva. (GRECO, 2011, p. 65).

Finda o seu raciocínio de forma brilhante e esclarecedora, senão vejamos as palavras de Rogério Greco:

Entendemos que os princípios, dado o seu caráter de norma superior às demais existentes no ordenamento jurídico, servem de garantia a todos os cidadãos, em um Estado Constitucional e Democrático de Direito, contra as tentativas do Estado em se arvorar em “senhor onipotente”. Os princípios são, portanto, o escudo protetor de todo cidadão contra os ataques do Estado. Todas as normas lhe devem obediência, sob pena de serem declaradas inválidas. A título de exemplo, imagine-se a hipótese tão ventilada nos meios de comunicação de massa a respeito da implementação das penas de morte ou de caráter perpétuo para determinadas infrações penais. Mesmo se não houvesse princípio específico para o tema, como acontece, in casu ,com o princípio da limitação das penas, previsto no art. 5º, XLVII, da constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana, também previsto em sede constitucional, seria suficiente para impedir a modificação do ordenamento jurídico-penal. Se o legislador insistisse em desobedecer-lhe, outra alternativa não caberia ao poder judiciário, encarregado do controle das leis, senão afastar a aplicação da norma contrária ao mencionado princípio. Assim, concluindo, contemporaneamente, os princípios, em uma escala hierárquica, ocupam o lugar de maior destaque e importância, refletindo, obrigatoriamente, sobre todo o ordenamento jurídico. (GRECO, 2011, p. 66).

Partindo da mesma premissa lógica, o eminente professor Carlos Henrique Bezerra Leite, ensina o seguinte:

No Brasil, as decisões judiciais são divergentes quando tratam de questões principiológicas, já que não há uniformidade interpretativa entre os aplicadores do Direito. A doutrina majoritária defende a distinção entre regras e princípios, mas entende que ambos possuem força normativa, ou seja, são normas jurídicas. Para Robert Alexy, estabelecer “a distinção entre regras e princípios constitui a estrutura normativo-material dos direitos fundamentais e, com isso, um ponto de partida para responder a pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais”. Esse mesmo raciocínio também vale para os direitos humanos. O Estado Democrático de Direito é marcado por apresentar princípios fundamentais ao seu funcionamento e que possuem grande força normativa no ordenamento jurídico, chegando a ocupar o topo da pirâmide normativa. (LEITE, 2011, p. 42, 43).

Complementa tal ideologia, o professor Paulo Bonavides, vejamos:

A importância vital que os princípios assumem para os ordenamentos se torna cada vez mais evidente, sobretudo nas constituições contemporâneas, onde aparecem como pontos axiológicos de mais alto destaque e prestígio com que fundamentar na Hermenêutica dos tribunais a legitimidade dos preceitos da ordem constitucional. (BONAVIDES, 1997, p. 260).

Conclui-se com o que foi explanado que os princípios compõem a força de todo o ordenamento jurídico. Por trás de qualquer regra, temos sempre no mínimo um principio para sustentá-la. Afirmo que um ordenamento jurídico rico e eficaz somente é possível com a principiologia bem sustentada, sem termos a necessidade de legislar minuciosamente tudo através de regras.

2.1 – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DEMOCRACIA EQUILIBRADA;

Vejamos a seguir os Princípios que compõe obrigatoriamente um Estado Democrático de Direito, embasado na principiologia contemporânea adotada pelo Brasil;

2.2 - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:

Doravante, tal pensamento compartilhando a preciosa lição de Ingo Wolfgang Sarlet, quando indaga:

Até que ponto a dignidade não está acima das especificidades culturais, que, muitas vezes, justificam atos que, para a maior parte da humanidade são considerados atentatórios à dignidade da pessoa humana, mas que, em certos quadrantes, são tidos por legítimos, encontrando-se profundamente enraizados na prática social e jurídica de determinadas comunidades. Em verdade, ainda que se pudesse ter o conceito de dignidade como universal, isto é, comum a todas as pessoas em todos os lugares, não haveria como evitar uma disparidade e até mesmo conflituosidade sempre que se tivesse de avaliar se uma determinada conduta é, ou não, ofensiva à dignidade. (SARLET, 2010, p.60).

Avante, conceitua tal princípio, o professor Rogério Greco:

É algo inerente ao ser humano, um valor que não pode ser suprimido, em virtude da sua própria natureza. Até o homem mais vil, o homem mais detestável, o criminoso mais frio e cruel é portador desse valor. (GRECO, 2011, p. 69).

Adotando o conceito proposto por Ingo Wolfgang Sarlet, que procurou condensar alguns dos pensamentos mais utilizados para definir a dignidade da pessoa humana, teremos:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2010, p. 60).

Leciona no mesmo sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite:

O princípio da dignidade da pessoa humana foi positivado no ordenamento jurídico brasileiro, com status de princípio fundamental (CF. art. 1º, III), e é por isso que muitos constitucionalistas o consideram verdadeiro princípio conformador de todo o sistema jurídico nacional. Sabe-se que a tendência dos ordenamentos posteriores à traumática barbárie do nazi-fascismo repousa no reconhecimento da pessoa humana como o centro e o fim do Direito, de modo que diversos Países passaram a adotar a dignidade da pessoa humana como valor básico dos Estados Democráticos. (LEITE, 2011, p. 44).

Finaliza seu posicionamento, o mestre acima citado, versando:

A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, confirmando, portanto, a premissa de que o Estado existe em função da pessoa humana, isto é, a dignidade da pessoa humana é o fim maior do Estado e da Sociedade. (LEITE, 2011, p. 45).

Concluo tal posicionamento, citando Immanuel Kant, vejamos:

No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. (KANT, 2004, p. 140).

Adiante, ensina com maestria o professor Ricardo Lobo Torres:

O postulado da dignidade da pessoa humana em boa hora ingressou no direito positivo brasileiro, desde logo com a estatura inexcedível de norma de princípio constitucional, alçada em fundamento do Estado brasileiro (Constituição Federal – art. 1º, III), o que vale dizer em pressuposto axiológico da organização política nacional. Essa hierarquia juspositiva por certo faz resultar consequências extremas e inexoráveis, uma vez que irradia para o plano da legalidade infraconstitucional um padrão de interpretação e de execução normativa, que é de observância compulsória, e que deve ser consentâneo com a máxima efetividade de cláusula supralegal de dignificação do homem. Há de ocorrer, de conseguinte, a constitucionalização, ou seja, a interpretação conforme a constituição de todas as regras de direito que intercedam com as condições existenciais reputadas indispensáveis a uma vida digna. (TORRES, 2006, p. 160).

O professor acima citado, cita os papeis básicos que o Estado deve seguir, para que haja eficácia aos direitos fundamentais, vejamos:

Princípio de matriz constitucional, o postulado da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, pelo menos, três ordens distintas de postura a fim de emprestar consequências e radical eficácia aos direitos fundamentais. Primeiramente, condena, com a mácula da inconstitucionalidade, os atos estatais atentatórios a tal princípio. Além disso, impõe ao Poder Público o dever de se abster de praticar atos que desafiem o valor maior da dignidade humana. Por fim, induz a que os órgãos e autoridades competentes, em todos os níveis de governo, e no exercício de suas constitucionais e apropriadas competências, adotem iniciativas conducentes à eliminação das desigualdades sociais e que promovam condições sociais e econômicas propícias à existência digna de todos os seres humanos sujeitos à circunscrição da soberania do Estado. Em suma, ao impregnar todas as formas de atuação do Estado, esse princípio culminante da ordem constitucional democrática e solidarista exerce um papel ao mesmo suasório e dissuasório dos comportamentos das instancias públicas. Por ser uma categoria aberta e abrangente, aplicável tanto às relações da esfera pública quanto às situações da vida privada, a dignidade humana há de ser considerada o princípio dos princípios constitucionais. E o parâmetro, por excelência, do sentido formal e material da justiça, que a tudo e a todos julga. Por isso, nada escapa, seja no terreno das ações e omissões do Poder Público, seja na órbita das relações e dos negócios privados, ao crivo de sua incidência pedagógica e à sua missão edificante de uma ordem jurídica comprometida com os direitos humanos e os valores da solidariedade. (...). A transformação qualitativa do pensamento jurídico rumo à abertura e mobilidade sistêmica que notabiliza o pós-modernismo (e o pós-positivismo) ganhou força a partir dos grandes momentos constituintes das últimas décadas do século passado, do que constitui exemplo emblemático a Carta Política de 1988 pela adoção mútua, normas de natureza principiológica – implícitas ou explícitas – e normas de natureza perceptiva. Às primeiras cabe alegar, fecundar e comunicar novas possibilidades semânticas, novos horizontes axiológicos ao plano básico da previsão textual contida nas regras de preceito. Aliás, pode-se dizer que a ambiência natural dos princípios jurídicos, máxime o “princípio dos princípios”- que é a dignidade humana, é sem dúvida o texto constitucional. E nessa perspectiva de abertura material e de capilaridade temática, como condição para o contínuo adensamento do fenômeno jurídico, impõe-se ao jurista o dever de desconfiar de leituras herdadas, e mesmo de se inquietar com elas, se já não se afinam com o sentimento de justiça, ou não mais traduzem as expectativas contemporâneas da sociedade. (...) impõe-se, hoje, não só à jurisprudência, mas aos operadores do direito em geral, intensificar o conhecimento do fenômeno jurídico, encontrando novas conexões de sentido que as normas mantêm entre si e com os princípios éticos-diretivos do ordenamento jurídico, cujo epicentro repousa no princípio da dignidade da pessoa humana. (TORRES, 2006, p. 162 – 163).

2.3 - PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DAS PENAS:

Versa a lição de Ferrajoli que, com precisão, afirma:

A história das penas é, sem duvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos: porque mais cruéis e talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas e porque, enquanto o delito costuma ser a violência ocasional e às vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, consciente, organizada por muitos contra um. (FERRAJOLI, 2002, p. 310).

Ensina, com maestria, o professor Rogério Greco, senão, vejamos:

A Constituição funciona como limite negativo ou como limite positivo do Direito Penal. Para os partidários da limitação negativa, os Estados podem tipificar condutas atentatórias a valores que não tenham sido reconhecidos pela Constituição, desde que tal incriminação não fira os valores constitucionais. Tomando-se como base a legislação nacional, tem-se que, sob essa perspectiva de limite negativo, o legislador ordinário não poderia (como não pode) criminalizar a conduta de associar-se para fins lícitos, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade. A Constituição funcionando, efetivamente, como limitadora negativa, com fundamento no principio da dignidade da pessoa humana, no inciso XLVII do art. 5º, versa que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. (GRECO, 2011, p. 125).

Doravante, preconiza Nilo Batista:

A pena nem ‘visa a sofrer o condenado’, como observou Fragoso, nem pode desconhecer o réu enquanto pessoa humana, como assinala Zaffaroni, e esse é o fundamento do princípio da humanidade. Não por acaso, os documentos internacionais consideram desumanas as penas como aquela executada em Damiens. O princípio pertence à política criminal, porém é proclamado por vários ordenamentos jurídicos positivos. Entre nós, o principio da humanidade reconhecidos explicitamente pela Constituição, nos incisos III (proibição de tortura e tratamento cruel ou degradante), XLVI (individualização – ou seja, ‘proporcionalização’- da pena) e XLVII (proibição de penas de morte, cruéis ou perpétuas) do art. 5º da CR. (BATISTA, 1996, p.318).

No mesmo sentido, exponho a doutrina de Cobo del Rosal e Vives Antón, que esclarecem:

A qualificação de uma pena como desumana ou degradante depende da execução da pena e das modalidades que esta se reveste, de modo que por sua própria natureza a pena não ocasione sofrimentos de uma especial intensidade (penas desumanas) ou provoquem uma humilhação ou sensação de aviltamento. (COBO DEL ROSAL, 1999, p.100).

Compartilhando do mesmo pensamento, aduz Ferrajoli:

Acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e à quantidade da pena. É esse valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. Devo acrescentar que este argumento tem um caráter político, além de moral: serve para fundar a legitimidade do Estado unicamente nas funções de tutela da vida e os demais direitos fundamentais; de sorte que, a partir daí, um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes. (FERRAJOLI, 2002, p. 318).

Portanto, entendemos a norma constitucional como limite negativo ao direito penal, bem como consideramos que tal limite negativo é derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, demonstrando assim à essência do princípio da limitação das penas.

2.4 - PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO PRO HOMINE:

Tal princípio é reconhecido na jurisprudência internacional e origina-se do regime objetivo dos tratados internacionais de Direitos Humanos. Na verdade, como ressalta André de Carvalho Ramos:

Toda exegese do Direito Internacional dos Direitos Humanos, consagrada pela jurisprudência internacional, tem como epicentro o princípio da interpretação pro homine, que impõe a necessidade de que a interpretação normativa seja feita sempre em prol da proteção dada aos indivíduos. (RAMOS, 2005, p. 96).

O professor acima citado, elenca três diretrizes para interpretar o princípio em tela:

Primeira diretriz: É reconhecida a existência dos direitos humanos inerentes à pessoa, mesmo que não previstos expressamente nos tratados internacionais ou na legislação interna dos Estados. A constituição de 1988, por exemplo, reconhece que os direitos e garantias nela adotados, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (CF, art. 5º, §2º). Segunda diretriz: É restringir ao máximo as limitações de direitos permitidas em alguns tratados internacionais. Terceira diretriz: Funciona como um método de colmatação de lacunas nos tratados a respeito dos direitos humanos. (LEITE, 2011, p. 56).

Portanto, fica fácil concluir que embora os direitos e garantias individuais sejam cláusula pétrea, tais direitos podem ser ampliados, porém nunca restringidos, com fulcro no princípio da interpretação Pro Homine, portanto, é certo afirmar que a pena de morte prevista em nosso ordenamento jurídico é passível de ser abolida.

2.5 - PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO:

Trata-se de um principio amplamente utilizado na hipótese de colisão de normas de direito interno e de direito internacional que versem sobre direitos humanos.

Versa André de Carvalho Ramos que, de acordo com tal princípio:

Nenhuma norma de direitos humanos pode ser invocada para limitar, de qualquer modo, o exercício de qualquer direito ou liberdade já reconhecida por outra norma internacional ou nacional. Assim, caso haja dúvida na interpretação de qual norma deve reger determinado caso, impõe-se que seja utilizada a norma mais favorável ao indivíduo, que seja a norma de origem internacional ou mesmo nacional. (RAMOS, 2005, p. 106)

Tal princípio, encontra-se positivado no art. 29, b, da Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 5º, item 2, do Pacto de Direitos Civis e Políticos, no art. 5º do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e no art. 60 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Leciona a doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite:

Adota-se um critério dinâmico de hierarquia das normas jurídicas para a solução de antinomias (conflitos entre regras). Onde, no topo da pirâmide normativa, estará a norma mais favorável ao indivíduo, independentemente de tal norma estar prevista no ordenamento nacional ou internacional. (LEITE, 2011, p. 57).

O STF já aplicou o princípio em tela, no seguinte julgado:

HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL-DEPOSITÁRIO JUDICIAL-QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA – CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n.7) – HIERARQUIA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS – PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. (STF-HC 90.450/MG, Rel. Min CELSO DE MELLO, NDJe-025, divulg. 05-02-2009, publ. 06-02-2009).

Entretanto, Carlos Henrique Bezerra Leite adverte que:

O princípio em tela não se aplica nas hipóteses em que a colisão ocorre entre princípios ou direitos fundamentais, pois, em tais casos, há outros princípios específicos (razoabilidade e proporcionalidade). Assim, não prevalece o princípio da norma mais favorável na colisão de direitos fundamentais de indivíduos, como é o caso do exame de DNA, em que o presumido pai, que tem direito à integridade física, e o presumido filho, que tem direito à certeza de sua filiação. (LEITE, 2011, p. 59).

Concluo tal posicionamento apresentado, reforçando que tal princípio analisado é de total aplicação à problemática estudada, qual seja a pena de morte na constituição de 1988, pois estamos claramente diante de uma antinomia jurídica entre uma norma de direitos constitucional e normas de direitos internacional público, devendo prevalecer como foi estudado, a Supremacia da Norma mais Favorável ao indivíduo.

2.6 - PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL:

Invoco tal princípio, tendo-o como alicerce dos direitos humanos, constitucional e de direito fundamental. Desseca o assunto, de forma incomparável, a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, senão vejamos:

A problemática da proibição do retrocesso guarda íntima relação com a noção de segurança jurídica. Assim, convém relembrar que, havendo (ou não) menção expressa no âmbito do direito positivo a um direito à segurança jurídica, de há muito, pelo menos no âmbito do pensamento constitucional contemporâneo, se enraizou a ideia de que um autêntico Estado de Direito é sempre também – pelo menos em princípio e num certo sentido – Estado da segurança jurídica, já que, do contrário, também o ‘governo das leis’(até pelo fato de serem expressão da vontade política de um grupo) poderá resultar em despotismo e toda a sorte de iniquidades. (SARLET, 2006, p. 434).

Adiante, resume a doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite, que o direito à segurança jurídica é apenas um desdobramento do direito fundamental à segurança. Dito de outro modo, o direito fundamental à segurança constitui gênero que tem como espécies não apenas o direito à segurança jurídica (respeito à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito), à segurança pessoal (direito à integridade física e psíquica), à segurança social (vedação da flexibilização das leis trabalhistas) e às chamadas cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), mas também m direito à proteção por meio de prestações normativas e materiais contra atos – do poder público e de outros particulares – violadores dos diversos direitos pessoais. Assim ensina o Mestre. (LEITE, 2011, p. 63).

Um exemplo de operacionalização e concretização da principiologia em estudo, apresento o seguinte julgado:

DIREITO CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LICENÇA-GESTANTE. SALÁRIO. LIMITAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 14 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15.12.1998. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 3º, IV, 5º, I, 7º, XVIII, E 60, § 4º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (STF-ADI 1946/DF, rel. min. SYDNEY SANCHES, j. 03/04/2003, T.P., DJ 16-05-2003, p. 90).

Com fulcro em tal princípio, concluo utilizando forma análoga à jurisprudência utilizada acima, que outra modalidade de pena de morte no ordenamento pátrio não poderá ser implantada de forma alguma, mesmo que seja revogada a atual Carta Magna, e o próprio poder constituinte originário estaria diante de um limite imposto pela ordem jurídica internacional, amparada pelos direitos humanos e consequentemente, fundamentando tal premissa lógica, com a eficácia do princípio da vedação do retrocesso social. Temos aqui a garantia de que o poder constituinte originário não é ilimitado, e o princípio em comento visa garantir a segurança jurídica, onde, podemos afirmar que não existe nenhum direito mundano, sem que haja a certeza absoluta da prevalência da segurança jurídica ilimitada e inabalável.

3.0 – O BRASIL E OS PACTOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS;

No presente tema, será abordado de forma clara e coesa como o nosso país se apresenta diante do plano internacional em relação aos pactos internacionais de direitos humanos. O Doutor Bezerra Leite, aborda de forma direta, versando:

Lamentavelmente, o Brasil somente ratificou os dois Pactos de Direitos Humanos bem depois de suas vigências no plano internacional, o que bem demonstra o déficit brasileiro em relação à cultura e à operacionalização dos Direitos Humanos. Com efeito, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos – PIDCP, bem como o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC -, somente foram ratificados pelo Brasil em 1991, por meio do Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, e promulgados pelos Decretos 591 e 592, ambos de 6 de julho de 1992. Para se ter uma ideia da deficiência de uma cultura jurídica humanística no Brasil, é importante salientar que são raríssimos os cursos de direitos humanos ofertados nos programas de Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu, (...) a disciplina Direitos Humanos sequer é prevista na imensa maioria dos currículos dos cursos de Graduação em Direito.(...). O CPC, de 1973, foi editado em pleno regime militar, sendo, pois, um diploma tecnicista e neutralista em relação à efetivação dos direitos fundamentais. (LEITE, 2011, p. 24).

Outro significativo dado levantado pelo autor:

A mais gritante contradição: O Brasil é um dos nove países mais ricos do mundo, mas ocupa 74ª colocação no ranking do desenvolvimento humano e social. O último diagnóstico do Banco Mundial (BIRD) sobre desigualdades sociais mostra que o Brasil avançou nos últimos anos, mas não o suficiente para livrar-se da fama de País mais injusto do continente latino-americano. (LEITE, 2011, p.25).

Doravante, a doutrina de Norberto Bobbio, acrescenta:

Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os Países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é sua falta de fundamento, mas a sua inexequibilidade. Quando se trata de enuncia-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político (...). O problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 1992, p. 24-25).

{C}3.1 {C}– O PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA E A IMPERATIVIDADE DO JUS COGENS - POSITIVADO NA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE DIREITO DOS TRATADOS, NA BUSCA PELA DEMOCRACIA:

A convenção americana sobre Direitos Humanos, popularmente conhecido como: O Pacto de São José da Costa Rica, entrou em vigor no plano internacional em 22/11/1969, mas, infelizmente, somente foi ratificada pelo Brasil em 06 de Novembro de 1992, por meio do Decreto nº 678, publicado no D.O.U de 09/11/1992.

Leciona o Professor Leite:

Diz-se que ela é mais ampla do que a DUDH, pois, além de tratar dos assuntos contidos no Documento de 1948, reproduz grande parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966. A Corte Interamericana de Direitos Humanos foi designada como órgão competente para fiscalizar e julgar assuntos referentes à tal convenção (...). Objetivava a adesão dos Estados Unidos, porquanto sabido que este País não havia ratificado o referido Pacto e, provavelmente, deixaria de ratificar a Convenção Americana. (...). Pode-se destacar a ênfase que o documento dá ao “princípio de prevalência dos direitos mais vantajosos para a pessoa humana”, pelo qual se entende que, diante do conflito entre direito nacional e internacional, deve-se aplicar aquele que seja mais benéfico à pessoa humana. Exemplo disso é a vedação expressa à pena de morte e a exclusão da prisão civil do depositário infiel, em prol dos direitos à vida e à liberdade. Vale dizer, os Estados que ratificarem a Convenção e possuírem em seus ordenamentos jurídicos permissão para pena de morte e prisão civil do depositário infiel, deverão, por força deste tratado, adequar-se ao comando da norma internacional. (LEITE, 2011, p.29).

Seguindo assim o raciocínio do brilhante professor, é interessante fazer uma correlação do comentário citado acima, com o que prevê a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, então vejamos:

Versa a presente Convenção de Viena, em seu artigo 53, vejamos:

Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens) É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

E o artigo 64, apresenta tal redação:

Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens). Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.

Diante do exposto, as normas imperativas de direito internacional, denominadas como: ‘Jus Cogens’, possuem o condão de impor limites à própria soberania do Estado Membro, e assim sendo, estaria atualmente o Brasil contrariando uma norma positivada perante toda a comunidade internacional. Concluo tal posicionamento, afirmando que o instituto em análise do Jus cogens, é única e exclusivamente um Direito imperativo, cuja a sua aplicação é obrigatória pela parte e não pode ser afastado pela vontade de particulares, funcionando como um moderador da soberania do próprio Estado signatário. Tais normas criam obrigações internacionais erga omnes, traduzindo, é a ordem pública para a satisfação do interesse comum dos que integram a sociedade internacional. Fica óbvio que o Brasil está descumprindo normas que se comprometeu em efetivar, demonstrando mais uma vez que os Direitos Humanos não possuem a devida importância por parte do nosso país e o positivismo que vigora perante a comunidade internacional é desrespeitado por parte do nosso Estado, e nenhuma sanção é imposta ao nosso país que é signatário da presente convenção de Viena.

Conclui-se o pensamento, citando o ilustre pensamento de Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade:

Há crimes – e não caberá aqui enumerá-los – que exprimem um inequívoco consenso de toda a coletividade e que despertam nela sentimentos de coesão e solidariedade. Trata-se, além disso, de crimes comuns à generalidade das sociedades e tendencialmente constantes ao longo da história. Não faltam, porém, crimes ‘criados’ para emprestar eficácia a uma particular moralidade ou a um determinado arquétipo de organização econômica, social ou política. Tais crimes constituem sempre, de forma mais ou menos imediata, afloramentos de uma determinada conflitualidade, porquanto a criminalização nesta área pressupõe o exercício do poder no interesse de uns, mas impondo-se a todos. Como facilmente se intui, é aqui que o problema da definição do crime se converte num problema eminentemente político. (DIAS, 1997, p. 89).

Analisando o pensamento acima citado, me parece que a pena de morte em caso de guerra declarada, enquadra-se muito bem nas sábias palavras supracitadas. Estamos diante de uma pena política, dominadas pela natureza fascista, ditadora e tirana, com fundamento no patriotismo, e infelizmente, sendo abolida qualquer possibilidade de democracia e o pior é que quase não se discute o tema que possui total relevância, onde posso afirmar que a maioria do povo brasileiro, mal sabe da existência da pena de morte em nosso ordenamento jurídico.

Além de violar mais uma vez o Pacto internacional da Costa Rica, senão vejamos:

Art. 4º – 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.(...) Art. 4º - 4. Em nenhum caso, pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delitos comuns conexos com delitos políticos. Art. 5º - 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

Portanto, assevero que estamos diante da antinomia jurídica de maior periculosidade para o cidadão brasileiro, e para a democracia, sendo esse conflito de normas estabelecido entre a constituição e as normas de direito internacional, como já foi visto anteriormente, deveríamos utilizar o princípio da Supremacia da norma mais favorável ao individuo. Assim sendo, é incompatível a continuidade da pena de morte na Carta Magna de 1988. Buscando consolidar o verdadeiro pensamento democrático e fraterno, trago as palavras de Norberto Bobbio, vejamos:

Direitos do Homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais deste ou daquele Estado, mas do mundo. (BOBBIO, 1992, p. 1).

4.0 – TEORIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONSTIRUCIONAIS E O DIREITO SUPRALEGAL – SOB A LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988:

Segue o pensamento do doutrinador alemão Otto Bachof, afinal, diante de tudo o que foi exposto, é incontestável que estamos diante da figura de uma norma constitucional inconstitucional, onde é possível concluir que a norma em estudo está contida formalmente e materialmente dentro da constituição pátria de 1988, conclui-se que é matéria constitucional, todavia, a norma em estudo conflita diretamente com princípios do direito constitucional e pactos do direito internacional. Trata-se da norma com maior potencial ofensivo ao cidadão brasileiro. Adoto a obra traduzida por José Manuel M. Cardoso da Costa, professor da Faculdade de Coimbra – Portugal.

Trago as palavras iniciais de Otto Bachof, na conferência realizada no dia 20 de julho de 1951:

Pressuposto da obrigatoriedade da ideia de justiça para o direito é, todavia, a existência de um consenso social acerca pelo menos das ideias fundamentais da justiça. (...). Creio que deve reconhecer-se um tal consenso: O respeito e a proteção da vida humana e da dignidade do homem, a proibição da degradação do homem num objeto, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, a exigência da igualdade de tratamento e a proibição do arbítrio são postulados da justiça, de evidência imediata. (BACHOF, 1977, p. 2).

Adiante, versa o inigualável pensador:

Um Estado poderá certamente desrespeitar tais princípios, poderá fazer passar também por direito as prescrições e os atos estaduais que os desrespeitem e poderá impor a observância destes pela força. Um tal direito aparente nunca terá, porém, o suporte do consenso da maioria dos seus cidadãos e não pode, por conseguinte, reivindicar a obrigatoriedade que o legitimaria. Não é por acaso que a questão da obrigatoriedade de leis e outros modos de atuação estadual contrários à justiça se põe sempre com especial intensidade quando regimes contrários ao Estado de direito são substituídos por regimes de Estado de direito. (...). O Tribunal Constitucional Federal, do mesmo modo que outros tribunais alemães, reconhecem em várias decisões a existência de direito supra positivo, obrigando também o legislador constituinte. (...). Também uma norma constitucional pode ser nula, se desrespeitar em medida insuportável os postulados fundamentais da justiça. É certo que o tribunal também declarou que a probabilidade de um legislador democrático e livre ultrapassar algures estes limites é tão pequena que a possibilidade teórica de ocorrerem num Estado de direito normas constitucionais originárias inconstitucionais quase equivale a uma impossibilidade prática. (BACHOF, 1977, p. 2 e 3 ).

Versa a doutrina, assegurando que a afirmação feita acima de que os problemas das normas constitucionais inconstitucionais se põe menos em períodos de uma vida constitucional normal, do que em períodos de uma mudança política radical. Corrobora ainda com tal premissa, que o fenômeno (só na aparência paradoxal) de normas constitucionais inconstitucionais não deverá ser esquecido, como advertência permanente de que a onipotência do Estado tem limites.

Avante, expõe a seguinte opinião o jurista Bachof:

Uma norma da Lei fundamental é contrária a esta Lei ou uma norma da constituição de um Estado Federado é contrária a essa mesma constituição – questão que não raras vezes inclui também a da invalidade de tais normas por infração do direito supralegal (direito pé-estadual, supra estadual, supra positivo, direito natural). Mostra-se que a questão da possibilidade da ocorrência de normas constitucionais inconstitucionais ou, de um modo geral, inválidas, e da sua apreciação, representa de fato um importante e atual problema jurídico-constitucional. Nele importa distinguir a questão jurídico-material de saber se é sob que pressupostos uma norma da constituição pode ser inconstitucional ou – na medida em que isso não couber no conceito de inconstitucionalidade – inválida por infração de direito supralegal, e a questão processual de uma correspondente faculdade judicial de controle, em especial por parte dos tribunais constitucionais. (...) Tanto do ponto de vista jurídico-material, como do processual – as normas constitucionais dos Estados federados quer sejam porventura inconstitucionais por infração da Lei fundamental. (BACHOF, 1977, p. 14).

4.1 - O CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO:

Assevera a doutrina de Otto, que a discussão sobre a possibilidade da ocorrência de normas constitucionais inconstitucionais pressupõe um entendimento acerca do conceito de constituição, e assim versa o mestre: “Na verdade, uma norma só pode ser medida por normas, não por uma situação ou um processo evolutivo. Devemos distinguir ainda entre a Constituição escrita ou Constituição em sentido formal e a Constituição em sentido material.”. Significado em sentido formal:

Será uma lei formal qualificada essencialmente através de características formais. Particularidade do processo de formação e da designação, maior dificuldade de alteração – ou também uma pluralidade de tais leis: corresponderá, portanto, ao conteúdo global, muitas fezes mais ou menos acidental, das disposições escritas da Constituição. (BACHOF, 1977, p. 39).

Acepção da palavra no sentido Material:

Entende-se em geral o conjunto das normas jurídicas sobre a estrutura, atribuições e competências dos órgãos supremos do Estado, sobre as instituições fundamentais do Estado e sobre a posição do cidadão no Estado. Entende-se também como o sistema daquelas normas que representam componentes essenciais da tentativa jurídico-positiva de realização da tarefa posta ao povo de um Estado de edificar o seu ordenamento integrador. (...). Também pode haver direito constitucional material fora do documento constitucional; inversamente, nem todas as normas constitucionais formais são direito constitucional material com função integradora. (BACHOF, 1977, p. 40).

4.2 – CONSTITUIÇÃO E O DIREITO SUPRALEGAL;

Salienta o professor que entre a constituição e o direito supralegal, supra estadual ou pré-estadual, guardam a seguinte relação:

Incorporando valores metafísicos no sistema constitucional e desse modo os reconhecendo como direito constitucional válido, no sentido de dotado de positividade, com isto, porém, não se prova ainda que essa positivação esgote o conteúdo do direito supralegal e, por maioria de razão, não se demonstra que todas e cada uma das regras do direito constitucional formal estejam de harmonia com o direito supralegal assim positivado – e muito menos com o que não foi, possivelmente, abrangido pela positivação. Finalmente, essa positivação poderia quando muito resolver de lege lata – isto é, o que ocorrerá se mantiver uma relação de tensão entre o direito positivo e o supra positivado. A problemática fundamental da validade de uma constituição – não apenas no sentido da sua positividade, mas também, e, sobretudo, no sentido da sua obrigatoriedade jurídica - continua, portanto, a subsistir. (BACHOF, 1977, p. 27).

Importante também ressaltar o seguinte, sobre o direito supralegal:

Mais uma vez, não confundir a questão jurídico-material da validade da constituição à luz do direito supralegal com a questão da competência judicial de controle que nessa medida existe. A validade de uma constituição compreende a sua legitimidade em ambos os aspectos: A positividade, no sentido de sua (existência como plano e expressão de um poder efetivo), e a obrigatoriedade, no sentido da vinculação jurídica dos destinatários das normas ao que é ordenado. Esta obrigatoriedade só existirá, em primeiro lugar, se e na medida em que o legislador tome em conta os princípios constitutivos de toda e qualquer ordem jurídica e, nomeadamente, se deixe guiar pela aspiração à justiça e evite regulamentações arbitrárias. (BACHOF, 1977, p. 38).

Acredito ser pertinente a transcrição dos ensinamentos de Hippel:

Falar dos limites de competência, que, tendo em conta Deus, a Humanidade, cada homem individualmente considerado, bem como as comunidades naturais, valem por si com limites de autoridade do Estado, e onde estes limites são designados; como o mínimo de exigências que também o Estado tem de respeitar para poder ser visto como um Estado no sentido de uma ordem com força obrigatória. Se o legislador atender aos mandamentos cardeais da lei moral, possivelmente diferente segundo o tempo e o lugar, reconhecida pela comunidade jurídica, ou, pelo menos, não os renegar conscientemente. (BACHOF, apud HIPPEL, 1977, p. 42).

Acrescenta Otto Bachof:

Embora o direito seja apenas, um mínimo ético, a verdade é que não deixa nunca a ser justamente um mínimo ético, pois de outro modo também não será direito. O direito natural que for além deste mínimo pode, no entanto, ter significado como princípio regulador para o legislador ou como princípio interpretativo, nos casos duvidosos não regulados por aquele inequivocamente; não será, por enquanto, mais do que isso. Nenhum sério defensor do direito supralegal pretenderá afirmar que todos os postulados que a razão, a natureza, a religião ou a lei moral ditam à ordem jurídicas sejam direito vigente, só porque são postulados com essa natureza. (...) O direito supralegal assim delimitado é uma ordem objetiva. (BACHOF, 1977, p. 43).

Conclui-se a ideia com outra citação da doutrina alemã:

Dentro dos limites assim definidos fica ainda ao legislador, nomeadamente ao legislador constitucional, um largo espaço para a edificação autônoma de um sistema de valores próprios. (...). A restrição da legitimidade de uma Constituição à sua positividade redundaria ao fim e ao cabo, da igualdade Poder = direito, e corresponderia assim, transposta para o terreno teológico, a uma argumentação (que extraísse do poder do Diabo a obrigatoriedade religiosa das leis infernais). Ora, não só a lembrança de um passado próximo deveria representar para nós uma viva advertência, antes de admitirmos essa igualdade, mas também tal admissão é vedada pela lei fundamental, pois a incorporação de direito supralegal na Constituicao tem apenas – doutro modo já esse direito não seria supralegal – significado declaratório e não constitutivo; Tal incorporação não cria direito, mas antes o reconhece. Não pode ser um reconhecimento parcial: é que, ou existe um direito supralegal, e então ele vale, independentemente do reconhecimento, e portanto também mesmo que não positivado, ou não existe tal direito, e então qualquer reconhecimento, ainda que só parcial, seria uma contradição em si. . (BACHOF, 1977, p. 45).

4.3 – O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E O DIREITO SUPRALEGAL:

De forma divergente da doutrina majoritária nacional, a renomada doutrina de Bachof, versa que o poder constituinte originário não é ilimitado, sem barreiras, sendo um instituto que visa proteger arbitrariedades do Estado, senão, vejamos:

O conceito material de Constituição exige que se tome em consideração o direito supralegal. De uma autonomia ilimitada do legislador constituinte, quando, na verdade, essa autonomia só subsiste no quadro das vinculações supralegais. Constituição vigente em sentido material serão apenas, por conseguinte, os elementos componentes da tentativa jurídico-positiva da realização do ordenamento integrador que não ultrapassem esses limites preexistentes. Questão que tem essencialmente um significado apenas terminológico é a de saber se, em vista disso, todo o direito supralegal se deve considerar parte integrante da Constituição, e se uma violação do direito supralegal se deve qualificar de inconstitucional. Não se pode duvidar de que o direito supralegal expressamente positivado pertence à constituição; Saber se o direito constitucional porventura não abrangido pela positivação deve incluir-se no direito constitucional, como parte integrante não escrita da ordem fundamental do Estado, em virtude do caráter incondicional da vinculação jurídica dele decorrente. (...). o direito Constitucional supralegal positivado precede, em virtude do seu caráter incondicional, o direito constitucional que é apenas direito positivo, razão por que aqui – mas também só aqui – a ponderação da importância de normas constitucionais diferentes, em confronto umas com as outras, preconizada por Krugger e Giese, se mostra justificada. Falta a autonomia da criação de direito, que permite ao poder constituinte abrir brechas, através de exceções à regra, nas normas autonomamente estabelecidas, onde a positivação significa, não a criação de normas jurídicas novas, mas apenas um reconhecimento de direito pré-constitucional. (BACHOF, 1977, p. 47, 48 E 63).

Sendo o poder de criar a constituição, ilimitado, vejamos outro pensamento do juiz alemão:

Enquanto o legislador constituinte atua autonomamente, estabelecendo normas jurídicas que não representam simples transformação positivante de direito supralegal, mas a expressão da livre decisão de vontade “bouvoir constituant”, pode ele, justamente por força dessa sua autonomia, consentir também exceções ao direito estabelecido. No fato de o legislador constituinte se decidir por uma determinada regulamentação tem de ver-se a declaração autentica, ou de que ele considera essa regulamentação como autêntica, ou de que ele considera essa regulamentação como estando em concordância com os princípios basilares da constituição, ou de que, em desvio a estes princípios basilares da Constituição, ou de que, em desvio com estes princípios, admitiu conscientemente como exceção aos mesmos. É certo que o legislador constituinte não pode, ao admitir tais exceções, infringir simultaneamente uma norma de direito supralegal, em especial a proibição do arbítrio imanente a qualquer ordem jurídica. Se o fizer, a norma excepcional será sem dúvida não vinculativa – não, porém, em virtude da contradição com o princípio, mas antes em virtude do caráter arbitrário da exceção. (BACHOF, 1977, p. 56 e 57).

4.4 – ALGUMAS POSSIBILIDADES DE NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONSTITUCIONAIS (INVÁLIDAS);

A diferença da Carta Magna em sentido material e em sentido formal, nos leva a precisa distinção entre a inconstitucionalidade de normas jurídicas resultante da infração constitucional escrita e as decorrentes de infrações de direito constitucional material não escrito. Vejamos como leciona Bachof:

A norma constitucional formal conterá – um preceito constitucional material, de maneira que poderíamos, além disso, distinguir entre infração de uma norma constitucional apenas formal e de uma norma constitucional simultaneamente formal e material. Para a invalidade de uma norma constitucional formal, nada importa saber se e até onde esta norma constitucional representa ao mesmo tempo direito constitucional material. (BACHOF, 1977, p. 33).

A doutrina destaca a possibilidade de violação da constituição escrita, através da inconstitucionalidade de normas constitucionais ilegais, assim, vejamos:

Se uma constituição, em tudo o resto, se tornou juridicamente eficaz, mas uma das suas normas, isoladamente, não corresponde aos requisitos de eficácia por aquela mesma estabelecida, pode bem falar-se de uma norma constitucional inconstitucional: em qualquer caso, porém, tratar-se-á de uma norma inválida. (...) A legitimidade de uma Constituição não significa que esta tenha de ser produzida de acordo com os preceitos da Constituição anteriormente em vigor. Os preceitos sobre a revisão de uma Constituição apenas podem obrigar o poder constituído, nunca o poder constituinte. Ora, se uma alteração da Constituição, apesar de sua inconstitucionalidade, (formal ou material), se impõe, se o direito assim produzido adquire, portanto, positividade, e se também à sua obrigatoriedade se não levantem dúvidas, provenientes da infração de direito supra positivo, então o novo direito ter-se-á tornado ele próprio, daí em diante, direito constitucional vigente. Já não se trata nesse caso de uma revisão, mas de uma remoção (eventualmente só parcial) da Constituição que até aí existia. Existem numerosas manifestações através das quais a vontade do povo pode fazer-se valer, também podendo uma revisão aparentemente inconstitucional representar na realidade um ato constituinte com suporte na vontade do povo como titular do poder constituinte. Sim, também uma revisão da Constituição, de fato originalmente inconstitucional, poderia transformar-se, por força de uma ulterior aprovação pela volonté générale, num ato constituinte autêntico e eficaz. (BACHOF, 1977, p. 40).

Todo o posicionamento adotado reflete o pensamento de um governo verdadeiramente democrático. Vejamos adiante, o conflito de normas constitucionais contraditórias com normas constitucionais de grau superior.

Saber se também uma norma originariamente contida no documento constitucional (e emitida, eficazmente, sob o ponto de vista formal), uma norma criada, portanto, não por força da limitada faculdade de revisão do poder constituído, mas da ampla competência do poder constituinte, pode ser materialmente inconstitucional. Esta questão pode parecer, à primeira vista, paradoxal, pois, na verdade, uma lei constitucional não pode, manifestamente, violar-se a si mesma. Contudo, poderia suceder que uma norma constitucional de significado secundário, nomeadamente uma norma só formalmente constitucional, fosse de encontro a um preceito material fundamental da constituição: Ora, o fato é que por constitucionalistas tão ilustres, como Krugger e Giese, foi defendida a opinião de que, no caso de semelhante contradição, a norma constitucional de grau inferior seria inconstitucional e inválida.

(...). Caberá examinar primeiro a tese segundo a qual um preceito do documento constitucional pode ser inconstitucional e carece, por isso, de obrigatoriedade jurídica em virtude de uma contradição com um preceito de grau superior do mesmo documento constitucional. Exclui-se aqui hipóteses de a norma de grau superior conter uma positivação de direito supralegal, de tal maneira que a não obrigatoriedade da norma de grau inferior pudesse advir de uma infração deste direito supralegal. No caso de contradição aparente entre um princípio constitucional e uma norma singular da Constituição, tal vontade só pode em princípio ser entendida, ou no sentido de que o legislador constituinte quis admitir essa norma singular como exceção à regra, ou no que negou, pura e simplesmente, a existência de semelhante contradição. Em casos de contradição insolúvel, de uma contradição que também não seja suscetível de interpretar-se através da relação regra-exceção, assim como, por ultimo, em caso de manifesto equívoco, possa haver lugar para outro juízo. (BACHOF, 1977, p. 56 e 57).

O direito não para no tempo, normas obsoletas e que tenham por função desintegrar a sociedade, não devem receber o respeito e a atenção do direito e da própria sociedade. Ainda mais quando se encontram inseridas como exceção à regra dos direitos e garantias fundamentais, assim versa Bachof:

Se certos pressupostos, que foram determinantes para o legislador emitir uma norma jurídica, não vierem a verificar-se, ou se falham as expectativas que manifestamente se ligaram à norma jurídica, pode a norma, certamente, perder o sentido. Em regra, será então tarefa do legislador tirar daí as consequências e modifica-la. No entanto, em vista da particular missão de integração da ordem constitucional, será lícito admitir também como possível que normas singulares da Constituição se tornem automaticamente obsoletas, quando as mesmas, em consequência da mudança da situação real, já não puderem cumprir a sua função integradora, e porventura comecem até a desempenhar uma função desenterradora. (BACHOF, 1977, p. 60).

Adiante, utilizando-se da analogia, podemos ver que as palavras a seguir encaixam-se em perfeita consonância com a pena de morte na carta magna de 1988, vejamos:

As normas constitucionais cuja limitação temporal não se encontra claramente fixada através do estabelecimento dum prazo, com data certa ou da ocorrência de um determinado acontecimento permanecem formalmente como parte integrante do documento constitucional até à sua expressa revogação, pelo que, no caso de elas se haverem tornado incompatíveis com o conteúdo material da Constituição, em virtude do desaparecimento dos respectivos pressupostos, bem poderiam ser com alguma razão qualificadas como normas que se tornaram inconstitucionais. (BACHOF, 1977, p. 62).

Quanto à doutrina pátria, cito a possibilidade mais marcante trazida por Otto Bachof, que muito se assemelha à nossa problemática em estudo. Trata-se da inconstitucionalidade por infração de direito supralegal não positivado. Vejamos:

A favor da incorporação na Constituição, milita, a meu ver, a circunstancia de o direito supralegal se imanente a toda a ordem jurídica que se reivindique legitimamente deste nome e, portanto, também, e até mesmo em primeira linha; a toda ordem constitucional que queira ser vinculativa. No mesmo sentido milita além disso, de lege lata, a circunstância de a Lei fundamental – portanto, a atual Constituição positiva – reconhecer a existência de direito supralegal e de tal reconhecimento, como já foi exposto, não poder ser, por definição, um reconhecimento parcial, mas abranger necessariamente todo o direito supralegal. Mais importante do que a incorporação terminológica do direito supralegal é, porém, de novo, o fato de uma norma constitucional que infrinja tal direito não poder reivindicar nenhuma obrigatoriedade jurídica, independentemente da questão de saber se em que medida o direito supralegal violado doi transformado em direito constitucional escrito. É importante, além disso, a questão – a discutir só ulteriormente – de saber se a competência judicial de controle se estende à verificação da compatibilidade de normas jurídico-positivo, incluindo as normas constitucionais, com o direito supralegal não escrito. (BACHOF, 1977, p. 69 e 70).

Por fim, Bachof, assegura que é difícil esgotar as possibilidades de normas constitucionais inconstitucionais, porém é claro afirmar que são inconstitucionais, todas as normas que contrariam o direito natural, supralegal ou pré-estatais, isto é, além de desconsiderar as próprias antinomias que decorrem do próprio texto constitucional de 88.

4.5 – CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA;

Trago o modelo adotado por Portugal, embasado no direito comparado, para nortear o que verdadeiramente efetiva os direitos fundamentais e dignifica o cidadão e o ser humano de forma geral. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país. Deve sempre ser levado em consideração, os princípios basilares que respeitam o ser humano, buscando garantir a segurança jurídica, o direito à vida e a dignidade, assim idealiza a Carta Magna de Portugal, senão vejamos:

A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista. Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa. A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país. A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno. (PREAMBULO DA CARTA MAGNA DE PORTUGAL).

Adiante, utilizando-me do direito comparado, vejamos como os princípios Portugueses tornam-se mais completos e eficazes do que vige nos termos da Constituição Brasileira, pois versa a Carta Portuguesa:

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade. 2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos. 3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão. 4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa. 7. Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma. [...]. 1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. 3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.

Importante ressaltar que o diploma normativo preocupou-se em proteger a figura do apátrida, sendo mais um forte argumento que busca preservar a vida humana, independente da nacionalidade do Ser Humano.

Artigo 15.º - Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus

1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.

Artigo 16.º - Ambito e sentido dos direitos fundamentais

1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.

2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O foco principal do trabalho em comento, que consegue suprimir qualquer lacuna jurídica e antinomia que possa ser danosa ao ser humano em caso de uma guerra declarada, é sanado com a positivação do próximo artigo, demonstrando uma proteção muito direta à vida humana, e fazendo de Portugal, um país a ser seguido pela maestria que a legislação consegue assegurar aos seus cidadãos, ao ser humano. Senão, vejamos:

Direitos, liberdades e garantias pessoais

Artigo 24
Direito à vida

Direito à vida

1. A vida humana é inviolável.

2. Em caso algum haverá pena de morte.

Artigo 25
Direito à integridade pessoal

1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.

2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos

Assim sendo, podemos verificar que se apresenta muito mais eficaz e sem contradições o diploma normativo português, sendo mais completo que a carta magna brasileira e muito mais humanista do que o ordenamento jurídico pátrio. A constituição brasileira de 1988, até faz previsão do que deveria ser ideal para o ser humano, porém, a possibilidade da pena de morte em caso de guerra declarada põe tudo a perder e demonstra que estamos diante de algumas antinomias jurídicas que visam eliminar o cidadão e são aceitas com o fundamento de que estaríamos diante de um estado de exceção. Vale refletir que o Estado de Direito se diz justo e forte, acontece que é aceita a ideia da tirania e barbárie quando abolido tal estado democrático de direito.

Acredito que o momento para contestarmos essa norma retrograda é no período de paz e bonança, para que na guerra possamos ter um mínimo de moralidade. O homem vive em conflito desde que começou a escrever e passar a História para outras gerações, os conflitos com outros homens e o próprio conflito interno fazem parte da natureza humana. Querer que o homem pare de fazer guerra é uma ilusão, pura utopia, mas moralizar a guerra, por mais tosco que isso possa parecer, é um papel do Direito.

Adiante, a pena em estudo, afronta os ensinamentos de Foucault, quais sejam: “Não se pune portanto para apagar um crime, mas para transformar um culpado; o castigo deve levar em si uma certa técnica corretiva (Foulcault, 2012, p.123)”. Fica evidente portanto que estamos diante da política do medo, onde não se visa em nenhum momento a correção de quem está infringindo a norma jurídica, mas sim que seja feita a vontade do Estado, caso contrário, o próprio Estado irá erradicar e eliminar seus próprios componentes, portanto, uma norma imperativa e nada razoável que vige atualmente e quase ninguém ousa contestá-la.

CONCLUSÃO

Com a realização do presente trabalho, torna-se indiscutível que o ordenamento jurídico pátrio, por prever a pena de morte na Constituição Federal, em caso de guerra declarada, ainda está muito atrasada perante a comunidade jurídica internacional, além de estar desrespeitando e afrontando princípios, convenções e tratados internacionais, devendo ser repensado os valores de uma República que se diz democrática. É fato que estamos diante da norma de maior potencial ofensivo ao cidadão brasileiro, e ao ser humano e a população de uma forma geral, nem sabe que possuímos previsão legal para que seja aplicada a pena capital em nosso ordenamento jurídico.

Os princípios que foram demonstrados no presente artigo científico, apontam para o caminho que devemos seguir, e devem ser seguidos para que abusos e atrocidades não ocorram, como forma de frenar as abusividades cometidas pelos homens ao longo dos séculos.

É incontestável que vivemos em uma República Democrática de Direito, onde seguimos a premissa que o povo governa para o próprio povo, porém, diante da pena de morte, no caso em estudo, é óbvio que não foi o povo quem implantou a sua vontade, portanto, estamos diante de uma norma arcaica, que é resquício de um período vivido pelo Brasil de turbulência interna e global, marcado pelo pavor do comunismo e que não se adequa aos padrões do Direito humanitário e internacional que vivemos atualmente.

Urge-se como modelo o posicionamento de Portugal que aboliu tal previsão legal do ordenamento jurídico português, ao revogar em 1976 qualquer possibilidade de pena de morte, sendo considerado hoje pela doutrina nacional como um exemplo a ser seguido. Atualmente, o direito positivo de Portugal, é muito mais humanístico e completo em seus institutos, comparado com o nosso ordenamento, pois faz menção aos apátridas e revogou qualquer possibilidade de extinção da vida humana, trazendo em sua carta magna que a vida humana é inviolável e que em caso algum haverá pena de morte.

Pelo exposto, conclui-se que o direito pátrio irá evoluir e abolir tal previsão legal, que em nada evolui o Brasil e pode ser definido como a maior porta de destruição e abuso por parte do poder público contra o cidadão brasileiro, espero apenas que tal evolução e reflexão se dê antes de entrarmos em uma guerra, pois ninguém pode obrigar o outro a lutar e a morrer.

Assim sendo, tenho certeza que conseguiremos evoluir como nação e não é uma previsão para pena de morte em caso de guerra declarada que nos faria mais ou menos patriotas, mas posso afirmar com toda a minha convicção que tal previsão constitucional nos faz mais animal e fanáticos, além de estarmos nadando contra toda a principiologia humanística adotada pela comunidade internacional.

  • Direito Constitucional
  • Direitos Humanos
  • Direito Internacional
  • Direito Penal
  • Principiologia Contemporanea aplicada

Referências

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BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais. Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Editora Atlântida, Coimbra, 1977.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Ed. Livraria do advogado, 2012. 


Assante e Chagas

Bacharel em Direito - Manaus, AM


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