NEOCONSTITUCIONALISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICO-POLÍTICO-FILOSÓFICA DO TERMO E O DIREITO PENAL BRASILEIRO


19/02/2016 às 12h55
Por Fcpanhussatt Consultoria

1 – O NEOCONSTITUCIONALISMO: EVOLUÇÃO HISTÓRICO-POLÍTICO-FILOSÓFICA DO TERMO E O DIREITO PENAL BRASILEIRO.

1.1Evolução Histórico-Político da Constituição (Moderna e Pós-Moderna)

Há, neste tipo de trabalho, necessidade de apresentar a evolução histórica que envolve o termo jus-filosófico neoconstitucionalismo, pois em seu âmago existe uma carga revolucionária de interpretação legislativa.

Por tanto, uma análise superficial do termo se faz ineficaz para a grandiosidade do mesmo, sendo assim compulsório uma verificação mais profunda, pois quando ler-se novamente o termo neste trabalho o leitor capte sua significância ideológica.

1.1.1O Estado Liberal

Como é bem sabido, o período medieval da história mundial foi marcada pelo absolutismo monárquico, onde a imagem de um só ser concentrava todos os poderes que nós conhecemos hoje, o legislativo, o executivo e, em menor escala, o judiciário, pois o déspota mesmo não julgava, pois tinha a seus serviços pessoas para realizar esta tarefa.

No entanto, a contrariedade de todos naquela época, a Carta Magna[1] inglesa (1215), instituiu uma nova forma de governar, onde o Rei João sem Terra[2] (John Lackland) , apos cometer vários abusos financeiros, foi obrigado pelos barões feudais a assinar a Carta, que limitava o abuso do rei e firmava um acordo escrito, entre o Déspota e os Bispos junto com a Nobreza, garantindo-lhes a liberdade e a propriedade.

Sobre este assunto o doutrinado Dirley da CUNHA JR. ensina que:

... a Magna Carta inaugurou a pedra fundamental para a construção da democracia moderna, pois, a partir dela, o poder do governante passou a ser limitado, não apenas por normas superiores, fundadas nos costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governados.[3]

A Carta Maior inglesa deu um “pontapé inicial” ao que na filosofia jurídica dá-se o nome de jus-naturalismo, onde o ser humano é dotado de direitos só pelo fato de existir, mesmo que não seja positivado por alguma lei ou constituição. A isto, os direitos de liberdade, vida, propriedade entre outros são natos ao ser humano[4].

Esse tipo de pensamento foi profundamente influenciado pelo movimento renascentista onde a filosofia humanista reconhecia no homem um ser dotados de direitos naturais.

Este pensamento foi amplamente difundido na Europa, onde o homem era a imagem e semelhança de Deus[5], não podendo assim ser dominado por nenhum outro que não seja o Ser Supremo.

A partir desta filosofia começam a surgir vários movimentos ante-absolutistas fomentados principalmente pela classe burguesa que tinha como intenção derrubar os déspotas e assim assumir o controle.

Vários documentos históricos são criados como Habeas Corpus Act e posterior a ele Bill of Rigths em 1679 e 1689 respectivamente.

No no final do XVII e início do XVIII surge o movimento das luzes, o denominado Iluminismo, que com suas ideias fundadas nos contratualistas[6], fundamentaram a criação do Estado Liberal.

No tocante ao plano econômico, a mínima intervenção do Estado e a livre concorrência eram características do novo momento Liberal[7]. A maquina estatal era uma simples Ficção que não tem o poder suficiente de impedir o avanço econômico, em nada interferindo nos direitos fundamentais e natos do ser humano.

Contribui com maestria CUNHA JR ao escrever:

... a Constituição deixa de ser concebida como simples aspiração política da liberdade para ser compreendida como um texto escrito e fundamental, elaborado para exercer dupla função: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais.[8]

A primeira vista o regime Liberal parece um sonho conquistado pelos plebeus em depor os seus reis e governantes, no entanto se mostrou um pesadelo, pois agora, não haveria nenhum poder eficaz que pudesse parar a exploração humana sobre os da sua espécie, nascendo assim um estado anárquico.

Como consequências surge uma nova classe social, o proletariado, que enfrentavam jornadas de trabalho alongadas, e sempre com baixa remuneração, fazendo assim não somente o homem da casa trabalhar, mas também a esposa juntamente com seus filhos, pois o que um só ganhava não era suficiente para o sustento da família.

Também havia o medo do desemprego, pois em fervente ascensão do modernismo tecnológico, onde suas máquinas realizavam o trabalho de muitos funcionários, muitas pessoas eram dispensadas de seus afazeres amargando assim o desemprego, e com este, inevitavelmente, a fome.

Criava-se um senário para o maior desentendimento que até hoje perdura, a guerra que há entre patrões e empregados. Causando assim um desequilíbrio social, onde a riqueza pertence a poucos e muitos ficam na miséria.

Este foi um dos principais motivos da queda do regime Liberal, a extrema desigualdade social e o abuso do poder por parte dos mais abastados.

A troca dos direitos humanos pelo máximo lucro já se tornara insustentável, motivo pelo qual se reivindicava uma nova visão Estatal, com uma postura mais intervencionista, nascia assim as ideias para um Estado do Bem-Estar Social (Welfare State).

1.1.2 – O Estado do Bem-Estar Social[9]

Após a clara desilusão do regime liberal, e ainda o colapso devastador de 1929, a intervenção de um poder maior nas relações jurídicas-econômicas seria mais do que bem vinda.

Então surge algumas garantias aos trabalhadores deste período como a previdência, que na realidade era uma compensação em busca de salvar o sistema capitalista.[10]

No entanto, essas medidas, de intervenção e investimentos em políticas sociais, foram as responsáveis por reativar a economia após a crise econômica.

Em 1930 começou a ser difundido o modelo do Estado do Bem-Estar Social, onde atuava junto com empresas particulares e sindicatos trabalhistas para organizar a política e a economia e promover o desenvolvimento social.

Temos como exemplos claros deste novo movimento a Constituição de Weimar (Weimarer Verfassung) onde salienta a força do Estado em promover um plano governamental voltado para o social. Daqui surgem os direitos sociais, como cultura, previdência, educação, entre outros, que se tornam obrigações do Governo, tanto a promoção quanto a manutenção.

Neste período nos EUA o presidente Roosevelt implementou o New Dea onde a implementação de medidas sociais como reforma no sistema financeiro, criação de medidas sociais, empresas públicas entre outras começaram a reerguer os EUA.

Em 1950 atingiu o seu auge com o fim da Segunda Guerra Mundial, onde a economia excedente dos países estavam sendo realocados. A esse despeito Marta ARRETCHE comenta que:

são três os elementos essenciais para se compreender a consolidação do estado de bem-estar social após 1945. O primeiro deles refere-se à disponibilidade de excedente econômico passível de ser realocado; o segundo é relativo à lógica keynesiana surgida na época, que viabilizou a aplicação desse excedente econômico; e, por fim, a própria centralização estatal, como resultado do esforço de guerra, resultou no aumento da capacidade administrativa do estado, que pôde ser usada para conduzir a expansão do estado de bem-estar social. Ou seja, o excedente econômico obtido em períodos anteriores à Segunda Guerra Mundial foi aplicado em investimentos feitos por um estado fortalecido e centralizado baseando-se em uma teoria econômica que incentivava os governos a serem os impulsionadores da economia por meio dos chamados gastos sociais.[11]

Com esses programas sociais garantidores do Bem-Estar cada vez mais abrangentes o país deveria ter uma grande carga tributária para continuar implementando esses projetos. Com essa atitude, alguns conservadores liberais, e detentores dos maiores capitais, começavam a ficar desgostosos com o governo welfare, no entanto entendiam a necessidade deste governo, pois com o socialismo[12] batendo as portas, não poderiam vacilar e perder tudo o que tinham, afinal, “melhor um Estado capitalista onde os lucros são menores que enfrentar a ameaça real de uma sociedade em que nenhum cidadão é dono dos meios de produção e a propriedade privada é uma realidade distante”[13].

Contudo, com o enfraquecimento galopante do URSS e da Alemanha Oriental, que estavam sob a égide do regime socialista, o capitalismo estadunidense começou a revigorar. Então os EUA abriram as portas para os imigrantes para que assim tivesse mão de obra barata e dispensassem qualquer seguridade trabalhista. Este movimento que iniciou nos EUA espalhou-se para todo o continente Europeu, causando assim a derrocada socialista e juntamente com ela o Estado do Bem-Estar Social.[14]

Com isso, vemos que os extremos sempre acabam ruindo não perdurando muito tempo como sistemas plenos de satisfação populacional.

Vale lembrar que todos estes modelos de Estados são de direito, uma vez que, destituída a monarquia, os governantes postos para governar o país são eleitos pelo povo. Por isso são Estados Democráticos de Direito.

1.1.3 – O Estado Neoliberal[15].

Como dito acima, o Estado do Bem-Estar Social começou a ruir por não mais suportar economicamente seus programas sociais e tão pouco o mercado financeiro, haja vista não tinha muito espaço para as empresas do ramo privado.

Então, com a ideologia socialista caindo por terra, ressurge o que antes deu certo, o liberalismo. Coube então a Friedrich Hayke[16] revivê-lo e a Milton Friedman[17]difundir nas principais escolas econômicas.

Agora chamado de neoliberalismo, este novo momento econômico-político retoma as principais características já conhecidas da velha doutrina liberal, no entanto, ao invés de lutarem contra um Rei ou Governante, lutam, agora, contra as investidas socialistas.

Com a assunção de Ronald Reagan ao Governo geral dos EUA e Margareth Thatcher como primeira-ministra da Inglaterra, ambos implementando essa visão neoliberal em seus governos, este movimento se popularizou, tendo assim uma grande amplitude mundial.

Esses dois países abriram as portas tanto para os imigrantes que estavam em busca de empregos, quanto para multinacionais que estavam em busca de mão de obra barata, causando um “bum” na economia.

Mais uma vez o Estado toma a postura não intervencionista, sem influenciar nas relações contratuais ou na propriedade privada, muito menos regular o preço, sobressaindo-se em demasia a lei da oferta e da procura, suficientes para regular o mercado nacional.

Também houveram privatizações, pois entendiam que a base da economia nacional teria que ser das empresas privadas. “Desburocratizações” dos regulamentos econômicos bem como uma redução substancial da carga tributária para alavancar a economia novamente.

E perdura até hoje esse tipo de pensamento nos principais países capitalistas, onde boa parte de tudo que existe é de propriedade privada.

1.2 – Análises Filosóficas sobre o termo Neoconstitucionalismo

Optou-se por deixar a parte filosófica apartada da parte histórica para que o leitor desta obra possa captar com mais facilidade as acepções formadas pelos diversos pensamentos influentes nas constituições. Compõe-se esta segunda parte somente os pensamentos para a compreensão do termo neoconstitucionalismo.

Não se pretende, contudo, esgotar o conhecimento, mas antes expor de maneira simples e singela sobre correntes filosóficas para que não haja devaneios e perca assim o objeto deste trabalho.

1.2.1 – Jusnaturalismo.

Essa doutrina filosófica vem, em essência, desde a Antiga Grécia, onde já se tinha noções de uma lei natural do universo, que estava além da força política ou normativa do ser humano, sendo que as leis divinas (ou naturais) postas ao ser, eram superiores às leis postas por um monarca ou qualquer outro que tivesse apto a fazê-lo.

Neste sentido, qualquer lei (humana) que não esteja em conformidade a estas leis divinas (naturais) enfrentam certa descredibilidade frente ao povo ao qual é destinada, sendo assim até descartada.

Concepção tal encontramos na obra Antígona[18], onde o filosofo Sófocles[19] ensina esta verdade pondo a pobre protagonista entre a cruz e a espada para se fazer valer das leis divinas (naturais).

Com o passar dos séculos, e com a cristianização do ocidente feita pelo império romano, o entendimento dos direitos nato do homem sempre são interpretado com o viés teológico, onde Deus presenteava o ser humano com suas leis e destas se faziam novas leis de acordo com a vontade divina[20].

Essa ideia perdurou até a queda do Império católico, onde com o advento do renascentismo[21], e a volta aos antigos clássicos como Platão (Sócrates), Aristóteles e Parmênides os renascentistas “criaram” uma nova forma de interpretar esses “direitos” nato aos homens. Não mais Deus estava no centro da interpretação, mas o próprio homem, então denominaram essa nova filosofia de humanismo[22].

O principal expoente deste movimento foi Erasmo de Rotterdam que discutia veemente com Martin Luter[23] acerca das concepções filosófica e teológicas da época.

Este movimento filosófico separou o que era religioso do que era humano, a partir de agora o “direito natural passa a depender da razão, independendo de revelação e da interpretação que lhe dava a Igreja”[24]

O humanismo mesclado com o movimento renascentista colocaram em cheque a ordem católica, mostrando assim o real valor do homem, tornando claro que o homem tem a garantia de sua dignidade, sendo colocada até mesmo acima do Estado[25] por ser anterior a este.[26]

Sendo assim, o Estado passa a ser o meio e não o fim, ocupando este lugar o homem[27]. Passando pelas Luzes (Iluminismo), o finalizar desta matéria está em Kant[28] com sua crítica à razão imagina que a moral, a liberdade e outros conhecimentos que possuímos são naturais ao homem, tornando ele livre mesmo com a imposição das leis.

O jus-naturalismo foi uma corrente que vem dignificar o homem. Esta corrente filosófica, em essência, não “morreu”, pelo contrário, se faz presente em todo o momento, pois existindo alguma regra ou não que dignifique o homem e dê a ele algo que lhe é de pleno direito estará implícito esta corrente filosófica.

1.2.2 – Positivismo[29] (Cientificismo) jurídico.

Ao finalizar o século das Luzes (XVIII), surge um novo movimento filosófico-científico ao qual vê no método científico a única verdade concebível, anulando qualquer outro tipo de análise (seja indutiva ou dedutiva) de ser aceita como verdade.

O positivismo foi uma superestimação da razão humana frente as perguntas que surgiram no decorrer dos séculos, e que tinham que ser respondida por leis imutáveis e que independem da vontade do homem, leis naturais absolutas[30], onde a fisis supera a natura, ou seja, onde o subjetivismo é superado pelos conhecimentos biológicos e matemáticos. Na realidade todo o universo é compreendido pela linguagem matemática[31].

Neste momento então, qualquer ramo do conhecimento que não possua um objeto a ser analisado, não pode ser considerado como ciência. Por este motivo, matérias como psicologia, teologia, filosofia, sociologia não fazem parte do ramo científico, e encaixa-se neste grupo também o direito, pois com a observância do jus-naturalismo, que é tido como subjetivismo, não comportaria a verdade-em-si.

Para tanto, cada movimento recebeu uma nova análise, passando agora a ser uma ciência positiva, isto é, uma ciência com um objeto de estudo fora de si[32].

Neste momento a Teologia passa a ter a moral como objeto de estudo com os teólogos liberais[33]. A psicologia terá o comportamento como objeto de estudo pelo método behaviorismo[34]. A sociologia teve como positivação a analise das culturas através de seu maior expoente Emile Durkheim (1858-1917 d.C.).

Passando agora para a área jurídica, o movimento positivista teve plena influência no ramo do direito, uma vez que intensificou a produção de códigos[35] extensos para descrever todo tipo de ação pretendida pelo homem.

O principal expoente desta nova filosofia foi Hans Kelsen que em 1934 lança seu livro Teoria Pura do Direito, onde expõe a plenitude de seu pensamento sobre esta nova “onda” do direito.

Para Kelsen o fato[36] não se torna ato[37] jurídico sem que aquele cause alguma consequência jurídica tipificada em lei, como descreve o próprio Kelsen ao dizer que:

O que transforma este fato num ato jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua facticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo esta norma[38]. (sic)

Este movimento, encontrando em Kelsen seu maior expositor, adquiriu com o passar do tempo algumas características qeu o constitucionalista BARROSO descreve:

(i) a aproximação quase plena entre Direito e norma;

(ii) a afirmação da estatalidade do Direito: a ordem jurídica é una e emana do Estado;

(iii) a completude do ordenamento jurídico, que contém conceitos e instrumentos suficientes e adequados para a solução de qualquer caso inexistindo lacunas;

(iv) o formalismo: a validade da norma decorre do procedimento seguido para a sua criação, independendo do conteúdo[39].

Com essas características não será difícil imaginar o porque este movimento não durou muito tempo, pois com a constante evolução comportamental humana, bem como a evolução científica, a lei sempre estaria desatualizada.

Também pelo fato dos acusados pelo tribunal de Nuremberg[40] invocarem para se defender a plena obediência à lei nacional que os impelia a cumprir as ordens dadas pelo Reich, mesmo se tratando de atrocidades como vistas na Alemanha, Itália, Polônia e outros países.

1.2.3 –Neoconstitucionalismo (Neopositivismo)

Enquanto o positivismo almejava uma aproximação absoluta entre a norma e a realidade, o neoconstitucionalismo vem ampliar a efetividade da legislação constitucional, aplicando a esta uma interpretação valorativa, que se manifesta, contemporaneamente, como os princípios constitucionais.

Após todo o ocorrido descrito acima, surge um novo filosofar sobre as normas, pois o positivismo jurídico já estava obsoleto em virtude do que havia acontecido com a Alemanha nazista.

Então, conceberam que somente a lei não poderia dar conta de acompanhar a sociedade, tendo assim que estabelecer certa flexibilidade temporal para que não haja uma obsolescência programada em relação a ordem jurídica.

Com este pensamento, os novos jus-filósofos ansiavam por transcender a norma constitucional, surge então a analise de axiomas filosóficos, judaico-cristãos e jusnaturalista onde, “permeiam a realidade e o imaginário do Direito de forma direta e indireta”[41].

O próprio BARROSO descreve a seguinte importância do costume religioso, da filosofia e do jusnaturalismo na formação dos princípios constitucionais.

Na tradição judaico-cristã, acolhe-se o mandamento de respeito ao próximo, princípio magno que atravessa os séculos e inspira um conjunto amplo de normas. Da filosofia grega origina-se o princípio da não-contradição, formulado por Aristóteles, que se tornou uma das leis fundamentais (...) subjacentes à idéia de que o Direito não tolera antinomias.[42] (sic)

A partir destes conceitos que vinham fora da lei, mas não a contradiziam, os novos filósofos da constituição começaram a atribuir força normativa a princípios que não estavam positivados.

Este movimento se denomina, conforme o mestre André Rufino do VALE, como “Modelo Axiológico da Constituição como Norma”, onde a Constituição se mostra acentuada por princípios e direitos fundamentais que constituem a positivação dos valores da comunidade, e tende a influenciar todo o ordenamento jurídico, seja ele privado ou público[43]

GUASTINI define essa nova constituição como invasora, isto é, uma constituição que é capaz de influenciar não só a lei, mas também a jurisprudência decorrentes dela[44].

Este renovar constitucional propicia a efetivação, mesmo que não plenamente, destes princípios que não se limitam a mera lei, mas se tornam reais e sensoriais no ser humano ao reivindicá-los em causa justa.

Por fim, cabe analisar que o termo neoconstitucionalismo não é somente uma palavra que define essa “invasão” constitucional, mas antes, é um termo histórico onde passado as diversas fases do Estado e da Política foi-se criando um novo modelo estatal capaz de suportar os anseios sociais.

Também é um termo carregado de sentido filosófico-jurídico, onde as doutrinas conflitantes (jusnaturalismo e positivismo) convergem para formar a forma mais plausível de nosso ordenamento Maior, qual seja, a evolução principiológica da Constituição.

1.3 – A Constituição Brasileira de 1988: Sua Classificação.

Após vistos os tipos de Estados desde a modernidade até o tempo hodierno, bem como suas filosofias sobre a Constituição, cabe-nos agora, voltar os olhos para a nossa Lei Maior, interpretando-a conforme a inteligência já descrita nos tópicos anteriores.

Não iremos nos deter na análise classificatório tradicional da Constituição como forma[45], origem[46], estabilidade[47], elaboração[48], conteúdo[49], finalidade[50] (extensão), pois isto já está dado em qualquer livro de Direto Constitucional. A nossa meta é analisa-la conforme o momento Estatal e filosófico em que vivemos.

Começaremos analisando a política adotada pela Carta Magna.

Após o período de recessão imposto pelo governo militar, a Constituição de 1988 adotou um caráter garantista, fornecendo a seus nacionais uma proteção exacerbada para coibir qualquer tentativa de novo “golpe”, trazendo à tona direitos fundamentais que são assegurados pelo Estado.

Neste sentido observamos intima relação com o modelo estatal supra estudado onde a máquina administrativa do Estado absorve toda a responsabilidade de garantir aos seus cidadãos toda a assistência no tocante à ensino, proteção trabalhista, saúde entre outros.

Nesta esteia, identificamos que a constituição brasileira está inclinada para o Estado de Bem-Estar Social, onde observamos a responsabilidade estatal em proteger o menos favorecido.

Contudo, também enxergamos um modelo de estado Liberal, onde a propriedade privada, a livre iniciativa, também são contemplados por nossa Carta Magna.

Nos resta então analisar a constituição como sendo a tensão entre dois estados, a saber: O Bem-Estar Social e o Liberalismo.

Nesta relação dialética entre esses dois modelos estatais surge a síntese teleológica da constituição, que visa proteger o indivíduo e a coletividade, garantindo-lhes direitos.

Seguindo este raciocínio, vemos sentido em falar da função social da propriedade[51], pois causaria estranheza a quem imagina que a propriedade privada teria uma função social, uma vez que é individual.

Então, em suma, observamos que no viés político, a Constituição se determina por uma relação dialética ente o liberalismo e seu antagônico modelo do Bem-Estar Social, criando assim a síntese que é a nossa Lei Maior.

Já pelo viés Filosófico, a Constituição segue pelo caminho do neoconstitucionalismo (pós-positivismo), uma vez que adota, conforme Kelsen, um dever-ser[52] superior do ordenamento jurídico.

Contudo, também prioriza a normatividade dos princípios, onde não são meros normativos estáticos, pelo contrário, são permeadores em todo o ordenamento jurídico, se fazendo presente em todas as leis, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais.

Outra característica afim do modelo supra citado se encontra nas Intervenções do Domínio Econômico ()

1.4 – A Constitucionalização do Direito Penal.

O Direito Penal, assim como todos os ramos do Direito pátrio, sofrem profunda influência da Constituição frente ao seu modo de ser empregado. Haja vista, o Direito Penal ser uma agressão substancial do Estado na vida do cidadão.

Por conta desta tão grande “agressão” a nossa Carta Magna estipula alguns controles que devem, sem exceção, serem observados para que não incorra de serem considerados nulos ou inconstitucionais.

Esta influência dá-se o nome na doutrina de Constitucionalização do Direito Penal, onde nada mais é do que a aplicação da filosofia neoconstitucionalista em nosso ordenamento jurídico penal, uma vez que a Constituição não se realiza somente numa letra morta, mas antes, é influente através de seus princípios.

[1] A Magna Carta foi o primeiro documento escrito que condicionava o Rei a alguma lei que ele mesmo tenha escrito.

[2] Ele tem este nome pois havia à sua frente na linha de sucessão Ricardo Coração de Leão, que serviu de inspiração para as histórias do Robin Hood onde o Rei, através do xerife de Nottinghan, abusava dos impostos.

[3] CUNHA JR, Dirley. Curso de Direito Constitucional, pág 34

[4] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, pág. 350

[5] Lembrando que naquela época o cristianismo era a religião predominante na Europa

[6]A teoria do Contrato, em linhas gerais, seria um acordo social entre todos que estipularia a intervenção social do Estado, destacando-se entre esses teóricos Hobbes e Locke. O primeiro defendia a intervenção absoluta do Estado, já o segunda a intervenção limitado pela constituição.

[7] Este tipo de governo denomina-se laissez-faire, que em língua francesa significa “deixe fazer” demonstrando o fechar dos olhos do Estado frente o movimento econômico.

[8] CUNHA JR, Dirley. Curso de Direito Constitucional, pág 37

[9] Idealizado por John Maynard Keynes (1883-1946)

[10] CENCI, Ana Righi; BENDI, Gabriel de Lima; FISCHER, Ricardo Santi: Do Liberalismo ao Intervencionismo: O Estado como Protagonista da (Des)Regulação Econômica. Disponível em: http://www.abdconst.com.br/revista5/cenci.pdf

[11] ARRETCHE, Marta T.S. Emergência e Desenvolvimento do Welfare State: Teorias Explicativas, pág 40

[12] O Socialismo, movimento filosófico-sociológico-político que tem como principal ideologia a coletivização dos meios de produção e distribuição em detrimento a propriedade privada.

[13] LAURIA, Thiago. A Crise do Estado do Bem-Estar Social. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=39

[14] Idem, Ibdem

[15] Idealizado por Friedrich August von Hayek (1899-1992) e concretizado por Milton Friedman (1912-2006)

[16] (1899-1992)Idealizador Austríaco do Neoliberalismo

[17] (1912-2006) Economista da Escola de Chicago

[18] Obra filosófica onde a protagonista, Antígona, demonstra profunda ojeriza pelo fato de seu irmão não ter um enterro digno por ordem do rei Creontes, pagando assim com a vida.

[19] 497-406 a.C.

[20] Aqui podemos citar Agostinho (354-430. d.C) e Tomás Aquino (1225-1274 d.C) que estipulavam que a lei humana deveriam estar em consonância com a Lei Divina, sendo que aquelas seriam fruto da razão humana.

[21] Movimento que surgiu no século XV que questionava o império da igreja Católica Apostólica Romana, o seu lema principal era At fontes (de volta às fontes).

[22] Filosofia surgido na Europa no século XV que questionava o teocentrismo, colocando assim o Homem no centro das discussões filosóficas-políticas.

[23] Reformador do século XV, responsável pela produção das 95 teses e iniciador da reforma protestante.

[24] GUSMÃO, Paulo Dourado. Filosofia do Direito, pág. 38

[25] Samuel Pufendorf (1632-1694 d.C)

[26] GUSMÃO, Paulo Dourado. Filosofia do Direito, pág. 39

[27] Montesquieu (1689-1755 d.C) entendia que o justo é a posteriori em relação ao legislador, explicando que antes das leis surgem os princípios.

[28] Immanuel Kant (1724-1804)

[29] Principal teórico do positivismo foi Auguste Comte (1798-1857 d.C.) onde a única verdade so poderia vir pelo método científico (objetivo)

[30] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, pág. 325

[31] Galileu (1564-1642 d.C) previa que o universo teria uma linguagem matemática própria, e se revelaria em leis imutáveis. (BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, pág. 324)

[32] O método científico adota a seguinte forma: Ter um objeto de estudo apartado do observador, com isso, a filosofia, teologia, psicologia, sociologia e o direito, por tratarem de objetos transcendentais não seriam considerados como ciência.

[33] Um exemplo de teólogo liberal pode-se citar Schleiermacher (1768-1834 d.C.)

[34] Behavior significa em língua inglesa “comportamento” e foi proposta por John B. Watson (1878-1958 d.C) mudou a finalidade da psicologia, apresentando com o critério mais objetivo, passou da “mentalista” para o comportamento.

[35] A exemplo temos o código de Napoleão, que serviu de inspiração para muitos outros compêndios jurídicos.

[36] Para Kelsen, fato e o que é sensorialmente perceptível.

[37] Para Kelsen, ato é a consequência do fato.

[38] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, pág. 03

[39] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, pág. 325

[40] Julgamento feito pelos Aliados que condenou os lideres da Alemanha Nazista após a Segunda Grande Guerra em 1946.

[41] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, pág. 328

[42] Idem, pág. 329

[43] VALE, André Rufino do. Aspectos no Neoconstitucionalismo, pág 68-69

[44] op. cit.

[45] A forma da Constituição é escrita

[46] A origem promulgada da Constituição: fruto do poder constituinte originário compostos por representantes do povo.

[47] Apresenta-se rígida a estabilidade de nossa Constituição.

[48] Se dá de forma dogmática, pois sistematizada em texto único.

[49] Formal, isto é, só pode ser modificada por processo estabelecido por ela mesma

[50] Analítica, pois destina-se a analisar todos os assuntos pertinentes à formação do Estado.

[51] Art. 5º, XXIII da CRFB/88

[52] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito

  • DIREITO CONSTITUCIONAL
  • HISTÓRIA DO DIRIREITO
  • FILOSOFIA DO DIREITO
  • DIREITO PENAL

Referências

ARRETCHER, Marta T. S. “Emergencia e Desenvolvimento do Welfare State: Teoria Explicativa.” 2013. 
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 25ª. São Paulo, São Paulo: Saraiva, 2011. 
BRASIL, REPÚBLICA FEDERATIVA DO. “CONSTITUIÇÃO FEDERAL.” 2015. 
BRITO FILHO, Cleudemir Malheiros. revistasapereaude.org. 14 de Janeiro de 2016. http://revistasapereaude.org/SharedFiles/Download.aspx?pageid=152&mid=19 9&fileid=209 (acesso em 14 de Janeiro de 2016). 
CENCI, Ana Righi, Gabriel de Lima BEDIN, e Ricardo Santi FISCHER. “Do Liberalismo ao Intervencionismo: O Estado como Protagonista da (Des)Regulação Econômica.” abdconst.com.br. 10 de Dezembro de 2015. http://www.abdconst.com.br/revista5/cenci.pdf (acesso em 10 de dezembro de 2015). 
COELHO, Yuri Carneiro. Introdução ao Direito Penal. Salvador, Bahia: jusPODIVM, 2009. 
CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito COnstitucional. 6ª. Salvador, Bahia: jusPODIVM, 2012. 
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). Salvador, Bahia: jusPODIVM, 2013. 
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. São Paulo: Forense, 2008. 
JESUS, Damásio. Direito Penal: Parte Geral. 32ª. Vol. I. IV vols. São Paulo, São Paulo: Saraiva, 2011. 
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª. Tradução: João Batista Machado. São Paulo, São Paulo: Martins Fontes digital, 1999. 
LAURIA, Thiago. “A Crise do Estado do Bem-Estar Social.” jurisWay. 12 de Dezembro de 2015. http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=39 (acesso em 12 de dezembro de 2015). 


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Bacharel em Direito - Hidreletrica Tucurui, PA


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