Exame criminológico: a alteração do artigo 112 da Lei de Execuções Penais


19/01/2015 às 12h47
Por Dra. Raquel Aguilar

Resumo

A Lei nº 10.792/2003 alterou significativamente o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, substituindo a necessidade do exame criminológico para a progressão de regime por umsimples atestado de bom comportamento carcerário. Atualmente, fica a critério do juiz requisitar quando achar necessário o exame, desde que em decisão motivada.

Palavras-chave:Pena. Reintegração.Criminológico. Execução. Progressão.

Introdução

No período primitivo, o conceito de direito penal era o de vingar o clã quando havia uma agressão injusta. Essa retribuição se dava de maneira desproporcional e coletiva.

Com o advento daMonarquia, o julgamento passou a ser realizado pelo rei.O meio de apuração dos fatos consistia na utilização de um instrumento similar ao inquérito. Nesse período a confissão era a maior prova, o que resultou em uma busca desenfreada para obtê-la, inclusive através de torturas.

Após, o Movimento Iluminista influenciou todas as codificações penais do século XIX, com reformas que beneficiavam o povo, pois Montesquieu estabeleceu um conceito de proibição de analogia em que o Poder Judiciário não mais poderia usurpar a função legislativa de incriminar fatos ou criar penas, limitando-se, portanto,à fiel aplicação da lei.

Assim, a evolução da pena foi lenta e gradual e ganhou maiores garantias durante o ensinamento da Escola Positiva, em que eram utilizados exames para averiguar a personalidade do réu e o reflexo da influência da sociedade no individuo. O objetivo da pena então não era mais o de retribuir, mas sim o de ajustar o indivíduo ao convívio social, prevenindo dessa maneira novos delitos.

A partir dessa evolução, foi estabelecido o exame criminológico, que é um estudo dentro da Criminologia Clínica.

O exame criminológico tem por intuito avaliar a personalidade do apenado, a fim de observar sua periculosidade, disposição para o crime, sensibilidade para a pena e possível correção.

Anteriormente, dispunha a Lei de Execuções Penais que, em fase de progressão de regime, seria realizado o exame criminológico com objetivo de avaliar se o apenado estava preparado para progredir para um regime menos gravoso.

Com o advento da Lei nº 10.792/2003, foi alterado o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, que considerou como critério para a progressão de regime o bom comportamento carcerário. Após, o Supremo Tribunal Federal, na Súmula Vinculante nº 26, reestabeleceu a possibilidade de realização do examequando o juiz assim orequerer se achar necessário, em decisão fundamentada.

{C}2. O SISTEMA PENAL

{C}2.1 O surgimento do estado penal

No período primitivo, prevalecia a lei do mais forte ou a lei do mais ágil. O crime tinha caráter retributivo, sem qualquer equidade entre a ação do agressor e a reação do ofendido, sendo demasiadamente desproporcional. Até esse momento não havia noção entre crime e pena. De acordo com Nucci

E desde os primórdios violou as regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição. Sem dúvida, não se entendiam as variadas formas de castigo como se fossem penas, no sentido técnico-jurídico que hoje possuem, embora não passassem de embriões do sistema vigente (NUCCI, 2011, p. 73).

A crença era de que a sanção libertava o clã da ira dos Deuses, em face da infração cometida. Contudo, essas forças tidas como sobrenaturais nada mais eram, por vezes, fenômenos naturais, como por exemplo, a chuva, ou o trovão.

Após, evoluiu-se para uma vingança privada, em que o homem passou então a fazer justiça com as próprias mãos. Quando o infrator cometia um delito dentro do seu clã, a punição para ele era o banimento, pois dessa forma ele estaria frágil, sujeito a agressão do grupo opositor. Porém, quando a infração era cometida contra um clã diverso, isso era revidado contra todo o clã agressor, de maneira violenta e desproporcional, ação em que eram envolvidas pessoas inocentes ao fato.

No oriente antigo, por volta de 4.000 A. C., foi criada a Pena de Talião, em que a noção de justiça era a de retribuir o mal de maneira equivalente à infração cometida. Dessa forma, estabeleceu um limite na vingança exacerbada do período primitivo, restringindo a reação à medida da provocação.

A sanção então passou a se constituir em instrumento de ordem e de hierarquia do chefe do clã. A pena passou a ter um caráter de defesa social, mas ainda arraigado na primitiva retribuição.

Na Grécia antiga, a punição de sangue – que tinha caráter religioso - começou a enfraquecer devido a retribuições a combatentes seus. Nessa época foi criada a compositio, em que o mal cometido era reparado por meio de indenização pecuniária à família ofendida.

O princípio da responsabilidade individual foi concebido na Lei das XII Tábuas, que previa determinados delitos e suas penas correspondentes. Não foi, contudo, observada a proporcionalidade entre o crime e a pena.

Com o advento do ImpérioRomano, os bens jurídicos tutelados deixavam de pertencer apessoa particular para pertencer ao próprio Estado, em que a aplicação da pena tinha por objetivo a conservação da ordem social. Surgiram os tribunais, que atuavam por delegação do imperador. Assim, a pena tinha um caráter eminentemente repressivo, com penas cruéis, comode morte, de trabalho forçado ou de banimento[1].

O Direito Germânico foi caracterizado pela vingança privada e pela composição. Havia nesse período provas mistificadas, em que o objetivo era a manifestação das divindades. Caso o réu não sofresse lesão com as agressões que lhe eram impostas, era então considerado inocente. Assim leciona Nucci

A utilização das ordálias ou juízos de Deus (provas que submetiam os acusados aos mais nefastos testes de culpa – caminhar pelo fogo, ser colocado em água fervente, submergir num lago com uma pedra amarrada aos pés -, caso sobrevivessem seriam inocentes, do contrário, a culpa estaria demonstrada, não sendo preciso dizer o que terminava ocorrendo nessas situações) e também dos duelos judiciários, onde terminava prevalecendo a lei do mais forte (NUCCI, 2011, p. 75).

O Direito Canônico, que predominou na Idade Média, perpetuou o caráter sacro da punição, porém com um intuito corretivo, visando à correção do criminoso.

Posteriormente, o Movimento Iluminista influenciou todas as codificações penais do século XIX, com reformas que beneficiavam o povo, combatendo o arbítrio judiciário. Assim, a pena começou a ter uma função utilitária de prevenção, ao invés de apenas punição. Expõe Nucci que

Esses princípios espalharam-se pela Europa, registrando-se a denominada reforma Leopoldina de 1786, introduzida na Toscana, mitigando penas e conferindo proporcionalidade entre delito e sanção, eliminando a tortura e o sistema da prova legal. Consagra-se o pensamento iluminista na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789 (NUCCI, 2011, p. 76).

A concepção de pena privativa de liberdade surgiu no século XVII e consolidou-se apenas no século XIX, pois anteriormente a prisão era utilizada apenas como forma de guardar o réu antes da realização de seu julgamento[2].

{C}2.2 A pena

{C}2.2.1 Funções históricas: retribuição e prevenção

A partir do Iluminismo, duas teorias contrapostas surgiram, qual seja a teoria da retribuição (absoluta) e a teoria da prevenção (relativa).

A teoria absoluta defendia que a pena tinha uma finalidade retributiva, objetivando castigar o criminoso. Kant afirmava que a pena era a retribuição justa e desprovida de finalidade, retribuindo o mal cometido pelo infrator, haja vista que se o homem pode determinar-se a si mesmo, o ideal seria castigá-lo quando fizesse algode errado. Hegel, que já compactuava da mesma teoria, afirmava que a pena era necessária, pois tinha a finalidade de se contrapor ao crime[3].

A teoria relativa que foi defendida por Beccaria, Feuerbach, Carmignanietc, dispunha que a pena deveria ter um fim utilitário, a fim de proporcionar uma prevenção geral e especial do crime.

{C}2.2.2 Escolas penais: clássica e positiva

A escola clássica afirmava que a responsabilidade penal do acusado se dava em função de ele exercer o livre-arbítrio. Assim, seria causa justificadora da penalização do réu, como um castigo merecido por sua ação criminosa e livremente voluntária, de uma forma proporcional. Expõe Nucci que

A escola clássica (essa denominação somente surgiu depois de sua existência consolidada, visando contrapor-se à denominada escola positiva) encontrou seu grande representante e consolidador em Francesco Carrara, que se manifestou contrário à pena de morte e às penas cruéis, afirmando que o crime seria fruto do livre-arbítrio do ser humano, devendo haver proporcionalidade entre o crime e a sanção aplicada (NUCCI, 2011, p. 78).

Um novo pensamento surgiu com a publicação do livro O homem delinquente, de CesareLombroso, em 1876, que sustentava que o homem poderia ser um criminoso nato, de acordo com características próprias, originárias de anomalias físico-psíquicas.

Dessa maneira, o homem já nasceria delinquente, razãopela qual não se adaptava socialmente. Nesses casos não havia um livre arbítrio, como defendia a escola clássica, mas sim um simples atavismo.

A escola positiva influenciou do estudo do Direito Penal para um campo investigativo, o que resultou no surgimento da antropologia criminal, da psicologia criminal e da sociologia criminal.Por essa ótica, como não havia um livre-arbítrio, a sanção fundava-se na defesa social. Dessa forma analisa Nucci:

Defendeu Enrico Ferri que o ser humano seria responsável pelos danos que causasse simplesmente porque vivia em sociedade. Negou terminantemente o livre-arbítrio, defendido pela escola clássica. Assim, o fundamento da punição era a defesa social. A finalidade da pena consubstanciava-se, primordialmente, na prevenção a novos crimes (NUCCI, 2011, p. 79).

A tese defendida pela escola positiva influencia até os dias atuais no direito penal, como por exemplo, na individualização da pena, quando analisada a personalidade do criminoso e sua conduta social.

Outras escolas surgiram após,na busca da conciliaçãodos pensamentos da escola clássica e da escola positiva, mas nenhuma obteve a consistência que antes havia sido apresentada.

{C}2.3 O sistema penal brasileiro

Atualmente, a doutrina dominante atribuitrês objetivos principais à pena privativa de liberdade: o de retribuir – impor o mal da pena como pagamento do delito;o de prevenir em aspecto geral – a sociedade primando pela paz e pela ordem pública; o de prevenir em aspecto especial – evitar que haja reincidência por parte do criminoso. Dessa forma ensina Nucci:

Não se pode pretender desvincular da pena o seu evidente objetivo de castigar quem cometeu um crime, cumprindo, pois, a meta do Estado de chamar a si o monopólio da punição, impedindo-se a vingança privada e suas desastrosas conseqüências, mas também contentando o inconsciente coletivo da sociedade em busca de justiça cada vez que se depara com lesão a um bem jurídico tutelado pelo direito penal.

Por outro lado, reprimindo o criminoso, o Estado promove a prevenção geral positiva (demonstra a eficiência do Direito Penal, sua existência, legitimidade e validade) e geral negativa (intimida a quem pensa em delinqüir, mas deixa de fazê-lo para não enfrentar as conseqüências decorrentes da punição). Quanto ao sentenciado, objetiva-se a prevenção individual positiva (reeducação e ressocialização, na medida do possívele da sua aceitação), bem como a prevenção individual negativa (recolhe-se, quando for o caso, o delinqüente ao cárcere para que não torne a ferir outras vítimas) (NUCCI, 2011, p. 999).

A concepção de Estado Democrático de Direito visa garantir a dignidade da pessoa humana, e não mais, como ocorria outrora, de efetuar apenas o controle social e equalizar conflitos.

Na Lei de Execução Penal (LEP), o artigo 1º dispõe, como uma das finalidades da pena “... efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Ademais, o artigo 59 do Código Penal prevê que para fins de fixação da pena o juiz deverá observar critérios concernentes à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e dessa forma estabelecerá, conforme seja necessária e suficiente, a reprovação e a prevenção do crime.

Assim, o apenado, como possuidor de garantias fundamentais resguardadas na Constituição Federal de 1988, tem o direito de ter garantida a sua reintegração à sociedade.

A pena prevista no sistema normativo brasileiro tem por viés assegurar a ordem pública, mas prevê assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa ao preso a fim de que ele retorne a sua convivência social como dispõe o artigo 10 da LEP.

Quando priorizada a correta aplicação da pena, em seus aspectos ideais – incluindo tratamento emocional etc. –,haverá maiorbenefício tanto por parte da sociedade como do próprio agente do delito, o qual será o maior beneficiário.

Apesar de a pena privativa de liberdade ter um caráter punitivo, é o melhor instrumento que o Estado tem para reprimir determinadas atitudes que são incoerentes com o sistema social, constituindo em um mal necessário, como assevera Costa

A pena constitui-se em um dos instrumentos mais característicos de que o Estado dispõe para impor suas normas de contenção comportamental, reconhecendo-se a vinculação axiológica expressada entre a função da pena e a função do Estado. Conclui-se que, não só a pena como o delito, encontra seu fundamento na concepção do Estado Social e Democrático de Direito. É uma exigência traumática, contudo ainda imprescindível, repetidamente um mal necessário, objetivando a punição como uma finalidade socialmente útil, numa relação de causa e não de finalidade, cuja teoria é um mar de questionamentos irrespondíveis, que se torna uma amarga necessidade de uma comunidade de seres imperfeito como são os homens (COSTA, 2011, p. 261)

Assim, não é apenas uma forma de correção do condenado, mas também uma certificação da reprovabilidade da conduta típica imputada a ele perante a sociedade, para que os demais também não venham a cometer o ilícito,o que resulta na tranquilidade da sociedade por determinado tempo, como expõe Costa

A pena não objetiva a dor, deixando livre o condenado para recusar a proposta estatal,hipótese em que objetiva somente neutralizá-lo por determinado tempo para a tranquilidade social (COSTA, 2011, p. 262).

O objetivo da pena, dessa maneira, não é o de somente punir e prevenir em aspecto geral, mas o de corroborar para que o indivíduo praticante do ilícito penal retorne ao convívio social e restabeleça condutas minimamente toleráveis de convivência social.

{C}2.4 Conceito de reintegração e sua possibilidade de aplicação

A partir do momento em que a pessoa comete um crime, ela será penalizada. Anteriormente, a pena tinha um caráter meramente punitivo, de maneira a retribuir o mal realizado.

Atualmente, a pena tem um caráter preventivo e deve proporcionar, a posteriori, uma reintegração do indivíduo a sociedade. Não se trata simplesmente de um poder que o Estado tem de punição, mas sim de garantir a proteção de bens jurídicos.

No modelo do Estado Social e Democrático de Direito, no qual nos inserimos política e juridicamente, a pena deverá cumprir uma missão política de regulamentação ativa da vida social, a fim de garantir um funcionamento satisfatório, mediante a proteção dos bens jurídicos, constituindo-se na última etapa do controle social. Assim, confere-se uma função de prevenção dos atos que atentem contra esses bens e não sobre uma hipotética necessidade ético-jurídica, respeitando-se os limites que garantam que a prevenção será exercida em benefício e sob o controle de todos os cidadãos (COSTA, 2011, p. 262).

Como visto, um dos objetivos da pena é o de reinserção social ou reintegração. De acordo com Romeu Falconi, o delinquente em dado momento se distanciou da sociedade, desrespeitando assim a regra a ele imposta:

Não há como negar que o delinqüente é não-integrado. Este não se adaptou as regras sociais impostas de ordinário, insurgindo-se contra as exigências mínimas de convívio social (FALCONI, 1998, p. 123).

Entende-se por reintegração o retorno de um indivíduo a um determinado grupo social do qual estava afastado, como bem explicado por Falconi.

O termo “reintegração” é originário do latim: “integratio” com o acréscimo do prefixo “re”, que é usado sistematicamente nas palavras de origem latina. Cumpre que se explique sinteticamente sua formulação, e o faremos sem qualquer pretensão ao filologismo, que não é a razão de ser desse trabalho. Para Freitas Guimarães, “integrar” significa tornar inteiro, restaurar a unidade. Pode, entretanto, representar o ato “de juntar-se” a um determinado grupo, dele passando a fazer parte. Se integra um determinado grupo, está claro que nele está ajuntado (FALCONI, 1998, p. 123)

Assim, tem-se como conceito de reintegração a ideia derestabelecer minimamente as condições para o convívio pacífico mútuo entre o infrator e a sociedade, em que o infrator ao menos aceite determinadas limitações inerentes ao convívio social, como também explica Falconi

Pode-se dizer que a Reinserção Social é um instituto do Direito Penal, que se insere no espaço próprio da Política Criminal (pós-cárcere), voltada para a reintrodução do ex-convicto no contexto social, visando a criar um modus vivendi entre este e a sociedade. Não é preciso que o reinserido se curve, apenas aceite limitações mínimas, o mesmo se cobrando da sociedade, em que ele reingressa. Daí em diante, espera-se a diminuição da reincidência e do preconceito, tanto de uma parte como de outra (FALCONI,1998, p. 122).

Álvaro Mayrink da Costa ensina a respeito da reintegração,na qual se espera não somente que o egresso não retorne a delinquir, como também que venha a ser um cidadão pleno em todos os seus aspectos.

a execução da pena objetiva proteger a sociedade da comissão de novos injustos penais. O êxito da socialização é o que atende aobinômio correção do indivíduo e segurança social. O que se espera do egresso não é apenas abster-se da realização de novos injustos, não reincidir, mas sim tornar-se um cidadão pleno de suas responsabilidades perante a comunidade (COSTA, 2011, p. 263).

Nos primórdios da criminologia, Lombroso afirmava que o homem já nasce. Apesar de não ser essa afirmação totalmente verdadeira, algunsdelinquentes não podem ser reinseridos na sociedade, pois existem casos em que se trata de um quadro psíquico em que “nada ou quase nada, se poderá fazer” (FALCONI, 1998, p. 125).

A possibilidade de reintegração se evidenciará no indivíduo que era integrado em determinado momento da vida e após, por diversas situações possíveis, foi afastado. Explica Romeu Falconi que

A nós interessa trabalhar sobre o que se pode fazer para acudir aqueles que adentraram a senda do crime por fatores outros: os sociais. O “desvio de conduta” há de estar ligado ao meio social e, principalmente, ao homem mentalmente são (FALCONI, 1998, p. 126).

A ideia de reintegração é possibilitar a convivência pacífica entre todos os elementos da sociedade, pois o homem é capaz de adaptar-se, de maneira que venha a respeitar regras mínimas de convivência social.

O delinquente deve ser conscientizado da sua responsabilidade social, sem criar um estereótipo de postura geral que a todos servirá, mas de gerar uma relação de tolerância recíproca.

A pena privativa de liberdade só tem fundamento quando objetiva reinserir o delinquente no convívio social, pois de outra maneira tornar-se-ia inútil a sanção, como também afirma Falconi

A pena somente deverá ser aplicada se dela puder esperar algum benefício. Se ela, a sanção, não tiver serventia para facilitar a reinserção social do indivíduo no contexto social do qual ele foi retirado, deve-se pensar o que fazer dela, já que imprestável ao fim a que se propôs junto à sociedade (FALCONI, 1998, p. 129).

A concepção de reintegração, para muitos juristas, trata-se de uma utopia, que jamais há de ser alcançada. Porém, partindo da premissa de punir ao invés de reinserir, certamente a reintegração não será possível, como explica Falconi

A essa altura é conveniente avaliar a utilidade da prisão como elemento ressocializador do delinqüente. Com efeito, desde Mezger, não se pode pretender que o Direito Penal seja o responsável absoluto pela solução de tudo quanto ocorra na sociedade. Essa desagregação de funções, ou excesso de atribuições ao direito repressivo, acaba por tirar-lhe a credibilidade. A pena, mantendo, como mantém características acentuadíssimas de “punição”, não acrescenta qualquer benefício ao trabalho da reeducação e da ressocialização, via crucispor onde, inquestionavelmente, haverá de passar o destinatário da reinserção social (FALCONI, 1998, p. 117).

Certamente, não existe interesse por parte do Estado de reintegrar, porque desmerecendo o instituto não haverá obrigação de aplicar recursos com pessoal especializado, cárceres, políticas públicas, emprego etc. Outro não é o entendimento da respeitável doutrina:

Estamos convictos de que, como primeiro passo para alcançar a meta almejada, é imperioso mudar essa mentalidade. Educar, ressociar e reinserir, sem preconceitos e pré-julgamentos. Se aqueles a que incumbem tais missões são céticos quanto à tarefa a ser realizada, então estaremos “chovendo no molhado” (FALCONI, 1998, p. 119).

Para que o condenado seja devidamente reintegrado é necessário que medidas sejam adotadas de maneira eficaz. Explica Álvaro Mayrink Costa que “a execução da pena deve possibilitar a (re)inserção futura, o que requer uma intervenção eficaz, que exige um sólido modelo conceitual com programas estruturados, claros e duradouros” (COSTA, 2011, p.264).

Romeu Falconi (FALCONI, 1998, p. 133) cita Saporito ao concluir que “será necessário estudar o delinqüente para o conhecer, conhecê-lo para o tratar racionalmente, e tratá-lo para melhorar”.

Desta forma, a reintegração é um ideal que deve ser buscado com todo vigor, porque afinal beneficiará toda a sociedade e o próprio criminoso, com redução drástica da reincidência.

{C}2.5 O exame criminológico

{C}2.5.1 Conceito

A Criminologia Clínica é a ciência que, valendo-se dos conceitos, conhecimentos, princípios e métodos de investigação, prevenção médico-psicológico e sócio familiar, trata os apenados como objeto de estudo, para investigar a dinâmica de sua conduta criminosa, sua personalidade e seu estado-perigoso – diagnóstico criminológico, bem como as perspectivas de desdobramentos futuros do delinquente – prognóstico criminológico. Desta forma, tem por objetivo propor e perseguir estratégias de intervenção, com vistas à superação ou contenção de uma possível tendência criminal e a evitar uma reincidência – profilaxia criminal.

O exame criminológico é um estudo, dentro do estudo da Criminologia Clínica, que tem por finalidade analisar a personalidade do criminoso, observando sua periculosidade, a disposição para o crime, a sensibilidade para a pena que irá sofrer (ou esteja sofrendo), e sua possível correção.

Ele é um instrumento para a avaliação de apenados, mais tradicionalmente conhecido no âmbito da Criminologia. A Lei de Execuções Penais o prevê em seu artigo 8º, bem como nos artigos 34 e 35 do Código Penal, cuja função é o tratamento do delinquente e sua reinserção social. Explica Jason Albergaria que

O objetivo do exame criminológico é o estudo da personalidade do delinqüente para a individualização penitenciária, como para a individualização judiciária, quando possível.

O conhecimento da personalidade se obtém com a contribuição dos exames médico-biológico, psicológico, psiquiátrico, estudo social do condenado, mediante uma visão interdisciplinar com a aplicação dos métodos da criminologia clínica.

Realmente, o exame criminológico tem por objetivo o diagnóstico criminológico do delinquente, a prognose de sua conduta futura e o programa de tratamento ou plano de readaptação social. Do resultado do diagnóstico da personalidade do criminoso se deduzem conclusões quanto à probabilidade de reincidência e a possibilidade de reeducação, a saber: são verificadas as causas de inadaptação social e carências fisiopsíquicas, bem como as dificuldades para a sua ressocialização, para indicação das medidas de tratamento reeducativo.

O diagnóstico coincide como classificação penitenciária em sua fase inicial. A classificação penitenciária não se confunde com a classificação etiológica, como as de Lombroso ou Ferri. A classificação penitenciária tem por fim indicação do agrupo de tratamento e a designação do estabelecimento adequado, segundo as conclusões do exame criminológico (ALBEGARIA, 1996, p. 33).

O exame criminológico é realizado nos regimes de pena privativa de liberdade, na progressão, tanto no regime fechado como no semiaberto (artigo 8º da Lei de Execuções Penais), se assim o juiz determinar.

O exame criminológico é composto por uma série de análises, que visam à dinâmica do ato criminoso, a sua motivação, e a diversos fatores a ele associados. É através dessas análises que se obtêm a visão total da personalidade do delinquente, que é denominado de análise bio-psico-social do criminoso. Discorre Mirabete que

Compõe o exame criminológico, como instrumento de verificação, as informações jurídico-penais (como agiu o condenado, se registra reincidência etc.); o exame clínico (saúde individual e eventuais causas mórbidas relacionadas com o comportamento delinquencial); o exame morfológico (sua constituição psíquica); o exame neurológico (manifestações mórbidas do sistema nervoso); o exame eletrencefalográfico (não para só a busca de lesões focais ou difusas de onda shap ou spike, mas da correlação – certa ou provável – entre alterações funcionais do encéfalo e o comportamento do condenado); o exame psicológico (nível mental, traços básicos da personalidade e sua agressividade); o exame psiquiátrico (saber se o condenado é pessoa normal, ou portador de perturbação mental); e o exame social (informações familiares, condições sociais em que o ato foi praticado etc.).

A perícia deve fornecer a síntese criminológica, isto implica um enquadramento de cada caso em itens de uma classificação, na seleção do destino a ser dado ao examinado e em medidas a serem adotadas. Os informes sobre a periculosidade (no sentido de provável reincidência) e adaptabilidade (em sentido reeducacional) são básicos(MIRABETE, 2008, p. 53).

Para realização do exame criminológico faz-se necessário um psicólogo, um psiquiatra e um assistente social. Ele é composto por diversos exames: o clínico-psiquiátrico, o psicológico e a investigação social. Cada resultado deve oferecer ao final um diagnóstico, um prognóstico, e se for o caso uma recomendação de tratamento.

Expõe Nucci que é de suma importância o exame criminológico,pois

[...] O sujeito agressivo, recebendo tratamento adequado por parte do Estado, apoio familiar, assistencial e psicológico, pode transformar-se em uma pessoa mais calma e equilibrada, o que denota alteração positiva de sua personalidade. (NUCCI, 2011, p. 1008)

Assim, o exame criminológico constitui peça fundamental para a avaliação da personalidade do preso e as perspectivas sócio familiar que deram causa para a atitude infrativa.

Desta maneira, o correto conhecimento do preso pode proporcionar uma medida coercitiva adequada ao seu caso, objetivando a sua reintegração.

{C}2.5.2 Histórico

Nos primórdios da criminologia já havia a requisição de organização de exames médico-psicológico-social dos delinquentes. O primeiro a suscitar essa questão foi Lombroso, no Congresso Internacional Penitenciário de St. Petersburgo, em 1890.

Em 1925, o Congresso de Londres já desejava que fosse estudada a organização de observação dos delinquentes, e, em Roma, no ano de 1938, o I Congresso Internacional de Criminologia recomendava que o estudo da personalidade do delinquentefosse formalmente e substancialmente inserido nas três fases do ciclo judiciário: instrução, julgamento e execução.

Após a Segunda Guerra Mundial, o II Congresso de Criminologia realizado em Paris, em 1950, defendeu, dentro das seções de biologia e de juventude delinquente, a necessidade do exame bio-tipológico, além deter-se insistido na introdução da Psiquiatria nos estabelecimentos penitenciários.

No Congresso XII, a antiga Comissão Internacional Penal e Penitenciária organizou em 1950, em Haia, a seguinte resolução:

Na organização moderna da justiça penal, é altamente desejável, para servir de base à fixação da pena e aos processos de tratamento penitenciário e de liberação, dispor de um relatório, previamente à prolação da sentença. O qual se refira não somente às circunstancias do crime, mas também aos fatores relativos à constituição, à personalidade, ao caráter e aos antecedentes sociais e culturais do delinqüente (COSTA, 1972, p. 116).

Os cursos proporcionados pela Sociedade Internacional de Criminologia discorreram no ano de 1952 e seguintes sobre o exame médico-psicológico e social dos delinquentes, o estado perigoso, a infração e a personalidade. Segundo Mayrink:

As conclusões adotadas pelo ciclo de estudos europeus, sobre o exame médico-psicológico e social dos delinqüentes, organizado pela O.N.U., em Bruxelas, em 1951, ele deve compreender: um exame biológico (físico em geral, que permitirá conhecer a oportunidade de exames especializados, os quais poderão ser o exame físico complementar praticado por um neurologista, o exame radiológico, o de patologia clínica, o endrocrinológico e o eletroencefalográfico); um exame psicológico, que permite medias as faculdades, as aptidões e as realizações mentais e descrever as características da personalidade; um exame psiquiátrico, que não aspira a resolver as questões de enfermidade mental e responsabilidade criminal, senão aclarar os matizes da personalidade e do comportamento, que só o psiquiatra pode compreender,e finalmente, um exame social, realizado por um assistente social, cuja missão é conhecer a vida social do delinqüente, participar em sua integração e contribuir para o tratamento (COSTA, 1972, p. 117).

Costa leciona sobre a necessidade de uma investigação cientifica da personalidade do criminoso, que não cabe ao jurista, mas sim aos estudiosos da Antropologia, da Psicologia e da Ociologia. Assim, após a realização de exames o magistrado poderia utilizar-se deles a fim de guiá-lo em sua interpretação e crítica para a individualização da pena e valoração profunda da personalidade do delinquente[4].

{C}2.5.3 Previsão legal

Dispõe o artigo 8º, caput da LEP, que o exame criminológico será realizado, obrigatoriamente, nos condenados a pena privativa de liberdade em regime fechado.

A fim de preservar o principio da presunção de inocência, o legislador previu a realização do exame apenas aos que tenham sido condenados por sentença transitada em julgado. Dessa maneira expõe Mirabete

Impõe a classificação dos condenados, faz cumprir as penas privativas de liberdade em estabelecimentos penais diversificados (penitenciária, colônia e casa do albergado), conforme o regime (fechado, semi-aberto ou aberto), e tem em vista a progressão o mérito do condenado, ou seja, sua adaptação ao regime, quer no inicio, quer no decorrer da execução (MIRABETE, 2008, p. 387).

Em outro momento, o exame criminológico será realizado durante a progressão, do regime fechado para o semiaberto, quando assim o juiz o requisitar. Assim dispõe o artigo 8º, parágrafo único da Lei de Execuções Penais

Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução.

Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.

Assim, a obrigatoriedade da realização do exame criminológico se dará apenas ao condenado a pena privativa de liberdade, em regime fechado. Enquanto a realização do exame em fase de progressão tem caráter facultativo, que a critério do juiz, será requisitada para analisar o mérito do condenado, ou seja, sua possível adaptação ao regime menos rigoroso. Assim ensina Mirabete

Pode o juiz, porém, determinar também a realização do exame criminológico quando entender necessário para aferição do mérito do condenado, exigível para a progressão de regime (MIRABETE, 2008, p. 433).

Apesar da prescindibilidade do exame criminológico para a progressão de regime, o juiz o poderá requerer, a fim de aferir o mérito do condenado, que ainda é necessário para o benefício da progressão de regime.

{C}2.5.4 A Lei nº 10.792/2003, a Súmula nº 439 do Superior Tribunal de Justiça e a Súmula Vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal

A Lei 10.792/2003 realizou diversas alterações no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais. Entre as alterações trazidas, está o artigo 112 que dispõe:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

§ 1º. A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.

§ 2º. Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.

A legislação penal brasileira confere ao apenado a progressão de regime, a fim de proporcionar seu retorno ao convívio social.

Anteriormente, era realizado o exame criminológico em fase de execução para a averiguação da reeducação do apenado e sua capacidade para cumprir com êxito o novo regime.

Com o advento da Lei 10.792/2003, a necessidade do exame criminológico ficou a cargo do juiz requisitar, se achar necessário. A alteração trazida impõe como um dos requisitos para a progressão de regime o bom comportamento carcerário.

O exame criminológico é um importante instrumento que pode propiciar elementos e dados necessários a uma correta decisão do juízo das execuções penais, sendo insuficiente para tanto um simples atestado de comportamento carcerário, afirmando uma única conduta prisional. Assim analisa Nucci:

[...] a mudança foi, em nosso entender, péssima para o processo de individualização executória da pena. E nessa ótica, inconstitucional. Não se pode obrigar o magistrado, como se pretendeu com a edição da Lei 10.792/2003, a conceder ou negar benefícios penais somente com a apresentação do frágil atestado de conduta carcerária. (NUCCI, 2011, p. 1009).

De acordo com a nova disposição, é necessário, para a progressão de regime, o bom comportamento carcerário, dispensando, como outrora era realizado, o exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação. Expõe Mirabete que

Não basta o bom comportamento carcerário para preencher o requisito subjetivo indispensável à progressão. Bom comportamento não se confunde com aptidão ou adaptação do condenado e muito menos serve com índice fiel de sua readaptação social (MIRABETE, 2008, p. 423).

Um dos critérios para a progressão de regime é a aferição do mérito do condenado, que outrora poderia ser realizado pelo parecer da Comissão Técnica de Classificação. A alteração tentou suprimir o mérito. Mirabete ensina que

Além do cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, exige a lei, para a transferência para regime menos rigoroso, que o mérito do condenado indique a progressão. Como já foi visto, a progressão depende da adaptação provável ao regime menos severo. Mérito, no léxico, significa aptidão, capacidade, superioridade, merecimento, valor moral. Em sua concepção filosófica, mérito é o titulo para se obter aprovação, recompensa, prêmio. Deve ele ser demonstrado pelo condenado, no curso da execução, para merecer a progressão. O mérito, nos termos da exposição de motivos, é “o critério que comanda a execução progressiva” (MIRABETE, 2008, p. 423).

A progressão de regime deveriaser concedida apenas quando o apenado estivesse preparado para ser reintegrado à sociedade, pois

Ao dirigir a execução para a “forma progressiva”, estabelece o art. 112 a progressão, ou seja, a transferência do condenado de regime mais rigoroso a outro menos rigoroso quando demonstra condições de adaptação ao mais suave (MIRABETE, 2008, p. 387).

É certo que o resultado do exame criminológico não vincula o juiz, como dispõe o artigo 182 do Código de Processo penal que diz

Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.

Apesar de o laudo do exame criminológico não vincular o juiz, o conteúdo da peça pode aferir o mérito do réu, e então a possibilidade de sua reinserção. Dessa forma, não deveria em momento algum ter sido colocada como fator facultativo durante a progressão de regime, haja vista a sua demasiada importância.

Embora o parecer não vincule o Ministério Público e o juiz da execução, pode se mostrar valioso para a decisão, já que, sendo desfavorável, é indício seguro da inadaptação do condenado ao regime pretendido (MIRABETE, 2008, p. 433).

O artigo 34 do Código Penal dispõe sobre a necessidade de o condenado ser submetido, no inicio do cumprimento da pena, ao exame criminológico de classificação para individualização da execução.

É incoerente que seja realizado o exame na fase inicial de cumprimento da pena e não seja realizadauma nova análise posteriormente,a fim de observar eventuais mudanças psicológicas e de personalidade, e dessa maneira, verificar com maior cautela a capacidade do apenado para a progressão do regime.

É inviável apenas a aferição de bom comportamento carcerário, pela objetividade que pode conotar. Assim, apenas um atestado emitido pelo diretor do estabelecimento penitenciário não deveria substituir o parecer da Comissão Técnica quando da solicitação de qualquer benefício, afinal a conclusão é precedida de uma junta de peritos (psiquiatra, psicólogo e assistente social), que estudam a personalidade do preso, revelando seele encontra-se apto para retornar à sociedade, de maneira que não volte mais a delinquir.

A jurisprudência, na Súmula Vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal,dispõe que se admite o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada. Dessa mesma forma dispõe aSúmula nº 439 do Superior Tribunal de Justiça.

A Súmula Vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal trata do seguinte termo

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

O ministro Cezar Peluso expôs que

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE E RELATOR) – Senhores Ministros, o ilustre defensor público suscitou duas objeções à redação da lei. A segunda, que me parece mais evidente , procura rediscutir o próprio conteúdo da súmula que está sendo consolidada. Não temos nenhuma decisão que reveja a facultatividade do exame criminológico; todas, na linha do que foi invocado a título de precedentes, reconhecem a possibilidade teórica de o juízo recorrer ao exame criminológico. Essa é a jurisprudência da Corte. Se ela deve ser modificada, ou não, é outro aspecto, que não diz respeito ao conteúdo da súmula vinculante.

Em relação com o primeiro, acho que não apenas o ilustre defensor , mas a douta Procuradoria tem toda a razão. Seria o caso de constatar restrição para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo equiparado, praticado antes de 29 de março de 2007, levando-se em conta a inconstitucionalidade do art. 2º, p. 1º, da Lei nº 8.072 e aplicando-se o art. 112 da LEP. Acho que com isso deixaríamos de fora a dúvida da questão da irretroatividade da lei mais gravosa.

Assim, a votação quanto aos termos propostos para a Súmula Vinculante nº 26 se deu da seguinte maneira

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – [...]Esse texto for expungido, ou seja, tendo em conta a realidade brasileira – volto ao quadro mencionado na tribuna pelo ilustre defensor, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo -, esse exame já se mostrava, senão inócuo – quanto ao conteúdo de duvidosa propriedade -, inviável porque oitenta mil presos aguardavam, havendo alcançado tempo para a progressão, o famigerado exame [...].

Por isso, penso que não podemos desconhecer essa realidade normativa, ou seja, que a exigência do exame criminológico seja afastada como requisito necessário à progressão.

Peço vênia, Presidente, e encerro aqui a participação no caso – creio que a maioria formar-se-á em sentido contrario – para não aprovar o Verbete.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI – [...] Na primeira turma temos julgado – sem dúvida, sem dúvida há uma manifestação sempre divergente do Ministro Marco Aurélio -, mas os demais quatro integrantes tem julgado que o fato do dispositivo legal ter revogado a exigência do exame psicológico, em todas as hipóteses, não impede que, fundamentalmente, o juízo de execução faça essa exigência [...].

Então, eu acato a proposta agora feita em Sessão pelo Ministro Cezar Peluso.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Senhor Presidente, estou votando, com as vênias do Ministro Marco Aurélio, exatamente para acompanhar o eminente Ministro Cezar Peluso, com a redação que ele ofereceu.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – Senhor Presidente, eu também aprovo o Verbete , na redação dada agora pelo eminente Ministro Cezar Peluso.

Justifico, apenas, o meu entendimento relativamente ao exame criminológico, a qual tenho reiterado na Turma, que é exatamente o seguinte: entendo que a lei superveniente, que alterou a Lei de Execução Penal, simplesmente aboliu, suprimiu, a exigência de que se faça o exame criminológico, mas não a faculdade do juiz determina-lo. Essa faculdade decorre, inclusive, do poder geral de cautela e da possibilidade que tem o juiz, na legislação processual, tanto civil como penal, de requisitar perícias [...].

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Senhor Presidente, acho que o principio da individualização da pena pode passar pela necessidade de realização do exame criminológico, pelo qual se faz aferir um mínimos de condições subjetivas do apenado, para tornar a conviver com a população extramuros penitenciários. Nessa linha tenho votado, na Primeira turma.

Acompanho o raciocínio dos Ministros Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Celso de Mello, enfim, estou de acordo com a redação proposta pelo Ministro Cezar Peluso.

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE – Sr. Presidente, a proposta está de acordo com a jurisprudência consolidada da Corte, e eu aprovo.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) – Eu também me manifesto no mesmo sentido.

Lembro-me de que essa questão sobre o exame criminológico foi levantada já quando do debate. Nós, inclusive, chamamos a atenção, estando textos de estudiosos sobre o tema, falando sobre outra perspectiva do principio da proporcionalidade que é o principio do trato inadequado ou insuficiente, dizendo que, neste caso, era possível, por interpretação judicial, justificar um caso direto de gravidade que o próprio juiz pudesse avaliar o exame criminológico.

De modo que também me manifesto nesse sentido.

Apesar de a Súmula Vinculante ter se orientado de forma a promover a faculdade do exame criminológico, que outrora havia decerto sido abolido, ainda não é o caminho que importará em um sistema executório ideal.

O fato de o sistema prisional estar sobrecarregado não exime a necessidade de realização do exame criminológico, pois não aferindo a reeducação do preso durante o regime em que se encontra, há a possibilidade de reincidência.

Desta forma, não estaria o Judiciário desafogado quanto à agilidade da progressão de regimes, mas sim prejudicado, por ter que realizar reiteradamente o mesmo procedimento para o mesmo delito do mesmo agente, que após anos virá a cometer. Assim dispõe Edwin H. Sutherland

[...] Explicação da reincidência é que os métodos de reforma são inadequados. Se o criminoso fosse reformado pela primeira entidade que sobre ele exercesse a supervisão, estaria o problema do crime em grande parte resolvido (EDWIN, 1949, p. 664).

Havendo falha no programa de reeducação, ou reintegração do preso, a melhor resolução é o aperfeiçoamento e não a extinção da modalidade. Concorda dessa maneira Edwin H. Sutherland

A persistência dos criminosos nas suas atividades, criminosas pode explicar-se, quer em termos dos característicos e condições deles, quer em termos das deficiências das entidades que atuam para a regeneração (EDWIN, 1949, p. 659).

É temerário retirar o exame criminológico durante a execução do regime penitenciário. De acordo com Nucci, essa alteração se deu por pressão do Poder Executivo

A modificação da Lei de Execução Penal, trazida pela Lei 10.792/2003, impôs imensa restrição à atuação da Comissão Técnica de Classificação, mencionando que ela somente serviria para fornecer o parecer inicial de cumprimento da pena, mas não auxiliaria o juiz durante a execução. [...] Essa alteração deveu-se a pressões de vários setores, especialmente de integrantes do Poder Executivo, que arca com os custos não só das Comissões existentes, mas também dos presídios em geral, sob o argumento de serem seus laudos “padronizados”, de pouca valia para a individualização executória (NUCCI, 2011, p. 1008).

A alteração do artigo 112 da Lei de Execuções Penais não apenas dificultou o processo ideal de reintegração, mas também ofendeu o princípio da individualização da pena. Dessa forma assevera Nucci

A mantença da Comissão para avaliar o condenado no começo da execução, mas a sua eliminação para o acompanhamento do preso, durante a execução, é um golpe (inconstitucional) ao princípio da individualização da pena (NUCCI, 2011, p. 1009).

A alteração do artigo 112 da Lei de Execuções Penais para a supressão de custos importou em demasiada frente à possibilidade de adequada reinserção social do delinquente.

{C}2.5.5 As vantagens na realização do exame criminológico

Há a necessidade de aplicarem-se medidas que viabilizem a reinserção social do condenado, como discorreCosta

O objetivo da execução penal mais relevante é o de criar oportunidades para futura (re) integração social, buscando em uma estratégia democrática de forma participativa capacitar o encarcerado, estimulando-o a vencer a sensação de exclusão por meio de opções, respeitado o direito de ser diferente (COSTA, 2011, p. 267).

O exame criminológico é imprescindível para aferição da personalidade do preso, e sua possível equalização frente ao convívio social.

A análise do mérito do condenado ainda é requisito para a progressão do regime, apesar da tentativa de supressão pela alteração legislativa em vigor.

O mérito nada mais é que a capacidade que o condenado tem de se adaptar, de merecimento durante o tempo em que permaneceu encarcerado, de valor moral.

Assim, nada mais proveitoso que um estudo detalhado sobre a personalidade do preso, sua perspectiva moral e social, a fim de obter com mais presteza a aferição do mérito. Porque dificilmente, o diretor do cárcere poderá afirmar com convicção sobre a personalidade do preso e seu valor moral. O merecimento do preso é algo muito subjetivo, que não pode ser avaliado por quem não tenha conhecimento específico. Ademais, o merecimento está intimamente relacionado com o aprendizado auferido pelo condenado no momento do cumprimento da pena.

Dispensar uma ferramenta tão detalhista e eficiente como o exame criminológico, é não apenas colocar em risco toda uma sociedade, como também desacreditar na possibilidade de reintegração do apenado.

Ora, se quando realizado o exame criminológico, é indicado o caminho em que o preso deverá trilhar dentro da prisão no momento da execução penal, porque então não haver essa recomendação em face de progressão de regime?

Dessa forma, a realizaçãodo exame criminológico no momento em que o preso obtiver os requisitos legais, assegura que o mesmo terá uma real possibilidade de reintegração, pois já havia sido percebido isso através do estudo detalhado.

Nos segmentos contemporâneos, busca-se a melhora do condenado, que constitui o objetivo mais elevado da política criminal. Mediante a aplicação da pena, procura-se influenciar no apenado a reinserção social e, por conseqüência, a não reincidência. Para os seus defensores, a pena deve ter uma função educativa e não aflitiva, a fim de transformar o delinqüente em um novo homem, respeitador da ordem social e da lei (COSTA, 2011, p. 268).

Reintegração deveria ser o objetivo do Estado, porque além de proporcionar uma sociedade mais segura – com menores índices de reincidência –, poderá aliviar asobrecarga do sistema judiciário, pelo número expressivo de processos.

{C}3. CONCLUSÃO

A proposta da alteração do artigo 112 da Lei de Execuções Penais era de desafogar o sistema penitenciário. Ocorre que, com a retirada necessária do exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação, o apenado poderá não ser corretamente reintegrado, com grande possibilidade de voltar a delinquir.

A diminuição dos gastos atuais poderá acarretar futuramente em sobrecarga do sistema judiciário, para o julgamento de casos de reincidência, propiciando o surgimento de em uma sociedade mais violenta.

A alteração desse artigo foi significativa e atentou para um possível desafogo judicial, sem observar as consequências para o sistema judiciário e a sociedade nomédio e longo prazo.

ABSTRACT

Law No. 10.792/2003 significantly alter Article 112 of the Criminal Law of Executions, replacing the need for criminological examination regime progression by a simpleton certificate of good prison behavior. Currently is at the discretion of the judge deems necessary when ordering the examination, provided that a justified decision.

Keywords: Pen. Reintegration.Criminological.Enforcement. Progression.

REFERÊNCIAS

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FALCONI, Romeu. Sistema presidial: Reinserção social. São Paulo: Ícone editora, 1998.

MIRABETE, JulioFabrini. Execução Penal. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7ª ed.,[s/c]: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SUTHERLAND, Edwin H. Princípios de Criminologia. São Paulo: Livraria Martins Editora S.A., 1949.

Fontes eletrônicas:

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INSTITUTO DE PESQUISA E CULTURA LUIZ FLÁVIO GOMES. Exame criminológico: cada caso é um caso (súmula 439 do STJ). Disponível em http://www.ipclfg.com.br/artigos-do-prof-lfg/exame-criminologico-cada-caso-e-um-caso-sumula-439-do-stj/. Acesso em 28/09/2011.

REVISTA EMERJ. O panorama contemporâneo da Execução Penal, por Álvaro Mayrink da Costa. Disponível em http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista55/Revista55.pdf. Acesso em 03/10/2013.

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7ª ed.,[s/c]: Editora Revista dos Tribunais, 2011.p.75

[2] NUCCI, op. cit., p. 76

[3] NUCCI, op. cit.,p.78

[4] COSTA, Álvaro Mayrink da.Exame Criminológico. São Paulo: Editora Jurídica e Universitária, 1972. p. 129

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  • Execução Penal
  • Exame Criminológico

Dra. Raquel Aguilar

Bacharel em Direito - Brasília, DF


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