Estado Democrático de Direito e Democracia Representativa por José Herval Sampaio Júnior


20/10/2015 às 10h12
Por Felipe Bueno

Após a ditadura militar que se iniciou com o golpe de 1964, o Brasil elegeu uma Assembleia Nacional Constituinte que foi responsável pela elaboração da nova Constituição Federal de 1988, que foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988, em ato que marcava, definitivamente, o fim do período ditatorial. Conhecida como Constituição Cidadã, o texto destaca-se por ter inúmeras garantias aos cidadãos, não somente garantias básicas, mas, também, garantias de direitos políticos e de participação, tais como a liberdade plena de associação, o direito de reunião, o pluralismo político, a autonomia partidária, dentre outros.

Passando a intitular-se “estado democrático de direito”, a República Federativa do Brasil, menciona expressamente em seu texto que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos, ou diretamente nos termos desta Constituição”.

Tem-se, dessa forma, que o brasileiro possui duas formas de exercício da democracia. A chamada democracia direta, que se dá pelos instrumentos previstos no art. 14, caput, da Constituição, que são o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de projeto de lei. Já a democracia representativa ou indireta, indica que o cidadão elegerá seus representantes por meio de eleições, que ocuparão os cargos públicos eletivos, no poder executivo e no poder legislativo, nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), representando os eleitores e atuando em seu nome, seja gerenciando os recursos que são entregues ao governo (poder executivo) ou elaborando as leis que serão inseridas no mundo jurídico (poder legislativo).

As eleições, realizadas a cada quatro anos para cada esfera de poder, são, portanto, a legítima expressão da democracia representativa brasileira, e cada eleitor tem que ser consciente de que cada político eleito pelo voto, que possui valor igual para todos, é seu representante e deve exercer seu mandato em benefício da coletividade que ele representa. Assim, cabe a cada um, de forma consciente e participante, cobrar, fiscalizar, participar do mandato do político eleito, pois ele representa todos nós e os recursos que ele administra não é de sua propriedade, mas de todos nós.

  • Partidos Políticos

Os partidos políticos passaram a deter uma importância fundamental no novo estado criado a partir da Constituição Federal de 1988, suplantando o sistema bipartidário que foi instituído com o golpe militar de 1964, no qual somente dois partidos podiam existir legalmente e disputar as eleições. Os dois partidos que permaneceram na legalidade durante a ditadura militar foram a ARENA – Aliança Renovadora Nacional e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro. A ARENA congregava os políticos ditos mais conservadores, que apoiavam diretamente e abertamente o regime militar, enquanto que no MDB remanesceram alguns políticos que combatiam, ainda que timidamente, a ditadura, já que os militantes e políticos mais combativos do regime militar foram expulsos do país ou viveram na clandestinidade por longos anos.

Na nova ordem constitucional, para constatar a importância das agremiações partidárias no nosso sistema constitucional, basta observarem que os ditames normativos dos partidos políticos encontram-se encartados no art. 17, da Constituição Federal de 1988, inserido no Título II, que trata dos “direitos e garantias fundamentais”, possuindo o mesmo destaque que os “direitos e deveres individuais e coletivos” (Capítulo I), “direitos sociais” (Capítulo II), “direitos da nacionalidade” (Capítulo III) e os “direitos políticos” (Capítulo IV).

No sistema jurídico brasileiro, os partidos políticos detêm autonomia e liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção, não podendo a lei infraconstitucional impor restrições de funcionamento que restrinjam as garantias inseridas na Constituição pelo legislador de 1988.

Mas, então, por que os partidos políticos possuem tanta importância na ordem constitucional brasileira?

Justamente pelo fato de que na democracia representativa as eleições são realizadas periodicamente, garantindo-se o direito do eleitor escolher os governantes por meio do voto, sendo a participação nas eleições como candidato feito exclusivamente por meio dos partidos políticos, já que a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade previstas no art. 14, § 3º, do texto constitucional. Dessa forma, os partidos políticos adquiriram uma importância extrema no sistema jurídico, sendo, não somente um direito, mas, também, uma garantia fundamental que o estado deve dar ao cidadão, já que este somente terá acesso aos cargos eletivos por meio das agremiações partidárias, daí a sua importância e a necessidade de se garantir a autonomia dos partidos políticos e a impossibilidade de restringir o pluralismo.

Essa característica do sistema partidário brasileiro atual gera também algumas disparidades, como a grande quantidade de partidos políticos. Hoje no Brasil há 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), revelando uma diversidade de programas e ideologias partidárias no cenário político, além de uma incerteza e dúvidas fundadas quanto à seriedade de muitos deles, já que sabemos que nos diversos recantos do país as pessoas filiam-se às agremiações sem saber sequer quais as linhas programáticas que o partido defende o que descaracteriza a essência dessas instituições tão importantes para a democracia brasileira.

As normas que regem os partidos políticos estão previstas na Lei dos Partidos Políticos, que é a Lei nº 9.095/1996.

  • Filiação Partidária

Como já mencionamos, a filiação partidária é uma das condições exigidas do cidadão para que possa exercer a sua capacidade eleitoral passiva, que é direito de ser votado. Em outras palavras, para que seja candidato, o eleitor deve, necessariamente, estar filiado a um partido político. Essa filiação, pelo novo texto do art. 9º, da Lei das Eleicoes (Lei nº 9.504/97), deve estar sacramentada pelo menos seis meses antes da eleição para a qual o interessado deseja concorrer, devendo o pretenso candidato estar vinculado à agremiação partidária nesse prazo.

Os partidos políticos possuem órgãos de direção nos mais diversos municípios, de modo que o eleitor interessado em concorrer nas eleições municipais do próximo ano deve procurar os responsáveis em seu município para providenciar a sua filiação. No caso de não haver representação partidária no município, o interessado pode procurar o diretório regional e, na forma prevista no estatuto do partido, instituir a agremiação na cidade, realizando convenção para a fundação ou retomada das atividades partidárias. Todos os partidos políticos possuem página institucional na internet, basta realizar uma busca no site do TSE.

O partido político não pode rejeitar a filiação de qualquer interessado, a menos que haja previsão estatutária acerca de determinadas restrições, de modo que basta o interessado assinar a ficha de filiação e atender aos critérios previstos nas normas internas da agremiação para que sua filiação seja aceita e comunicada à justiça eleitoral.

  • Desfiliação Partidária

O eleitor não é obrigado a permanecer filiado eternamente a um partido político, podendo sair a qualquer tempo da agremiação, bastando, para tanto, comunicar ao partido político e ao juiz eleitoral em sua circunscrição. Após a realização dessa formalidade a filiação extingue-se para todos os fins. Se a desfiliação se der com a finalidade de filiar-se a um novo partido não há a necessidade de comunicar ao partido anterior, bastando a comunicação ao juiz eleitoral.

Houve uma alteração significativa na legislação partidária em relação ao que é conhecido como dupla filiação partidária. Até o ano de 2013, quando se verificava que um eleitor estava filiado a mais de um partido político, a Justiça Eleitoral determinava o cancelamento das duas, de modo que o eleitor perdia a condição de elegibilidade e, em muitos casos, deixava de ser candidato nas eleições próximas. Com as mudanças inseridas na Lei dos Partidos Políticos pela Lei nº 12.891/2013, passa a permanecer a filiação mais recente, cancelando-se a mais antiga, mantendo-se a condição de elegibilidade do interessado.

  • Infidelidade Partidária e Perda do Mandato

Em sendo a filiação partidária uma condição essencial para concorrer nas eleições, o judiciário brasileiro passou a entender que os mandatos pertenceriam ao partido político e não à pessoa do eleito, de modo que o mandatário de cargo público que deixa o partido pelo qual se elegeu corre o risco de deixar o cargo para que outro filiado venha e ocupe o seu lugar. É o que chamamos de perda do mandato por infidelidade partidária.

Até setembro próximo passado a norma de perda de mandato somente estava previsto em uma resolução do TSE (Res. TSE nº 22.610/2008), tendo esta resolução sido elaborada após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em processos que versavam sobre a perda de mandados parlamentares por infidelidade. Com o advento da Lei nº 13.165/2015, conhecida como minirreforma política de 2015, criou-se legalmente, em sentido estrito, normas referentes a este aspecto.

Pelo texto legislativo, o detentor de cargo eletivo perderá o mandato se desfiliar-se do partido pelo qual se elegeu sem justa causa, podendo o partido pleitear judicialmente a vaga para outro filiado, se este também tiver concorrido ao pleito. Há, entretanto, previsão para o que seja justa causa, hipóteses que justificam a saída do eleito de seu partido sem o risco de perda do mandato obtido nas urnas. Para a lei, considera-se justa causa à mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, a ocorrência de grave discriminação política pessoal e a mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

Assim, deixou de ser justa causa a saída de um partido para ingressar em partido recém-fundado, como assim previa resolução do TSE, criando-se, entretanto, um período de trinta dias, repetido a cada quatro anos, em que o eleito pode sair de seu partido e ingressar em outro, desde que seis meses antes do pleito correspondente, sem risco de perda do mandato, no que se convencionou chamar de “janela de desfiliação partidária”.

José Herval Sampaio Júnior

Mestre e Doutorando em Direito Constitucional, Especialista em Processo Civil e Penal, Professor da UERN, ESMARN, Coordenador Acadêmico do Curso de Especialização de Direitos Humanos da UERN. Autor de várias obras jurídicas, Juiz de Direito e ex-Juiz Eleitoral.

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Felipe Bueno

Advogado - Serra, ES


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