Das políticas públicas urbanas: mobilidade


24/06/2016 às 09h05
Por Mauro Cordeiro

SUMÁRIO: Introdução - Das políticas públicas nacionais - Da política de mobilidade urbana brasileira - Das Diretrizes para o transporte público coletivo e dos direitos dos usuários - Conclusão.

INTRODUÇÃO

As construções e os formatos arquitetônicos vão registrando o traço da história. A intensificação e concentração das atividades impulsionam o surgimento e o crescimento dos centros urbanos. Desta forma, a proteção jurídica desses espaços não poderia deixar de existir.

Como corolário da cidade, prefiguram funções próprias, capazes de interferir diretamente na vida do cidadão. Assim, as funções sociais da cidade estão ligadas à concepção da vida na urbe, caracterizando uma vocação peculiar da cidade, buscando dirimir a desigualdade quanto ao seu uso.

Sendo uma das funções sociais da cidade, a mobilidade urbana se apresenta em valiosa posição, dando aspecto de vida ao espaço urbano. Dotada de simbologia própria, a circulação na urbe é alcançada pelo sistema viário, desenvolvido pelos habitantes com ou sem o auxílio de transportes públicos ou privados, individuais ou coletivos, abarcando todas as formas que favorecem o exercício do direito de ir e vir.

O objetivo desse artigo é proporcionar uma reflexão a respeito das políticas púlbicas desenvolvidas no nosso País, que são inseridas no ordenamento jurídico, para melhor regularizar a ativade nesses espaços.

DAS POLÍTCAS PÚBLICAS NACIONAIS

Com o desenvolvimento desenfreado da urbanização, o espaço urbano merece ser estudado sobre sua projeção. Há a necessidade de políticas públicas que visem efetivar tanto as funções sociais da cidade, quanto promover o desenvolvimento social e o bem estar dos habitantes.

No Brasil, conforme Milaré [1] adotou-se uma política nacional, onde não se responsabiliza somente a União ou os Municípios, por ser interesse de um ou de outro, mas, adotou-se um sistema que está ao alcance da participação e da responsabilização de todos, numa verdadeira estrutura nacional para vida urbana.

Diante de tantas demandas que assolam o espaço, o planejamento se faz necessário, inserindo-se como uma espécie de bálsamo para os traumas urbanos. O estudo e a profilaxia possuem o escopo de “adequar ou melhorar o espaço urbano, justamente para que se alcance, sem maiores danos ao meio ambiente e sacrifícios dos mais diversos, uma melhor qualidade de vida” [2]. Ressalte-se que a política urbana é de natureza eminentemente social, muito embora esteja alocada, na Constituição Federal, na “Ordem Econômica”.

Promulgado em 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade (EC) – Lei n.º 10.257/2001 surge como a linha mestra para a implantação e desenvolvimento de políticas nacionais urbanistas. Ele trouxe instrumentos de diversas formas, dentre os quais, destacamos: o IPTU progressivo no tempo (EC, art. 7º), com fins de controle da especulação imobiliária; a Gestão Participativa Popular (EC, art. 43 et. seq.) que nos apresenta o instituto da audiência pública; e, o Plano Diretor (EC, art. 39 et. seq.), instrumento básico para expansão urbana.

Sobretudo, o Plano Diretor – previsto na norma constitucional – é um dos principais instrumentos da política urbana. Não visa somente o uso responsável do solo, mas também a boa vida com qualidade.

"Contudo, a partir do Plano Diretor, normas e outros instrumentos legais podem – e devem – ser elaborados no intuito de atender a objetivos específicos do Município, da cidade, dos diferentes segmentos sociais da população, das atividades concernentes às várias funções urbanas, e assim por diante, numa visão global ou holística" [3]

No compasso, a Gestão Participativa proporciona a atividade direta dos cidadãos no futuro da urbe. Pode-se questionar: qual a importância desse instrumento se já temos representação política no Legislativo e Executivo? O tema “cidade” vai além das questões representativas. O descentralizar para construir é uma lógica que tende a romper a gestão urbana tradicional, mitigada numa visão central. O propósito da Participação Popular e também o desafio “é o de superar as barreiras socioinstitucionais e fortalecer políticas pautadas pela inclusão da noção de interesse geral"[4]. O gestor é parte da cidade, não seu único dono. Nesse sentido, é imprescindível “governar democraticamente as cidades, como territórios de grande riqueza e diversidade econômica, ambiental, política e cultural, de modo que sejam respeitados os direitos dos habitantes”[5]. O serviço prestado deve ser desmistificado. Deve-se atender a demanda popular, nada mais justo que ela decida o que se deva fazer, de forma mais direta.

DA POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA BRASILEIRA

A elaboração de políticas voltadas à mobilidade urbana encontra-se resguarda na Carta Constitucional de 88, uma vez que sua previsão é inerente ao desenvolvimento urbano. Nessa esteira, se tem “por objetivo, ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (CRFB/88, art. 182, caput, in fine). De forma mais particular, ela está inserida entre as competências da União: “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos” (CRFB/88, art. 21, XX), dando conotação à sua importância.

Isso se dá pela própria lógica da urbe, pois “na medida em que as cidades vêm crescendo, cresce a necessidade de mobilidade, e torna-se necessário definir ações que possam, ao menos, manter a qualidade de vida de seus habitantes”[6]. Superada a previsão e a competência para tratar do assunto, coube dar sistematização à mobilidade. Com o advento da Lei n.º 12.587/2012 – Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) nos foi apresentada a organização instituída para direcionar o desenvolvimento da mobilidade urbana no País. A legislação é alicerçada no Estatuto da Cidade, uma vez que o art. 40 do Estatuto da Cidade afirma no §2.º que o plano diretor deve englobar toda a cidade, bem como pelo art.42-A, III do mesmo Estatuto, prevendo na expansão do município a elaboração de diretrizes específicas para a infraestrutura, equipamentos e instalações públicas e sistema viário. O texto legal da PNMU contempla definição de conceitos e traz à baila princípios, direitos e instrumentos para sua efetivação.

A priori, a referida legislação embasa o objetivo da política e apresenta o conjunto sistemático da mobilidade urbana, classificando seus elementos quanto ao modo e ao tipo, bem como, o espaço em que são desenvolvidos. Assim, toma-se por objetivo dessa política a busca de medidas que possam contribuir para o acesso pleno à cidade, de forma a concretizar e fomentar a efetivação dos princípios e das diretrizes da política de desenvolvimento urbano (PNMU, art. 2.º). Conforme o mesmo texto, podemos definir essa sistematização no “conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestrutura que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município” (PNMU, art. 3º, caput).

Seguindo o texto legal, detraímos do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana três elementos: transportes, serviços e infraestrutura. Os parágrafos do art. 3.º contemplam universalmente os tipos de transportes, englobando os motorizados e os não motorizados. Já em relação aos serviços, classificou-se pelo objeto, – podendo ser de passageiros ou de cargas – pela própria característica do serviço, ou seja, pela forma e modo (se coletivo ou individual) e quanto à sua natureza, se público ou privado. Por fim, caracteriza os tipos de infraestrutura, que favorece o tráfego (vias, logradouros, metroferrovias, hidrovias e ciclovias), que favorece o acesso ao serviço: terminais, estações e demais pontos tipos de conexões; a organização contextualizada pela sinalização viária, estacionamentos entre outros. Ainda, foram previstos instrumentos de controle, como fiscalização e difusão das informações.

DAS DIRETRIZES PARA O TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO E DOS DIREITOS DOS USUÁRIOS

O capítulo segundo da lei em comento trouxe diretrizes voltadas ao serviço de transporte público coletivo. Entrelaçados entre os artigos 8.º a 13 apresentam normas de caráter geral, distribui competências aos entes federados, dispõe sobre as formas de contratação dos transportes e custeio, e valor das tarifas.

Ao falarmos de tarifa, insurge a dúvida: de quem será o custeio? A Carta Magna de 1988 afirma categoricamente ser serviço essencial e, a definição do transporte público, já apresentada, relata ser um serviço com pagamento individualizado, com tarifas fixadas pelo próprio poder público. Por quem é suportado tal ônus? A questão não é meramente doutrinária, há posicionamentos que deflagram argumentos com prós e contras de grande respaldo. Ao observar o texto legal, observa-se que a política do passe livre não foi adotada. Conforme mencionado dispositivo, o serviço é custeado pelo usuário do transporte público por subsídio tarifário (PNMU, art. 9.º, §3.º).

O Movimento Passe Livre – MPL pode ser considerado como um dos principais movimentos que vão de encontro a esse posicionamento. Ao levantarem a bandeira de passe livre, defendendo “uma vida sem catracas”, ou seja, defendendo um serviço de transporte público totalmente gratuito, acreditam que pagar pela circulação é tornar a mobilidade uma mercadoria, desconfigurando a natureza de direito. O MPL de São Paulo encaminhou uma Carta Aberta à Presidente da República, na oportunidade do convite a uma reunião proposta pelo Governo Federal dizendo que

"O transporte só pode ser público de verdade se for acessível a todas e todos, ou seja, entendido como um direito universal. A injustiça da tarifa fica mais evidente a cada aumento, a cada vez que mais gente deixa de ter dinheiro para pagar a passagem"[7].

Na mesma Carta Aberta, em que pese a Lei n.º 12.587/12, foi indagado:

"Gostaríamos de saber por que a presidenta vetou o inciso V do 16º artigo da Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12) que responsabilizava a União por dar apoio financeiro aos municípios que adotassem políticas de priorização do transporte público. Como deixa claro seu artigo 9º, esta lei prioriza um modelo de gestão privada baseado na tarifa, adotando o ponto de vista das empresas e não o dos usuários" [8].

O capítulo terceiro (PNMU, art. 14 e 15) versa sobre os direitos dos usuários. Trata-se na verdade de garantias básicas como acesso ao serviço de forma adequada, ambiente seguro, direito à informação sobre pontos de embarque e desembarque, valor de tarifas, direito a participar do planejamento e à avaliação da mobilidade urbana. Nesse tocante, estabelece o direito à composição de organização de órgãos, acesso às ouvidorias, participação em audiências, consultas públicas e aos procedimentos sistemáticos de comunicação, com avaliação de satisfação dos serviços.

CONCLUSÃO

Podemos perceber que o contexto da cidade e de espaço urbano, deve ser analisado considerando sua forma multidisciplinar, oportunidade em que, cruzando nossas lentes jurídicas com diversas outras áreas do conhecimento, conseguimos compreender melhor o como se dá o desenvolvimento urbano. Assim, mais do que um espaço, a cidade é um direito de cunho essencial ao homem, vez que, diante de uma sociedade urbanizada, serve de instrumento para o alcance de outros direitos.

Em relação à política urbana desenvolvida no nosso país, percebeu-se que o principal objetivo da nossa legislação é adequar o espaço urbano, oferecendo o máximo de acessibilidade possível com uso contínuo de uma gestão participativa.

Ao olharmos especificamente para a mobilidade urbana, podemos observar a disposição de diversos instrumentos para sua efetivação. O plano diretor, em destaque, é o principal deles. E por versar sobre o desenvolvimento da cidade, compreende, também, o planejamento da mobilidade urbana. Ele possui abrangência local tornando-se um instrumento mais próximo da população, possibilitando assim, um planejamento mais adequado, viável e mais sensível aos problemas da cidade.

Nesse mesmo giro, encontramos os dispositivos da Lei n.º 12.587/2012, que promove um direcionamento da mobilidade urbana no país. Essa política nacional de mobilidade urbana apresenta sistematicamente a forma de otimização da mobilidade no Brasil. A legislação contempla, em especial, o sistema de transportes públicos, enquadrando os de meio coletivo e os de meio individual. Traçando um desenvolvimento sob enfoque socioambiental, o planejamento da mobilidade urbana deve persuadir medidas que, após examinadas multidisciplinarmente e não somente sopesadas no uso do espaço ou com transportes, sejam aplicadas com vista a reduzir a problemática atual e futura. Devem ser medidas consoantes com o meio ambiente e que proporcionem eficiência, consolidando um desenvolvimento sustentável no viés econômico, ambiental e social.

*Esse artigo é um compêndio da publicação "O SERVIÇO DE MOTOTÁXIS E SUAS IMPLICAÇÕES", publicado no Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Todos os direitos reservados.

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  • Desenvolvimento sustentável

Referências

[1] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6 ed., atual, e ampl. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p.557.

[2] SOUZA, Demétrius Coelho. O meio ambiente das cidades. São Paulo: Ed. Atlas S.A., 2010. p.59.

[3] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6 ed., atual, e ampl. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p.558.

[4] JACOBI, Pedro R. Políticas sociais locais e os desafios da participação citadina. Ciência & Saúde Coletiva, 7(3): 443-454, 2002. p.453.

[5] SAULE JUNIOR, Nelson. O Direito à Cidade como paradigma da governança urbana democrática. Instituto Polis, 2005.

[6] CAMPOS, Vânia Barcellos Gouvêa. UMA VISÃO DA MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL. Revista dos Transportes Públicos – ANTP. Ano 28, 2º trimestre, 2006. p3.

[7] CARTA aberta do movimento Passe Livre São Paulo à Presidenta. [s.n.], 2013.

[8] op. cit. p.1.


Mauro Cordeiro

Advogado - Juazeiro do Norte, CE


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