Os direitos dos consumidores em face do cancelamento de voos em virtude do coronavírus (Covid-19)


01/09/2020 às 11h34
Por Claudia Cerqueira Advocacia & Assessoria Jurídica

O quadro atual mundial é de extrema tensão e fragilidade, reportagens noticiam 24h o número de contaminados e mortos diante do que muitos acreditam ser a “terceira guerra mundial invisível”. De fato, o novo coronavírus trouxe instabilidade para todos os setores da vida como: saúde, comércio, educação, esporte e principalmente o turismo e o transporte aéreo.

A saúde entrando em colapso pelo atendimento exacerbado e os internamentos que ultrapassam os leitos disponíveis; o comércio em crise; a bolsa de valores a despencar, crianças e adolescentes sem ir a escola por conta da massa desenfreada de contaminação; o esporte a cancelar todos os seus campeonatos a nível mundial e os aeroportos cada vez mais fantasmagóricos e com o nível de cancelamentos de voos programados até o mês de junho de 2020.

Com mais de 267.013 casos confirmados de Covid-19 no mundo, as mortes de cidadãos já ultrapassam a barreira dos 11.201 em mais de 184 países e territórios, tendo o Brasil 621 casos até o momento. (OMS, 2019)

Observando os dados mundiais e o alto nível de contaminação, que só crescem dia após dia, as empresas aéreas se uniram com o intuito de traçar estratégias diante do caos que vêm se instalando por conta da pandemia, informando que os cancelamentos e remarcações de passagens não teriam o custo de multa ou taxas para tais procedimentos.

Acontece que, mesmo com tais informações prestadas em seus sites, empresas aéreas gigantes da aviação brasileira e internacional como Latam e Gol, estão agindo de encontro à promessa de “compromisso Gol” e “em tempos difíceis nosso compromisso é ainda mais forte” como vêm veiculando em suas plataformas eletrônicas.

Mesmo havendo um possível comprometimento destas companhias aéreas no cancelamento e remarcação sem taxas ou qualquer tipo de multa imposta, aduzindo que seria reposto o valor integral da passagem comprada pelo consumidor, não é bem o que vem ocorrendo, já que milhares de passageiros vêm se queixando sobre o valor exorbitante do desconto caso estes optem por receber o reembolso, deixando-os assim, completamente presos a liberação do crédito para compras de outras passagens com a mesma companhia aérea a que cancelou o bilhete.

O fato é que tais companhias aéreas estão condicionando o cancelamento e remarcação de suas passagens sem custos, mediante crédito na sua conta para emissão de futuras passagens com validade de até 1 ano contados da data da compra e caso o passageiro opte pelo reembolso, este será penalizado normalmente com taxas exorbitantes e ilícitas, diante de um cancelamento de voo que pode ter sido efetuado até mesmo pela própria companhia aérea em detrimento do destino ser países ou estados brasileiros focos da contaminação, como por exemplo São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Estados Unidos, Itália, Espanha e China.

Observa-se que grande parte dos passageiros adquirem suas passagens aéreas com bastante antecedência sendo completamente imprevisível que em um futuro próximo aconteceria essa pandemia e muitos deles estão se vendo impedidos de ver o valor pago pela passagem devolvida em sua integralidade. Diante disso, faz-se de grande importância tecer informações de quais os direitos dos consumidores ante negativa de reembolso integral da passagem.

Em que pese a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) defender a tese que os passageiros devem arcar com as regras e tarifas que cada bilhete aéreo impõe independendo se a compra foi feita antes da explosão do coronavírus, o Procon diverge, aduzindo que devido a atual situação no mundo, os casos de reembolso de passagens deverá ser analisado mediante a normatização do CDC (Código de Defesa do Consumidor).

E diga-se mais, de acordo com o último posicionamento do MPF (Ministério Público Federal) este aduz que “a exigência de taxas e multas em situações como a atual, de emergência mundial em saúde, é prática abusiva e proibida pelo CDC”, já que de acordo com o que preceitua o art. 6º da elencada norma, é “direito básico do consumidor, a proteção à vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”. (BRASIL, 1990)

O MPF ainda publicou Medida Provisória de nº 925 de 18 de março de 2020, que dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da Covid-19 e que explicita que as passagens aéreas canceladas em virtude da pandemia deverão ser ressarcidas ao consumidor no prazo de 12 meses, caso haja o pedido de reembolso e que o valor reembolsado por meio de crédito deverá ser isenta das penalidades contratuais, devendo ser utilizada em um período de até 12 meses a contar da data da compra.

Ainda estendendo o entendimento subsidiariamente ao Código Civil, este claramente, em seu art. 393, observa que “o devedor não poderá ser responsabilizado pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não for ele o responsável pela sua causa”. (BRASIL, 2002)

Sendo assim, se nem a companhia aérea e nem o passageiro poderiam prever o estado de emergência que encontra-se o mundo, inclusive já existindo Decreto de calamidade pública em alguns Estados do Brasil como o Acre, não pode somente o consumidor arcar com os prejuízos advindos disto, existindo extrema vantagem apenas para um lado das partes do contrato.

Ora, se os voos estão sendo cancelados pelas companhias aéreas e não existirá de fato a prestação do serviço contratado, não pode o consumidor arcar com taxas e multas de um cancelamento e/ou reembolso de algo que não existiu, isso de fato, acarretaria um enriquecimento ilícito, e estaria recaindo a teoria do risco do negócio ou da atividade, também para o passageiro.

Por todo o entendimento exposto, é que cada caso deverá ser analisado individualmente e deverá ser interpretado de acordo com a razoabilidade, boa-fé nos contratos e a flexibilização diante do caos mundial vivido por todos os cidadãos.

É inegável que a pandemia trouxe prejuízos para todos os envolvidos, inclusive ultrapassando o montante de US$ 113 bilhões para o setor aéreo, porém, tal déficit não deve ser arcado pela parte vulnerável da relação jurídica, devendo em último caso, o Poder Judiciário restabelecer o critério de proporcionalidade e igualdade entre fornecedor e consumidor.

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