O artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor trata do instituto da prescrição:
Art. 27 – Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Parágrafo único – (VETADO)[29].
Portanto “O artigo trata da prescrição do direito de pleitear judicialmente a reparação pelos danos causados por um acidente de consumo (responsabilidade pelo fato do produto e do serviço – arts. 12 a 17)” (GARCIA, 2008, p. 171).
Leonardo de Medeiros Garcia, ressalta o ensinamento de Zelmo Danari[30] que “a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre da exteriorização de um vício de qualidade, vale dizer, de um defeito capaz de frustrar a legítima expectativa do consumidor quanto à sua fruição. (...) um produto ou serviço é defeituoso, da mesma sorte, quando sua utilização ou fruição é capaz de adicionar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros. Nesta hipótese, podemos aludir a um vício ou defeito de insegurança do produto ou serviço. (...) A insegurança é um vício de qualidade que se agrega ao produto ou serviço como um novo elemento de desvalia. De resto, em ambas as hipóteses, sua utilização ou fruição suscita um evento danoso (eventus damni) que se convencionou designar ‘acidente de consumo’” (GARCIA, 2008, p. 171 e 172).
Levanta-se, no entanto, a questão quanto à aplicação da regra estabelecida no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, se estaria tão somente restrita a acidentes de consumo (a existência de vício de qualidade por insegurança) ou se seria possível aplicá-la de forma geral a todas as ações indenizatórias resultantes de uma relação de consumo.
Na opinião de Leonardo de Medeiros Garcia “Ao que parece, o CDC não desejou disciplinar toda espécie de responsabilidade. Somente o fez em relação àquelas que entendeu ser específicas para relações de consumo. Nesse sentido é que deu tratamento diferenciado para a responsabilidade pelo fato e por vício do produto e serviço, deixando outras modalidades de responsabilidade serem tratadas em normas específicas ou no Código Civil” (GARCIA, 2008, p. 172).
Por essa ótica, não haveria o que se falar, então, em generalizar a aplicação do referido artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor a todas as ações indenizatórias com origem em relação de consumo, mas tão somente àquela taxativamente prevista na norma, limitando o seu emprego às situações relativas à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço previstos nos artigos 12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, que regulam especificamente a responsabilidade civil pela reparação dos danos causados pelo fornecedor aos consumidores em razão de defeitos relativos ao produto ou à prestação do serviço.
E na mesma direção temos o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“O art. 27 do mesmo diploma legal cuida somente das hipóteses em que estão presentes vícios de qualidade do produto por insegurança, ou seja, casos em que o produto traz um vício intrínseco que potencializa um acidente de consumo, sujeitando-se o consumidor a um perigo eminente” (STJ, REsp 114473 / RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 05/05/1997).
Nesse mesmo sentido:
“Em ação de indenização, sendo a causa de pedir o inadimplemento contratual, não incide o prazo prescricional estabelecido no art. 27 do CDC, aplicável somente à hipótese de danos decorrentes de acidente de consumo” (STJ, REsp 476.458-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/08/2005).
“A ação de indenização decorrente do inadimplemento do contrato de transporte, por atraso de vôo, não se aplica o art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, dispondo essa norma a propósito da decadência em trinta (30) dias no caso de vício aparente, de fácil constatação. De qualquer forma, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o prazo prescricional do art. 177 do Código Civil (CC/1916) subsiste mesmo com o advento do Código de Defesa do Consumidor, considerando que suas disposições não se confundem” (STJ, Resp 304705-RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 13/08/2001).
“O Código de Defesa do Consumidor, como lei nova, estabeleceu disciplina especial apenas quanto à ação de reparação de danos por fato de serviço, não revogando o art. 178, § 6º, II, do Código Civil (206, § 1º, II do Novo Código Civil), dispositivo mais amplo, pois engloba toda e qualquer ação entre segurado e segurador. A jurisprudência desta Corte, consolidada por sua Súmula 101, posterior, inclusive, ao Código de Defesa do Consumidor, é no sentido de que a ação do segurado contra a seguradora, decorrente do contrato de seguro, prescreve em um ano” (STJ, REsp 255147-RJ, DJ 02/04/2001, Rel. Min. Waldemar Zveiter).
Não obstante as divergências doutrinárias, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem interpretando o artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor de modo mais amplo, entendendo que o prazo de cinco anos, disposto na norma, deverá ser aplicada toda ver que existir ação de natureza condenatória em uma relação de consumo.
No entanto, Leonardo de Medeiros Garcia ressalta que o S.T.J. não vem aplicando, de forma pacífica, o prazo do artigo 27 no caso de ações entre segurados e seguradora, no que emprega o prazo prescricional de um ano, na forma do artigo 206, parágrafo 01º, inciso II, do Código Civil Brasileiro (GARCIA, 2008, 174).
Todavia, mesmo não sendo caso de acidente de consumo, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela aplicação do artigo 27, estabelecendo a prescrição qüinqüenal:
“Direito do consumidor. Oferecimento de curso de mestrado. Posterior impossibilidade de reconhecimento, pela CAPES/MEC, do título conferido pelo curso. Alegação de decadência do direito do consumidor a pleitear indenização. Afastamento. Hipótese de inadimplemento absoluto da obrigação da instituição de ensino, a atrair a aplicação do art. 27 do CDC. Alegação de inexistência de competência da CAPES para reconhecimento do mestrado, e de exceção por contrato não cumprido. Ausência de prequestionamento. Na esteira de precedentes desta Terceira Turma, as hipóteses de inadimplemento absoluto da obrigação do fornecedor de produtos ou serviços atraem a aplicação do art. 27 do CDC que fixa prazo prescricional de cinco anos para o exercício da pretensão indenizatória do consumidor” (STJ, REsp 773994-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 18/06/2007).
“Consumidor. Recurso especial. Danos decorrentes de falha na prestação do serviço. Publicação ioncorreta de nome e número de assinante em listas telefônicas. Ação de indenização. Prazo. Prescrição. Incidência do art. 27 do CDC e não do art. 26 do mesmo código. – O prazo prescricional para o consumidor pleitear o recebimento d indenização por danos decorrentes de falha de prestação de serviço é de 5 (cinco) anos, conforme prevê o art. 27 do CDC, não sendo aplicável, por conseqüência, os prazos de decadência, previstos no art. 26 do CDC. – A ação de indenização movida pelo consumidor contra a prestadora de serviço, por danos decorrentes de publicação incorreta de seu nome e/ou número de telefone em lista telefônica, prescreve em cinco anos, conforme o art. 27 do CDC” (STJ, REsp 722510-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01/02/2006).
Acompanhando a posição mais ampla do Superior Tribunal de Justiça, o Professor Rizzatto Nunes ensina que o prazo prescricional do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor refere-se ao direito de “pleitear indenização por defeito” conforme a Seção II do Capítulo IV desse msmo diploma legal; no que “o defeito gera um dano material (dano emergente e/ou lucros cessantes) e/ou moral, criando o direito do consumidor de receber indenização por tais danos”. (NUNES, 2009, p. 405).
Rizzatto Nunes expõe que “[...] a referida Seção II regula toda espécie de defeito que ocorre pelo fato do produto ou do serviço, de maneira que, sempre que o consumidor sofrer dano por defeito que diretamente, como lá está expressamente tratado, quer indiretamente, como conseqüência do não-cumprimento da obrigação de resolver o vício, conforme extabelecido no inciso II do § 1º do art. 18, no inciso III do art. 19 e no inciso II do art. 20, aplica-se o período prescritivo fixado no artigo em comento”. E conclui: “Na verdade, toda e qualquer situação relativa a relação jurídica de consumo que gerar dano por defeito está enquadrada na norma do art. 27” (NUNES, 2009, p. 405).
Nessa esteira, no confronto de prazos prescricionais entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, em face de pretensão a ressarcimento pelo dano civil causado em uma situação relativa à relação jurídica de consumo, não haveria o que se falar no prazo trienal do artigo 206, parágrafo 03º, inciso V, do Código Civil de 2002, prevalecendo o prazo qüinqüenal do Código de Defesa do Consumidor (NUNES, 2009, p. 407).
Não obstante, temos situações extraordinariamente interessantes como a decisão do Supremo Tribunal Federal (infra transcrito na íntegra) que, em o caso de indenização de danos causados em contrato de transporte internacional, decidiu pela aplicação do prazo prescricional de dois anos previsto no artigo 29 da Convenção de Varsóvia[31]:
RE 297.901 – S.T.F.
Segunda Turma
Recurso Extraordinário 297.901-5 Rio Grande do Norte
Relatora : Min. Ellen Gracie
Recorrente : Viação Aérea São Paulo S/A - Vasp
Advogados : João Câncio Leite de Melo e Outros
Recorrida : Janekelly Ribeiro Rêgo
Advogados : Camila Léllis Galvão de Souza e Outro
PRAZO PRESCRICIONAL. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
1. O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99).
2. Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos.
3. Recurso provido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 7 de março de 2006.
Ellen Gracie - Relatora
Supremo Tribunal Federal
Diário da Justiça de 31/03/2006
R E L A T Ó R I O
A Senhora Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de recurso extraordinário, com fulcro no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cível e Criminal de Natal, Estado do Rio Grande do Norte. 2. A decisão recorrida entendeu que, no conflito entre as normas do Código de Defesa do Consumidor e daConvenção de Varsóvia sobre a prescrição, em ação de indenização do passageiro contra empresa aérea, prevalecem as disposições mais favoráveis do Código, que estabelecem o prazo prescricional de cinco e não de dois anos. 3. A recorrente sustenta que a decisão recorrida ofende os arts. 5º, § 2º, e 178 da Constituição Federal. Argumenta que prevalecem, no âmbito interno, as normas estabelecidas em tratados internacionais, pois estes têm hierarquia superior às leis. Por outro lado, afirma ainda, a Convenção de Varsóvia é lei especial, e o Código de Defesa do Consumidor é lei geral, e aquela se sobrepõe a este, como determina a Lei de Introdução ao Código Civil. 4. As contra-razões pugnam pela manutenção da decisão recorrida (fls. 110/117). O parecer da Procuradoria-Geral da República opina pelo não-provimento do recurso (fls. 127/131).
É o relatório.
V O T O
A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1. No julgamento de caso semelhante, a Primeira Turma desta Corte entendeu que a alegação de ofensa ao art. 5º, § 2º, da Constituição Federal não ocorre, pois esse dispositivo se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99). Não é cabível, pois, o recurso extraordinário nesse ponto. 2. Já no que se refere à sustentada supremacia da Convenção de Varsóvia, com relação ao Código de Defesa do Consumidor, observo que, no julgamento de conflito entre norma da Convenção de Genebra e o Decreto-Lei 427/69, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que leis internas posteriores revogam os tratados internacionais (RE 80.004, redator para o acórdão o Min. Cunha Peixoto, DJ 29.12.77). Não obstante, na hipótese ora em julgamento, cabe observar que o art. 178 da Constituição Federal de 1988 expressamente estabeleceu que, quanto à ordenação do transporte internacional, a lei observará os acordos firmados pela União. Assim, embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso de contrato de transporte internacional aéreo, em obediência à norma constitucional antes referida, prevalece o que dispõe a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos, não o de cinco anos, do Código de Defesa do Consumidor. 3. Dou provimento ao recurso.
Supremo Tribunal Federal
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.
2ª Turma, 07.03.2006.
Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves. Carlos Alberto Cantanhede Coordenador
Supremo Tribunal Federal.