A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS ADOTIVOS ANTE A DEVOLUÇÃO DOS MENORES ADOTADOS
Lorena Soares de Lima[1]
RESUMO
Este artigo traz uma breve discussão sobre a possível responsabilização civil dos pais adotivos ante a devolução dos adotados. Para alcançar referido desiderato, serão analisadas as causas de devoluções, os danos gerados aos menores e a responsabilização civil. No Brasil, várias crianças e adolescentes se encontram em acolhimentos institucionais à espera da colocação em família substituta. De fato, muitos são os candidatos a adotante, os quais demonstram disposição e perseverança ao enfrentarem uma longa fila de espera repleta de burocracias. Além disso, necessitam demonstrar capacidade financeira e uma boa estrutura familiar para receber em seu lar uma criança ou adolescente que não possui família. Contudo, muitos são os casos em que os candidatos que conseguem a guarda ou adoção passam a devolver os adotados à justiça, muitas vezes por motivos banais. Quando ocorre esse ato de devolução, consequentemente gera danos emocionais aos adotados, que, por sua vez, voltam aos abrigos desiludidos de encontrar uma nova família que lhes aceite e lhes proporcione amor. Frente a essas questões, nota-se a importância do estudo acerca da responsabilização civil dos pais adotivos, ante a devolução da criança e do adolescente.
Palavras-chave: responsabilidade civil. Adoção. Devolução.
ABSTRACT
This article presents a brief discussion about the possible civil responsibility of adoptive parents before the return of the adoptees. In order to achieve this, the causes of discarding, damages to minors and civil liability will be analyzed. In Brazil, several children and adolescents are in institutional shelters waiting for placement in a surrogate family. In fact, many are the adopter candidates, who demonstrate willingness and perseverance as they face a long waiting line filled with bureaucracies. In addition, they need to demonstrate financial capacity and a good family structure to receive in their home a child or adolescent who does not have a family. However, there are many cases in which candidates who are granted custody or adoption begin to return the adopted to justice, often for banal reasons. When this act of surrender takes place, consequently it generates emotional damages to the adoptees, who, in turn, return to the disillusioned shelters to find a new family that accepts and gives them love. Faced with these issues, we note the importance of the study about the civil responsibility of the adoptive parents, before the return of the child and the adolescent.
Keywords: civil responsibility. Adoption. Devolution.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como base os princípios da dignidade humana, proteção integral da criança e do adolescente e a irrevogabilidade da adoção, tendo em vista os inúmeros casos de adoção e posteriormente a devolução de adotados, o que torna necessária a análise das consequências geradas ao menor, como, por exemplo, os danos emocionais, a perca da esperança de encontrar um novo seio familiar e a dificuldade de poder adentrar em uma nova família, uma vez que a devolução ficará registrada em seu histórico e poderá prejudicar uma nova tentativa de adoção.
No Brasil, um grande número de crianças e adolescentes se encontra em acolhimentos institucionais à espera da colocação em família substituta, na expectativa de encontrar pais adotivos que lhe proporcionem educação, amor, e que supram suas necessidades a fim de formar laços afetivos sólidos. De fato, muitos são os candidatos a adotante, os quais demonstram disposição e perseverança ao enfrentar uma longa fila de espera repleta de burocracias, além disso, necessitam demonstrar capacidade financeira e uma boa estrutura familiar para receber em seu lar uma criança ou adolescente que não possui família.
Contudo, há casos em que candidatos que conseguem a guarda ou adoção passam a devolver os adotados à justiça, muitas vezes por motivos banais, o que, quando ocorre, consequentemente, acaba por gerar danos emocionais aos adotados, os quais, por sua vez, voltam aos abrigos desiludidos de encontrar uma nova família que lhes aceite e lhes proporcione amor. Frente a essas questões, nota-se a importância do estudo acerca da responsabilização civil dos pais adotivos, no que diz respeito à devolução da criança e do adolescente, para, desse modo, ser possível analisar as causas que levam a essas atitudes por parte dos adotantes, expondo os danos gerados aos menores e a responsabilização daqueles que os devolveram.
Com base nisso, tem-se a seguinte problemática: a devolução de crianças e adolescentes passa a gerar responsabilidade civil dos pais adotivos, visto que os mesmos desrespeitam dispositivos jurídicos que regulamentam a adoção, e, a legislação brasileira? Observa-se então ser necessária uma transformação social, como também uma adequada preparação jurídico e psicossocial dos pais adotivos, para que estes tenham a certeza de que estão preparados a ter e criar uma criança como se fosse seu próprio filho, sendo, ainda, preciso um acompanhamento psicológico durante e adoção para a melhor solução de conflitos advindos da convivência familiar. Além disso, é importante frisar que, mesmo havendo a total preparação, adequada ao processo de adoção e, apesar disso, os pais decidirem devolver a criança, estes deverão ser responsabilizados civilmente, o que, mais do que reparar os danos aos menores, irá também desestimular adoções precipitadas.
1. DA DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS
Ao preencher os requisitos necessários para a adoção e a sentença transitada em julgado, a adoção se torna acobertada pelo fenômeno da irrevogabilidade, dessa forma o vinculo entre adotante e adotado se torna legitimo, sendo atribuída condição de filho ao adotado. A esse respeito, CONSTITUIÇÃO FEDERAL em seu art. 227 § 6° assim dispõe: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. (BRASIL, 2018a).
Apesar de sua irrevogabilidade, muitos adotantes não cumprem o seu dever legal e passam a devolver os menores adotados sem uma justificativa plausível, ferindo os sentimentos e gerando danos irreversíveis aos menores. Quando este fenômeno ocorre, mesmo após o transito em julgado, tem-se então um segundo abandono. Hália Pauliv Souza (2012, p.13), a respeito da devolução, ensina que:
Devolução é uma palavra ampla e generalizada para este fenômeno e contempla pelo menos dois casos distintos: a “interrupção” e a “dissolução”. A literatura internacional denomina “interrupção” da adoção quando os adotantes desistem de completar o processo antes de a adoção ser legalmente efetivada (esse período de efetivação não ultrapassa seis meses em países desenvolvidos, diferentemente do Brasil em que, às vezes, levam-se anos para que a família tenha de fato os papéis da adoção após o inicio da convivência). Fala-se em “rompimento ou dissolução”, quando ocorre a entrega da criança após a adoção efetivada e legalizada. O segundo caso é mais grave porque entende-se que houve maior tempo de convívio e, portanto, maior dor acarretará aos envolvidos, em especial à criança ou ao adolescente.
Destarte, pode-se dizer que há dois momentos em que há a devolução de crianças e adolescentes adotados, a primeira durante o estagio de convivência, a segunda depois de concluído o processo de adoção e que ambas geram danos irreparáveis aos menores, pois estes sofrem abandono físico, moral e material. Desta forma, se faz necessário esclarecer a devolução dos menores antes e depois de concluído o processo de adoção, o que será abordado a seguir. O estágio de convivência, previsto no artigo 46 do ECA, garante aos menores um período de adaptação com a família substituta, na qual as partes verificam se há compatibilidade entre eles, visando estabelecer bases sólidas para um relacionamento harmônico, como se pode ver abaixo:
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso.
§ 1o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo.
§ 2o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.
§ 2o-A. O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
§ 3o-A. Ao final do prazo previsto no § 3o deste artigo, deverá ser apresentado laudo fundamentado pela equipe mencionada no § 4o deste artigo, que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária.
§ 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.
§ 5o O estágio de convivência será cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança. (BRASIL, 2018b)
Pode-se observar que o período de estágio de convivência é de 90 dias e terá acompanhamento por equipe interprofissional, visando o melhor interesse da criança ou adolescente, esta inovação trazida pela lei 13509/17, tem por objetivo encurtar o tempo de processo de adoção, visto que na prática algumas vezes o período de adaptação durava mais de um ano, desta forma o Ministério público do Estado do Paraná comenta:
O estágio de convivência tem agora um prazo legal máximo de 90 dias. Este deve ser um norte, mas a própria lei estabelece que deverão ser levadas em consideração as peculiaridades do caso concreto, e portanto, é possível admitir-se que em determinada situação este estágio possa ser postergado, desde que devidamente motivada a decisão. É que a regra da inserção da criança na família substituta que deve se dar de forma gradativa e programada, respeitando o tempo da criança e a sua evolução da nova família, com o devido acompanhamento técnico para o sucesso da colocação na família substituta deve prevalecer. Não podemos esquecer que em matéria de criança e adolescente há prioridade na tramitação dos feitos e o princípio básico é a celeridade. Neste viés a lei vem e estabelece um prazo máximo bastante razoável na prática (180 dias), mas a finalidade é sempre o bem estar da criança e do adolescente, com o acompanhamento técnico pelo tempo necessário para que isto ocorra. Portanto esta fundamentação deverá estar sempre pautada em relatórios técnicos regulares do acompanhamento do estágio de convivência. (MPPR, 2018)
No tocante, a guarda é o único vínculo que pode ser revogável e ocorre durante o estágio de convivência, período anterior à decretação da sentença transitado em julgado da adoção, ademais a devolução feita neste período não pode se dar por motivos banais ou a critério do adotante, pois o processo de adoção visa o melhor interesse da criança ou adolescente. A respeito do tema Carvalho (2017, p. 51) preleciona:
Assim, por ser a guarda uma modalidade de vínculo mais precária, em que cabe apenas o dever de assistência, acaba sendo a modalidade de colocação em família substituta na qual mais ocorrem devoluções. Nestas situações nem sempre ocorre o devido e constante acompanhamento do Serviço Social, além de que não são estabelecidos pra a guarda muitos requisitos, como se faz com a adoção em si. Desta forma, o fato de existir a possibilidade jurídica de devolução da criança e do adolescente adotando apenas nesta fase é determinante para que a maioria das devoluções ocorra neste momento do processo de adoção.
Importa ressaltar que a revogação da guarda durante o estágio de convivência, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, visa efetivar o melhor interesse da criança, no sentido de evitar que ela permaneça em um núcleo familiar que não seja o melhor para ela . Neste sentido, nota-se que o estágio de convivência consiste em um direito que tem como fundamento atender ao interesse da criança e do adolescente adotando, e não o interesse dos adotantes, de forma que possibilite legitimar devoluções injustificadas praticadas por estes.
Em vista disso, o estágio de convivência não deve e nem pode ser utilizado como justificativa para que o adotante devolva a criança ou adolescente adotado, pois desta forma estaria ferindo princípios estabelecidos na CONSTITUIÇÃO FEDERAL e no Estatuto da Criança e do Adolescente, como exemplo, o princípio da Dignidade da pessoa humana, o melhor interesse da criança ou adolescente, a proteção integral. Vale ressaltar que, embora fossem admitidas devoluções de crianças e adolescentes no estágio de convivência, por particularidades do adotante, isso não evitaria que fossem causados danos ao adotado.
Após o encerramento do processo de adoção, por sentença transitada em julgado, é incabível a devolução dos menores, uma vez que a posição de filho será definitiva e irrevogável, pois desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais consanguíneos – art. 39 §1 do ECA. Contudo, mesmo com o caráter irrevogável a devolução ocorre por inúmeras vezes, que por consequência gera danos irreparáveis aos menores, o que também que pode configurar como tentativa de abandono de incapaz, crime tipificado no art. 133 do Código Penal brasileiro.
Segundo a previsão estabelecida no o art. 133 do Código Penal de 1940, “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos”. (BRASIL, 2018c). Logo, a devolução de crianças e adolescentes depois de concluso o processo de adoção é incabível, entretanto, existem casos em que o adotante devolve o menor adotado e, infelizmente, esta prática acaba sendo aceita, conforme explicação abaixo:
A Juíza Maria Isabel Rocha (2001, p. 86) evidência que não se configura como crime de abandono quando o responsável leva seu filho ao Juizado, declarando-se impotente para assumir a criança, pois está entregando-a a autoridade competente, concluindo assim, não ser papel do Direito Penal, analisar casos como estes.
Na doutrina ainda não há uma discussão acerca de indenização de danos morais para uma criança adotada e devolvida. Apesar disso, sabe-se que cabe ao Direito Civil discutir, sendo o único caminho viável para análise destes casos. (NICOLAU, 2016).
O que se vê é que ao menor adotado não está totalmente assegurado que ele pertença definitivamente à família que o adotou, tendo em vista que a legislação abre margem para que os adotantes, caso desistam da adoção, voltem atrás em sua decisão mediante a apresentação de determinados argumentos, haja vista a ausência de dispositivos claros e objetivos que regulamentem a questão. Quanto a isso, Rocha (2001, p. 86 apud NICOLAU, 2016) traz as seguintes indagações:
[...] Seria possível processar por crime de abandono? E se fosse possível o processo crime, qual seria a utilidade desse processo? Para nós, que queremos proteger as crianças, qual seria a utilidade desse processo crime? Equacionar a possibilidade jurídica da reparação patrimonial por danos morais e patrimoniais quer sob de Direito de Alimentos, quer sob forma de direito a uma indenização integral por toda essa tragédia.
Em que pese à irrevogabilidade da adoção, muitas vezes o judiciário se vê obrigado a aceitar as crianças de volta, para não deixa-las a mercê, abandonadas, tendo em vista que estas serão devolvidas aos abrigos cheias de traumas e mais uma vez em busca de uma nova família.
Os adotantes, quando fazem a devolução de uma criança ou adolescente, explicam os seus motivos, a maioria por eles citados são fúteis e acabam por colocar a culpa no adotado, como pode ser visto a seguir:
[...] entre os comportamentos citados na devolução, está a “desobediência, o vocabulário errado, abrem gavetas, vasculham a casa, pegam objetos, são grosseiros, respondem, comem fora de hora, não sabem usar garfo e faca, choram na hora do banho, não querem pentear o cabelo, têm atraso escolar”. Ou então, os adotandos apresentam algum comportamento regressivo ou de teste, próprio da fase de adaptação à nova família. O que era pra ser amor e doação se transforma em cobrança e rejeição. (SOUZA, 2012, p. 23).
Nota-se que as justificativas utilizadas pelos pais adotivos são banais se revestem de total desrespeito para com os menores adotados e com as responsabilidades previstas no Estatuto da Criança e do adolescente. Outrossim, tais justificativas revelam o despreparo e a imaturidade dos pais adotivos, falta de conscientização e compromisso com os menores, afinal, toda criança o adolescente tem suas particularidades, mas ainda assim possuem características universais e genéricas como qualquer outra criança, entretanto, quando essas características não correspondem às idealizações da criança perfeita almejada pelos pais, estes se esquivam do compromisso de cuidar, amar e educar, como verdadeiros pais fazem.
Outro ponto a ser observado é a não adequação da criança a sua nova família adotiva, por muitas vezes há dificuldade no estabelecimento de laços afetivos, por conseguinte a criança ou adolescentes voltam aos abrigos institucionais.
Em muitos casos, percebe-se que o verdadeiro motivo da devolução é a frustração dos pais ao não encontrar a criança idealizada em seus sonhos, a exemplo, quando pais que não podem ter filhos, ou os perdem, colocam toda a expectativa de um filho perfeito na criança adotada, e acabam por se frustrar e recorrem à devolução. A respeito do tema, Rocha (2001, p. 75) aduz:
As causas de tais distorções escapam de uma análise meramente jurídica, mas têm a ver com motivações mais profundas do comportamento humano, pois ocorre também que muitas vezes são pessoas que pegaram a criança como filho simbólico. A criança vai para a família com outros papéis diferentes do de filho e quando cresce e já não corresponde ao papel dela esperado, é descartada e considerada um obstáculo.
Verifica-se, pois, a maior causa de devoluções de crianças e adolescentes é a imaturidade e o despreparo dos pais adotivos, desta forma se faz necessário uma melhor capacitação dos pais adotivos, além de superar a idealização impostas por eles, para que os conflitos entre pais e filhos sejam superados, independentemente da origem da criança ou adolescente.
2. DOS DANOS CAUSADOS AOS MENORES DEVOLVIDOS
Muitos adotantes não levam em consideração o sentimento dos adotados, não pensam nos danos psicológicos, nos traumas que o menor irá enfrentar, a frustração de reviver um novo abandono e que, além disso, ainda terão dificuldades para encontrar outra família. A respeito do tema, o Tribunal de justiça de Minas Gerais, entende que:
Na verdade, a devolução pode ser considerada um dano irreversível, haja vista que, mesmo que a criança venha a ser adotada, esse trauma vai ficar registrado. Assim, a devolução representa um verdadeiro aniquilamento na autoestima (revestimento do caráter) e na identidade da criança, que não mais sabe quem ela é. Aliás, seria de uma atrocidade imensurável obrigar uma criança a aguardar a decisão definitiva de uma ação judicial para ter a possibilidade de ver diminuídos os traumas sofridos. Noutro passo, considerando o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que apresenta hipossuficiência frente à defesa dos seus próprios interesses, além de apresentar interesses especiais, poder-se-ia até mesmo concluir que o periculum in mora é presumido por lei. Por último, quanto ao pressuposto negativo, isto é, reversibilidade dos efeitos do provimento, diante do risco de dano irreparável ao direito da favorecida, diante da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, bem como diante da natureza alimentar do pedido, creio ser necessária a presença desse pressuposto. Aclare-se que, considerando que os alimentos pleiteados a título de antecipação dos efeitos concretos da sentença visam a garantir a própria sobrevivência da criança, pode-se, com tranquilidade, reconhecer seu caráter de irrepetibilidade, ou seja, ainda que, a posteriori, venha esta decisão a ser modificada, alterada, ou o pedido julgado improcedente, não estaria a favorecida obrigada a ressarcir aos demandados aquilo que deles recebeu [...]. (UBERLANDIA, 2018)
Posto isso, mostra-se evidente que a devolução gera traumas aos menores, pois a criança começa a se questionar se não seria sua culpa a falha da adoção. Nesse sentido, o psiquiatra Içami Tiba explica que “a devolução funciona como uma bomba para a autoestima da criança, sendo melhor que ela nunca seja adotada a ser adotada e devolvida”. (TIBA, 1998 apud ROCHA, 2001). Isso deixa claro que o segundo abandono é mais traumático do que o primeiro para o menor, pois o rejeitado se torna inseguro, com o sentimento de inferioridade e, quando houver a oportunidade de uma nova inserção a outra família, ele se sentirá bloqueado e com medo de sofrer novamente uma rejeição:
O retorno ao abrigo institucional que ocorre após a devolução é para a criança ou o adolescente como uma dupla frustração, pois, além haver a culpa por terem sido rejeitados pela segunda família, que não os quis mais, também existe a vergonha de ter que retornar . Estes danos são ainda mais acentuados quando entre o início da convivência e a devolução há um grande lapso temporal. É válido aqui destacar o entendimento de Souza de que ainda que a devolução se dê pelo despreparo e incapacidade dos adotantes de lidar com as dificuldades que surgem, quem terá sequelas muitas vezes incuráveis é o adotando, que se sentirá humilhado, depreciado, experimentará a vergonha diante dos outros acolhidos por não ter ficado com a família que lhe foi indicada, e pode até mesmo mudar o seu comportamento e isolar-se. (CARVALHO, 2017, p.54).
Além dos fatos trazidos acima, a criança também terá dificuldades em se inserir novamente a alguma família, pois constará em seu histórico o ato da devolução, o que acaba prejudicando as chances de uma nova adoção. Desta forma, conclui-se que, aos menores devolvidos, muitos são os danos gerados, e muitas vezes nada é feito por eles, restando a eles conviverem com o sofrimento gerado, e superá-lo. Portanto, percebe-se que é necessária a responsabilização civil dos pais adotivos, para reparem os danos causados aos menores.
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADOTANTES PELA DEVOLUÇÃO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE ADOTADO
A responsabilidade civil é entendida como o dever de reparar dano material ou moral causado a outrem devido à prática de um ato ilícito. Conforme o Código Civil, em seu art. 186, todo aquele que causa dano a outrem tem o dever de repará-lo, seja a causa deste dano uma ação ou omissão voluntária, por imprudência ou por negligência, mesmo que o dano seja exclusivamente moral. Posteriormente, o artigo 927, do Código Civil de 2002, dispõe que "aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. (BRASIL, 2018d). Sendo assim, os elementos gerais que ensejam a responsabilidade civil são: existência de conduta, culpa ou dolo do agente, dano e relação de causalidade entre o dano e a conduta.
Além disso, Miguel Maria de Serpa Lopes, acrescenta que a “Responsabilidade Civil significa a obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva”. (LOPES, 2000, p. 222).
Conforme já mencionado, os pressupostos para caracterização da responsabilidade civil são: culpa, nexo de causalidade e dano. A culpa pode ser declarada como uma ação ou omissão do agente que causa determinado dano, este que, em outras palavras, pode ser considerado como o prejuízo da vítima, podendo ser definido como dano material ou dano moral. O dano material caracteriza-se por causar prejuízo a determinado bem jurídico com valor econômico, enquanto o dano moral não está associado a valores econômicos nem bens jurídicos, é aquele ligado aos direitos da personalidade, como a moral, a honra, a imagem, etc.
Por último se tem o nexo causal, sendo este a ligação entre causa e efeito. Sérgio Cavalieri Filho declara que “o conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. (CAVALIERI FILHO, 2002, p. 46). Ademais, é necessário distinguir as duas modalidades de responsabilidade civil, sendo a primeira responsabilidade subjetiva e a segunda responsabilidade objetiva. A responsabilidade subjetiva é caracterizada quando comprovado a culpa do agente causador do dano, enquanto que para a responsabilidade objetiva é necessário apenas comprovar a ocorrência de dano e nexo causal. Sobre esse tema, Marcelo Silva Britto (2018) aduz:
[...] Diz-se subjetiva a responsabilidade quando se baseia na culpa do agente, que deve ser comprovada para gerar a obrigação indenizatória. A responsabilidade do causador do dano, pois, somente se configura se ele agiu com dolo ou culpa. Trata-se da teoria clássica, também chamada teoria da culpa ou subjetiva, segundo a qual a prova da culpa lato sensu (abrangendo o dolo) ou stricto sensu se constitui num pressuposto do dano indenizável. A lei impõe, entretanto, em determinadas situações, a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa. É a teoria dita objetiva ou do risco, que prescinde de comprovação da culpa para a ocorrência do dano indenizável. Basta haver o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente. Em alguns casos presume-se a culpa (responsabilidade objetiva imprópria), noutros a prova da culpa é totalmente prescindível (responsabilidade civil objetiva propriamente dita). Conclui-se, assim, que a variação dos sistemas da obrigação indenizatória civil se prende, precipuamente, à questão da prova da culpa, ao problema da distribuição do ônus probatório, sendo este o centro em que tem gravitado a distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva.
Dessa forma, o Código Civil brasileiro deixa expresso em seu art.186, que a responsabilidade civil é de modalidade subjetiva, mas existem casos em que se é aplicado a modalidade objetiva, como por exemplo o art. 927, 936, 937 e 938 do mesmo código. Sobre o tema, Maria Helena Diniz (2013, p. 289) explica:
A responsabilidade civil consiste no fato de reparar o dano material ou moral ocasionado a outrem, mediante responsabilidade subjetiva ou objetiva. Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).
Ora, face as considerações aduzidas, mostra-se clara a possibilidade da aplicação de responsabilidade civil tanto na modalidade subjetiva quanto na objetiva, sendo necessário apenas analisar o caso concreto e a previsão expressa na lei. Dessa forma, existe a possibilidade legal de aplicação da responsabilidade civil em casos de devolução de crianças ou adolescentes adotados, pois denota-se que a devolução constitui ato ilícito, conforme previsão do art. 186 do Código Civil, uma vez que a devolução causa danos irreparáveis a criança ou adolescente, pois como já citado, constitui um novo abandono. A respeito do tema, é válido observar a seguinte asserção:
O adotante que devolve à instituição de acolhimento o adotando ou adotado fere diversos direitos de que estes são titulares, como o direito à convivência familiar, à dignidade da pessoa humana, e também ao princípio da não discriminação, uma vez que quem devolve trata esta criança ou adolescente como objeto passível de devolução por sua condição de adotado, já que esta atitude não existiria sendo o filho biológico. (CARVALHO, 2017, p. 61).
Portanto, uma vez que a devolução gera danos irreparáveis a criança ou adolescente, o adotante deverá ser responsabilizado civilmente pela prática do ato, ou seja, haverá a possibilidade de ajuizar ação de danos morais ou patrimoniais em favor dos menores devolvidos. A responsabilização civil dos pais adotivos que praticam a devolução vem sendo aceita por diversos tribunais do Brasil, gerando indenização material em favor da criança ou adolescente, como se pode ver no excerto:
A Desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Hilda Teixeira da Costa, em processo de sua relatoria, manifestou em voto seu entendimento de que a devolução do adotando ou adotado é um ato ilícito que gera o direito à reparação, uma vez que os adotantes voluntariamente buscaram o processo de adoção e obtiveram a guarda da criança, resolvendo simplesmente devolve-la posteriormente, sem motivos, rompendo de forma brusca o vínculo familiar a que expuseram a criança. Assim, essa devolução, segundo a Desembargadora, consiste em abandono, devendo ser deferida a condenação destes adotantes ao pagamento de danos morais, danos materiais e obrigação alimentar. (CARVALHO, 2017, p. 61-62).
Deveras, resta claro que a responsabilização civil dos pais adotivos pela prática da devolução, proporciona melhores condições de vida a criança ou adolescente e também serve para desestimular adoções precipitadas, pois desta forma haverá consequências patrimoniais.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente trabalho teve como escopo analisar a devolução de crianças e adolescentes adotados e a responsabilidade civil dos pais adotivos, abordando brevemente sobre o instituto da adoção, a devolução da criança e do adolescente, os danos causados aos menores e por fim a responsabilização civil dos pais adotivos.
De modo geral, a responsabilização civil dos pais adotivos pela devolução de menores no curso do processo de adoção ou até mesmo após a sua conclusão, não tem respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, fato este que acaba por prejudicar os menores envolvidos, e vai de encontro com os princípios constitucionais, a exemplo a da dignidade da pessoa humana e a proteção integral.
Sabe-se que juridicamente não há óbice para a devolução de menores no estagio de convivência, pois este é um período em que se analisa a compatibilidade entre as partes, entretanto, esse período visa o melhor interesse da criança e adolescente e não para satisfazer os interesses dos pais adotivos. Infelizmente o que vem ocorrendo é a devolução durante o período de adaptação por motivos insignificantes e injustificáveis.
Outrora, com a efetivação da adoção, esta torna-se acobertada pelo fenômeno da irrevogabilidade, medida que confere aos adotados os mesmos direitos e deveres aos filhos biológicos, no entanto, apesar de sua natureza irrevogável, muitos pais recorrem ao judiciário para devolver seus filhos adotivos e o judiciário se vê obrigado a aceitá-los para não deixa-los desabrigados ou sob cuidados de pessoas irresponsáveis que não cumprem seus deveres legais.
Feita a devolução, a criança passa por um segundo abandono, um segundo trauma, que gera a ela danos psicológicos e destrói a autoestima do menor, além disso, o próximo processo de adoção será mais conturbado, pois a criança poderá desenvolver traços antissociais, ou, terá dificuldade em encontrar pais que queiram adotar uma criança devolvida.
Dessa forma, pode-se constatar através de jurisprudências e doutrinas que é cabível a responsabilização civil dos pais adotivos que praticam a devolução, sendo estes condenados a pagar danos morais, materiais, bem como pagamento de alimentos, uma vez que causaram danos ao menor devolvido. A finalidade da responsabilização civil é de reparar os danos, e também evitar adoções precipitadas por pessoas imaturas e despreparadas.
Por fim, cabe destacar, a necessidade de uma melhor preparação jurídica e psicossocial dos pais adotivos, para que estes estejam convictos de seus desejos e não se precipitem ao adotar uma criança pensando ser uma criança perfeita, ademais é necessário acompanhamento psicológico para que as partes possam enfrentar conflitos que ocorrem durante a convivência familiar, por ultimo se faz necessário à normatização da responsabilização civil para aqueles que praticam a devolução.
[1] Graduada em Direito, pela Faculdade da Amazônia Ocidental - FAAO. Pós graduanda em Direito Processual Civil, pelo Centro de Estudos Renato Saraiva. Email: lorena.liima20@gmail.com