Prisão Preventiva: Aspectos Legais, Constitucionalidade e Alternativas Cautelares Entre a necessidade cautelar e a violação de direitos fundamentais


26/04/2025 às 19h48
Por Gabriel Cavalcante Ferreira e Silva

A prisão preventiva é uma medida cautelar que restringe a liberdade do indivíduo antes da sentença definitiva, sendo permitida apenas quando atendidos os requisitos previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Para que seja decretada, é necessário que estejam presentes dois elementos essenciais: o fumus commissi delicti (indícios suficientes da prática do crime) e o periculum libertatis (o risco que a liberdade do acusado representa para o processo ou para a sociedade).

Apesar de sua finalidade cautelar, a prisão preventiva é amplamente aplicada no Brasil, o que levanta questionamentos sobre sua real necessidade e sua compatibilidade com princípios constitucionais, especialmente o da presunção de inocência e o do devido processo legal.

Dessa forma, este artigo analisa a prisão preventiva sob duas perspectivas fundamentais: sua necessidade, quando utilizada para garantir o andamento do processo e evitar riscos à ordem pública, e sua constitucionalidade, avaliando se, na prática, essa medida respeita os direitos e garantias fundamentais do acusado. Além disso, analisam-se os impactos dessa prática no sistema prisional brasileiro e possíveis alternativas para evitar sua aplicação excessiva.

A grande questão que se impõe é: a prisão preventiva, tal como vem sendo utilizada no Brasil, cumpre sua função cautelar ou tem sido empregada como uma antecipação da pena, violando princípios constitucionais?

Prisão preventiva no ordenamento jurídico brasileiro e sua importância

Como já mencionado, a prisão preventiva é uma medida cautelar de restrição da liberdade aplicada antes da condenação definitiva, estando prevista nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal ( CPP). A esse respeito, Frederico Marques adverte que, como "medida coercitiva, ela se enquadra, por isso mesmo, na potestas coercendi que tem o magistrado criminal, não só sobre a coisa, como também sobre as pessoas".

Por conseguinte, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da persecução penal, desde o inquérito policial até o curso do processo. Em situações excepcionais, admite-se sua decretação até mesmo antes da formalização da persecução penal, desde que a urgência o justifique. Apenas o órgão judicial competente pode decretá-la, estando sujeita à cláusula de reserva jurisdicional (art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal). Sua decretação pode ocorrer ex officio (o que possui constitucionalidade duvidosa) ou por provocação do Ministério Público, do querelante ou da autoridade policial. O assistente de acusação, no entanto, não possui legitimidade para requerer a medida.

O prazo da prisão preventiva não é fixado de forma absoluta, mas deve ser reavaliado periodicamente para evitar abusos. Conforme o artigo 316 do CPP, a necessidade da prisão deve ser revisada a cada 90 dias pelo juiz responsável. O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado no sentido de que a manutenção prolongada da prisão sem justificativa concreta pode configurar constrangimento ilegal.

A importância da prisão preventiva no sistema de justiça criminal reside na garantia da efetividade do processo penal e na proteção da ordem pública. Quando devidamente fundamentada e aplicada com moderação, essa medida cautelar impede que o acusado continue praticando crimes, influencie testemunhas ou dificulte a produção de provas. Além disso, protege a sociedade de agentes que representam um risco concreto e iminente.

Todavia, sua aplicação deve obedecer estritamente aos princípios constitucionais e legais, evitando que se torne um instrumento de punição antecipada, o que comprometeria direitos fundamentais.

Antecipação da pena e quando se torna ilegal

Na prática, a prisão preventiva tem sido amplamente utilizada como uma forma de punição antecipada, violando o princípio da presunção de inocência, previsto no Art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. O encarceramento antes da condenação definitiva deve ser a exceção, aplicado apenas quando estritamente necessário para resguardar o processo penal e a ordem pública.

No entanto, é comum encontrar casos em que o acusado permanece preso preventivamente por períodos excessivos, sem a devida fundamentação, funcionando como um instrumento de coerção. Tal prática não apenas fere direitos fundamentais, mas também contribui para a superlotação do sistema prisional brasileiro.

A prisão preventiva torna-se ilegal e abusiva quando não atende aos requisitos legais exigidos, sendo decretada sem fundamentação concreta ou sem a presença do fumus commissi delicti e do periculum libertatis. Além disso, algumas situações específicas tornam essa medida desproporcional e incompatível com os princípios constitucionais:

  • Falta de Contemporaneidade: Para que a prisão preventiva seja justificável, deve haver uma relação temporal entre os fatos que a motivam e sua decretação. O Supremo Tribunal Federal tem decidido que a ausência de contemporaneidade entre o fato criminoso e a ordem de prisão pode tornar a medida ilegal, pois, se não há risco atual ao processo ou à sociedade, a prisão perde sua justificativa cautelar e configura punição antecipada.
  • Ausência de Fundamentação Idônea: A decisão que decreta ou mantém a prisão preventiva deve demonstrar, de forma clara e objetiva, os motivos concretos que justificam a medida. O uso de justificativas genéricas ou baseadas em presunções viola o devido processo legal.
  • Excesso de Prazo: A manutenção prolongada da prisão preventiva, sem justificativa plausível para a demora na tramitação do processo, pode configurar constrangimento ilegal, conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal.
  • Medida Cautelar Mais Grave do que a Pena Prevista: Em alguns casos, a prisão preventiva ultrapassa o tempo máximo de pena que o réu poderia receber em uma eventual condenação, tornando-se desproporcional.
  • Inexistência de Necessidade Atual: A prisão deve ser necessária para garantir a ordem pública, a instrução processual ou a aplicação da lei penal. Se o acusado não representa mais uma ameaça concreta, sua manutenção se torna injustificada.

Alternativas à prisão preventiva

Diante do abuso na aplicação da prisão preventiva, torna-se essencial considerar medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal ( CPP), como monitoramento eletrônico, recolhimento domiciliar no período noturno, proibição de ausentar-se da comarca e suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica.

Essas medidas permitem a continuidade do processo sem comprometer de forma tão severa os direitos do acusado, alinhando-se melhor aos princípios do devido processo legal e da presunção de inocência. Sua adoção representa um avanço na construção de um sistema penal mais proporcional e garantista, possibilitando que o investigado responda ao processo em liberdade, sem comprometer sua dignidade e sem a imposição antecipada de uma punição.

Além de contribuírem para a redução da superlotação carcerária, as alternativas à prisão preventiva resguardam os direitos fundamentais do investigado e garantem a observância dos princípios constitucionais. A relevância dessas medidas também se evidencia no impacto social e econômico que a prisão preventiva pode gerar, privando indivíduos de seus empregos, afastando-os de suas famílias e dificultando sua reinserção na sociedade.

Portanto, é fundamental que o Judiciário privilegie essas alternativas sempre que possível, reservando a prisão preventiva para casos verdadeiramente excepcionais, nos quais não haja outra forma eficaz de garantir a ordem pública, a instrução processual e a aplicação da lei penal.

Considerações Finais

A prisão preventiva, quando aplicada de forma excepcional e devidamente fundamentada, cumpre um papel essencial no sistema de justiça criminal, garantindo a ordem pública e a efetividade do processo penal. No entanto, sua utilização indiscriminada tem demonstrado um desvirtuamento de sua finalidade cautelar, transformando-se, na prática, em um instrumento de punição antecipada que afronta direitos e garantias fundamentais.

O abuso dessa medida não apenas compromete o princípio da presunção de inocência, mas também sobrecarrega um sistema prisional já colapsado, afetando diretamente a vida dos investigados, suas famílias e a própria sociedade. A ausência de contemporaneidade, a falta de fundamentação idônea, o excesso de prazo e a desproporcionalidade são fatores que evidenciam a necessidade de uma reavaliação crítica sobre o uso da prisão preventiva no Brasil.

Diante desse cenário, torna-se imprescindível que o Judiciário adote uma postura mais criteriosa na decretação dessa medida, priorizando, sempre que possível, as alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. O respeito aos princípios constitucionais e à proporcionalidade deve nortear a aplicação das cautelares pessoais, garantindo que a privação da liberdade antes da sentença condenatória seja efetivamente a última opção.

Em suma, o desafio do sistema penal brasileiro não está apenas na aplicação correta da prisão preventiva, mas na construção de um modelo de justiça criminal mais equilibrado e garantista. A busca por um processo penal eficiente não pode ocorrer à custa da violação de direitos fundamentais, sendo necessário um compromisso constante com a legalidade, a razoabilidade e a dignidade da pessoa humana.

  • #prisãopreventiva

Referências

Disponível em:

< https://legale.com.br/blog/prisao-preventiva-no-direito-brasileiro-fundamentoseaplicacoes/#:~:text...;

Disponível em:

< https://guilhermenucci.com.br/presuncao-de-culpa-pena-antecipadaeparadigma-da-ilegalidade-antitese...;


Gabriel Cavalcante Ferreira e Silva

Advogado - Salvador, BA


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