Trabalho Infantil e a Precarização da Educação


21/06/2017 às 10h16
Por Levy Rangel Matias

Desde os primórdios há de se falar na pratica laboral infantil, quando se fazia necessário a instrução de uma criança ainda no seio do lar, para que no futuro pudesse desenvolver uma atividade. Com os avanços históricos, econômicos e sociais, esta modalidade de trabalho passou a tomar rumos diferentes.

Hoje o Trabalho Infantil é uma realidade que decorre da situação econômica de muitas famílias e acabam gerando problemas socioeconômicos maiores ainda. No Brasil, por sua dimensão continental é difícil coibir tal prática. Há muito se tem buscado soluções para a minimização/ erradicação do trabalho infantil, seja por meio de normatizações ou criações de projetos e políticas públicas.

Tal fenômeno cresce concomitantemente com a evasão escolar e o analfabetismo, o que agrava a situação das crianças e adolescentes do Brasil. São crianças que tem seu desenvolvimento educacional prejudicado, seja pelo próprio compromisso com os estudos como em muitos casos, na dificuldade de assimilar conteúdos, em vista do cansaço. Pode-se conceituar trabalho infantil como sendo toda forma laboral exercida por crianças e adolescentes, abaixo da idade mínima legal permitida para o trabalho, conforme legislação brasileira, assim como , as Convenções promovidas pela OIT (nº132, 182). Não havendo um conceito próprio, mas sim a definição de uma condição para qualificá-lo como tal, sendo considerado como trabalho infantil aquele realizado por menores de 14 anos de idade, em conformidade com a Convenção 138 da OIT.

Trabalho este que decorre na maioria das vezes da carência financeira de uma família, principal fator responsável pela exploração de crianças e adolescentes, bem como a desigualdade social, associados à falta de políticas públicas.

A princípio, o trabalho infantil era exercido no âmbito familiar, uma vez que o pai passava ensinamentos de sua experiência ao filho desde cedo. As atividades praticadas não reproduziam conseqüências negativas ao menor. Desse modo, a criança aprendia a viver, trabalhar e se sociabilizar através da convivência com os adultos, que a faziam de maneira saudável. (BARROS, 2008).

Os valores do trabalho foram sendo alterados à medida que o contexto histórico se modificava. Na idade média, as corporações de ofício se utilizavam de crianças, que trabalhavam sem nada receber, sob os olhares atentos de seus mestres. Foi no mundo moderno que o trabalho infantil se tornou uma questão social, devendo ser tutelada. Essa força de trabalho passou a ser utilizada em larga escala e exercida em péssimas condições, o que colocava em risco não apenas a saúde, mas a própria vida da criança.

Com a Revolução Industrial e a ascensão do capitalismo o trabalho infantil assumiu forma de mercadoria com fim de diminuir custos produtivos. Justamente nesse período o trabalho que antes era doméstico, passou a competir com a mão de obra adulta, em especial nos momentos de crise. Tornando-se a única renda da família e não mais um complemento. (MATIAS NETO, 2010)

Os resultados sociais à época eram os piores, analfabetismo, doenças e acidentes causados pelo trabalho, além da pobreza. A partir de então, na Inglaterra em 1802, por iniciativa de Robert Peel, deu-se inicio a proteção a criança e ao adolescente, com MORAL AND HEALTH ACT. Logo após, propagou-se na Europa diversas medidas de proteção ao trabalho do menor. ((BARROS, 2008, p.306)

A Conferência de Berna, em 1913, objetivou estabelecer duas novas diretrizes fixando a proibição do trabalho dos menores na indústria e a limitação da jornada máxima de dez horas para o trabalho das mulheres e dos menores. (MATIAS NETO, 2010)

Tais diretrizes surgiram a partir das Convenções, nº 5 e nº 6, respectivamente, pertencem à Organização Internacional do Trabalho, entidade diretamente ligada a ONU, que surgiu após a primeira guerra mundial, cuja Constituição converteu-se em parte do Tratado de Versailles em 1919, que por sua vez, no art. 427, da Consolidação das Leis Trabalhistas, suprimiu o trabalho das crianças e obrigou a fixação de limitações necessárias para o trabalho de adolescentes, permitindo-lhes continuar sua instrução, e assegurou-lhes seu desenvolvimento físico.

Nesse diapasão, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, por sua vez, aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia das Nações Unidas, também se preocupou em proteger o menor, quando no art. XXV expôs que “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas de matrimônio ou fora dele, têm direito a igual proteção social”.

Imprescindível relatar que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, ambos adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, foram ratificados por 135 países, dentre eles o Brasil. Reafirmaram-se, assim, os princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, dentre eles, a proteção às crianças e adolescentes da exploração econômica, como, também, de qualquer espécie de trabalho que pudesse prejudicar o seu pleno desenvolvimento.

Por fim, a Convenção dos Direitos da Criança, de 1989, no mesmo sentido, no art. 32, dispôs que os países signatários reconhecem “o direito da criança de ser protegida contra a exploração econômica e contra a execução de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou prejudicar sua educação, ou nocivo à sua saúde ou ao seu desenvolvimento físico, mental, moral e social”.

O Direito e a História vivem em regime de mútua influência. De fato o Direito acompanha a evolução dos fatos históricos, que em conjunto dão rumo a uma sociedade. O Direito que regulamenta esses avanços, com a criação de garantias para que esse desenvolvimento se dê de forma igualitária e correta. A normatização de fenômenos como o trabalho infantil, estabelecendo limites de idade e possíveis exceções, é uma dessas garantias conferidas às crianças e adolescentes.

De fato o trabalho infantil é um fenômeno mundial, como tal necessitou de regulamentações, diretrizes e políticas públicas internacionais de prevenção, redução, erradicação e controle. Na busca de minimizar os danos decorrentes do trabalho infantil, entidades internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), tem expedido normatizações e criado programas de denuncia a pratica laboral infantil A Organização das Nações Unidas, fundada em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, apresenta como objetivos a facilitação da cooperação em matéria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento econômico, progresso social, direito humanos e a realização da paz mundial. Eis que no contexto de direitos humanos e progresso social encontra-se presente a erradicação do trabalho infantil. Com a criação da Convenção sobre os Direitos da Criança, por meio da Assembléia Geral (órgão das Nações Unidas), em 20 de Novembro de 1989, a ONU vislumbrou garantir todos os direitos fundamentais a formação de uma criança.

A Organização Internacional do Trabalho faz-se presente no combate ao trabalho infantil desde sua criação em 1919, que tem seu funcionamento ligado a ONU, cujo objetivo é regular as relações de trabalho a nível internacional por meio de Convenções a serem ratificadas por seus países integrantes e projetos como exemplo o mais recente “Cartão Vermelho ao Trabalho Infantil” que objetivo de aproveitar a popularidade do esporte para sensibilizar a sociedade para a grave situação de em que vivem cerca de 250 milhões de crianças entre 5 e 14 anos em todo o mundo.

São convenções como as nº 05, 06, 16, 58, 138, 142 e 182, ratificadas pelo Brasil, que buscam a exclusão do labor infantil.

Por fim a UNICEF, que tem como objetivo promover a defesa dos direitos das crianças e ajudar a dar resposta às suas necessidades básicas além de contribuir para o seu pleno desenvolvimento. A fim de erradicar com o trabalho infantil tem criado projetos de denuncia.

No âmbito nacional, as Constituições de 1824 e 1981 foram omissas sobre o trabalho do menor. A partir da Constituição de 1934 vedou-se o trabalho dos menores de 14 anos, bem como o trabalho noturno aos menores de 16 anos e em indústrias insalubres aos menores de 18 anos (art.121,§1º, d). A Constituição de 1967 apenas proibiu o trabalho do menor de 12 anos como também o noturno e o insalubre. A Constituição de 1988 por sua vez, proibiu a diferença de salário, de exercício de função e de critério de admissão por motivo de idade, como se observa no inciso XXX, do art.7º, já o inciso XXXIII, do mesmo artigo, voltou a fixar o limite de trabalho a idade de 14 anos, contudo, com a exceção aos aprendizes, tornou a proibir o trabalho noturno, insalubre e perigoso aos menores de 18 anos. (BARROS, 2008, p.311). Tem-se ainda na Constituição vigente, em seu artigo 227, como dever da FAMÍLIA, SOCIEDADE e do ESTADO assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, profissionalização, cultura e dignidade, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, crueldade e opressão.

A Consolidação das Leis Trabalhistas, garante ao trabalhador adolescente entre 14 e 18 anos uma série de proteções especiais, detalhadas em seu Capítulo IV (artigos 402 a 441). Entre elas, a proibição do trabalho em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, e em horários e locais que não permitam a frequência à escola (art. 403, § único). A CLT concede, também, ao trabalhador estudante menor de 18 anos, o direito de fazer coincidir suas férias com as férias escolares (art. 136, § 2º).

Conforme supra mencionado e constatado em pesquisas realizadas por fundações como UNICEF e a própria OIT, o trabalho infantil tem se apresentado como grande agravante no ensino das crianças brasileiras. São crianças que em face da baixa renda familiar, são colocadas para trabalhar, tornando-se mais uma fonte agregadora de renda. Fato que somado ao sistema educacional brasileiro, que apesar de brilhantemente abordado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, esbarra nas dificuldades do Estado em fornecê-lo, seja a falta de recurso financeiro direcionado a área ou a má gestão destes. O que contribuem para o crescimento no índice de analfabetismo.

Em estudo realizado por Pompeu (2005, p.57), constata-se pelas constituições brasileiras anteriores à Constituição de 1988 que não havia empenho político em garantir o direito à educação a todos os brasileiros. A educação pública e gratuita sempre foi condicionada à posição social ou financeira da população beneficiada. Onde o Estado empurrou a classe média a buscar no setor privado o acesso à educação. Direito este que não era considerado um gênero de primeira necessidade. A obrigatoriedade escolar no plano federal foi introduzida pela Constituição de 1934. Mas em nenhuma das constituições seguintes (de 1946 e de 1967), bem como esta ficou determinada a previsão de instrumentos jurídicos garantidores da efetivação do direito à educação.

A Constituição de 1988 define a educação como direito social, um direito de todos e dever do Estado e da família (art.205, CF/88), tornando assim dever do Estado de prestá-lo. Pompeu (2005, p. 89) sustenta que a educação, só poderá ser considerada como um direito de todos se houver escolas para todos. Além de que a educação por ser um direito fundamental, deverá ter aplicabilidade imediata.

O conflito entre educação e trabalho infantil, tem sido foco de discussão entre as autoridades internacionais e nacionais. A solução buscada é o método de educação integral, o que retiraria as crianças da rua ou de exposição a trabalhos e conseqüentemente as educaria, garantindo um desenvolvimento psicológico, físico e emocional saudável.

De fato tem-se aqui a solução mais plausível, já que é comum nos estados onde os índices de trabalho infantil são altos, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ser baixo. De acordo com o último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2009), 4,2 milhões de brasileiros, entre 5 e 17 anos, estavam trabalhando em 2009. Os índices mais altos foram registrados nos estados do Nordeste (1.588.387) e do Norte (405.287), regiões que também possuem o Ideb mais baixo, inferior a 4,0. O índice é calculado com base em uma escala de 0 a 10. Estes índices, que são apresentados no site do Ministério da Educação, mostram o ciclo em que essas crianças e adolescentes se encontram: eles deixam de freqüentar a escola ou diminuem muito seu rendimento escolar para trabalhar e ter renda, mas, sem estudo, é mais difícil conseguir emprego e renda melhores no futuro.

Desde o ano 2000, o Ministério Do Trabalho tem desenvolvido um projeto de amparo as crianças e adolescentes, que é COORDINFÂNCIA – Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, visando por meio da atuação articulada de seus Membros, articular esforços para o combate à exploração da criança e do adolescente, por meio de parceria com entidades governamentais e não-governamentais, a fim de que o conjunto integrado de ações possa resgatar a cidadania plena das crianças, bem como dos jovens que trabalham. O projeto MPT na Escola é um instrumento de mobilização social para erradicar o trabalho e a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. (on line todas essas informações foram colhidas no site da procuradoria regional do trabalho 15ª região.) Países desenvolvidos são aqueles que conseguiram um alto índice de industrialização, e que desfrutam de um alto padrão de vida, possível graças à riqueza e à tecnologia. Existem, é claro, outras formas de constatar se um país é ou não desenvolvido, são elas: maior bem-estar material; melhor nível educacional; maior igualdade de oportunidades; melhores níveis de alimentação; maior resistência às doenças; elevado nível de consumo por boa parte da população; maior desenvolvimento físico e mental.

O Brasil, de fato, caminha para o desenvolvimento, hoje já se observa um elevado nível de consumo por boa parte de sua população, o aumento do PIB, etc. Mas deve-se fazer um paralelo com os demais itens supracitados. Há de fato uma educação de qualidade? As oportunidades são iguais? Ou somente há um nível elevado de consumo, já que hoje as condições são mais facilitadas na hora de uma compra e venda?

Diante de todos esses questionamentos bem como todo o exposto neste trabalho, pode concluir-se que a ferramenta fundamental para a erradicação/minimização da prática laboral infantil assim como para o desenvolvimento de um país está na educação. Seja através da instrução dos pais e das próprias crianças.

Coloque-se em questão que a criança ou adolescente que hoje trabalha e não estuda, será o desempregado, sem instrução de amanhã. A inserção dessas pessoas na escola contribuirá também para a formação do mercado de trabalho no futuro, com possibilidade de se ter um profissional mais qualificado e bem preparado. O que trará retorno ao próprio Estado, com seu desenvolvimento econômico, social, cultural.

A primeira etapa já foi realizada, com a elaboração de diferentes mecanismos para a solução desse impasse, ao passo de que agora depende do Estado, em sua função de garantidor dos Direitos Sociais, fornecer a população seus direitos. Colocando estes em seu plano de orçamento prioritário.

 

 

Levy Rangel Matias

  • direito do trabalho
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  • juventude

Levy Rangel Matias

Advogado - Fortaleza, CE


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