Segurança Jurídica no Estado de Direito
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, evidenciou-se a necessidade de inclusão de valores éticos ao ordenamento jurídico e, assim, os princípios conquistaram o status de norma jurídica. A Constituição brasileira passou a ser um sistema aberto de princípios e regras, sendo estas dotadas de objetividade, incidindo especificamente em determinadas condutas e situações; ao contrário daqueles, que apresentam maior grau de abstração, ao passo em que identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados.
Os princípios são aplicados de maneira gradativa, conforme as circunstâncias já representadas por outras normas ou por situações de fato. Cabe ressaltar, tal como fez BARROSO, que não há hierarquia entre regras e princípios. Ambos integram o sistema referencial do intérprete e é ideal que sejam distribuídos de forma a equilibrar a segurança jurídica, a partir da previsibilidade e objetividade das condutas, com a realização da justiça do caso concreto.
A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes.
A segurança jurídica é um dos pilares do sistema constitucional brasileiro, resguardando, tal como previsto no art. 5º, XXXVI, da CF/1988, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Trata-se de um sobreprincípio, na medida em que se realiza pela atuação de outros princípios, cuja manutenção no sistema jurídico constitui pressuposto para o bom funcionamento do ordenamento40. SACHA CALMON, com acuidade, explica:
É preciso dizer que as expressões segurança jurídica e interesse social (relevante), expressões de textura aberta, não visam a proteger o Poder Público enquanto tal. O Estado faz a lei, aplica-a contenciosamente (atos administrativos) e extrai da lei o seu sentido normativo (atos jurisdicionais), criando normas judiciais, que são tais e quais as normas legisladas. Então ao modular e fixar os limites materiais e temporais das decisões judiciais, os juízes estão obrigados a proteger a confiança, a boa-fé e a segurança jurídica dos justiçáveis.
Ora, a realização da segurança jurídica é fruto do Estado de Direito, no qual a confiabilidade do ordenamento e a previsibilidade das intervenções do Estado conduzem à proteção da confiança. Importa destacar que a segurança jurídica não envolve a busca de um ideal de imutabilidade das normas, como se o Direito futuro tivesse que se vincular, inexoravelmente, ao Direito passado. Para HUMBERTO ÁVILA, a segurança jurídica estabelece exigências relativas a essa transição, evitando que o Direito seja modificado de maneira drástica e frequente. (...) pode-se compreender a segurança jurídica como exigência de “estabilidade na mudança”, isto é, como a proteção de situações subjetivas já garantidas individualmente e a exigência de continuidade do ordenamento jurídico por meio de regras de transição e de cláusulas de equidade. A palavra mais consistente.
O termo “previsibilidade” foi utilizado no presente trabalho para sustentar a capacidade de a segurança jurídica antecipar, em grande medida, as consequências jurídicas de um ato praticado hoje, sem qualquer denotação de certeza, sendo certo que o instituto não pode garantir com exatidão decisão futura, como preocupou-se Humberto Ávila. O jurista prefere falar em “calculabilidade” para tratar dessa capacidade de o cidadão saber antecipadamente os limites da discricionariedade do Poder Público para interferir sobre os atos estatais, conhecendo de antemão, em larga medida, alternativas interpretativas e seus efeitos normativos, para denotar esse sentido é, assim, “confiabilidade”, compreendida como a exigência de um ordenamento jurídico protetor de expectativas e garantidor de mudanças estáveis.
Assim, as garantias constitucionais são elementos essenciais ao Direito, funcionando como redutor da complexidade e da contingência do mundo social. Um cidadão pode efetivamente adotar inúmeras possibilidades de ação, contudo, devido às expectativas criadas por experiências anteriores, tende a diminuir os riscos assumidos. No Brasil pode ser observado o fenômeno da inflação legislativa, tanto de leis quanto de medidas provisórias.
Considerando a irretroatividade das leis, não é possível admitir que apenas o legislador deva respeitar as expectativas dos cidadãos frente às normas vigentes. Sendo vedada à arbitrariedade na aplicação e criação do Direito, haja vista a subordinação da decisão judicial à lei, o Estado-juiz deve invocar também a jurisprudência já consolidada. Afinal, a insegurança jurídica pode impedir o próprio exercício de atividade econômica pelo contribuinte, prejudicando o desenvolvimento de atividades lícitas à medida em que não tem como basear suas ações e seu planejamento nas normas jurídicas.