A BUSCA DE UM DIREITO PENAL EQUILIBRADO


03/03/2016 às 10h24
Por Advogado Fabio M. Ferreira

A BUSCA DE UM DIREITO PENAL EQUILIBRADO

Autor: Fábio Martins Ferreira – OAB-DF nº 38.370

www.fmferreira.adv.br

A população brasileira assiste ao aumento da criminalidade, que se estende desde os grandes centros urbanos até cidades do interior, e anseia que essa violência gratuita que atinge a todos sem exceção seja freada o quanto antes. Ajudado pela mídia, que encontrou um “terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal simbólico” (SICA. 2002.p. 77), veiculando

notícias bizarras e grotescas de crimes praticados atodo o momento e lugar, afirmando que o sentimento de impunidade

é que motiva tamanha violência, sustenta que a única saída para diminuir a quantidade e a brutalidade dos atos ilícitos seja uma maciça reforma do Direito Penal, primordialmente no que se refere ao aumento das penas. Na contramão estão os que

defendem que o problema da criminalidade está em outros aspectos - deficiência de políticas públicas, desigualdades sociais, educação deficitária – e que o Sistema Prisional nos moldes atuais está falido.

Mas será que aumentar as penas e, consequentemente, deixar

o condenado por mais tempo encarcerado, ou afastar completamente o sistema penal resolveria o problema de uma vez por todas? Alguns penalistas sustentam que as penas que temos hoje deveriam ser ampliadas para proteger todo e qualquer bem da sociedade independentemente de seu valor jurídico, reproduzindo o modelo de política criminal americana

implantado na década de noventa em Nova Iorque pelo então prefeito Rudolph Giuliani conhecido como “tolerância zero”. Esse é o argumento do Direito Penal Máximo ou Movimento de

Lei e Ordem

Para Führer, a doutrina do Direito Penal Máximo “coloca em terceiro plano a exasperação da reprimenda, para dedicar-se a aplicar a lei ao maior número de casos possíveis, deixando claro que existe um preço para o crime e que ele será inevitavelmente cobrado. Nisto há um renascimento da vetusta lição de Thomas Hobbes. Quando o delinquente compara o benefício do crime com o prejuízo decorrente do castigo, escolhe, por necessidade da Natureza, o que lhe parece melhor para si mesmo”. (FÜHRER,2005, p. 30) Alberto Silva Franco leciona que “as normas penais mais extensas e as penas mais exasperantes têm, por um lado, o objetivo de difundir o medo e o conformismo em relação aos descartáveis do processo globalizador, aos excluídos, aos ninguéns e, por outro, o significado simbólico de punir expansivamente a falta de lealdade ao sistema de mercado e, desse modo, buscar sua preservação, antepondo-o os valores, direitos e garantias do indivíduo.” (FRANCO, 2000, p. 490).Loïc Wacquant em definição mais severa, afirmar que “prender ladrões de ovos permite frear, ou simplesmente parar, os potenciais matadores de bois, pela reafirmação da norma e dramatização do respeito à lei.”(WACQUANT, 2004, p. 244).

Portanto, os seguidores dessa teoria sustentam que o combate à criminalidade deveria iniciar-se por meio da rigorosa repressão e perseguição dos pequenos delitos, como forma de conter a violência pela raiz e evitar a “primeira janela quebrada

” 1 (ROSA, 2011, p. 34).

Contrariamente, estudiosos do Direito Penal defendem que as penas que temos hoje estão ultrapassadas e não mais tem a utilidade de antes, e pela deslegitimação do poder punitivo e de sua incapacidade para resolver conflitos, postula o desaparecimento do sistema penal e sua substituição por modelos de solução de conflitos alternativos, preferencialmente informais. Seus mentores partem de diversas bases ideológicas, podendo ser assinalada de modo prevalentemente a fenomenológica, de Louk Hulsman, a marxista, da primeira fase de Thomas Mathiesen, a fenomenológico-histórica, de Nils Christie e, embora não tenha formalmente integrado o movimento, não parece temerário incluir neste a estruturalista, de Michel Foucault. (BATISTA, ZAFFARONI, ALAGIA E SLOKAR. 2003. p. 648).

É o que se conhece como Abolicionismo Penal. Nas lições de

Paulo de Souza Queiroz, o ilustre doutrinador preleciona que “

a partir da afirmação de que o sistema penal consiste num problema social e que acaba criando mais problemas do que os solucionando, o mais prudente seria aniquilá-lo realmente.”

(QUEIROZ, 2005, p. 89).Contudo, um dos aspectos utilizados pelos abolicionistas para embasar suas duras críticas é a “Teoria do Etiquetamento”, originada na década de 70, que tenta explicar como surge a delinquência. Tal teoria parte de duas vertentes: a primeira, considerada mais radical, defende que a criminalidade nada mais é do que uma etiqueta aplicada a determinado grupo pelas instâncias formais de controle social. Já a segunda, mais moderada, defende que o etiquetamento ocorre não somente no controle social formal, mas também no informal, onde a sociedade seleciona aquelas pessoas destinadas ao fracasso e, consequentemente as estigmatizam como marginais. (GRECO, 2006).

Para esta teoria, a criminalidade não é como um pedaço de ferro, como um objeto físico, senão o resultado de um processo social de interação (definição e seleção): existe somente nos pressupostos normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade. Não lhe interessam as causas da desviação (primária), senão os processos de criminalização e sustenta que é o controle social que cria a criminalidade. Por isso, o interesse da investigação se desloca do desviado e do seu meio para aquelas pessoas ou instituições que lhe definem como desviado, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e funcionamento do controle social ou a gênese da norma e não os déficits e carências do indivíduo, que outra coisa não é senão vítima dos processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do denominado paradigma de controle. (PABLOS DE MOLINA, 2000, p. 320).

Costuma-se afirmar que “o Direito Penal não é um meio apto a motivar comportamentos no sentido do comando da norma penal, ou seja, no sentido de agir positivamente no processo motivacional de formação da vontade de delinquir, vez que o delito deriva de um sem-número de causas – psicológicas, sociais, culturais – não neutralizáveis pelo mero temor da pena”. (QUEIROZ, 2005, p. 90).

As duas teorias acima apresentadas têm visões muito extremadas com relação à aplicação ou não do Direito Penal e, utilizá-las para todas as ocasiões sem exceção ou abnegá-las em sua totalidade, não parece ser o melhor para a sociedade. Por isso, aplicar as leis em alguns casos e deixa-los fora do controle social em outros seria, em princípio, o mais indicado.

Rogério Greco intitula essa teoria intermediária como Direito Penal Mínimo ou Direito Penal do Equilíbrio. Por essa corrente

somente bens jurídicos de maior relevância devem ser tutelados pelo Direito Penal, deixando para outros ramos do direito a proteção dos bens de menor importância para a sociedade. Nesse sentido é o que preleciona Führer: “o Minimalismo Penal ganhou forma após as duas Grandes Guerras Mundiais, com a implantação do Estado de Direito Democrático. É fruto direto do Liberalismo, da Filosofia Humanista e da antiga ideia de Direito Penal como “Mínimo

Ético” dos clássicos. Sem embargo, vemrecebendo fortes influências do Abolicionismo Radical, especialmente no que se refere às substituições e transferências de competência, assimilando muito bem sua forma crítica de pensar do Direito Penal.”(FÜHRER, 2005, p. 100).

Um Direito Penal Proporcional seria o mais indicado nos dias atuais, pois “sendo o direito penal o mais violento instrumento normativo de regulação social, particularmente por atingir, pela aplicação das penas privativas de liberdade, o direito de ir e vir dos cidadãos, deve ser ele minimamente utilizado. Numa perspectiva político-jurídica, deve-se dar preferência a todos os modos extrapenais de solução de conflitos. A repressão penal deve ser o último instrumento utilizado, quando já não houver mais alternativas disponíveis”.(COPETTI, 2000, p. 87).

No Direito Penal, por ter como sanção a privação da liberdade em muitos dos tipos criminais, tanto o legislativo, ao discutir exaustivamente e, por fim, promulgar as leis penais, como o judiciário, na condenação do indivíduo que comete um ato ilícito, deve pesar a reprimenda a ser cumprida pelo infrator. Ambos os poderes devem observar os direitos e garantias reconhecidas na Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil, além de outras normas internacionais.

Porém, crimes considerados “pequenos” não deixariam de ter uma sanção, sendo ela aplicada cível ou administrativamente.

O papel essencial dos legisladores em suas funções é dar um valor a cada tipo penal, escalonando-os verticalmente, da menor pena para a maior, de acordo com o nível de reprovabilidade do crime. Assim, para crimes que merecem uma reprovabilidade e um rigor maior aplicaria penas do mesmo patamar, como as privativas de liberdade, cominando tempos de reclusão mínimos e máximos pouco elásticos, evitando que o aplicador da sentença tenha grande espaço para discricionariedades e, com isso, minimizando possíveis discrepâncias entre processos que possuem características semelhantes.

No mesmo sentido deve se pautar o Poder Judiciário no momento da sentença condenatória penal. O julgador deve utilizar como parâmetro a pena cominada na lei, limitando ao mínimo e ao máximo de cada tipo penal, além de aspectos subjetivos, como a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstânc

ias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima. Ao final, a depender do quantum da pena, será cumprida na espécie de pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e/ou multa.

De todo modo, o raciocínio do Direito Penal Mínimo implica a adoção de vários princípios que servirão de orientação ao legislador tanto na criação quanto na revogação dos tipos penais, devendo servir de norteaos aplicadores da lei penal, a fim de que se produza uma correta interpretação. Dentre os princípios indispensáveis ao raciocínio do Direito Penal Mínimo, podemos destacar os da: a)dignidade da pessoa humana –sendo esse o princípio central dessa teoria; b) intervenção mínima; c) lesividade; d) adequação social; e) insignificância; f) individualização da pena; g) proporcionalidade; h) responsabilidade pessoal; i) limitação das penas; j) culpabilidade; e k) legalidade. (GRECO, 2011, p. 30).Em verdade, o Direito Penal deve ser equilibrado para atingir com a

máxima satisfação o seu ius puniendi, não agindo com tirania ou maculando a dignidade da coletividade. Nesse sentido estão as palavras de Paulo de Souza Queiroz:

“Reduzir, pois, tanto quanto seja possível, o marco de intervenção do sistema penal, é uma exigência de racionalidade. Mas é também, como se disse, um imperativo de justiça social. Sim, porque um Estado que se define Democrático de Direito (CF, art. 1º), que declara com seus fundamentos, a ‘dignidade da pessoa humana’, a ‘cidadania’, ‘os valores sociais do trabalho’, e proclama, como seus objetivos fundamentais, ‘construir uma sociedade livre, justa, solidária’, que promete erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais’, ‘promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação’ (art.3º), e assume, assim declaradamente, missão superior em que lhe agigantam as responsabilidade, não pode, nem deve, pretender lançar sobre seus jurisdicionados, prematuramente, esse sistema institucional de violência seletiva, que é o sistema penal, máxime quando é esse Estado, sabidamente, por ação e/ou omissão, em grande parte corresponsável pelas gravíssimas

disfunções sociais que sob seu cetro vicejam e pelos dramáticos conflitos que daí derivam” (QUEIROZ. 1998 pp.31-32).

Destarte, as leis penais devem guardar distância entre os limites mínimos da permissividade e máximos da severidade, protegendo somente os bens essenciais para convivência dos cidadãos, orientada pelo princípio basilar do Direito Penal Mínimo: o princípio da intervenção mínima.

Extinguir o Direito Penal e repassar para os outros ramos do Direito a incumbência de tratar dos conflitos entre os indivíduos

faria com que esse ramo especializado perdesse sua gênese e tornaria as relações interpessoais mais perigosas. Da mesma forma atingiria a sociedade ao inflar o sistema punitivo com a responsabilidade de resolver quaisquer problemas mesmo que

diminuto, levando-o ao descrédito perante os jurisdicionados, pois “a certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo, unido à esperança da impunidade, pois os males, mesmo os menores quando certos, sempre surpreendem os espíritos humanos, enquanto a esperança, dom celestial que frequentemente tudo supre entre nós, afasta a ideia de males piores, principalmente quando a impunidade, outorgada muitas vezes pela avareza e pela fraqueza, fortalece-lhe a força”. (BECCARIA. 1999. p. 87)

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  • direito penal
  • direito penal equilibrado
  • teoria do etiquetamento
  • direito penal do inimigo
  • teoria das janelas quebradas

Referências

BATISTA, Nilo; ZAFFARRONI, Eugênio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR,Alejandro. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, v.1.

BECCARIA, Cesare.Dos delitos e das penas.2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1999.

COPETTI,André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito.Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2000.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto.História do Direito Penal: crime natural e crime de plástico.São Paulo: Malheiros,2005.

GARCIA, PABLOS DE MOLINA, Antônio.Criminologia.3. ed.São Paulo:Revistados Tribunais,2000.

GRECO, Rogério.Direito Penal do equilíbrio:uma visão minimalista do Direito Penal.2.ed. Niterói,Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

GRECO, Rogério.Direito Penal do equilíbrio:uma visão minimalista do Direito Penal.6.ed. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático: crítica à metástase do sistema de controle penal. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2011.

SICA, Leonardo. Direito Penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002.

WACQUANT, Loïc. Sobre a “janela quebrada” e alguns outros contos sobre segurançavindos da América. Revista Brasileira de Ciências Criminais:

São Paulo, n. 46, 2004

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Advogado Fabio M. Ferreira

Advogado - Taguatinga, DF


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