BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.827/2019


25/06/2019 às 15h58
Por Dias e Souza Jurídicos

BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.827/2019

                                                                                                           Maryane Dias de Souza[1]

                                                                                                          Wirna Maria Alves da Silva[2]

RESUMO: O presente trabalho objetiva examinar a (in)constitucionalidade da nova alteração Lei nº 13.827/2019, que altera a lei 11.340/06 “Lei Maria da Penha”. No primeiro momento, faz um marco teórico na lei 11.340/06 como combate à violência contra mulher, posteriormente um parâmetro entre a lei 11.340/06 e a lei 13.104/19. Posteriormente demonstra a atualização realizada no ano de 2019 com o advento da nova lei que altera a lei 11.340/06, inserindo a lei 13.827/2019. E por fim fundamenta os artigos lesados da Carta Magna.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Medida Protetiva. (in)constitucionalidade Lei 13.827/2019. 

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A lei 11.340/06 “Lei Maria da Penha” como marco histórico no combate à violência contra mulher. 3 A atualização da lei 11.340/06 pelo advento da lei 13.104/19. 4 Considerações acerca da (in) constitucionalidade da lei 13.827/2019. 5 Conclusões. Referências.

 

1 INTRODUÇÃO

            O Presente artigo científico tem como finalidade demonstrar a (in) constitucionalidade da Lei 13.827/2019 que amplia a aplicação das Medidas Protetivas de Urgências cuja a finalidade é distanciar a vítima do agressor, autorizando o Delegado de Polícia e/ou Policial ao tomar conhecimento das agressões narradas pela a vítima, imediatamente se desloca ao lar da vítima e agressor impondo o seu afastamento imediato da residência.

            Insta esclarecer que anterior a vigência da nova lei, as medidas protetivas de urgências apenas seriam deferidas mediante autorização expressa do Juiz de Direito que após receber a solicitação vinda do Delegado de Polícia, em até 48h concederia ou não o distanciamento do agressor com a vítima e o seu imediato afastamento do lar.

            A Lei 13.827/2019 surgiu com o intuito de agilizar o afastamento da vítima lesionada com o agressor, contudo a Constituição Federal de 1988 resguarda acerca das funções pertinentes a juízes de direito bem como aos servidores da polícia, sendo portanto esta (in) constitucional pois fere o princípio da separação de poderes e/ou princípio da reserva da jurisdição.

            O Trabalho está dividido em 03 (três) capítulos. O primeiro versa sobre “A lei 11.340/06 “Lei Maria da Penha” como marco histórico no combate à violência contra mulher.”

O Segundo capítulo busca esclarecer a atualização da lei 11.340/06 conhecida como “Lei Maria da Penha” pelo advento da nova lei 13.104/19.

Por fim o quarto capítulo ressalva sobre a (in) constitucionalidade da lei 13.827/2019 que se ressalta acerca do princípio da reserva de jurisdição, do devido processo legal e da inviolabilidade do domicilio (incisos XII, LIV e XI do artigo 5º da Constituição Federal que com a nova lei são diretamente lesionados.

2 A LEI 11.340/06: “LEI MARIA DA PENHA” COMO MARCO HISTÓRICO NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA MULHER.

Aos 29 dias do mês de maio de 1983, Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica bioquímica, cearense, mãe de três filhas, foi vítima de duas tentativas de assassinato pelo o ex-marido. Na primeira tentativa, Maria da Penha estava dormindo quando levou um tiro de espingarda, desferido pelo o seu marido, na época, o professor colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, em razão do tiro ficou paraplégica irreversivelmente. Com o intuito de ser inocentado perante a polícia, na delegacia Marco Antonio afirmou que o casal foi vítima de uma suposta tentativa de assalto.

Após sair do hospital, Maria da Penha volta a ser agredida por seu companheiro, tendo desta vez ficada em cárcere privado dentro da sua residência. Não obstante, Marco Antonio ainda tentou eletrocutá-la no banheiro da residência do casal, no momento em que tomava banho. A premeditação da nova tentativa de assassinato ficou evidente, pois este passou a utilizar o banheiro das filhas para tomar banho tempos antes, além de tê-la obrigado a fazer seguro de vida em seu favor.

Em meados de 1984, um ano depois das agressões sofridas, Maria da Penha deu seu primeiro depoimento à polícia civil de Fortaleza, iniciando uma luta por justiça, tendo posteriormente representando criminalmente seu ex-marido, buscando proteção do Estado, inicialmente resguardada proteção para ela e suas duas filhas. Dois anos depois a denúncia foi aceita e em maio de 1991, Marcos vai a júri popular, sendo condenado a quinze anos de prisão.

            Seguidamente, a apelação da defesa entrou com recurso e em 1992 a sentença foi anulada, e apenas 4 anos depois em 1996 o agressor foi novamente condenado desta vez em 10 anos de reclusão, tendo conseguido recorrer e em 1998 a justiça coloca em liberdade o agressor. 15 anos após, Maria da Penha sofrendo com a impunidade frente ao caso, escreveu o livro “Sobrevivi, posso contar”

            No dia 9 de junho de 1994 foi criada em Belém Estado do Pará a chamada “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher” promulgada pelo Decreto nº 1.973, de 01/08/1996, adotada pela a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 1994 e posteriormente ratificada pelo o Brasil um ano depois, em 1995. A referida lei, que foi organizada em 25 capítulos e 25 artigos, já no artigo 1º apresenta o conceito acerca da violência de gênero nos seguintes termos: “[...] deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (BRASIL, 2019).

            Em setembro de 1997, formalizou denúncia, em conjunto com Maria da Penha e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), junto à Organização dos Estados Americanos – OEA, mais precisamente no órgão responsável pela verificação de denúncia de violação dos direitos humanos, em decorrência de descumprimento de acordos internacionais: Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Devido as advertências vindas do exterior, para que o Brasil adotasse medidas efetivas para punir ao agressor, já em 2002, apenas 15 anos depois, o processo foi concluído e Marco Antonio Heredia Viveros finalmente foi preso, mas por 2 anos em regime fechado.

A partir de uma reação de naturalidade, geralmente dentro de suas residências, o homem começa a ter uma relação de dominador e disciplinador, em outras palavras o poder submissão a mulher, com um amor, afeto, até aí algo natural dentro de um relacionamento, o problema advém com o exagero desse sentimento que passa a impedir a mulher de ter o seu próprio domínio, o seu espaço, a sua liberdade e o seu direito e ir e vim. Essa relação hierárquica não é algo novo, tida também como patriarcal é histórica.  Assim sendo, em razão da repercussão do caso a nível internacional, foi sancionada a lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, que ficou popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”.

De acordo com o levantamento do Mapa da Violência publicado no ano de 2015, atualização: Homicídios de Mulheres no Brasil, elaborado pelo sociólogo e pesquisador Júlio Jacobo Waiselfisz, entre os anos de 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, incremento de 21,0% na década. Essas 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários, cujo autor geralmente era um familiar da vítima, tais crimes tinham algo em comum, a maioria era praticado dentro das residências das vítimas, os agressores eram seus cônjuges ou ex cônjuge que utilizavam da sua força para enforcá-las e espancá-las até a morte.

3 A ATUALIZAÇÃO DA LEI 11.340/06 PELO ADVENTO DA LEI 13.104/19

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 07 de agosto de 2006 no Brasil e representa, em âmbito internacional todas as “Marias” brasileiras que passavam pela a mesma situação de insegurança, impunidade, incapacidade perante a violência que ocorre dentro de suas próprias casas, sendo vítimas da violência doméstica.

Na época, o Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, sancionou o projeto de lei de iniciativa do Executivo, da Câmara dos Deputados, de nº 37 de 2006, que entrou em vigor em 22/09/2006.

            O Projeto de Lei nº 37, de 2006, de autoria do Senador Romeu Tuma, abordava que:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção de Belém do Pará; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera os Decretos-Lei nºs 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal e 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984; e dá outras providências.(BRASIL, 2019d).

 

O Estado ainda vivia sob o ditado que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, tendo que despertar apenas depois da condenação internacional concedida no processo originado por Maria da Penha quando sancionou a Lei 11.340 do ano de 2006.

O conceito de violência doméstica foi definido em seu artigo 5º da lei 11.340/06, além do conceito o legislador também buscou definir todas suas formas, especificando cada tipo de violência e os lugares onde devem ocorrer:

Art. 5º - Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual (BRASIL, 2019).

 

Podemos observar que o parágrafo único do artigo 5º expande a tutela e proteção à casais homoafetivos femininos, como Cunha e Pinto pontuam de forma precisa:

Notável a inovação trazida pela lei neste dispositivo legal, ao prever que a proteção à mulher, contra a violência, independe da orientação sexual dos envolvidos. Vale dizer, em outras palavras, que também a mulher homossexual, quando vítima de ataque perpetrado pela parceira, no âmbito da família – cujo conceito foi nitidamente ampliado pelo inc. I, deste artigo, para também incluir as relações homoafetivas – encontra-se sob a proteção do diploma legal em estudo. (CUNHA e PINTO, 2012, P.57).

 

Corroborando com este entendimento há entendimento jurisprudencial favorável a esta questão como podemos analisar nos seguintes casos:

Relacionamento homoafetivo entre mulheres. Lesões corporais. Lei Maria da Penha. Aplicabilidade. Enquanto em relação ao sujeito passivo a Lei elegeu apenas a mulher, no polo ativo das condutas por ela compreendidas encontram-se homens ou mulheres que pratiquem atos de violência doméstica e familiar contra mulheres. Dessa forma, se mulher com relacionamento homoafetivo sofre lesões corporais praticadas por sua companheira, no âmbito doméstico e familiar, aplica-se a Lei Maria da Penha em todos os seus termos.” (TJMG, RSE 7918639-66.2007.8.13.0024, 7ª C. Crim., Rel. Des. Duarte de Paula, p. 17/06/2011)

 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL. RELAÇÃO ENTRE EX-COMPANHEIROS. O INCISO III DO ART. 5º DA LEI Nº 11.343/06 DEFINE QUEM É CONSIDERADA PELA LEI COMO DESTINATÁRIA DA PROTEÇÃO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. Recurso provido. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70080758972, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 24/04/2019). (TJ-RS - RSE: 70080758972 RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Data de Julgamento: 24/04/2019, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/05/2019)

 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AMEAÇA. INJÚRIA. FATOS PRATICADOS POR COMPANHEIRA. RELAÇÃO HOMOAFETIVA. VIOLÊNCIA BASEADA NO GÊNERO. VULNERABILIDADE DA VÍTIMA. CONTEXTO DE DOMÉSTICO E FAMILIAR DE CONVIVÊNCIA CONFIGURADO. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. Caracteriza-se o contexto de relação doméstica e familiar de convivência para fins da proteção especial da Lei nº 11.340/2006, quando os fatos ocorrem no âmbito de uma relação de afeto existente entre mulheres, na qual está presente situação de vulnerabilidade ou subordinação proveniente do gênero. Compete ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher processar e julgar requerimento de medidas protetivas de urgência e o respectivo inquérito policial e incidentes relacionados aos fatos caracterizadores de qualquer das formas de violência de gênero previstas na Lei Maria da Penha. Recurso em sentido estrito conhecido e provido. (Acórdão n. 983259, Relator Designado Des. SOUZA E ÁVILA, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 24/11/2016, publicado no DJe: 29/11/2016.) 

 

Um dos mecanismos mais importantes trazidos pela lei foi à previsão de medidas protetivas de urgência elencadas nos artigos 22 a 24 da Lei 11.340/2006, que podem ser aplicadas diante do risco de violência contra a mulher, na tentativa de impedir o agravamento de agressões morais, psicológica e físicas na ofendida.

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.(BRASIL, 2019c)

Um aspecto que merece ser ressaltado são as medidas de empoderamento da mulher vítima de violência, exemplificando com as chamadas Medidas Protetivas de Urgências que são providências trazidas pela Lei Maria da Penha com o fito de distanciar o agressor da vítima, bem como o impeça de manter qualquer tipo de contato com esta. Tais medidas são deferidas pelo Juiz, entretanto não podem ser decretadas de ofício, mas tão somente quando solicitada pela vítima ou pelo representante do Ministério Público.

É de se verificar que de acordo com o Mapa da Violência 2015, o período anterior a Lei Maria da Penha entre os anos de 1980 a 2006 apresentava um crescimento anual de 7,6% no número de homicídios, diante de um crescimento populacional feminino de 2,5 % ao ano. Outrossim, após a vigência da Lei o crescimento anual dos feminicídios cai para 2,6%, assim como o crescimento da população feminina também reduz para 1,7 % . Vejamos:

Limitando a análise ao período de vigência da Lei Maria da Penha, que entra em vigor em 2006, observamos que a maior parte desse aumento decenal aconteceu sob égide da nova lei: 18,4% nos números e 12,5% nas taxas, entre 2006 e 2013. Se num primeiro momento, em 2007, registrou-se uma queda expressiva nas taxas, de 4,2 para 3,9 por 100 mil mulheres, rapidamente a violência homicida recuperou sua escalada, ultrapassando a taxa de 2006. Mas, apesar das taxas continuarem aumentando, observamos que a partir de 2010 arrefece o ímpeto desse crescimento. (WAISELFISZ, 2015, p.11-13)

 

Ainda com fulcro no Maa da Violência, no Brasil entre os anos 2000 e 2010, de 43,7 mil mulheres, 41% estava no interior de sua residência quando foram brutalmente assassinadas, sendo na maioria das vezes a figura do assassino aqueles que mantinham relações íntimas de afeto e de confiança, ou seja, seus próprios companheiros, cônjuges ou ex companheiros.

De acordo com índice publicado no ano de 2010 que coloca o Brasil na 7ª colocação mundial em assassinatos em razão do gênero feminino, simplesmente mulheres estão sendo mortas frequentemente em razão de terem nascidas mulheres.

A nova alteração da Lei n. 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, denominada lei 13.827/2019 surgiu como forma de combate à violência doméstica e amplia a concessão das medidas protetivas de urgências autorizando que em ausência do juiz, o delegado e/ou polícia poderão deferir a medida protetiva de urgência, entretanto a nova alteração é (in) constitucional pois lesiona princípios protegidos pela a Carta Magda. A discussão acerca da inconstitucionalidade da nova lei e suas implicações na realidade do poder judiciário, será abordada no próximo tópico.

4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.827/2019

            A Lei Maria da Penha apresenta um mecanismo que busca distanciar a vítima do agressor, são as “Medidas Protetivas de Urgência”, cabíveis em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Conforme preceitua Maria Berenice Dias acerca da finalidade da lei:

O propósito da Lei Maria da Penha é dar um basta à violência doméstica, o que nem sempre é alcançado ao perpetuar-se a situação de conflito mediante a instauração de processo criminal, quando já solvidas todas as questões que lhe serviam de causa. (DIAS, 2019a, p.2)

Em vigência desde 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá cumprimento a diversos tratados e convenções internacionais como: Convenção para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher, a Convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil em 1994, e à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), da Organização das Nações Unidas (ONU).  

Anterior a vigência da atual lei de nº 13.827/2019 as “Medidas Protetivas de Urgência” dispostas nos artigos 22 a 24 do dispositivo legal de nº 11.340/06, dispõe que após o delegado de polícia constatar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher deveria remeter ao juiz que posteriormente dentro de um prazo de 48h determinava o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima e de seus familiares e testemunhas, proibindo qualquer tipo de comunicação entre estes.

            Para conceder a medida, a ofendida vai até a delegacia de polícia mais próxima da sua residência ou procura uma das Delegacias de Atendimento a Mulher (DEAM) que atende o bairro em que reside, e primeiramente registra o Boletim de Ocorrência acerca dos fatos acontecidos, após o registro a vítima requer a instauração do inquérito policial para investigar as agressões.

Posteriormente o delegado de polícia colhe o termo de depoimento da vítima, que poderá requerer a medida protetiva de urgência para pedir o distanciamento do agressor do seu lar, e antes da vigência da lei 13.827/2019 o pedido era encaminhado pelo delegado de polícia civil em 48 horas (art. 12, III), e o juiz deveria decidir em 48 horas.

O Magistrado poderá concedê-las de ofício, ou seja, sem requerimento e sem audiência das partes, nem manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado posteriormente à decisão.

Nos termos do artigo 12, III e artigo 18, I, da Lei 11.340/06:

Lei 11.340/06:

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

[...]

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - Conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência. (BRASIL)

Sancionada no último dia 13 de maio, pelo o então presidente da República Jair Bolsonaro, a Lei 13.827/2019 que altera a Lei 11.340/06 (Maria da Penha), em síntese reforça a aplicabilidade das Medidas Protetivas de Urgência pelo Poder Judiciário, e permite ainda que tais medidas sejam aplicadas pelo o Delegado de Polícia e em situações de sua ausência pelo o policial. Vejamos o teor da nova lei:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:

I – pela autoridade judicial;

II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou

III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.

§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.

§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.”

Art. 3º A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 38-A:

“Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência.

Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas. (BRASIL, 2019c).

De acordo ainda com essa lei a medida protetiva de urgência deve ser registrada em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente isto ocorre com banco de dados para os mandados de prisão emitidos.

Após a concessão da Medida Protetiva de Urgência pelo o magistrado, o agressor será notificado por meio de um termo de afastamento, ficando proibido de realizar as condutas impostas na medida protetiva, sob pena de sanção penal prevista no artigo 24-A da Lei Maria da Penha o qual prevê punição de detenção de três meses a dois anos.

O grande mérito da lei foi assegurar a concessão de medidas protetivas de urgência. Não houve a criação de novos tipos penais, mas foi afastada a possibilidade de os delitos reconhecidos como domésticos serem considerados de menor potencial ofensivo, a ensejar o decreto da prisão em flagrante e proibir a concessão de benefícios (DIAS)

Nesse diapasão a atual alteração da Lei Maria da Penha impõe que no instante em que a mulher agredida der conhecimento dos fatos a delegacia de polícia mais próxima, o delegado de polícia e/ou policiais lotados na especializada poderão dar aplicabilidade a Medida Protetiva de Urgência e determinar o imediato afastamento do agressor para com a vítima, tal afastamento deverá ser comunicado ao Juiz em 24h que, em igual prazo, deve decidir se a mantém ou se a revoga.

A Medida Protetiva de Urgência por delegado de policia ou policial viola o princípio da separação dos poderes? Deste modo ilustramos nas cidades desprovidas de Delegacia de Polícia, nestes casos será possível a aplicação da Medida Protetiva de Urgência por um Policial Militar? Consoante dispõe a nova lei no artigo 12-C, III, quanto a técnica legislativa dos parlamentares que se refere a policial não especificando o órgão constitucional a que pertencem:

Contudo, o artigo 12-C, III padece de flagrante inconstitucionalidade, inclusive já declarada pelo STF em caso idêntico tratado nas ADIs 2.427 e 3.441, quando prevê a concessão de uma medida que exige conhecimento jurídico por ocupante de cargo com função jurídica, que o policial, que não ocupa cargo com essas características, substitua o delegado de polícia “quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia” (recitas, notitia criminis).

O que o legislador equivocadamente pretende é permitir que o policial, agente da autoridade, como o policial militar, que ocupa cargo desprovido de atribuição jurídica, possa realizar função que não lhe compete, implementando norma equivalente, como na Lei 10.704/94 e Lei 10.808/94, que, na oportunidade da declaração de sua inconstitucionalidade, destacamos a manifestação no voto do ministro Nelson Jobim, no julgamento da cautelar, fls. 168, que suspendeu a vigência daquelas leis do rstado do Paraná:  “(...) o cargo de delegado de polícia é exercido por cidadão com curso superior em Direito, após aprovação em concurso público. Exerce atividades em que lhe são exigidos conhecimentos técnicos específicos. Como tal, o Delegado de carreira somente pode ser substituído por outro servidor também Delegado de carreira(...) (BARBOSA, 2019)

 

A Lei nº 13.827/2019 fere a “cláusula de reserva de jurisdição” ou “reserva absoluta de jurisdição” que significa que somente pode se adentrar ao domicílio sem o consentimento do morador, se for determinado por órgão integrante do Poder Judiciário que exerça, portanto, poder de jurisdição.

Nas palavras de Canotilho (1999), o qual afirma sobre a jurisdição que:

Diz-se que há um “monopólio da primeira palavra”, monopólio do juiz ou reserva absoluta de jurisdição quando, em certos litígios, compete ao juiz não só a última e decisiva palavra mas também a primeira palavra referente à definição do direito aplicável a certas relações jurídicas. A “reserva de primeira palavra” está constitucionalmente prevista nos artigos 27º/2 e 28º/1 referente à privação da liberdade e nos artigos 33º/4 e 34º/2, 36º/6, 46º/2 e 113º/7. Fora os casos individualizados na Constituição, o reconhecimento do monopólio da primeira palavra tende a afirmar-se quando não existe razão ou fundamento material para a opção por um procedimento não judicial de decisão de litígios. É este o caso quando estão em causa direitos de particular importância jurídico-constitucional a cuja lesão deve corresponder uma efectiva protecção jurídica. Assim, por exemplo, se em questão do foro criminal é sempre inadmissível qualquer procedimento administrativo prévio, já é discutível se esta exigência do “monopólio da primeira palavra” se aplica aos procedimentos disciplinares ou aos procedimentos sancionatórios em geral (CR, art. 32º/10). (CANOTILHO, 1999, p. 663)

Conforme menciona Ramos (2018):

Constituição Federal de 1988 aceitou a garantia de reserva absoluta de jurisdição, ao dispor que determinados atos de greve intervenção em direitos individuais somente pode ser deferidos pelo o Poder Judiciário, com a exclusão de todas as demais autoridades públicas (RAMOS, 2018).

A Constituição Federal de 1988 resguarda as hipóteses de situações de emergência que permitem o ingresso no domicílio, sem o consentimento do morador independente do turno de dia ou da noite, corroborando com tais hipóteses a doutrina [3]afirma que:

Essas exceções constitucionais têm sentido. Se a autoridade policial está em perseguição direta e constante, sem perder de vista um criminoso; em caso de incêndio, inundação, desabamento, ou qualquer outro incidente grave, de grandes proporções; na hipótese de alguém correr sério risco, não possuindo o indivíduo meios de auto socorrer-se, óbvio que a intromissão domiciliar é útil e compreensível, porque é em prol da própria vida humana

            Neste sentido, necessário se faz mencionar o entedimento do Supremo Tribunal Federal em sede de Recurso Extraordinário sob numeraçao 603616[4] o qual pacificou entendimento acerca do assunto resguardando que salvo as exceções previstas em lei em casos de ocorrência de um crime permanente dentro da casa será neste caso viável o ingresso forçado pela a polícia, mesmo desacompanhada de uma autorização judicial, desde que o agente policial apresente justificativa relevante da justa causa de adentrar no domicilio do morador, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal e nulidade dos atos praticados. Que preleciona:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915894. Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 63 Ementa e Acórdão RE 603616 / RO proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6 . Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso

Nesse passo, o inciso XI do artigo 5º da CF/88 prevê que: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em flagrante delito ou desastre...ou, durante o dia, por determinação judicial” dispondo  acerca da inviolabilidade do domicilio, local este em que a vida privada deve ser exercida com liberdade e sem restrição.

Conforme preceitua Nathalia Masson:

Mas, como já se disse, não há direitos absolutos, de forma que a inviolabilidade domiciliar sofrerá, em algumas circunstancias, restrições. Estas evitarão, inclusive, que a “casa” se torne um reduto de impunidades, e sua inviolabilidade um escudo para a prática de ilícitos

 

Em outras palavras “casa é o lugar onde alguém vive ou trabalha, exercendo ou não a sua atividade a qualquer título, mas sempre com laços de particularidade, de vida pessoal e própria” ¹, deve ter um liame particular entre o indivíduo à coisa.

            O Ministro Celso de Mello ao julgar o MS de nº 23.452/RJ, assinalou em síntese que:

[...] o postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’. A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado.

 

 

Além das demais situações expostas no inciso XI do artigo 5º é importante destacar que a Constituição autoriza a suspensão do direito à inviolabilidade domiciliar durante o denominado “estado de sítio” expressamente disposto dos artigos 137 ao 141 da CF/88.

Além de permitir que o delegado de polícia e/ou policial adentre no domicílio do agressor sem a devida ordem judicial, e fora das exceções devidamente expressas na Carta Magna, a lei 13.827/2019 ainda prevê conforme dispõe o artigo 12c, §2º situações que não serão concedidas liberdade provisória ao preso, afrontando outros principios constitucionais do devido processo legal, contraditório e à ampla defesa (art. 5ª, LIV e LV, CF/88) que dispõe: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes/ LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Os princípios do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa são uns daos mais relevantes nas garantias constitucionais do processo, acerca desse conteúdo, cumpre ressaltar as palavras de Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino:

Em sua feição principal, o princípio do devido processo legal deve ser entendido como garantia material de proteção ao direito de liberdade do indivíduo, mas também é garantia de índole formal, num dado processo restritivo de direito. Significa dizer que deve ser assegurada ao indivíduo paridade de condições em face do Estado, quando este intentar restringir a liberdade ou o direito aos bens jurídicos constitucionalmente protegidos daquele

 

 

Como requisitos essenciais para respeitar o devido processo legal vem a “ampla defesa e o contraditório”. De um lado o contraditório é a possibilidade assegurado ao sujeito de apresentar a sua dos fatos, já a ampla defesa siginifca dizer que as partes devem ter a oportunidade de apresentar todas as provas que entendam ser necessárias para o esclarecimento dos fatos.

            O Artigo 12c, parágrafo segundo da Lei 13.827/2019 dispõe que “§ 2º. Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.” privando ao preso da sua liberdade sem antes mesmo instaurar um processo criminal para verifar o caso, afrontando o principio do devido processo, ampla defesa e contraditório que resguarda que ninguém será privado da sua liberdade sem o devido processo legal.

 A Lei 13.827/2019 não pode, no desempenho de sua atividade de proteção a vítima de violência doméstica, agir arbitrariamente, desrespeitando os princípios constitucionais resguardados e assegurados pela a Constituição Federal.

Os Policiais Civis possuem competência elencada no texto constitucional, disposta no art. 144 - § 4º:  “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto os militares.”

Destarte que a nova lei atribui obrigações a agentes públicos do poder executivo que são do poder judiciário desprovidos portanto desta capacidade. O Poder Judiciário possui função jurisdicional, pela qual compete, em caráter definitivo dizer e aplicar o direito em sede de controvérsias a ele submetidas.

A par disso surgiu em 6 de novembro de 1997 pela Corte Constitucional da Colômbia, a partir da SU-559, o denominado “Estado de Coisas Inconstitucional” técnica decisória com o intuito de enfrentar e superar situações de violações graves dos direitos fundamentais gerado por falhas em políticas públicas adotadas pelo o Estado.

Nas palavras de Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2019):

Quando declara o Estado de Coisas Inconstitucional, a corte afirma existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional. Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superação do estado de inconstitucionalidades. (CAMPOS, 2019)

 

Nos últimos dias a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB entrou em sede de STF, com um Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de liminar nº 6138, o relator do caso será o ministro Alexandre de Moraes.

O relator aplicou rito abreviado previsto no 12 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs), que autoriza o julgamento da ação pelo Plenário do Supremo diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar. Veja o julgamento definitivo:

Julgamento definitivo

Ao constatar a relevância da matéria constitucional tratada nos autos e seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, o ministro Alexandre de Moraes adotou o rito abreviado previsto na Lei das ADIs. Em sua decisão, ele requisitou informações à Presidência da República e ao Congresso Nacional, a serem prestadas no prazo de dez dias. Em seguida, determinou que os autos sejam remetidos à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR), sucessivamente, no prazo de cinco dias, para que se manifestem sobre a matéria.

 

Em outras palavras o reconhecimento da concessão da “Medida Protetiva de Urgência” pelo Delegado de Polícia e na sua ausência pelo policial significa dar para a autoridade do poder executivo atribuições que são inerentes a entes do poder judiciário, corroborar, portanto, com “Estado de Coisas Inconstitucional”

Por fim a Lei 13.827/2019 é inconstitucional pois viola os direitos constitucionais da separação de poderes já que atribui ao Delegado de Policia e/ou Policial função atípica desses lesionando princípio da reserva de jurisdição, do devido processo legal, ampla defesa e contraditório e da inviolabilidade do domicilio (incisos LIV, LV e XI do artigo 5º da Constituição Federal) bem como corrobora com o “Estado de Coisa Inconstitucional”.

CONCLUSÕES

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2017 foram registrados mais de 60 mil casos de violência doméstica, cerca de 606 casos por dia, sendo que mais de 1,2 milhão de casos ainda estavam pendentes de julgamento nos tribunais do Brasil. Dados oficiais do Fórum demonstram que 23 abrigos que abrigavam mulheres e crianças necessitando de proteção foram fechados devidos a cortes no orçamento. Com isso apenas 74 abrigos permanecem em funcionamento sendo insuficiente para atender uma demanda de um país com mais de 200 milhões de habitantes.

Com o advento da Lei 11.340/06 -Lei Maria da Penha- que surgiu com o fito de reduzir a violência contra a mulher, adveio inovações para o sistema jurídico brasileiro dentre eles por exemplo a proibição de cestas básicas ou prestação pecuniária, bem como pagamento de multa, o policial que atender a ocorrência de violência doméstica deve informar em casos que a vítima seja deficiente a sua condição bem como se a violência sofrida resultou em agravamento da deficiência pré-existente, e atualmente com o advento da lei 13.827/2019 que determina o imediato afastamento do agressor autorizando o delegado de polícia e/ou policial a concessão da “Medida Protetiva de Urgência”.

O Desenvolvimento do presente trabalho possibilitou a ampliação no campo da nova lei que atualiza a “Lei Maria da Penha” em vigência desde 2006, analisar a (in) constitucionalidade da lei 13.827/2019 que viola princípios resguardados pela a Carta Magna devendo estes serem prevalecidos e respeitados diante da norma jurídica.

Nesse sentido permitir que o Delegado de Policia e/ou policial (militar ou civil) ambos de competência executiva, conceda medidas protetivas de urgências sem antes o consentimento do Poder Judiciário significa corroborar para o Estado Inconstitucional de Coisas já que tal atribuição fere princípios fundamentais, da reserva de jurisdição, do devido processo legal e da inviolabilidade do domicilio, ambos elencados ne Constituição Federal Brasileira de 1988.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Referências

REFERÊNCIAS

 

 

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[1] Bacharel em Direito. Centro Universitário Santo Agostinho. E-mail: maryanedsouza@hotmail.com.

[2] Mestra em Direito Internacional Tributário e Econômico pela Universidade Católica de Brasília - UCB. Doutoranda em Ciências Criminais pela PUC/RS. Atualmente é Professora da Graduação do Curso de Direito e Coordenadora da Especialização em Direito e Processo do Trabalho do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Internacional Público, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito do Petróleo, Cooperação jurídica internacional, política e Relações Internacionais, Direito Constitucional Humanitário e Proteção e Direitos da Mulher.

3 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 153

[4] STJ. RECURSO ESPECIAL: Resp 603.616/RO. RELATOR : MIN. GILMAR MENDES. DJ: 05/11/2015, STF, 2015. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10924027>.Acesso 17 de junho 2019


Dias e Souza Jurídicos

Estudante de Direito - Rio de Janeiro, RJ


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