DIÁLOGO CRIMINOLÓGICO COM FERRI: SOBRE O AMOR


09/01/2018 às 14h46
Por Fernanda Paim Socas André Advocacia

Paper elaborado após leitura do livro Discursos Forenses, de Enrico Ferri, em São Paulo/ SP, no dia 16 de maio de 2008.

NTRODUÇÃO

 

 

Enrico Ferri, Lombroso e Garofalo, fundaram a Escola Positiva da Criminologia.

O presente trabalho é baseado no discurso de defesa de Carlos Cienfuegos, assassino da condessa Hamilton, no Tribunal Criminal de Roma.

A Metodologia deste trabalho foi encontrar no discurso de Ferri afirmações que ajudem a compreender o amor.

É um trabalho de criminologia, mas também pode ser enquadrado como filosofia. Criminologia por que o sentimento humano amor pode levar as pessoas a delinqüir, que foi o que aconteceu no caso defendido por Ferri – desta feita o sentimento humano deixa de ser um simples fato e se torna um fato jurídico. Filosofia por que se estuda um sentimento humano tentando explicar.

Este trabalho tem por objetivo fazer ver ao leitor que os sentimentos, em especial o amor, podem ser bons ou maus, e o que determina isto é o conteúdo e a qualidade do sentimento.

Por fim, saliento que é preciso conhecer para compreender. Espero que o leitor possa compreender um pouco mais sobre o amor após a leitura deste artigo.

 

1. AMOR E CRIME

 

A origem do sofrimento:

 

Ferri:

Quem goste das coisas literárias, conhece os amores de Alfredo de Musset com Georges Sand, e deve recordar-se como eles partilhados entre o amor e a aversão, arrastaram uma existência por vezes trágica e sempre egoísta. Por isto, o poeta exclamava, referindo-se à mulher amada: “não posso viver contigo, nem sem ti.” (p.16)

 

Fernanda:

 

Este tipo de sofrimento na vida real conduz ao crime. O amor que o poeta a que Ferri se refere, fala de um amor egoísta, um sentimento que não é útil à espécie humana - pelo contrário.

Este tipo de sentimento de amor egoísta faz as pessoas sofrerem.

 

2. PAIXÕES SOCIAIS E ANTI-SOCIAIS

 

Ferri:

É necessário distinguir as paixões no seu conteúdo e qualidade, é necessário distinguir a paixão social – que é útil à espécie – da paixão anti-social – que só pode prejudica-la (...) (p.19)

Fernanda:

Dor é sentimento, mas sentimento não é dor.

Como bem explicado por Ferri, as paixões podem ser boas ou más – os bons sentimentos somente enobrecem a espécie humana, e por isto é que se deve sentir: Sentir o que é bom, sentir as paixões sociais, que como diz Ferri,

Ferri:

A paixão que aumenta e reforça e nobilita as razões e a coesão da sociedade humana, como o amor, a honra, a justiça, a piedade, é uma paixão útil à espécie, e até moral e social. Pelo contrário, a paixão que desagrega e embrutece a união humana, como a vingança, a cupidez e o ódio, é uma paixão prejudicial à espécie, e por isso, imoral ou anti-social. (p.20)

3. “VÊNUS HOMICIDA”

 

Ferri:

Qual é a razão por que o amor arrasta, tão facilmente, ao crime e até ao suicídio? O amor é uma das causas mais freqüentes de crimes e suicídios, por quê? (p.21)

Por amor se bate na pessoa amada, e até, por vezes, esta gosta de ser batida. Nas pessoas menos cultas – com regra geral -, nas pessoas intelectualmente mais elevadas – como fenômeno ocasional e patológico -, o amor, em vez de diminuir, aumenta com as sevícias e os maus tratos, e assim, as misérias do masoquismo levam às violências do sadismo, que são as doenças do amor e sua gangrena.

Fernanda:

O amor sofrimento aparece como uma patologia, e existem pessoas que querem, procuram, e têm o amor dor.

Existe uma música tradicionalista gauchesca que reflete o que Ferri acaba de falar e faz pensar que o sado-masoquismo seja mais corriqueiro do que se imagina. A música diz: “ajoelha e chora, ajoelha e chora, quanto mais eu passo o laço, tanto mais ela me adora”. Em alguns trechos da música o cantor diz que “acha” que a moça está gostando de apanhar.

4. O AMOR NO HOMEM E NA MULHER

Ferri:

Na verdade, quando falamos de amor, é preciso distinguir o amor da mulher, do amor do homem. São duas expressões profundamente diversas.

O amor na mulher é, somente, o anúncio e a esperança da maternidade. É por isso que o amor da mulher, em vez de ser um episódio, como no homem, é, mais frequentemente, a razão de ser, de toda a sua existência. E é ainda por isso que, geralmente, as mulheres são frias no amor. As messalinas, as mulheres que se aproximam dos homens com um desejo insaciável são raríssimas exceções (...) (p.22-23)

O amor, para a mulher, não passa, portanto, de estrada florida e dolorosa para a maternidade, quando não é vitupério e transação imposta pelos tormentos da miséria que desumaniza ou do orgulho delirante. Para o homem, é inteiramente diferente. (p.23)

Para o homem, para o macho, o amor é, antes de tudo, a volúpia dos sentidos, o convite misterioso e irresistível da vida: Por isso, o homem, com a paternidade, paga à continuação da espécie um tributo imensamente menor, de energia física e moral. Pode o amor, mesmo no homem, transformar-se, e tornar-se mais sólido e mais puro, com o afeto, a estima, a solidariedade moral nos momentos de dor e na irradiação das alegrias compartilhadas com a mulher amada (...). (p.23)

Fernanda:

Efetivamente, esta evolução do amor masculino depende de uma troca com a mulher. Ninguém dá ou recebe este amor de graça, tem que ser uma troca de sentimentos.

Perceba-se que Ferri fala em “alegrias compartilhadas com a mulher amada”. Se um casal compartilha suas alegrias, e se são solidários nos momentos de dor, pode-se dizer que se está diante de um casal feliz.

5. “VÊNUS AFRODITE” E “VÊNUS PANDEMIA”

Ferri:

(...) Sabemos que, na primeira juventude, as primeiras manifestações de amor, são de amor sentimental. A mulher é um ideal, e os sentidos, o amplexo físico, estão ainda na penumbra e quase parecem deturpar a beleza da adoração sentimental.

Estamos em face da “Vênus Afrodite”, a Vênus que surge, segundo o mito grego, da espuma do mar, nua e pura.

Mas, depois desta primeira fase, surge uma segunda, a da “Vênus Pandemia e Lasciva”. O amor sentimental transforma-se em amor sensual: a taça do prazer inebria e envenena, com o seu cortejo de excessos e abusos da vida; com os excessos eróticos, surgem os excessos das bebidas e dos excitantes, e até das cantáridas e coisas parecidas (...) (p.24)

O amor passa, quase sempre, durante muito ou pouco tempo, por esta fase desumanizante dos excessos sexuais. A mulher pouco se entrega. Nos excessos sexuais não é, por isso, a mulher quem mais sofre, por que no amplexo permanece passiva e todo o seu tributo e sacrifício, orgânico e psíquico, é reservado para a maternidade; o homem, ao contrário, esgota-se, tanto física quanto intelectualmente.

Passadas essas duas fases, que todos nos vivemos, mais ou menos, no âmbito do normal e do honesto, surge uma terceira fase do amor: o amor razoável, o amor que cria a família, aquele que os antigos Romanos representavam na figura de Juno Lucina, a Deusa das luzes e do nascimento. E surge, então, a tranqüilidade do espírito e a solidariedade da vida entre marido e mulher, com o fim de ver os frutos de carne do amor – os filhos – virem alegrar a nossa virilidade e trazer o conforto da última saudação à nossa crepita velhice. (p.24)

Fernanda:

Sei de um homem que conheceu um padre que largou a batina e casou-se. O padre disse a este homem que havia encontrado o amor racional.

Este homem quer saber o que é este amor racional que o padre lhe falou. Encontro nas palavras de Ferri as melhores palavras para lho explicar.

Perceba-se que Ferri usa até uma terminologia parecida com a do padre: “Amor Razoável”.

Este amor razoável que Ferri descreve só é possível a pessoas maduras e um tanto calejadas.

Defino o amor da primeira fase como o amor da juventude, que em tudo se parece com o primeiro amor. Sempre que o primeiro amor acaba resta um pouquinho de dor, mas não muita, por que o amor da “Vênus Afrodite” é suave.

Na segunda fase do amor, de “Vênus Pandemia”, encontram-se pessoas que perderam suas ilusões do primeiro amor e que agora se permitem conhecer os prazeres da carne e da vida – acaba aquela pureza e o amor torna-se extremamente sensual.

Este tipo de amor causa dependência, como tudo que dá prazer fácil e em excesso, como tabaco, álcool e drogas; a frustração desse amor geralmente é seguido de profunda dor.

A terceira fase do amor é a que encontram os felizardos. Existe a cumplicidade e a comunhão das felicidades e tristezas, mas mesmo uma tristeza acompanhada é menos dolorida. Nesta terceira fase os amantes tornam-se companheiros e decidem viver, aproveitando juntos aquilo que de bom a vida proporciona.

O sexo no amor de terceira fase é uma manifestação de afeto, uma troca de carinho que possibilita ter e dar prazer. Por sua constância, as doses de prazer são moderadas e por isso não viciam, não degeneram, diferentemente do amor de segunda fase.

Nos dois primeiros tipos de relacionamentos, pode existir o amor entre duas pessoas erradas, mas no de terceira fase sempre há o homem e a mulher certos.

Como diz Baltazar Graciam, é preciso “ter Estômago para grandes doses de felicidade”, e encontrar o homem ou a mulher certa é motivo de alegria.

Para finalizar, cito um último trecho de Ferri, falando sobre os tipos de mulher que um homem pode encontrar:

Ferri:

“Quem diz mulher diz demônio”: e apesar disso ser apenas um provérbio, exprime a inteira verdade, porque a mulher torna-se um demônio maléfico quando quer prender a si o homem, com o fito venenoso do instinto sexual. Quando, pelo contrário, a mulher cumpre sua função de mãe e companheira da existência do homem, é o anjo da vida. Mas, como dizia o poeta, a mulher tem duas caras: uma de anjo e uma de demônio. (p.37)

Quem tem a sorte de encontrar a mulher-anjo, pode gozar, na vida, a felicidade paradisíaca, até desaparecer no túmulo; Quem tem a desgraça de encontrar a mulher-demônio, pode, muitas vezes, vir parar ao Tribunal Criminal. (p.38)

CONCLUSÕES

O amor pode ser bom ou ruim, pode trazer a felicidade ou a ruína para os seres humanos.

Os trechos que escrevi são de uma defesa criminal que Ferri fez em defesa de Carlos Cienfuegos, que praticou um crime passional.

No caso de Carlos, este encontrou uma Vênus Pandemia e viveu um amor de segunda fase, o amor erótico e sensual, como diversos de meus clientes.

Abalado pela dor da perda deste amor vício que o consome, Carlos mata a amada e logo em seguida tenta suicídio, só não levado a termo por um milagre da ciência.

O caso de Carlos Cienfuegos é, sem dúvida, uma tragédia, mas, enquadrando um relacionamento em uma das três fases do amor, é possível fazer um prognóstico de seu desfecho.

Um amor erótico e sensual sempre acaba em dor, ao passo que o amor de Vênus Afrodite geralmente termina em saudade e o amor razoável termina com a morte.

É no amor razoável que se pode fazer um prognóstico de felicidade.

Por fim, Ferri fala da mulher-anjo e da mulher-demônio.

Não preciso de minhas palavras, pois Ferri acerta quando diz que a primeira faz com que o homem goze na terra a felicidade paradisíaca até desaparecer no túmulo; a segunda, por sua vez, pode conduzir o homem ao tribunal – e acrescento: ou às Drogas, ao vício e à ruína.

É preciso saber a quem dedicar um sentimento.

 

  • Amor
  • Crime
  • Paixão
  • Passional
  • Homicídio
  • Direito Penal
  • Criminologia

Referências

REFERÊNCIAS

FERRI, Enrico. Discursos Forenses (Defesas Penais). São Paulo: Martin Claret, 2007.


Fernanda Paim Socas André Advocacia

Advogado - Blumenau, SC


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