A PSICOPATIA À LUZ DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA: Aplicação da ideia penal.


08/07/2024 às 16h32
Por Letícia M. Bessega

Consubstanciado na investigação minuciosa ante as personalidades de indivíduos com psicopatia, discutindo a aplicação da pena ideal e destacando a polêmica entre Doutrina e Jurisprudência sobre as sanções aplicadas a indivíduos altamente perigosos. O presente artigo explora o conceito de psicopatia, sua evolução histórica, principais transtornos de personalidade e casos de grande repercussão, evidenciando o início de vidas de barbárie. O estudo também aborda a imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade em relação ao Código Penal brasileiro. Conclui-se que os psicopatas não devem ser beneficiados pelo artigo 26, parágrafo único, mas sim, sujeitos a medidas de segurança por tempo indeterminado. Essa abordagem visa individualizar a pena, afastando esses indivíduos da sociedade e dos presos comuns, assegurando a preservação de todos. Profissionais altamente qualificados devem fornecer o tratamento necessário e mantê-los afastados pelo tempo que for preciso, mesmo que seja até o final de suas vidas.

O presente estudo perquiriu a temática referente à responsabilidade penal do psicopata à luz do ordenamento jurídico-penal brasileiro, utilizando-se de casos de criminosos comuns, bem como alguns que ganharam repercussão na mídia nacional e internacional, objetivando identificar a solução jurídica encontrada para cada situação, isto é, se o réu foi considerado plenamente inimputável ou semi-imputável, e, neste último caso, se foi ou não aplicada medida de segurança de internação. Para que se verifique a inimputabilidade destes agentes, tem sido cada vez mais necessária a interdisciplinaridade entre o direito, a psiquiatria e a psicologia forense. Estudar a mente deste grupo de criminosos e suas personalidades, além dos elementos sociais e antropológicos que normalmente os doutrinadores focam, torna-se de suma relevância frente a uma sociedade que desconhece seus delinquentes.

A lacuna em relação à psicopatia é muito significativa. Como se pôde observar, não há nenhuma norma legal vigente que especifique qual tratamento será aplicado a tais indivíduos, seja para determinar a realização de exame criminológico com base em plena justificativa, seja para os fins de aplicar a sanção penal mais adequada ao caso, como por exemplo, pena privativa de liberdade ou medida de segurança, pois o Brasil ainda não utiliza mecanismos como o PCR-L, que ajuda a medir a periculosidade do agente. O Código Penal brasileiro dispõe apenas de forma genérica sobre a conceituação de imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade, não enquadrando, contudo, os agentes criminosos diagnosticados com psicopatias em uma ou outra classificação, como foi objeto de projeto de lei pelo Senador Romeu Tuma, já falecido, que objetivava emendar o Código Penal acrescentando três parágrafos conceituando assassinos em série.

Ademais, verificou-se que a escassa produção doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema deixa os juízes, por muitas vezes, sem qualquer embasamento teórico para decidir diante de casos que exigem alta complexidade. Por isso, torna-se extremamente importante a atuação conjunta do Poder Judiciário e dos profissionais do ramo da psiquiatria e da psicologia, os quais, mediante um estudo aprofundado do agente criminoso, sua mente e personalidade, com a consequente confecção do laudo para cada caso, auxiliariam de forma especial o enquadramento da responsabilidade penal do psicopata.

A pesquisa jurisprudencial realizada, em especial dos arestos do TJ/DFT e do TJ/RS, demonstrou que os Tribunais têm entendido que o psicopata, ao possuir capacidade de entendimento cognitiva preservada, não consegue, por vezes, se determinar diante da situação da capacidade volitiva, resultando, assim, na semi-imputabilidade ou inimputabilidade previstas no artigo 26, parágrafo único, do Código Penal. A imputabilidade é verificada no Brasil pelos critérios biológico e biopsicológico, aferindo-se se no momento da prática do injusto o agente era portador de alguma doença mental grave, que dificultasse ou tornasse impossível a capacidade de entendimento da ação e, posteriormente, verificando-se o nível de personalidade e o grau de periculosidade determinados de acordo com este entendimento.

A inimputabilidade por doença mental é uma forma que o Estado possui de proteger do rigor do setor penitenciário aqueles que não detêm qualquer discernimento do caráter ilícito de suas condutas. A esses indivíduos é aplicada a denominada “absolvição imprópria”, segundo a qual o inimputável é absolvido, porém é submetido a tratamento de custódia em casas psiquiátricas pelo tempo máximo de até trinta anos, conforme estabelecido em nosso Código Penal a respeito das penas carcerárias. A medida de segurança, que é sanção penal e que, segundo o Código Penal, não possui prazo máximo de duração determinado, equiparando-se ao prazo máximo da durabilidade do cumprimento da pena, possui como finalidades a cura e a prevenção especial. É curativa porque visa ao tratamento do inimputável, e preventiva especial porque evita o contato do agente incapaz com a sociedade, enquanto não for cessada a sua periculosidade.

Porém, o Brasil ainda enfrenta paradigmas quanto à admissibilidade de falar sobre esses indivíduos. O psicopata é um ser não dotado de consciência emotiva, que praticamente não possui atividade cerebral na região do sistema límbico (região das emoções). É um ser eminentemente racional. É considerado por alguns juristas como agente semi-imputável, isto é, aquele que não possui total capacidade de discernir o caráter ilícito da conduta. Deste modo, seguindo esta linha de posicionamento, esses indivíduos fazem jus a uma redução da pena aplicada ou substituição desta pela medida de segurança. Contudo, estudos realizados por especialistas no assunto, como o psicólogo canadense Robert Hare, afirmam peremptoriamente que, nos dias atuais, a psicopatia não possui cura ou tratamento eficaz, apenas ajuda a identificar dentre esses quais se destacam entre os mais perigosos.

Dessa maneira, a aplicação da medida de segurança ao psicopata, apesar de mais recomendável para a segurança da sociedade em geral, não atingiria sua finalidade primordial de medida curativa, sendo desnaturada. Como consequência, seria transformada em uma verdadeira privação de liberdade sem prazo determinado, que pode durar vários anos ou inclusive toda uma vida, pois na maioria das vezes são abandonados por seus familiares e permanecem nos hospitais psiquiátricos até seus dias finais. Conclui-se que, apesar de todos os esforços da comunidade médica e jurídica para encontrar uma solução para a problemática dos psicopatas criminosos no mundo, até o presente momento a alternativa que se mostra mais viável é o isolamento desses indivíduos por intermédio das medidas de segurança, através da criação de uma política criminal que determine um regime de prisão especial para esses até o dia em que a ciência desenvolva alguma espécie de cura ou de tratamento eficaz para combater essa, até então, pseudo-patologia mental.

Todavia, há de se observar que somente se afigura proporcional a manutenção de indivíduos comprovadamente psicopatas em medidas de segurança se os crimes por eles praticados forem graves, tais como homicídios, latrocínios e estupros. Isso porque, de outra forma, princípios jurídicos como o da razoabilidade seriam feridos frontalmente, conservando-se tais indivíduos privados por tempo indeterminado de sua liberdade em decorrência do cometimento de ilícitos menos gravosos, como furtos ou contravenções penais.

  • direito penal

Referências

Monografia de conclusão 

Pós-Graduação em Ciências Penais. 

PUCRS


Letícia M. Bessega

Bacharel em Direito - Caxias do Sul, RS


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