A Aplicabilidade do CDC nas relações de consumo pela Internet no Brasil


03/03/2016 às 10h01
Por Advogado Fabio M. Ferreira

A APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE CONSUMO PELA INTERNET NO BRASIL

Autor: Fábio Martins Ferreira – OAB-DF nº 38.370

www.fmferreira.adv.br

Ultimamente temos visto uma forte expansão do mercado consumidor alavancado pelo crescente poder aquisitivo da população e, concomitantemente, à migração das pessoas de classes “e” e “d” para classes mais altas do mercado de consumo e da facilidade no acesso a cartões de crédito, fazendo com que essas pessoas se tornassem consumidores de produtos de tecnologia, tais como computadores e outros equipamentos de acesso à internet; bem como de produtos de

vestuário, eletrodomésticos, máquinas e etc., além de contratações de serviços diversos, como cursos de línguas, graduações e pós-graduações, dentre outros.

Esse crescimento teve grande importância no mercado de consumo virtual, fazendo com que pessoas físicas e empresas, interessadas na lucratividade desse novo nicho de mercado, criassem ou utilizassem paginas na Internet para demonstrar seus bens.

Só no Brasil, o comércio eletrônico deve crescer em média 25% em 2013 com faturamento de R$ 28 bilhões e 50 milhões de e-consumidores¹.

Os consumidores virtuais, assim como os consumi dores convencionais, devem ser detentores dos mesmos direitos e obrigações em suas relações de consumo, não sendo tolerado qualquer detrimento por parte do cyberconsumidor somente pelo fato de ter transacionado utilizando a internet para alcançar o seu objetivo consumerista.

Diante disso, o legislador deve garantir que essa nova modalidade de consumo seja realizada em conformidade com os fins esperados de qualquer relação de consumo, alcançando os objetivos do consumidor, que é adquirir produtos e serviços, e o do fornecedor, que é o lucro na venda de produto ou a prestação de serviços, superando todas as mazelas que possam lesionar tal relação.

Com a facilidade que temos hoje em dia,no tocante a estar on-

line e podermos fazer diversas operações em ambiente virtual, requer atenção especial nas ações em que são realizadas

pela internet, haja vista as variadas oportunidades disponíveis

como, por exemplo,os sites de clubes de compras e de compras coletivas.

Os clubes de compras geralmente são empresas legalmente constituídas que criam campanhas de vendas de um ou mais produtos de uma determinada marca e disponibiliza em seus sites com regras de compra, pagamento e entrega, ofertando tais produtos com descontos atraentes que podem chegar a 90% sobre os valores praticados no mercado. Essa modalidade de consumo não se limita a uma quantidade mínima de aquisição de produtos, porém os clubes de compras são de certa forma restritiva e os interessados para fazerem parte dos clubes necessitam ser indicados por associados, e suas participações devem ser precedidas de prévio cadastramento.

Já os sites de compras coletivas são sítios que intermediam as vendas de produtos e/ou serviços. A participação dos interessados se faz por meio de um pequeno cadastro de seus

dados pessoais e financeiros no ato da compra e sua participação está condicionada, na maioria das vezes, em uma quantidade mínima de unidades do bem colocado à venda, além de tal promoção ficar disponível para aquisições somente por um determinado período de tempo.

O intuito dessa modalidade é tentar estabelecer uma fidelidade do potencial consumidor com o produto e sua marca, fazendo, de certa forma, uma espécie de publicidade, tendo em vista que muitas das vezes o bem posto à venda nesse veículo de comunicação e consumo não é conhecido da maioria dos consumidores ou esse é um serviço ou produto de uma pequena empresa.

Para a realização de uma transação de compra e/ou venda de um determinado produto e/ou serviço prescinde da pactuação de um contrato, que no comércio virtual se dará de forma eletrônica. Os contratos eletrônicos são documentos que contém as cláusulas das relações tal qual um contrato estabelecido de forma presencial, podendo ter algumas diferenças no tocante ao modo como são estabelecidas e particularidades inerentes à forma da relação virtual.

A Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, impõe que os fornecedores informem aos consumidores os seus direitos e obrigações antes da celebração do contrato, sob pena de não serem consideradas as cláusulas inseridas no contrato e, assim, sendo regido pelas normas gerais de direito inseridas no Código Civil.

Dessa forma dispõe o artigo 46 do CDC que “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores que não lhes forem dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem regidos de modo a dificultar a compreensão de sentido e alcance”.

Ainda no CDC há regramento quanto aos contratos, onde no artigo 54, §4º diz que “... as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.

De forma bastante didática, Werson Rego sintetiza a proteção da legislação consumerista no que tange a proteção contratual, de modo geral, de três formas: “a) a fase pré-contratual –aquela que antecede ao momento de formação do vínculo jurídico, onde são desenvolvidas a oferta dos produtos e serviços, a divulgação publicitária e as negociações preliminares; b) a fase contratual – onde as prestações dos contratantes são cumpridas, e que vai desde a formação do vínculo jurídico até o pagamento das prestações convencionais; e c) a fase pós-contratual – aquela em que, mesmo após o adimplemento de todas as prestações ajustadas, são exteriorizados os efeitos dessas prestações, com prejuízo para uma das partes, no caso, o consumidor”².

Na definição de Letícia Canut, contrato eletrônico é “... o negocio jurídico entre duas ou mais pessoas para entre si criar, modificar ou extinguir um vinculo jurídico, de natureza patrimonial, diante de declarações de vontade manifestadas por meio da internet”³.

Mas o que é Comércio Eletrônico? Cláudia Lima Marques define comércio eletrônico, do ponto de vista da característica da impessoalidade, como “[...] uma das modalidades de contratação não presencial ou à distância para a aquisição de

produtos e serviços através de meio eletrônico ou via eletrônica” 4.

Por outro lado, Letícia Canut distingue o comércio eletrônico

em dois modos: modo indireto ou modo direto. O comércio eletrônico exercido de forma indireta consiste basicamente nas encomendas realizadas pela Internet, cujos produtos geralmente são entregues pelo serviço postal, após a efetivação do pagamento por parte do cliente. Já o comércio eletrônico direto corresponde ao pedido, pagamento e entrega on-line, de bens incorpóreos e serviços, tais como, programas de computador, músicas digitalizadas, livros e jogos eletrônicos, serviços de informação, entre outros.

Semelhantemente ao aumento da utilização da internet nas relações de consumo vemos que os riscos de fraude em todos os aspectos também aumentam. As empresas de comércio eletrônico se preocupam cada vez mais com a segurança nas transações efetuadas eletronicamente, e tais medidas de segurança não se restringe apenas à recursos computacionais, como softwares de segurança e criptografia avançada e segura de comunicação entre o consumidor e o site na internet, mas também a conscientização dos consumidores sobre os cuidados ao realizarem relações com empresas idôneas e em manter seus dispositivos computacionais imunes a ameaças que poderão tornar as relações inseguras.

As empresas têm essa preocupação, pois somente disponibilizando recursos seguros e uma relação de confiabilidade dos consumidores é que consolidará um grau satisfatório na manutenção do comércio eletrônico. Quanto aos

vícios e defeitos nos produtos e na prestação de serviços inerentes à relação de consumo tradicional são também aplicáveis nas relações de consumo virtuais.

O Código de Defesa do Consumidor pode ser considerada uma das mais avançadas legislações existentes em nosso ordenamento jurídico, pois engloba de forma muito abrangente os anseios dos consumidores, elevando seu status de hipossuficiência ao mesmo nível do fornecedor, ao especificar que os consumidores são vulneráveis técnico, jurídicoe economicamente.

As relações de consumo, tanto presenciais quanto virtualmente

realizadas, devem ser pautadas em pressupostos que garantam equilíbrio entre os envolvidos, igualando os desiguais

respeitando sempre suas desigualdades.

O legislador cuidou da segurança dos consumidores mais uma vez ao estabelecer o instituto da inversão do ônus da prova. Nesse principio é asseguradas as hipossuficiências de ordem

econômica, técnica e jurídica, bem como de natureza patrimonial, moral, estético e à imagem.

Para sanar possíveis omissões ou não aplicação do CDC nas relações de consumo pela internet, está em tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei n. 439 de 2011, de autoria do Senador Humberto Costa que objetiva obrigar a aposição nos sites de comércio eletrônico as informações relativas à titularidade da empresa ou pessoa física (CNPJ e CPF), o endereço de suas instalações e um meio de comunicação fora do espaço digital (Telefones ou Centrais de Atendimento), viabilizando assim a comunicação direta com os fornecedores. Na proposta ainda há normatização relativa à proibição de envio de oferta por meio eletrônico aos consumidores que não tenham solicitada, prática essa conhecida como “Spam”. Nas relações de consumo, seja ela tradicional ou virtual, deve ser assegurada à proteção das informações pessoais para a sua não utilização indevidamente. Em ambiente virtual, tal preocupação deve ser largamente ostensiva, tendo em vista que os dados estão dispostos em um ambiente acessível em qualquer lugar do planeta através de um equipamento de informática interligado à internet.

Na busca de quebrar tal privacidade, os piratas virtuais utilizam de recursos computacionais conhecidos como spam, cookies ou spywares.

O termo Spam significa “inundar” e consiste segundo Rita Blum, em “[...] distribuir amplamente correspondência indesejável e não solicitada na Internet através do envio de uma mensagem a um grande número de destinatários ou newsgroups”. Tal prática vai de encontro à clausula pétrea inserida no art. 5º, X, da Constituição Federal, trazendo em seu texto que ““...são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Amaro Moraes e Silva Neto leciona quanto ao assunto no que tange os prejuízos dessa prática, exemplificando que:

“Economicamente, o spammer causa prejuízos de monta aos usuários da rede e aos provedores de acesso à Internet. Socialmente, coloca em risco o bom funcionamento da Web como um todo, podendo, potencialmente, até mesmo levá-la ao colapso. No pertinente à boa-fé, essa não lhe pode ser emprestada, pois que, com voluntariedade e acinte, ele se dispõe a invadir a privacidade de terceiros para perturbar sua tranquilidade” 5.

As relações de consumo efetuadas pela internet, de um modo genérico, já são juridicamente amparadas pelo atual Código de Defesa do Consumidor. Mesmo diante do fato de as normas em vigor não evidenciarem o e-commerce, é translúcido o esforço dos legisladores em normatizar as relações de consumo virtuais e amparar os cyberconsumidores quanto às particularidades, perigos e armadilhas que possam vir a enfrentar, estabelecendo sanções para o descumprimento das normas, sob pena dos consumidores continuarem desprotegidos.

Não poderia ser de outra forma tal relação, como bem leciona Fábio Ulhoa Coelho, ao dizer que “a circunstância de a venda ter se realizado num estabelecimento físico ou virtual em nada altera os direitos dos consumidores e os correlatos deveres dos empresários”.

Verifica-se que a legislação consumerista é condizente com as especificidades inerentes das relações estabelecidas por meio da internet e o trabalho do legislador em atualizar as normas de consumo de acordo com o e-commerce vem para suprir possíveis lacunas que possam dificultar a aplicação das normas intrínsecas do Código de Defesa do Consumidor nessa moderna modalidade de aquisição de produtos e serviços.

De todo modo, há julgados recentes mostrando que o entendimento jurisprudencial está análogo, por exemplo, a última parte do art. 49 do CDC, reconhecendo que, ao trazer a palavra “especialmente”, deixou que se pudesse utilizar tal artigo nas relações virtuais realizadas via internet e, assim, assegurando os direitos do consumidor que adquiriu produtos ou serviços por meio da rede mundial de computadores.

A internet disponibilizou aos consumidores a possibilidade de negociações em qualquer dia, qualquer horário e em qualquer lugar do mundo. E os fornecedores, com custo reduzido, podem disponibilizar produtos em suas lojas virtuais, que, da mesma forma, também estão disponíveis todos os dias.

Claro que todo o esforço não se restringe somente ao legislador e à criação de diretrizes assecuratórias para o comércio virtual. A inobservância pelo consumidor dos cuidados em transacionar nos milhares de sites disponíveis na rede mundial poderá acarretar em danos à sua integridade moral, à privacidade e segurança, tendo ele a responsabilidade de preservar suas informações e arquivos digitais de terceiros.

É, portanto, indubitável que as relações de consumo pela internet no Brasil evoluíram bastante nos últimos anos, e que tendem a se expandir ainda mais. O trabalho legislativo vem sendo de suma importância na atualização das normas consumeristas, adequando-as à realidade atual vivenciada nas fases pré, durante e pós-efetivação dos contratos eletrônicos; podendo este consumir com o devido grau de informação, segurança e satisfação, tendo sempre seus direitos respeitados. Em suma, mesmo que as normas inseridas no Código de Defesa do Consumidor não evoluam na mesma velocidade em que as modificações dos recursos tecnológicos, não podem os julgadores abster-se de aplicar as leis que estão em vigor aos contratos eletrônicos de consumo.

Anseia o consumidor pelas propostas no projeto de lei alhures mencionado, pelo fato de muitas dessas normas serem regras de boa conduta e possuírem grande aceitabilidade e credibilidade dos fornecedores; entretanto os consumidores não podem aguardar a aprovação de uma nova lei para fazer valer seus direitos.

¹ Disponível em: <http://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/e-

commerce-brasileiro-a-velocidade-do-crescimento/ >. Acesso em 09 jul. 2013

2

WERSON Rego apud FILOMENO, José Geraldo Brito. 2010, p. 19.

3

CANUT, Letícia. Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico.

Curitiba: Juruá, 2008, p. 136

4

MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no Comércio Eletrônico e a Proteção do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 38.

5

KAMINSKI, Omar (org.) e outros. Internet Legal: O Direito na Tecnologia da Informação. Curitiba: Juruá, 2003, p. 189.

6

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 6 ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 42

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Advogado Fabio M. Ferreira

Advogado - Taguatinga, DF


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