“O Direito como ciência jurídica é um trabalho incessante e racional, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a justiça, lute pela justiça.” (Ihering)
RODRIGUES, Jackézia da Silva. Psicopatia. Araputanga. 2014
INTRÓITO
São vários os crimes que vem ocorrendo em nossa sociedade, crimes muitas das vezes bárbaros, desumanos, tendo um grau bastante elevado de crueldade, frieza, insensibilidade e manipulação. O objetivo do presente trabalho monográfico é estudar esse indivíduo frio e sua pena em nosso atual sistema penal brasileiro.
PSICOPATIA
1.1 Genealogia da Psicopatia
Genealogia consiste em uma ciência que estuda a origem, evolução e a disseminação ou desenvolvimento sobre determinado tema.
O que se abordará, em primeiro plano, é a genealogia da Psicopatia.
Sobre o tema é imperioso iniciá-lo com os conceitos de loucura desenvolvido por Michel Foucault em sua obra História da Loucura (1972), onde o mesmo descreve o elemento da loucura desde o Renascimento até a modernidade, período em que a forma do homem tratá-la foi mudando ao longo dos anos.
Após o advento da Psiquiatria houve diversas mudanças quanto à consideração do próprio agente como pessoa, no tratamento fornecido à loucura, pois antigamente o louco não tinha domínio sobre seu pensamento, de sua cidadania, de sua identidade, nem ao menos do seu comportamento.
A obra de Foucault teve grande relevância, considerando ser de suma importância o assunto quando se trata de psicopatia ou mesmo loucura, como era denominado àquela época, nos dias de hoje, já que surgem cada vez mais estudos acerca das manifestações e comportamento dentro da sociedade e do grau de descontrole que este agente pode trazer à mesma.
Ainda ressalta-se que o autor Isaías Pessotti em sua obra O século dos manicômios também apresenta uma forte relação com o tema psicopatia.
Em sua obra Foucault mostra que não só a forma do homem lidar com a loucura sofreu transformações durante o passar dos séculos, mas além disso o modo de como a loucura foi encarada pela razão. Sua narrativa dá-se início quando começa a disseminação da lepra através das Cruzadas que iam até o Oriente, principal lugar disseminado, onde de lá se espalhou por toda a Europa fazendo várias vítimas, motivo pelo qual foi preciso construir inúmeros estabelecimentos para abrigo dessas vítimas (FOUCAULT, 1972, p. 7).
No início o próprio poder real era quem mantinha e administrava os bens dos leprosários e as rendas obtidas por meios deles eram aplicadas ao tratamento de soldados e na alimentação dos pobres. Já em 1672 Saint Lazare e Mont Carmel, dois leprosários assumiram o poder real na França e administravam os bens do outros leprosários e em 1695 esses bens passaram a ser administrados por hospitais e instituições de assistências às vítimas. Após, a lepra começou a desaparecer pelo fim das Cruzadas e os bens e as rendas foram destinadas cada vez mais aos pobres, passando cada vez mais significar exclusão da sociedade. Para a Igreja a existência dos leprosos é manifestação divina ainda que sejam eles retiradas da sociedade e da comunidade visível da Igreja. Para ele a Igreja manifestava com falsas idéias e muita hipocrisia quando sustentava que mesmo os leprosos afastando-se da sociedade não estão afastados de Deus (Ibidem, p. 11).
Após o fim da lepra a estrutura das instituições em que eram mantidos aqueles leprosários continuam, porém com finalidade de exclusão, onde outros excluídos esperarão a “salvação”. Mais tarde surgem as doenças venéreas, sendo necessário, com a multiplicação de doentes, a construção de novas estruturas, estruturas estas mais espaçosas e longe das pessoas, significando cada vez mais os excluídos da sociedade. A lepra e a loucura foram enquadradas como doenças costumeiras (Ibidem, p. 13).
Para o mesmo autor, (Ibidem, p. 8) por ter as doenças venéreas se tornado de “âmbito do médico” elas exigiam tratamento e, sendo assim necessário internar o doente para o devido tratamento eles eram lotados no mesmo lugar dos loucos, em um espaço moral de exclusão, necessitando com urgência serem desaparecidos da visão da sociedade. Era a marca da discriminação.
Os loucos, na Renascença, eram colocados em barcos e navios e carregados para mais distante possível das suas cidades e onde chegavam eram expulsados pelos moradores locais. Quando eram acolhidos pela cidade eram levados à prisão e não podiam frequentar a Igreja. Eram levados por meio da água porque ela significava purificação: “a navegação entrega o homem à incerteza da sorte (...) o mar é traiçoeiro, inesperado, incerto”. Para ele o louco era “prisioneiro da mais aberta das estradas”, comparando o pequeno tamanho de uma prisão com a imensidão do mar. O louco não tinha ao menos chão, ele tinha água em volta de si ou tinha grades, ou seja, não vivia como um cidadão livre qualquer (Ibidem, p. 12).
A loucura passou a ser tema principal da literatura e da arte, não sendo visto mais como uma figura boba, mas sim como o “detentor da verdade” (Ibidem, p. 14).
A loucura passa a ser vista como um saber obscuro, escondido, que protege segredo que precisam ser desvendados, ser entendidos. Ela faz um tipo de sarcasmo ou ironia do saber. Para Erasmo de Rotterdam (apud Foucault, 1972, p. 24), pelo fato de a loucura ser uma fraqueza, “é sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo”.
Ele explica que, a partir do momento que o homem confia muito em si mesmo ele próprio se ilude fazendo assim originar o primeiro sinal de loucura. Para ele a loucura é um tipo de ignorância do real, não dizendo a respeito do que realmente existe e sim da realidade que este agente acredita existir. No século XV, a loucura é desenvolvida como sátira moral na Literatura e Filosofia. Tanto Bosh quanto Brueghel tinham uma visão muito próxima da loucura, tendo eles uma reflexão moral, considerando que a loucura estaria relacionada às fraquezas e ambições do próprio ser humano (apud FOUCAULT, 1972, p. 25).
Já Erasmo defendia que a existência da loucura era através do discurso, que seria expresso por meio da consciência crítica dos homens. “O homem era confrontado com sua verdade moral, com as regras próprias à sua natureza e à sua verdade” (apud FOUCAULT, 1972, p. 27).
No século XVII, a loucura ocupa extrema concepção de que ela não tem recurso, opera sobre a morte e precisa de misericórdia divina (FOUCAULT, 1972, p. 40).
A loucura passa a ser vista como cena de um crime e deixa de ter ligação com a razão, deixando o homem contemporâneo de se comunicar com o louco. A ciência passa a considerar que aqueles que não veem a essência das coisas são insanos.
Neste mesmo século a criação de casas de internamentos cresceu e muitas pessoas são lotadas nessas instituições de internamento, motivo pelo qual a loucura pudesse ser mais percebida e estudada. Lá os insanos viviam em péssimas condições de vida, condições desumanas, em lugar sujo, com muita gente, sem comida suficiente, sem distinção de sexo ou caso, ou seja, qualquer caso que fosse eram internados no mesmo lugar, independente de cura. Passou a ser dever dos hospitais além do atendimento, decidir por eles e julgá-los quando fosse necessário. No início esse julgamento era feito pelo poder real, após foi concedido à burguesia. Os loucos passarão a não domínio de seu próprio chão, razão ou cidadania, por não terem consciência de seus atos. Na Inglaterra já haviam 126 (cento e vinte e seis) casas de internação no fim do século XVIII, espalhando-se após por toda a Europa (Ibidem, p. 57).
Para o Protestantismo de Lutero todos os pecados podiam ser perdoados, como prova de caridade e fé, sendo uma concepção tão disseminada a ponto que a Igreja Católica se viu obrigada a conceituar a respeito e, considerando já a percepção de miséria defendida pelo Protestantismo, esta a dividiu em dois tipos: a região do bem e da pobreza submissa, que aceita o internamento e encontra o seu descanso e a região do mal e pobreza insubmissa, que recusa o internamento. “Uns seriam filhos de Deus enquanto outros do demônio” (Ibidem, p. 61).
Esta classificação entre o bem e o mal leva a uma certa divisão da loucura e a miséria perde a importância, passando o louco de ser considerado sagrado na Idade Média a ser dessacralizado, no século XVII. No mesmo século o parlamento de Paris impõe punição àqueles que não se enquadram na sociedade. Seriam “chicoteados em praça pública, marcados nos ombros e expulsos da cidade”, quando não eram de pior maneira enforcados ou guilhotinados, o que servia para constranger a própria sociedade em forma de plateia para que não houvesse repetições dos atos incriminados (Ibidem, p. 64).
Contudo, com os sintomas da renascença econômica (Ibidem, p. 64), cresceram o número de desempregados e consequentemente de mendigos, passando, portanto, a sociedade a preocupar com estes e as medidas de exclusão já não forma tão aplicadas, mas em compensação este indivíduo “precisa aceitar a coação física e moral do internamento”.
Segundo Foucault (1972, p. 78) no século XVII “a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo (...), o internamento “é a eliminação espontânea dos associais”.
De acordo com Foucault durante vários séculos os doentes venéreos eram aprisionados juntamente com os insanos: “obscuro parentesco que destinou a ambos o mesmo lugar no sistema de punição”. A estrutura de onde eles eram internados era um lugar comum entre “os pecados contra a carne e as faltas contra a razão”. A loucura começa a ser alvo dos “pecados” e nesse ponto se percebe um elo ente a culpa e a falta de razão (1972, p. 64).
No decorrer do século XV houve uma grande mudança: as pessoas mais instruídas da época começam a duvidar e discordar da existência de demônios, ou feitiçarias àqueles indivíduos insanos, por achar essas ideias sem nexo com a realidade. No lugar de legião de espíritos malignos passa-se a perceber uma alteração na mente daqueles internados insanos. É nessa era que a loucura passou a ser vista como uma alteração no processo mental, sendo analisada por meio de comportamentos ou modos de pensamento. Com o surgimento do movimento renascentista, passa-se a ter um pensamento científico do corpo humano: a descoberta da circulação do sangue e nervos, sendo um período também de lutas pela conquista dos direitos humanos, fazendo com que passa-se a perceber que a doença mental surgia por causa de um mau funcionamento do cérebro e da circulação do sangue (Ibidem, p. 96).
Foi no decorrer do século XVII que a doença mental foi vista sofrimento da mente do ser humano, como se tratando de um déficit na mente: a razão. Para Foucault a loucura é o seu lado negativo, retratando que ela foi tratada de uma forma ignorante, que os homens fecharam os olhos para ela não dando tratamento nem internação adequada. Durante séculos ela esteve presente nos livros de internamento, “alcançando as mais diversas formas de violência, desde desordens da conduta até desordens dos hábitos e costumes” (Ibidem, p. 112).
Segundo Foucault (1972, p. 116) o objetivo do internamento era a correção, “um tempo para que o castigo cumprisse o seu efeito”.
Em Bagdá, o primeiro hospital foi fundado no fim do século XII e na Europa, o primeiro país a construir hospitais foi a Espanha, espalhando-se, depois, por outros países (Foucault, 1972, p. 120).
Na Idade Média o insano vivia juntamente com a sociedade, já na Renascença eles são separados em grupos de maneira que são isolados de todos, se tornando um ser totalmente desumanizado. Na era clássica aparecem os hospitais de internamento e casas de correção, que eram aquelas instituições que diferenciavam o louco do criminoso. Nesta época, a loucura só era reconhecida pelo médico por meios dos sintomas e sinais visíveis que indicavam quais áreas psíquicas haviam sido atingidas. Era somente o médico que podia “distinguir o normal do insano, o criminoso do alienado irresponsável” (Ibidem, p. 127).
A Medicina atribuiu a doença mental como objeto, e o homem insano será “juridicamente incapaz de pertencer ao grupo” (Ibidem, p. 131) por perturbá-lo moral e politicamente.
É no século XIX que surge a pioneira revolução psiquiátrica, sendo que foi o “século dos manicômios”, pelo fato da enorme quantidade de hospitais que foram construídos e destinados aos doentes mentais, surgindo ainda uma enorme variedade de diagnósticos para a loucura. Essa revolução fez com que a medicina psiquiátrica florescesse, tornando o manicômio o seu núcleo gerador, passando tão somente a ter o objetivo da cura. Pinel sustentou a concepção de que a causa da alienação era de origem moral e sua “essência era o desarranjo das funções mentais” (Pessoti, 1999).
Segundo Foucault (1972, p. 152) os loucos eram internados em condições subumanas por representarem um perigo para a sociedade, sendo que a prática do internamento apareceu como forma de exclusão, sendo eles tratados como animais não só por suportar fome, frio, dor e calor, mas por serem expostos ao público e substituírem bestas de carga na lavoura: “Esta animalidade da loucura era tratada com a domesticação a que eram expostos”.
Ainda segundo ele (p. 177): “Então, qual o significado do louco, qual a sua essência entre os homens de razão?”. Em dois pontos distintos a filosofia distinguiu a razão do desatino e a medicina se referiu ao que existe de racional e irracional na natureza.
Boissier de Sauvages (apud Foucault, 1972, p. 181) defende que quando um indivíduo usa sua razão seja por meio de gestos ou movimentos, ele pode descobrir a ligação entre estas ações, sendo que, deste modo o louco é reconhecido facilmente, pelas inúmeras manifestações da loucura, que exibem o quanto é incapaz de síntese, atribuição máxima de um ser racional.
Porém, Foucault afirma que (1972, p. 196) no século XIX esta divisão é abandonada e pressupõe, porém, “não mais uma tentativa de cobrir em sua totalidade o espaço patológico. Assim, as doenças serão definidas através da afinidade dos sintomas, identidade das causas, sucessão no tempo, evolução progressiva e outras categorias que agruparão as diferentes manifestações da doença”. Essas classificações da loucura foram se multiplicando porque elas foram desenvolvidas através das imagens, o que não era verdadeiramente correto.
Sauvages define o delírio como:
Algumas emoções podiam provocar loucura. Histórias, peças teatrais, cólera ocasionavam alterações nervosas, chegando, às vezes, a ser violenta. Agitações, “recaídas histéricas”, crises, quando se multiplicavam, podiam levar ao delírio (apud Foucault, 1972, p. 230).
Um importante remédio usado na Idade Média para os loucos era a água. Eles eram mergulhados até que perdessem a força e a agitação. É a partir do século XVII que a cura pela água se torna uma cura terapêutica da loucura, mas na verdade retoma esta visão, pois desde o século XV já era assim, quando os navios levavam os excluídos pelo mar para terras distantes. A água, por si só, simbolizava o sentido purificador, o de arrastar as impurezas deixadas pela loucura (Foucault, 1972, p. 317).
Porém a medicina voltada à psicologia só surgiu quando se percebeu a culpabilidade. Sendo assim o objetivo de exclusão e do internamento começa a alterar-se e a distância entre a razão e o desatino não é suprimida, mas deixa transparecer poderes naturais (Ibidem, p. 336).
A partir daí, segundo Foucault (p. 352) diz que o louco passa a fazer parte de um cenário social, deixando de ser visto como um ser demoníaco que precisava de libertação, retomando um espaço na “familiaridade da paisagem social”.
Segundo Foucault (1972, p. 388):
O internamento é que distingue na loucura os perigos de morte que ela comporta. Assim, foi neste contexto que a loucura conquistou uma linguagem própria, cada vez mais se instalando como objeto de percepção diferentemente do poder de fascinação que o desatino trazia consigo.
Durante do século XVIII foram realizados protestos sobre as condições de vida desses indivíduos dentro da sociedade e sua forma de internamento: eram jogados “como criminosos de estado, em subterrâneos, em celas onde o olhar da humanidade nunca penetrava” (Foucault, 1972, p. 394).
A loucura passa a estar ligada ao crime, mas ainda com causas não esclarecidas. Nesse tempo a própria família passa a ser responsável pela vigilância do alienado, responsável pelos seus atos desordenados, continuando ele sem liberdade. A permanência do insano nas casas de internamentos começam a gerar lucro econômico. O que ele produz “cabe inteiramente à administração e à sociedade e por outro lado, o trabalhador recebe o certificado de moralidade” (Foucault, 1972, p. 427).
Ainda Foucault (1972, p. 511) estabelece que saber é poder.
A ciência da Psiquiatria considerou que sua origem foi fundamentada em um estudo sobre a loucura. Sendo assim, conclui-se que o poder, para Foucault, não é coercitivo e sim exclusivamente produtivo. Dessa forma o conceito de dominação ao louco permanece em nossa sociedade até os dias de hoje.
Com o desenvolvimento da Psiquiatria houve várias transformações no tratamento da loucura, pois o mesmo não era dono de seu chão (desterritorialidade), de seu pensamento (exclusão lógica), de sua cidadania (exclusão política), de sua identidade, nem ao menos do seu comportamento, eram exatamente privado de todos os seus atos. Além disso, ainda o objetivo do hospital também foi se alterando, pois enquanto que na Idade Média ele não era visto como meio de cura, em 1780 já se passava a ter esse escopo.
1.2 Psicopatia e transtorno de personalidade antissocial
Como introdução à esse tema trago uma fábula que a psicóloga Ana Beatriz Barbosa Silva traz na sua obra Mentes perigosas – O psicopata mora ao lado (2010):
O escorpião aproximou-se do sapo que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona para chegar à outra margem.
Desconfiado, o sapo respondeu: “Ora escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno e eu vou morrer”.
Mesmo assim o escorpião insistiu, como argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar.
Ao fim da travessia, o escorpião cravou seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme.
Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente:
- Porque essa é minha natureza! (SILVA, 2010, p. 17).
A estrutura da personalidade segundo Freud (apud HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 1998, p. 53) é formada por três elementos: o id, o ego e o superego.
O Id é o sistema original da personalidade, a matriz o qual se originam o ego e o superego, um espaço inconsciente das pulsões, reagindo conforme o princípio do prazer; o Ego, que são as características de um raciocínio maduro necessário para lidar racionalmente com o mundo exterior, obedecendo por sua vez ao princípio da realidade. “O objetivo do princípio da realidade é evitar a descarga de tensão até ser descoberto um objeto apropriado, para a satisfação da necessidade.” (HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 1998, p. 54).
O superego, por fim, é a força moral da personalidade, adquirida pelos valores e padrões dos pais e da sociedade: “Ele é o representante interno dos valores tradicionais e dos ideais da sociedade conforme interpretados para a criança pelos pais e impostos por um sistema de recompensas e punições” (Ibidem, p. 54)
De acordo com entrevista dada pela psicóloga Drª. Fernanda Rossignolo (2014), dentre os distúrbios da personalidade tem-se três grupos: a neurose, psicose e a psicopatia.
Para ela uma pessoa neurótica é alguém com um sofrimento profundo, certa desordem mental, porém tem pleno raciocínio das coisas que acontecem, tem consciência. São pessoas que tem, por exemplo, manias patológicas como a ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, bulimia, anorexia, etc. O psicótico é aquela pessoa que tem delírios ou alucinações, ou seja, “surta” em alguns momentos, ou ainda escuta vozes ou vê coisas não reais, saindo totalmente da realidade. Já o psicopata é aquela pessoa que nasce praticamente sem nenhum tipo de sentimento ou emoção e isso pode fazer com que ela pratique atos criminosos considerados cruéis, já que são cometidos sem sentir culpa ou qualquer tipo de remorso (ROSSIGNOLO, 2014).
Para Rossignolo (2014) para ser considerado um transtorno de personalidade deve-se haver sofrimento profundo ou ainda a perca da realidade. Portanto, atualmente a psicopatia não mais é considerada transtorno ou distúrbio de personalidade, já que o indivíduo não sofre com algo profundamente nem mesmo sai da realidade, ou seja, ele pratica porque sente prazer, tendo plena consciência de seus atos. Sendo assim, ele não deve ser considerado nem mesmo como doente mental, já que não se trata de uma doença e sim de uma má-formação cerebral que não tem cura.
Sobre a diferença entre psicopatia e transtorno de personalidade antissocial, diz Trindade, Beheregaray e Cuneo:
Apesar de Transtorno de Personalidade Antissocial e Psicopatia serem, muitas vezes, considerados sinônimos, a maioria dos pesquisadores concorda que o Transtorno de Personalidade Antissocial e a Psicopatia são patologias diferentes. A psicopatia é considerada uma doença mais ampla e grave e de difícil tratamento, sendo mais rara. O Transtorno de Personalidade Antissocial refere-se, fundamentalmente, a condutas delitivas e antissociais. O transtorno, porém, não é sinônimo de criminalidade. Muitos indivíduos com Transtorno de Personalidade Antissocial podem nunca vir a matar ou delinquir, adotando, por exemplo, um estilo de vida parasitário, em que usam os outros em benefício próprio, manipulando, sem nunca precisarem cometer atos violentos (TRINDADE, BEHEREGARAY E CUNEO, 2009, p. 39/40).
Então enquanto o Transtorno de Personalidade Antissocial caracteriza-se por um padrão de desrespeito a normas sociais e violação dos direitos dos outros, como por exemplo, enganar e mentir para obter vantagens pessoais, impulsividade, irritabilidade, agressividade, irresponsabilidade e ausência de remorso. A psicopatia é o evento clínico de maior proeminência no sistema jurídico penal: “O comportamento de criminosos diagnosticados como psicopatas difere significativamente dos criminosos comuns” (TRINDADE, BEHEREGARAY E CUNEO, 2009, p. 23/24).
Para Ana Beatriz Silva (2010, p. 40), psicopatas são aqueles indivíduos que não possuem o sentimento de afeto, de caráter e dos sentimentos de culpa e de remorso, cujo ponto onde está sua grande periculosidade, já que por eles não apresentarem esses sentimentos, cometem os crimes mais violentos e cruéis.
Quando nós falamos em psicopatas, logo nos vem na cabeça uma pessoa com aparência de mau, vestes descuidadas, pessoa que parece estar de mau com a vida, mau encarada, com pinta de assassino, com desvios comportamentais tão óbvios que fosse possível reconhecê-lo de longe. Porém não é verdade. Reconhecê-los é uma tarefa difícil, pois eles se representam muito bem. Seus talentos teatrais e seu poder de convencimento são tão impressionantes a ponto de atingir seu próprio objetivo ou vantagem à custa de alguém (SILVA, 2010, p. 18).
Eles podem arruinar empresas e famílias, provocar intrigas, destruir sonhos e não matar, por isso que nem sempre os reconhecemos, pois muitas das vezes se passam por pessoas normais. Visam apenas benefício próprio, almejam poder, status e dinheiro (Ibidem, p. 19).
A Drª. Fernanda Rossignolo afirma que “os psicopatas matam a sangue-frio, com extrema crueldade e sem nenhum tipo de sentimento ou compaixão alguma com relação à vítima, ou ainda, com qualquer pessoa. Sabemos que no cérebro onde deveria haver a parte da emoção, do sentimento, não há nada, eles já nascem sem. Não tem como curar” (ROSSIGNOLO, 2014).
Ainda conforme Rossignolo afirma que já foram feitos vários testes, como figuras em telões para que esses indivíduos assistissem, figuras ora agradáveis e ora horripilantes, e o resultado era o mesmo: nenhuma diferença emocional, as figuras eram vistas na mesma expressão facial. “Não há nenhum tipo de diferença, expressar de forma agradável ou repudiar é o normal de qualquer ser humano normal. É importante entender que não é a intensidade do crime que define um psicopata e sim a falta de sentimento no qual ele pratica o crime. Eles tem boa lábia, charmosos, mentirosos, justamente pelo fato de eles não terem sentimentos. Sendo assim ele não se recorda de nada, pois nada o marcou sentimentalmente” (ROSSIGNOLO, 2014).
No aspecto deles serem mentirosos, Ana Beatriz (2010, p. 86) defende que a mentira até certo ponto é normal, porém, deve-se distinguir a mentira corriqueira da psicopática. Os psicopatas são mentirosos contumazes, mentem com competência, friamente e de forma calculada, olhando nos olhos das pessoas, sem ao menos pensar nas consequências que isso possa trazer, sem nenhum remorso. A mentira para eles é como se fosse um objeto útil para o trabalho, usada com muita frequência e motivo de muito orgulho.
Flávio Josef (apud SILVA, 2010, p. 86), professor do instituto de psiquiatria da UFRJ que participou de uma matéria no Formal do Brasil, em 03 de setembro de 2006, declarou que, ao perguntar a um psicopata se era fácil enganar alguém, o sujeito respondeu com enorme felicidade: “É moleza”.
Porém, conforme Rossignolo (2014) nem todo psicopata é criminoso e nem todo criminoso é psicopata, porém eles representam cerca de 20% da população carcerária e esses 20% são responsáveis por 50% dos delitos graves cometidos dentro dos presídios.
Ainda segundo Trindade, Beheregaray e Cuneo:
A psicopatia atinge cerca de 3 a 5% da população e tem como principal característica a ausência de sentido moral. A qualidade das interações interpessoais dos psicopatas é marcada pela frieza e pela ausência de remorso. Inobstante, esses indivíduos são capazes de verbalizar e expressar com exatidão princípios e regras de conduta dos quais usualmente se lançam mão em nossas relações cotidianas. Sua capacidade cognitiva encontra-se preservada, o que os torna “sadios” perante o direito penal, razão pela qual a eles não deve ser aplicada medida de segurança, mas pena. Doença mental não é sinônimo de inimputabilidade, salvo quando houver prejuízos de ordem cognitiva e/ou volitiva (TRINDADE, BEHEREGARAY E CUNEO, 2009, p. 23).
Por isso a figura do psicopata é considerada perigosa e com mais possibilidades de incidirem na reincidência criminal do que os criminosos comuns, já que geralmente não apresentam resultados positivos no tratamento de reabilitação para voltar ao convívio social. Essa possibilidade de reabilitação é ponto principal desse estudo.
1.3 Psicopatia em termos médicos
O termo psicopatia é um nome comum dado a todas as doenças mentais. É a anormalidade congênita da personalidade, especialmente nas esferas afetiva, volitiva e instintiva, podendo ser normal as faculdades intelectuais (WIKIPÉDIA, 2014).
Segundo Jéssica Santos (2012), em trabalho monográfico, em termos médicos-psiquiátricos, a psicopatia é definida como uma desordem de personalidade cuja característica principal é a falta de empatia, incapacidade de uma lealdade relevante com indivíduos, grupos e valores sociais, além da ausência de sentimentos genuínos como remorso ou gratidão; frieza; insensibilidade aos sentimentos alheios dentre outras características que veremos mais profundamente adiante.
Ainda para os médicos-psiquiatras, a psicopatia não é uma doença mental e os psicopatas tampouco são considerados loucos, pois não apresentam nenhuma característica, dentro do padrão convencional da psiquiatria dos portadores de personalidade antissocial como a perda da consciência ou qualquer tipo de desorientação e muito menos sofrem delírios ou alucinações, como na esquizofrenia ou apresentam um intenso sofrimento mental e/ou emocional como no caso da depressão ou do pânico, pelo contrário, os atos criminosos dos psicopatas, são decorrentes de um raciocínio frio e calculista combinado com a incapacidade de tratar os outros, como seres humanos pensantes, com vontade própria, sentimentos. Aqui é onde contraria a legislação brasileira (SANTOS, 2012).
É como ensina a psicóloga Dra. Ana Beatriz, que veremos a seguir.
1.4 A psicopatia e o Tratamento
Segundo Ana Beatriz, em se tratando de saúde mental, só podemos falar em tratamento para as pessoas que estão em sofrimento e apresentam intenso desconforto emocional, que as impede de manter uma boa qualidade de vida. Para ela por mais bizarro que possa parecer, os psicopatas parecem estar inteiramente satisfeitos consigo mesmos e não apresentam constrangimentos morais ou sofrimentos emocionais, como depressão, ansiedade, culpas, baixa auto estima etc. Assim, não é possível tratar um sofrimento inexistente. No que tange aos medicamentos, nenhum deles, até o momento, se mostrou eficaz no tratamento da psicopatia. Tratar de um psicopata é uma luta inglória, pois não há como mudar sua maneira de ver e sentir o mundo. Psicopatia é um modo de ser (SILVA, 2010, p. 192).
A psicóloga Ana Beatriz (2010, p. 193) conclui então que o que o médico e/ou terapeuta podem fazer é dar suporte e oferecer tratamento às vítimas dos psicopatas, uma vez que são elas que verdadeiramente sofrem.
Por fim segundo Marcos Estevão Moura (apud O APRENDIZ, 2011), não há precedentes hereditários para a condutopatia, o psiquiatra afirma que as pessoas nascem dessa forma por conta de algum tipo de mutação genética e não existe cura para esses desvios de conduta”. Ele ainda disse: “Não há como mudar a conduta dessas pessoas, nós usamos medicamentos pesados para diminuir a força física, é como se fosse uma anestesia psíquica”.