As inovações trazidas ao ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.º 13.058/2014


06/05/2016 às 12h18
Por José Dória Júnior Advocacia e Consultoria Jurídica

AS INOVAÇÕES TRAZIDAS AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PELA LEI N.º 13.058/2014

José Jobenilson Alves Dória Júnior [1]

RESUMO

Este artigo tem por finalidade analisar o instituto da guarda compartilhada, seu conceito e tratamento jurídico, bem como as modificações nele realizadas com o advento da Lei n.º 13.058/2014, destacando-se alguns posicionamentos doutrinários conflitantes acerca da mudança na aplicação do referido instituto. Acentua-se os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, da igualdade, da convivência familiar e do melhor interesse da criança e do adolescente, norteadores da relação familiar. Abrange, outrossim, a conceituação, os direitos, os deveres e as características inerentes ao poder familiar, evidenciando a sua irrenunciabilidade, incompatibilidade com transação, indelegabilidade e imprescritibilidade. Assim, diante das alterações feitas, a guarda compartilhada passou a ser medida obrigatória quando os pais estiverem aptos a exercê-la e não houver consenso entre eles.

Palavras-chave: Guarda compartilhada. Princípios. Poder Familiar.

1 INTRODUÇÃO

Com o presente estudo, busca-se explanar algumas das alterações trazidas ao ordenamento jurídico nacional pela Lei nº 13.058/2014. Esta lei, datada de 22 de dezembro de 2014 foi publicada no Diário Oficial da União no dia 23 de dezembro do ano citado, alterando os dispositivos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil, para firmar o significado da expressão guarda compartilhada e a aplicação do referido instituto jurídico.

No entanto, antes de se adentrar no objeto específico do presente artigo, mostra-se de vital importância tecer algumas considerações sobre o poder familiar, os princípios norteadores desta relação, o instituto da guarda na legislação vigente no país.

Muitos são os princípios que conduzem as relações familiares no Brasil, destacando-se, entre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, da igualdade entre cônjuges ou companheiros e filhos, da convivência familiar e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Merece atenção especial o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente que tem respaldo da Convenção Internacional dos Direitos da Criança onde o Brasil é signatário.

No tocante ao poder familiar, tem-se que os titulares deste são os genitores em seu pleno exercício, devendo sempre zelar pela integridade de seus filhos, seja física, emocional ou psíquica, e prestar-lhes assistência material, moral e afetiva, auxiliando-os em sua formação.

Quanto à guarda, pode-se constatar que esta terá vez quando houve separação dos genitores. A guarda, qualquer que seja a sua modalidade, poderá ser aplicada pelo livre acordo entre os pais ou judicialmente através da decisão unilateral do magistrado.

Com a promulgação da lei 13.058/2014, a modalidade da guarda compartilhada passou a ser adotada como regra, mesmo que não haja consenso entre os genitores, com o objetivo de que o menor não seja prejudicado pela dissolução do vínculo conjugal, lhe garantindo a efetivação do direito à convivência familiar e participação ativa dos pais.

Este estudo trata de tema recentemente modificado pela legislação brasileira, se mostrando fundamental para melhor compreensão do mesmo, já que vem sendo explorada aos poucos pela doutrina brasileira.

2 ALGUNS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA RELAÇÃO FAMILIAR

Os princípios do direito de família têm como origem a Constituição Federal de 1988 e o esclarecimento de alguns deles é essencial para a melhor compreensão de definições que serão apresentadas ao decorrer deste trabalho.

Por serem fundados na Carta Magna, a ela devem obediência, necessitando ser material e formalmente a ela compatível, sob pena de serem declarados total ou parcialmente inconstitucionais e, como consequência, retirados da ordem jurídica nacional.

Tais princípios servem para serem utilizados como norte nas relações familiares e, até, nas atividades jurisdicionais por possuírem virtudes e valores éticos, morais e sociológicos.

[1]{C} Graduando em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT. E-mail: junioralvesdoria@hotmail.com

{C}2.1 {C}Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se expressamente previsto na Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, como fundamento básico do Estado Democrático de Direito:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Tal princípio é conhecido por alguns doutrinadores como o princípio master, vez que norteia as mais variadas relações jurídicas no país e por sempre presar pelo respeito.

Assevera Maria Berenice Dias (2011, p. 62):

A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, uma coleção de princípios éticos.

Ao relacioná-lo ao direito de família, temos que este é responsável pela observância dos direitos básicos dos componentes do vínculo familiar, com maior enfoque nas crianças e adolescentes, por serem, respectivamente, absoluta e relativamente incapazes.

Portanto, conclui-se que o intuito da atenção especial dada à criança e ao adolescente por este princípio é o da preservação da sua dignidade/integridade, seja ela física, psíquica ou moral.

2.2 Princípio da solidariedade familiar

Com o advento da Constituição Federal de 1988 este princípio deixou de ser dever moral e passou a ser princípio jurídico previsto em seu artigo 3º, inciso I, onde “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

O princípio da solidariedade, no contexto familiar, encontra-se intimamente ligado à relação afetiva entre os membros da família, pregando por uma reciprocidade entre estes.

Lôbo (2009, p. 41) assevera nessa linha:

A solidariedade do núcleo familiar deve entender-se como solidariedade recíproca dos cônjuges e companheiros, principalmente quanto à assistência moral e material. A solidariedade em relação aos filhos responde à exigência da pessoa de ser cuidada até atingir a idade adulta, isto é, de ser mantida, instruída e educada para sua plena formação social.

2.3 Princípio da igualdade

Este princípio, como todos os acima citados, também está contido expressamente na Carta Magna de 1988 e possui nítido título de direito fundamental:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Art. 226. (...)

§5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Art. 227. (...)

§6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

No tocante ao direito das famílias, o princípio da igualdade visa estabelecer igualdade plena entre os cônjuges ou companheiros na relação por eles mantida, entre os filhos e entre os diversos tipos de entidades familiares.

O objetivo deste princípio é, senão outro, o de tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade, evitando-se qualquer tipo de atitude discriminatória, vez que as diferenças não legitimam tal tratamento.

2.4 Princípio da convivência familiar

É o princípio pelo qual se garante à criança e ao adolescente o direito de convivência diária e duradoura com seus genitores e demais familiares, sejam de laços sanguíneos ou não.

O objetivo principal deste direito é fazer com que esses menores sintam-se cada vez mais protegidos e acolhidos pelo seio familiar que estão inseridos, colocando o âmbito familiar como ponto de apoio e referência para os mesmos.

Outrossim, destaca-se também que a convivência familiar atravessa o exercício do poder familiar, ou seja, independentemente da situação conjugal dos pais, ao filho deve ser assegurado o direito à convivência com cada genitor, um não podendo dificultar a aproximação do menor com o outro.

A convivência familiar e comunitária é fundamental para o desenvolvimento físico, psicológico, cultural e social das crianças e dos adolescentes e proporciona as condições necessárias para a construção de sua identidade (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA TERRA DOS HOMENS, 2002).

2.5 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

Esse princípio surgiu com a valorização da dignidade da pessoa humana na esfera nacional e com a sua respectiva inserção no contexto das famílias, o que fez com que as crianças e os adolescentes, tidos como parte mais frágil desse grupo, recebessem atenção especial.

Segundo o artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, criança é o indivíduo com até doze anos incompletos e adolescente aquele entre doze e dezoito incompletos. A situação de fragilidade fundamentadora desse princípio se dá pelo próprio fato de serem tidos como pessoas em processo de formação e por serem incapazes para os atos da vida civil, nos termos dos artigos 3º, inciso I e 4º, inciso I do Código Civil.

Assim, tem-se que tal princípio tem função básica de proteger os direitos específicos dos menores, colocando-os em posição prioritária e resguardando-lhes de todos os tipos de abusos que possam vir a sofrer.

Em sua doutrina, Paulo Luiz Neto Lôbo (2009, p. 53) afirma:

O princípio do melhor interesse significa que a criança deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade.

3 O PODER FAMILIAR

O poder familiar consiste no desempenho da autoridade dos pais sobre os filhos, no sentido de preservar o interesse destes. Ocorre que, diante de uma análise histórica, o poder familiar sofreu diversas modificações ao longo do tempo, onde o homem foi sendo retirado da posição que assumia de comandante geral da família e de seu patrimônio, e a mulher foi inserida neste comando de forma simultânea ao homem, excluindo-se o título de subordinação de um perante o outro.

Em harmonia ao preceito acima, o Estatuto da Criança e do Adolescente, também dispõe sobre o tratamento igualitário entre o pai e a mãe, bem como as responsabilidades destes.

Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurando a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Gonçalves (2011, p. 414) traz algumas características do poder familiar:

É um múnus público, pois ao Estado, que fixa normas para o seu exercício, interessa o seu bom desempenho. É, portanto, irrenunciável, incompatível com a transação, e indelegável, não podendo os pais renunciá-lo, nem transferi-lo a outrem.

O poder familiar é também imprescritível, no sentido de que dele o genitor não decai pelo fato de não exercitá-lo, somente podendo perdê-lo na forma e nos casos expressos em lei. É ainda incompatível com a tutela, não se podendo nomear tutor a menos cujos pais não foram suspensos ou destituídos do poder familiar.

Para Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva (2010, p. 497), nos dias atuais, o poder familiar passou a ser encarado como um complexo de deveres ou como um direito concedido aos pais para cumprirem um dever, de atuar buscando a proteção e o melhor interesse do seu filho, deixando de lado, por conseguinte, a visão de que tal poder seria uma manifestação do direito estabelecido em favor dos genitores exercido em prol dos seus próprios interesses.

O fato de tê-los em sua companhia e guarda é considerado como um poder-dever, porque ao pai, a quem incumbe criar, cabe igualmente guardar, devendo-se observar os interesses do infante nos casos de divórcio ou separação conjugal e o tipo de guarda a ser instituída. Fundamenta-se na razão de que os pais, tendo seus filhos em sua companhia e no mesmo lar, podem regulamentar seu comportamento em relação aos fatores que possam vir a prejudicar os interesses do menor.

Os pais devem, além de prover o sustento dos próprios filhos, zelar pela sua formação, instruindo-lhes e criando-lhes de acordo com seus recursos e posição social, com o intuito de prepara-los para a vida e torna-los úteis a si mesmos, à família e à sociedade que o cerca, importando, o descumprimento de tal dever, na possível caracterização dos crimes de abandono material e intelectual previstas nos artigos 244 e 246 do Código Penal Brasileiro e responsabilização civil por eventuais danos morais causados aos filhos.

Maria Helena Diniz (2007, p. 516) entende o poder familiar é o conjunto de faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, como fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, seja físico, mental, moral, espiritual ou socialmente, sendo, a autoridade parental, o veículo instrumentalizados dos direitos fundamentais dos filhos, conduzindo-os à autonomia parental.

Assim, verifica-se com clareza que os pais são os titulares do poder familiar, chamado por alguns de pátrio poder, visto que eles que irão se certificar de cumprir os deveres derivados desse poder.

O exercício de tal poder se dá através das decisões tomadas pelos pais no sentido de salvaguardar os direitos transcritos dos infantes, como, por exemplo, cabe aos genitores a escolha do tipo e de instituição de ensino que desejam ver seus filhos introduzidos para que se efetive o direito à educação previsto constitucionalmente.

Cumpre salientar que a separação do casal genitor não gera a extinção ou suspensão do poder familiar, apenas o seu desmembramento, e que este poder familiar recai apenas sob os filhos, ou seja, jamais se poderá dizer que os netos estão sob o poder familiar dos avós.

Nesse sentido dispões Lôbo (2009, p. 277):

É assegurado o poder familiar de pais separados ou que tiveram os filhos fora dessas uniões familiares. Ainda que a guarda esteja sob a detenção de um, o poder familiar continua sob a titularidade de ambos os pais, sendo assegurado ao que não detém a guarda tem direito não apenas a visita aos filhos, mas a compartilhar decisões fundamentais que lhe dizem respeito.

Tal pensamento é extraído do artigo 1.632 do Código Civil atual, onde: “A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.

4 A GUARDA NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL

Ao se falar em guarda, facilmente conclui-se que esta, nada mais é, que o instituto de amparo dos filhos menores de 18 anos, sucedente do poder familiar, pelo qual se busca o bem estar e o melhor interesse da criança e do adolescente para que seja assegurado o direito a convivência familiar previsto na Constituição Federal.

Tal regime tem previsão implícita na Carta Magna de 1988, em seus artigos 227 e 229, ao assegurar à criança e ao adolescente o direito de ter um guardião para defendê-lo:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Com o advento da Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 22 e 33, o instituto da guarda passou a ter previsão expressa na ordem jurídica do país:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.

A leitura destes artigos por si só, explicitam a importância o acompanhamento dos pais à vida dos filhos, provendo-lhes o apoio e uma assistência fundamental a uma harmoniosa convivência familiar.

No entanto, deve-se atentar à diferenciação entre a guarda exercida pelos genitores e a guarda prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, onde é inserida como modalidade de colocação em família substituta, juntamente à tutela e à adoção, deduzindo-se a perda do poder familiar.

Sobre a guarda, elucida Lôbo (2009, p.169):

A guarda consiste na atribuição a um dos pais separados ou a ambos dos encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia do filho. Quando exercida por um dos pais diz-se unilateral e exclusiva, quando para ambos, compartilhada. Nessas circunstâncias, a guarda integra o poder familiar, dele se destacando para especificação do exercício.

Grisard Filho (2009, p. 130) dispõe que é inquestionável que a guarda compreenda o poder de reter o filho no lar, de tê-lo junto a si, de reger sua conduta, estando nela presente o dever de vigilância que, constante e lentamente, atua no desenvolvimento da personalidade do menor e na sua formação integral.

É no instante da cessação do vínculo conjugal que começam-se os debates sobre a titularidade guarda do(s) filho(s), que nem sempre ocorre de forma pacífica e consensual, priorizando sempre o bem estar do menor(es), vez que este bem estar independe da existência de vínculo conjugal entre os genitores.

Quando não se torna possível a resolução do conflito amigavelmente, impõe-se pela resolução deste na esfera judicial, onde o juiz, visando o melhor interesse do menor, ao decidir sobre a instituição da modalidade e da titularidade da guarda, deverá se utilizar de critérios como o interesso do menor, a idade e o sexo, irmão juntos ou separados, a opinião do menor e o comportamento dos pais.

Dito isto, cumpre asseverar sobre as modalidades de guarda presentes na ordem institucional do país. A modalidade de guarda mais vista no nosso cotidiano é a conhecida como originária ou comum, que surge após o vínculo matrimonial ou da união estável, com o resultado da maternidade e paternidade, não precisando de estipulação judicial. (FONTES, 2009, p. 42)

Partindo desse pressuposto, conclui-se que as demais modalidades de guarda advêm do rompimento de tal vínculo conjugal, sendo necessária a intervenção judicial nos casos de não composição amigável. São elas: a guarda exclusiva, alternada, nidação e compartilhada.

Vale destacar que, seja qual for a modalidade de guarda adotada, deve ser assegurado ao genitor que não detém a guarda o direito de visita, conforme dispõe o artigo 1.589 do Código Civil:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visita-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

4.1 Guarda Compartilhada

Em 13 de junho do ano de 2008, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva proferiu a sanção da Lei nº 11.968/2008 que alterou substancialmente o modelo de aplicação da guarda dos filhos menores.

A referida lei instituiu a guarda compartilhada como preferência no sistema de guardas quando não houver acordo entre os genitores, só podendo ser afastada, de acordo com cada caso, pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

A guarda compartilhada será exercida concomitantemente por ambos os pais separados, objetivando a garantia dos filhos à convivência e o livre acesso àqueles. Aqui, por conseguinte, não se faz necessário a definição de visitas, visto que os menores passarão tempo com ambos os genitores e serão por eles formados com igualdade de condições.

Destarte, não é admitido que nenhum dos pais se desobrigue das suas responsabilidades pois estes, mesmo separados conjugalmente, continuarão encarregados de gerir a vida dos filhos.

Outra característica desta guarda é a estipulação da residência de um dos pais, onde permanecerá. Isto ocorre para que o infante tenha um lar como referência para suas relações, mesmo com a liberdade de frequentar a do outro, sem qualquer tipo de impedimento.

Acentua-se que, para o sucesso dessa medida, os pais devem manter uma relação harmônica e um bom diálogo para que um pai não influencie a opinião do filho sobre o outro pai.

Grisard Filho traz ela como “um chamamento dos pais que vivem separados pra exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na constância da união conjugal ou de fato.” (FONTES, 2009, p. 36).

No dia 22 de dezembro de 2014, o instituto da guarda compartilhada sofreu algumas alterações com o advento da Lei 13.058/2014 sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff, conforme será analisado no tópico seguinte.

5 AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.058/2014

Tal lei adveio do Projeto da Câmara nº 117/2014, de autoria do deputado Arnaldo Faria de Sá. De acordo com ele, “a redação da Lei nº 11.968/2008 induzia os magistrados a decretar a guarda compartilhada apenas nos casos em que os pais mantivessem uma boa relação após o final do casamento ou união estável, evitando o uso do instituto justamente naqueles casos em que ele seria mais necessário, que é na situação de desacordo ou por consenso das partes”.

Ela alterou substancialmente os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil. Após a leitura destes artigos, com a referida modificação, verifica-se com clareza o intuito do legislador em preservar o melhor interesse da criança e do adolescente e seu direito à convivência familiar.

Analisando detidamente a nova lei, verifica-se que, agora, a guarda compartilhada terá tempo de convívio com os filhos dividido de forma equilibrada entre os genitores e que a cidade que será considerada como base de moradia do menor será aquela que melhor atender aos interesses do infante de acordo com cada caso.

Outro ponto de destaque é o rol apresentado pelo artigo 1.634 do Código Civil, trazendo a competência dos pais enquanto titulares do pleno exercício do poder familiar, independentemente da modalidade de guarda atribuída.

Alterou o §4º do artigo 1.584 do Código Civil, excluindo a possibilidade de redução de número de horas de convivência com o filho do genitor que descumprir imotivadamente cláusula da guarda definida.

Ela também incluiu o §5º no artigo 1.583 Código Civil, dispondo que a guarda unilateral obriga o genitor que não detém a guarda a supervisionar os interesses do filho, podendo solicitar informações e prestações de contas em assuntos ou situações que afetem a saúde física e psicológica e a educação deste.

Do mesmo modo, a referida lei também somou ao ordenamento norma obrigando qualquer estabelecimento público ou privado a prestar informação a qualquer dos genitores sobre seus filhos, sob pena de multa diária, sendo inserido como §6º do artigo 1.584 da legislação civil.

Dentre todas as alterações feitas pela Lei nº 13.058/2014, a mais polêmica delas é a que foi consignada no §2º do artigo 1.583 do Código Civil, modificando sistematicamente o método de aplicação da guarda compartilhada.

O citado artigo fez com que, quando não houver acordo entre os genitores e ambos estiverem aptos a exercer o poder familiar, a guarda compartilhada deverá ser instituída pelo juiz, ou seja, a instituição de guarda compartilhada deixou de ser medida preferencial para ser medida de aplicação obrigatória quando presentes os requisitos elencados.

A única hipótese de não aplicação da guarda compartilhada quando cumpridas as condições descritas no próprio artigo é se um dos genitores, independentemente de gênero, declarar ao magistrado que não seja ser o detentor da guarda do menor.

Quanto à pensão alimentícia, diante da situação dos pais serem igualmente responsáveis pela criança, caberá ao magistrado estipular uma quantia de acordo com a razoabilidade e a proporcionalidade, já que ambos terão despesas perante o infante.

Acontece que tal previsão legal vem sendo alvo de reiteradas críticas pelos demasiados doutrinadores e juristas brasileiros, sustentando que tal obrigatoriedade não pode ser exercida de modo absoluto, observando-se cada caso com suas peculiaridades.

Flávio Tartuce (2015) integra o time que rebate essa alteração:

Infelizmente, a lei nº 13.058/14 confirma essa última forma de pensar o Direito, impositiva, e acreditamos que trará mais problemas do que soluções, especialmente porque a modalidade que passa a ser obrigatória não é a guarda compartilhada, mas a guarda alternada. Imagine-se, por exemplo, as hipóteses de cônjuges que residam em locais distantes ou em cidades diferentes. Como impor uma alternância de lares em situações tais? Acredita-se que a norma simplesmente não terá aplicação em muitos casos concretos familiares.

As discussões partem da premissa de que essa norma não se mostra inteiramente apta a atender e garantir o melhor interesse da criança e do adolescente, asseverando que o fato da ausência de acordo entre os genitores quanto a guarda por si só já evidencia a falibilidade de sua instituição.

O professor Márcio André Lopes (2014) segue a mesma linha de raciocínio de Tartuce, ao expor que:

A guarda compartilhada exige como pressuposto que haja um mínimo de convivência harmônica entre os pais, já que as decisões a respeito do filho deverão ser tomadas em conjunto, com base no diálogo e consenso. Ora, se os pais da criança não gozam de uma relação harmoniosa, é extremamente improvável que consigam dialogar e decidir, de forma amistosa, pontos conflituosos em relação ao filho, como, por exemplo, a escola em que ele irá estudar, o tempo que cada um passará com a criança, as obrigações de cada genitor etc. Na guarda compartilhada muito pouco adianta que tais cláusulas sejam impostas pelo juiz porque o Poder Judiciário não terá condições de acompanhar, na prática, o cumprimento de tais medidas e a sua efetividade será mínima se não houver disposição e compromisso dos pais em respeitá-las.

Já Maria Berenice Dias (2015), entende que a criação da lei se mostrou de suma importância para o quadro familiar nacional, sustentando que o novo modelo de co-responsabilidade é um avanço, pois favorece o desenvolvimento das crianças com menos traumas, propiciando a continuidade da relação dos filhos com seus dois genitores e retirando da guarda a ideia de posse.

Constata-se que os posicionamentos dos doutrinadores que concordam com a alteração legal parte de uma premissa garantista, priorizando o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

João Roberto Fargetti (2015) apoia o entendimento positivo supracitado:

O que se pode perceber é que com a Guarda Compartilhada como regra busca-se a preservação do convívio harmonioso entre filhos e pais separados, tendo em vista, tratar-se de interesses de um menor em formação e que, para tanto carece de um plano familiar estruturado ou que melhor se aproxime desse ideal.

Ante tais colocações, entende-se que a medida se mostra como meio hábil a coibir eventuais influências de opiniões que os menores venham a sofrer por um genitor em face do outro. No entanto, para que esta atinja sua finalidade básica, é necessário que haja a ponderação e análise específica de cada caso.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo, demonstrou algumas conceituações básicas inerentes à relação familiar visando a explanação das alterações trazidas ao ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.058 de 22 de dezembro de 2014, detalhando as modificações mais importante.

Foi possível analisar os princípios norteadores do direito de família, expressos ou não na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais, que defendem precipuamente o respeito e a isonomia do âmbito familiar.

Outro ponto de destaque é a conceituação e atribuição do poder familiar no cenário nacional, que será exercido pelos genitores do menor, estejam eles juntos ou separados, visando o interesse deste.

Verificou-se, outrossim, o instituto da guarda e que somente se fará essencial a instituição de uma das suas modalidades quando houver dissolução da sociedade conjugal, seja ela formada por matrimônio ou união estável.

Tem-se, portanto, que a definição da guarda dos filhos menores será estipulada pelos genitores, quando houver consenso, ou pelo magistrado quando o litígio permanecer.

Salienta-se aqui o advento da Lei nº 13.058/2014 que desconstituiu parte da discricionariedade que o juiz possuía para instituir a guarda compartilhada, deixando-o obrigado a decretar esta quando não houver consenso entre os genitores, desde que cumpridos os requisitos constantes na referida lei, quais sejam, a aptidão e o interesse de ambos em exercê-la.

Diversas são as críticas apresentadas em face de tal norma, sustentando, a tese de que esta não atende plenamente aos interesses da criança e do adolescente, pois não se importa diretamente com as particularidades de cada caso como era feito antes de sua promulgação.

Em contrapartida, há doutrinadores que defendem a aplicação deste instituto de forma obrigatória, pois ele favorece a continuidade da relação dos pais com seus filhos, evitando qualquer tipo de prejuízo nesse sentido que possam vir a sofrer.

Assim, conforme todo o exposto, conclui-se que a Lei nº 13.058/2014 com suas alterações à legislação civil, visa efetivar o direito ao convívio familiar de todos os menores, bem como, assegurar a ambos os pais a participação no desenvolvimento social e psicológico de seus filhos, devendo-se sempre priorizar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente assegurado na ordem nacional, analisando-se cada caso concretamente.

REFERÊNCIAS

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_______. Lei nº 10.406/02. Institui o Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 07 de abril de 2015.

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_______. Lei nº 13.058/14. Dispõe sobre o significado da expressão guarda compartilhada e sua aplicação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm>. Acesso em: 08 de abril de 2015.

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THE INNOVATIONS BROUGHT TO BRAZILIAN LAW BY LAW N.º 13,058/2014

ABSTRACT

In the present article analyzes the institute of joint custody, its concept and legal treatment as well as the changes it made with the enactment of Law N.º 13,058/2014, highlighting some conflicting doctrinal positions on change in application of that institute . Emphasis is placed on the principles of human dignity, family solidarity, equality, family life and the best interests of children and adolescents, guiding the family relationship. It covers, moreover, the concept, the rights, duties and inherent characteristics of the family power, emphasizing its non-waiver, incompatibility with the transaction, indelegabilidade and imprescriptible. So, given the changes, joint custody became mandatory measure when both parents are able to exercise it and there is no consensus among them.

Keywords: Joint custody. Principles. Family power.

  • Direito de Família
  • Poder Familiar
  • Guarda
  • Guarda Compartilhada
  • Lei n.º 13.058/2014
  • Princípios
  • Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
  • Princípio da Solidariedade Familiar
  • Princípio da Igualdade
  • Princípio da Convivência Familiar
  • Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adol


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