PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E O DIREITO PENAL SIMBÓLICO


22/05/2017 às 13h48
Por Mayara Almeida

RESUMO

 

A harmonia da sociedade requer um sistema de controle que garanta estabilidade e segurança entre os indivíduos pertencentes a ela. Tal controle é feito através do Direito Penal, que sanciona as condutas que desestabilizem a pacificação social. Para criar as normas penais e aplica-las com eficiência é necessário que o legislador e o julgador observem os princípios gerais que regem o Direito e os específicos à área como, por exemplo, o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade e da intervenção mínima, sendo que este último é caracterizado pela subsidiariedade do Direito Penal, isto é, as normas penais devem ser a última solução para os fatos sociais. O Estado tem enfrentado a batalha contra a criminalidade através de um discurso do Direito Penal simbólico. Isso, porque adota como forma cabal de enfrentamento do tema a medida de pontuar mais crimes e aumentar as penas. Com isso, atualmente, denota-se que o Direito Penal fora vulgarizado, perdendo seu valor e relevância, consequentemente, deixando em segundo plano sua real função que é tutelar os bens mais valiosos da sociedade, contra as ofensas mais graves. Ou seja, os bens jurídicos essenciais em questões realmente ofensivas ou lesivas. O Direito Penal é a ultima ratio do sistema jurídico, sua arma mais forte e poderosa, posto ostentar a sanção mais grave de restringir a liberdade do sujeito. Porém o Estado vem utilizando esta ferramenta de maneira ostensiva e desarrazoada, não cumprindo sua característica de intervenção mínima. Degradando assim, sua função e executoriedade. O presente projeto de pesquisa tem por objetivo apresentar o questionamento sobre a inflação penal legislativa, sob o prisma da fomentação de um Direito Penal simbólico em marcha contrária ao princípio da intervenção mínima. Para tanto se faz necessário analisar as questões pertinentes ao Direito Penal, conceituar essa ciência em seus elementos basilares e funções, dando ênfase aos seus princípios específicos e àqueles previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988.

 

Palavras-chave: Hipercriminalização; Inflação Legislativa Penal; Razoabilidade das sanções; Subsidiariedade do Direito Penal.

 

ABSTRACT:

The harmony of society requires a control system that ensures stability and security among individuals belonging to it. Such control is done through the criminal law, which sanctions the behavior that destabilize the social peace. To create the criminal laws and apply them efficiently is necessary that the legislator and the judge observe the general principles governing the law and specific to the area, for example, the principle of reasonableness, proportionality and minimum intervention, and the latter is characterized by the subsidiarity of criminal law, ie the criminal laws should be the last solution to social facts. The State has faced the battle against crime through a discourse of symbolic Criminal Law. That is because adopts the full form of theme coping measure to score more crimes and increase penalties. Thus, currently, it denotes that the criminal law had been vulgarized, losing its value and relevance, thus leaving in the background its real function is protecting the most valuable assets of the company, with the most serious offenses. That is, the essential legal rights in really offensive or harmful issues. The criminal law is the ultima ratio of the legal system, its strong and powerful weapon, since bear the highest penalty of restricting the freedom of the subject. But the state has been using this tool of blatant and unreasonable manner, not keeping its characteristic of minimal intervention. Degrading thus their function and enforceability. This research project aims to present the questioning of the legislative criminal inflation, from the perspective of fostering a symbolic criminal law in motion against the principle of minimum intervention. To this end it is necessary to analyze the issues related to criminal law, conceptualize this science in its basic elements and functions, emphasizing to their specific, those principles under the Brazilian Constitution of 1988.

 

Keywords: Hipercriminalização ; Criminal Legislative inflation; Reasonableness of sanctions; Subsidiarity of criminal law

 

1     Introdução

1.1      Conceito de Direito Penal

Para a consecução dos fins a que esta pesquisa se propõe faz-se necessário à determinação, de forma sucinta, de um conceito de Direito Peal e seus pressupostos. Pode-se definir que com o abandono do Estado Natural e com o convívio em sociedade, conforme afirma Montesquieu em seu livro “O Espírito das Leis”, o homem perdeu o sentimento de fraqueza e passou a minimizar a coletividade e dar ênfase em sua individualidade[1]. No mesmo sentido, Thomas Hobbes consagrou a frase “O homem é lobo do próprio homem”, isto é, sua essência é insegura e egoísta, suas ações são movidas pelas emoções ao invés da razão[2]. Desta forma, a preservação da vida e da propriedade ficou ameaçada. Diante de tal fato, houve a necessidade de pactuar um acordo com o intuito de organizar a sociedade impondo regras de convivência e penalidades.

Para garantir a pacificação social, é necessário que haja um sistema de controle objetivando a estabilidade e segurança entre os indivíduos, controle que se inicia sem as formalidades estatais. Para tanto, tal sistema estabelece normas que exprimam modelos de conduta aceitáveis no meio social e, ao agir contrário a estas, aplicar-se-á sanções. Desta forma surge a concepção de Direito e sua ramificação na área Penal que, como ciência, tem seus moldes na Idade Moderna, em específico pós Beccaria e sua obra Dos Delitos e das Penas.

O conceito de Direito Penal é visto sob várias óticas, porém, as definições chegam a um determinado consenso quanto às elementares. De acordo com Nucci, o Direito Penal pode ser entendido como “o conjunto de normas jurídicas voltadas à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação” ·, isto é, são regras que objetivam tipificar condutas e aplicar penas a quem as pratiquem. Tem por escopo delimitar o monopólio do Jus Puniendi do Estado, o direito que este tem em perseguir o sujeito que cometeu a prática delitiva, julgá-lo e aplicar uma sanção.

Para o autor Fernando Capez, o Direito Penal é definido como,

"O segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação".[3]

No mesmo sentido, os autores Regis Prado e Carvalho trazem dois conceitos de Direito Penal: um no sentido formal e outro no sentido material. A definição formal afirma que o Direito Penal é a esfera do ordenamento jurídico público “que estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhes determinadas consequências jurídicas”[4], tais como, penas ou medidas de segurança. Já o sentido material refere-se aos comportamentos considerados “altamente reprováveis ou danosos” à sociedade, podendo afetar de modo grave os bens jurídicos essenciais à sua conservação e desenvolvimento como, por exemplo, a vida e a propriedade. Portanto, os bens jurídicos considerados fundamentais deverão ser tutelados e resguardados pelo Direito em si, focando na repressão ofertada pelo Direito Penal. Desta forma, caso o indivíduo atente contra a vida de outrem, sua conduta será tipificada e penalizada, ou seja, o cometimento de um homicídio tem a tipificação da conduta no art. 121 caput do Código Penal[5] o qual menciona a ação de “Matar alguém” e, por consequência de tal ato, aplicar-se-á a pena de reclusão de seis a vinte anos.

 

1.2 Funções

Fixado a base conceitual pugna-se pela definição das funções do Direito Penal, sendo que a principal função é proteger os bens jurídicos-penais imprescindíveis ao individuo e à coletividade.[6] Para tanto, o legislador deverá selecionar os bens que considere mais relevantes e tutelá-los. Isto deriva da visão do Direito Penal como um mecanismo que oferta a pacificação no âmbito social através da tutela das relações entre os indivíduos. Sendo assim, seu objetivo primordial é proteger a convivência dos indivíduos enquanto sociedade através da coação estatal mais grave que é a restrição da liberdade.

De acordo com o entendimento do autor Nucci, o Direito Penal tem por função tutelar os “mais graves conflitos existentes, devendo ser utilizado como a última opção do legislador para fazer valer as regras legalmente impostas a toda comunidade, utilizando-se da pena como meio de sanção”[7].

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o professor Dotti traz como missão do Direito Penal a “proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à comunidade” competindo –lhe, por meio de “um conjunto de normas (incriminatórias, sancionatórias e de outra natureza), definir e punir as condutas ofensivas à vida, à segurança, ao patrimônio e outros bens declarados e protegidos pela Constituição e demais leis”. O autor também traz como função a proteção de determinadas formas de comportamento que, mesmo ilícitas, não são puníveis ou não são declaradas como lícitas pelo ordenamento jurídico positivo como, por exemplo, hipóteses de isenção de pena e de exclusão de ilicitude. Tem, também, a função de garantir o respeito aos princípios constitucionais-penais e penais constitucionais, ora estes explanados em momento oportuno.[8]

Em complemento, o autor Capez ensina que o objetivo do Direito Penal “é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade (...) denominados bens jurídicos”[9]. Os bens jurídicos serão devidamente analisados no tópico à respeito dos Princípio da Intervenção Mínima.

Para Queiroz, quando o Estado declara que determinados comportamento são delituosos, ele objetiva prevenir em caráter residual a sua reiteração, protegendo, deste feito, determinados bens jurídicos e buscando controla-los minimamente quando semelhante fim não se possa alcançar por outros meios menos onerosos à liberdade e que o direito penal possa concorrer de modo mais útil. Salienta, também, que a prevenção geral negativa-subsidiária é o único critério compatível com um modelo de politica criminal minimamente racional que confronta pontos positivos e negativos da intervenção jurídico penal.[10]

Portanto, pode-se sintetizar as funções do Direito Penal como protetor dos bens jurídicos fundamentais aos indivíduos, garantidor do respeito às normas e aos princípios e alcançar a ordem pública social.

É imprescindível ressaltar que o Direito Penal tem por característica a ultima ratio, isto é, deve ser o último recurso utilizado para por fim aos conflitos de modo que este afeta de forma grave os bens jurídicos mais relevantes para o homem, principalmente, a vida e a liberdade. As consequências do Direito Penal são extremamente danosas tanto de cunho econômico, psicológico quanto afetação direta do Jus Libertatis do indivíduo, isto é, seu direito à liberdade. No atual cenário jurídico-político, o Direito Penal vem sofrendo a perda da essencialidade de suas funções, tornando-se simbólico, vulgarizado e banalizado. Diante do clamor por soluções rápidas de uma sociedade que enfrenta problemas sociais graves decorrentes da falta de educação, segurança, emprego e saúde, o legislador, baseando-se no senso comum, institui soluções consideradas inadequadas e ineficazes como, por exemplo, o aumento de penas, tipificações de mais condutas e chega, até mesmo, a ferir a Constituição Federal como é o caso da redução da maioridade penal tornando-o sua função inócua. O uso simbólico do Direito Penal não resolve o problema em si, mas sim proporciona, de forma irracional, a falsa ideia de solução e acaba por não permitir que outras áreas do Direito ou complementares a esta como, por exemplo, a sociologia e a antropologia, ou até mesmo a criação de políticas públicas para atuarem no núcleo do problema e não na superficialidade surtam efeitos.

Dentro desta ótica de punir e a garantir a liberdade, os princípios penais são a maior proteção aos direitos fundamentais do homem que comete o crime e das que sofrer suas consequências.

 

2     Princípios

2.1 Conceito de Princípios

As fontes do Direito Penal são divididas em materiais e formais. A primeira diz respeito à competência em legislar sobre a matéria penal. Enquanto as fontes formais dizem respeito, de acordo com Molina e Gomes[11], a forma “como se exterioriza formalmente o Direito Penal”, sendo subdivididas em mediatas e imediatas. Fonte formal imediata é a lei, já a fonte formal mediata são constituídas pelos costumes, jurisprudências e princípios gerais do Direito. O art. 4º da LINDB afirma que, quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito[12]. Além dos princípios gerais do Direito há aqueles específicos expressos ou não e outros que será analisados como o Princípio da Intervenção Mínima. Todavia, o que vem a ser princípios?

Assim como em todos os ramos do ordenamento jurídico, o Direito Penal baseia-se em determinados princípios essenciais que norteiam a criação de normas pelo Legislativo, sempre levando em consideração os valores éticos-culturais de determinada sociedade observando às práticas da época. Desta forma, os princípios penais compõem a essencialidade da matéria penal, isto é, orienta a política legislativa criminal (interpretação e aplicação da norma penal) e limita do poder punitivo do Estado assegurando as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo[13].

Conforme explana Gonçalves, os princípios gerais do direito são regras que se encontram na consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo que não escritas. Tais regras, de caráter genérico, orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não incluídas no direito positivo[14] são normas e devem assim ser diretamente aplicadas.

De acordo com Bitencourt, todos os princípios, tanto gerais quanto específicos, que regulam o Direito Penal, têm por função “orientar o legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal (...) mínimo e garantista”[15]. Já, para Ávila, os princípios são normas finalísticas, ou seja, estabelecem um fim a ser atingido, sendo representado por uma função diretiva para determinar a conduta.[16]

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Greco leciona que os princípios  na ciência jurídica são considerados como normas gerais abstratas tendo por função nortear a criação do sistema normativo, sendo obrigatória a sua observância e respeito, sejam eles expressamente previstos nos textos normativos ou, embora não expressos, são obrigatórios. Portanto, os princípios tem caráter normativo como normas “com alto nível de generalidade e informadoras de todo o ordenamento jurídico”, servindo de proteção dos cidadãos contra as condutas estatais, pois “todas as normas lhe devem obediência, sob pena de serem declaradas inválidas”.[17]

Conforme ensinamentos de Prado, os princípios referentes ao âmbito do Direito Penal são classificados em princípios penais constitucionais e princípios constitucionais penais. Os primeiros dizem respeito aos princípios que se encontram no texto constitucional, porém são limitados à aplicação na matéria penal. Por outro lado, os princípios constitucionais penais são aqueles de conteúdo não especificamente penais (caráter geral), também abarcados pela Constituição Federal, que versam sobre matéria penal[18]. Tais classificações dos princípios serão abordados de forma mais detalhada e exemplificativa a seguir.

 

2.2 Princípios constitucionais penais

A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto princípios com conteúdo de caráter geral que disciplinam a matéria penal. Desta forma, os princípios constitucionais penais são aqueles aplicados em todos os ramos do ordenamento jurídico, inclusive no Direito Penal como, por exemplo, o princípio da proporcionalidade, da igualdade e da necessidade.[19]

De acordo com Gomes, diante da conjugação do Direito Penal com a Constituição Federal é possível extrair os doze mais relevantes princípios constitucionais penais que têm por função limitar o Ius Puniendi do Estado. Alguns princípios estão expressos na Carta Magna de forma explícita como, por exemplo, o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), e outros expressos de forma implícita como, for exemplo o princípio da insignificância, da intervenção mínima e da culpabilidade.[20]

Os princípios constitucionais penais mais relevantes dos quais derivam outros princípios são classificados por Gomes como: princípios relacionados com a missão fundamental do Direito Penal (exclusiva proteção dos bens jurídicos e intervenção mínima); princípios relacionados com o fato do agente (exteriorização ou materialização do fato, legalidade do fato e ofensividade do fato); princípios relacionados com o agente do fato (responsabilidade pessoal, responsabilidade subjetiva, culpabilidade e igualdade); princípios relacionados com a pena (proibição da pena indigna, da humanização das penas e da proporcionalidade).[21]

No que se refere aos princípios da legalidade, da culpabilidade, da individualização da pena e da personalidade da pena há divergências doutrinárias quanto à classificação, isto é, para Luiz Flávio Gomes tais princípios se enquadram como constitucionais penais; já, para Luiz Regis Prado, tais princípios são penais constitucionais. Diante de tais circunstâncias e melhor compreensão do assunto ora abordado torna-se mais viável o acolhimento da concepção de Prado no que concerne aos princípios acima mencionados. Todavia, em referência ao princípio da intervenção mínima deve ser tratado como princípio constitucional penal implícito, pois tem apoio no art. 5º, §2º da Constituição Federal e no art. 8º da Declaração dos Direitos Humanos[22].

 

2.3 Princípios penais constitucionais

De acordo com Prado, os princípios penais constitucionais são aqueles que integram o ordenamento jurídico penal positivo em razão do próprio conteúdo tendo características substancialmente constitucionais, enquanto se restringem aos limites do poder punitivo que situam o indivíduo no âmbito do sistema penal, como por exemplo, o princípio da legalidade que tem previsão no art. 1º do Código Penal e no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal e o princípio da culpabilidade, sendo este acolhido no texto constitucional de forma implícita através do art. 1º, III (dignidade da pessoa humana), art. 4º, II (prevalência dos direitos humanos), art. 5º, caput (inviolabilidade do direito à liberdade) e art. 5º, XLVI (individualização da pena). [23]

 

3     Princípio da Intervenção Mínima

O Direito Penal, em decorrência de suas consequências gravosas, deve-se restringir sua atuação à proteção dos bens jurídicos mais importantes e necessários à vida em sociedade. O legislador, ao elaborar as leis, deve-se atentar ao critério político, sendo que este é mutável e varia de acordo com a época em que vive a sociedade, ou seja, deverá selecionar as condutas que serão disciplinadas por matéria penal. Desta forma, nasce um princípio limitador do poder punitivo do Estado, sendo este o princípio da intervenção mínima[24].

Para Prado, o princípio da intervenção mínima, também denominado princípio da subsidiariedade estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos “imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa”, pois as sanções penais revestem-se de tamanha gravidade impondo as mais sérias restrições aos direitos fundamentais como, por exemplo, a liberdade. Desta forma, a intervenção penal só ocorrerá quando for absolutamente necessária para a convivência harmoniosa e pacifica da sociedade, isto é, apresentar o caráter de ultima ratio legis, reduzindo ao mínimo imprescindível[25].

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Damásio de Jesus preceitua que, o princípio da intervenção mínima procura “restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos” devendo obedecer a extrema necessidade e eficácia, podendo somente o Estado intervir, através do Direito Penal, quando as outras áreas do ordenamento jurídico não conseguirem prevenir a conduta ilícita.[26]

Em consonância com os ensinamentos de Bitencourt, o princípio da legalidade limita o arbítrio judicial, porém não impede que o Estado crie tipos penais injustos que acarretem em sanções cruéis e degradantes. Deste modo, há a necessidade de limitar o arbítrio do legislador. Para tanto, surge o princípio da intervenção mínima, também denominada como ultima ratio, que tem por função orientar e limitar o poder incriminador do Estado ressaltando que a criminalização de uma conduta só se legítima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se existirem outras formas de sanção ou outros meios de controle social como, por exemplo, medidas civis ou administrativas, que sejam suficientes para a tutela deste bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Portanto, o Direito Penal assume um caráter subsidiário e sua intervenção só será justificável quando os demais ramos dos direito ou formas de proteger o bem jurídico fracassarem, pois a sanção penal provoca graves danos ao indivíduo, tais como, a colocação do mesmo à margem da sociedade[27] e o preconceito afetando, também seu psicológico.

Em observância aos ensinamentos de Prado, o princípio da intervenção mínima é tido como uma orientação político-criminal que restringe o Ius Puniendi do Estado derivando da essência do Direito Penal e da concepção do Estado Democrático de Direito.[28] Deste feito, o uso excessivo da sanção criminal não garante a maior e eficaz proteção dos bens jurídicos, pelo contrário, tal hiperinflação legislativa vulgariza e desvirtua a real finalidade do Direito Penal o transformando em meras leis simbólicas que surgem apenas para atender ao clamor de uma população influenciada, principalmente, pelo sensacionalismo midiático sem alcançar a eficácia do controle social.

Assim sendo, o princípio da intervenção mínima é o responsável por indicar bens mais relevantes a tratativa penal e, também, como mecanismo na política criminal que objetiva a descriminalização através da análise fática, sociológica e cultural, isto é, o legislador deve observar as mutações das sociedades, pois em decorrência de sua evolução determinados bens que no passado eram de maior relevância, atualmente fora abandonada a sua importância[29] como, por exemplo, o caso do adultério que antigamente era crime previsto no art. 240 do Código Penal e, em decorrência da reforma legislativa penal fora descriminalizado, isto é, revogado pela lei n. 11.105 de 2005.

No mesmo sentido, Dotti afirma que o princípio da intervenção mínima deve, obrigatoriamente, ser atendido pelo Poder Legislativo através de critérios sólidos para elaborar a lei penal, elegendo e dando preferência somente para os bens jurídicos dignos de proteção pelo Direito Penal sempre em consonância com a Constituição Federal. Deste feito, o princípio da intervenção mínima fora recepcionado pelo texto constitucional através do art. 5º, §2º o qual afirma que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Tal trecho vem para regulamentar o art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão acolhido pelo Brasil. Este artigo ora mencionado estabelece que a lei deve observar “penas estritas e evidentemente necessárias”[30].

Greco faz referência à seguinte citação de Roxin:

(...) O Direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil e (...) sanções extrapenais. Por isso se denomina a pena como a ‘ultima ratio da política social’ e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos.31

Por fim, Greco afirma que o princípio da intervenção mínima possui duas funções primordiais: a primeira refere-se à orientação do legislador na seleção de bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade; já a segunda diz respeito à utilização do princípio como norte ao legislador para suprimir a proteção do Direito Penal sobre aqueles bens que, no passado, gozavam de especial importância, porém, atualmente, devido à evolução da sociedade, estes mesmos bens podem ser satisfatoriamente protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico. [31]

Para Gomes, a intervenção penal tem natureza de castigo, pois retrata a reação mais extrema  do Estado sobre o delito. O princípio da intervenção mínima tem natureza político-criminal e possui dois aspectos: a fragmentariedade que afirma que somente os bens jurídicos mais relevantes devem merecer a tutela penal e que exclusivamente os ataques mais intoleráveis é que devem ser punidos penalmente; e a subsidiariedade, isto é, o Direito Penal só será utilizado quando outros ramos do Direito não solucionam satisfatoriamente o conflito.[32]

 

4     Direito Penal Simbólico e Hiperinflação Legislativa

Nas últimas décadas, a hiperinflação legislativa e a expansão da criminalização indiscriminada fora o assunto principal das críticas ao sistema penal, pois há uma redução drástica no poder coercitivo do Direito Penal em decorrência da criação em massa e rotineira de tipos penais que não satisfazem de forma eficaz as exigências de proteção aos bens jurídicos fundamentais.  Tornou-se comum a utilização das leis penais objetivando equilibrar as relações sociais, econômicas e políticas e, também, atender à pressão da sociedade.[33] Todavia, na maioria das vezes, o legislador, ao criar tais normas, não analisa com criticidade e racionalidade a situação fática e por não levar consideração todas as circunstâncias que possam prejudicar a eficácia das leis penais e que interfiram na real função que o Direito Penal deveria cumprir, desta forma, vem fomentando o fenômeno da hipercriminalização.

É importante salientar que o uso desenfreado do Direito Penal pode ser observado em quaisquer governos ou épocas, pois Montesquieu já afirmava que “esse número infinito de coisas que um legislador ordena ou proíbe, tornando os povos mais infelizes e nada mais razoáveis”, assim como Lao Tseu, Le Tao to King:

Quanto mais interdições e proibições houver,/ mais o povo empobrece,/ mais se possuirão armas cortantes,/ mais a desordem alastra,/ mais se desenvolve a inteligência fabriqueira,/ mais estranhos produtos aparecem,/ mais se multiplicam os regulamentos,/ mais florescem os ladrões e bandidos[34]

Queiroz faz uma análise da relação entre o Estado Democrático de Direito consolidado através dos art. 1º ao 5º da Constituição Federal e a natureza instrumental e subsidiária do Direito Penal. Ele afirma que, a Carta Magna disciplina que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente” (art. 1º, parágrafo único, CF), resultando na conclusão que as sanções impostas pelo ramo penal não são um fim em si mesmo, mas um meio a serviço dos fins constitucionalmente elencados pelo Estado tais como, a proteção da vida, da liberdade, da integridade física, da saúde, entre outros. E, devido seu caráter violento de intervenção na vida dos indivíduos, sendo estes a razão e o fim do Estado, tal interferência deve ser absolutamente necessária à segurança destes mesmos indivíduos. Portanto, o direito penal deve ser a extrema ratio das políticas criminais e sociais observando sempre os valores constitucionais. Queiroz encerra afirmando que diante de tais fatos é viável a aplicação de um modelo de política criminal radicalmente descriminalizadora ou a um modelo de direito penal mínimo condizentes com a Constituição Federal e seu caráter libertário.[35]

Os críticos do sistema penal dividem-se, basicamente, em duas correntes extremistas: Movimento de Lei e Ordem e Movimento Abolicionista do Sistema Penal. Entretanto, há um meio termo denominado Movimento do Direito Penal Mínimo sendo regido pelo princípio da intervenção mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal. Tal corrente afirma que o Estado só deverá recorrer à pena criminal quando não houver no ordenamento positivo outros meios adequados e eficazes para prevenir e reprimir o ilícito. Em sua obra, Dotti faz referência à citação do ministro Nelson Hungria em que revela: “Somente quando a sanção civil se apresenta ineficaz para a reintegração da ordem jurídica é que surge a necessidade da energética sanção penal. As sanções penais são o último recurso para conjurar a antinomia entre a vontade individual e a vontade normativa do Estado”.[36]

Greco traz como exemplo de utilização do Direito Penal de modo simbólico, a necessidades de se punir penalmente aquele que emite cheque sem suficiente provisão de fundos. Tal conduta está tipificada no Código Penal no art. 171, §2º, inciso VI “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa (...) § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: (...) VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento”. A crítica em cima deste tipo refere-se à possibilidade e eficácia de se utilizar outros meios mais adequados e que não firam de forma drástica dos direitos individuais fundamentais, isto é, ao invés de aplicar sanções penais haveria a possibilidade de aplicar medidas civis e administrativas como, por exemplo, execução de quantia não paga e o impedimento do emitente do cheque seja correntista de qualquer banco. Outra crítica de Greco refere-se à manutenção das contravenções penais em nosso ordenamento jurídico, pois estas regulam bens que não têm tanta relevância, podendo ser protegidos por outras áreas do Direito.[37]

Outro exemplo que se pode observar do uso inadequado e desvio de finalidade do Direito Penal é o tipo penal da Bigamia previsto no art. 235 do Código Penal que assim disciplina: “Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de dois a seis anos”. Por óbvio que tal conduta poderia ser disciplinada e aplicada sanções por outros ramos jurídicos como medidas civis ou administrativas não sendo necessária a aplicação do direito penal. É importante ressaltar que as consequências decorrentes do Direito Penal são as mais gravosas, pois além de interferir diretamente no direito fundamental à liberdade, um processo criminal aufere grande sofrimento para o indivíduo e para a sua família acarretando tanto em danos psicológicos quanto financeiros, pois, há um grande preconceito por parte de empregadores ao contratar ex-presidiários ou aqueles que estão respondendo quaisquer processos criminais.

Queiroz traz em seus ensinamentos a expressão “função simbólica ou retórica das penas”, isto é, o uso das normas penais não com a pretensão de solucionar um determinado conflito de interesses, mas, sim, produzir na opinião pública uma impressão tranquilizadora, ou seja, passar a imagem de um legislador atento e decidido e uma segurança jurídica, sendo que tal segurança fora abalada pela ocorrência de determinadas condutas que, geralmente, ocasionam comoção social. Em complemento afirma que:

Um direito penal simbólico carece de toda legitimidade, pois manipula o medo ao delito e à insegurança, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa exclusivamente com certos delitos e infratores, introduz um sem fim de disposições excepcionais, a despeito de sua ineficácia ou impossível cumprimento, a médio prazo, desacredita o próprio ordenamento, minando o poder intimidatório de suas prescrições. [38]

Dotti afirma que um dos problemas mais graves enfrentados pelos operadores do Direito Penal é a inflação legislativa. Ademais, o autor traz como uma das propostas fundamentais para reverter o quadro do sistema penal a implementação de um movimento de descriminalização e despenalização afirmando, ainda, que somente desta forma seria possível resgatar o prestígio do magistério penal e sua verdadeira finalidade, sendo que esta fora profundamente abalada nas últimas décadas em decorrência da massificação dos processos de incriminação e da consequente ineficácia das reações penais contra a conduta delituosa.

Todavia, além desta proposta, considerada radical, Dotti apresenta outras soluções viáveis que poderiam ser aplicadas, tais como: solução para o conflito de unificar toda a legislação do Código Penal ou manter apartado as leis extravagantes, sendo que neste último caso haveria a necessidade desse instituir um critério de seleção das leis, assim como a sua publicação, observando a gravidade objetiva do tipo e o bem jurídico ofendido; outro recurso a ser utilizado seria a unificação das penas privativas de liberdade para se adotar uma única modalidade, sendo esta a prisão; também, haveria a possibilidade de eliminar o instituto da suspensão condicional da pena, pois esta perdeu a sua essência e finalidade com a introdução das penas restritivas de direitos; outra proposta seria a operacionalidade mais eficaz ao aplicar e executar a pena de multa; assim como, há a solução de instituir a pena de perda de bens do condenado correspondente ao valor da multa aplicada quando o mesmo for solvente e frustrar o pagamento; Dotti também propõe a criação de possibilidades para a existência e a atuação do Fundo Penitenciário Nacional; a efetiva garantia dos direitos dos condenados e dos internados durante o processo de execução das penas e das medidas de segurança e, por fim, a implementação de regras acerca do funcionamento dos estabelecimentos penais.[39]

A criminalidade é um fenômeno que sempre existiu e sempre existirá, isto é um fato inquestionável. São inúmeros os fatores que levam um indivíduo a cometer uma conduta delituosa, para tanto, há outras áreas complementares ao Direito, tais como, a psicologia, as ciências políticas e sociais, a economia e a criminologia que têm por função analisar os aspectos psicológicos, econômicos, sociais e políticos que envolvem todo o processo da criminalidade.

Diante da violência, do caos, do descaso dos governantes e da miserabilidade que permeiam a nossa sociedade, a população influenciada, principalmente, pelo sensacionalismo midiático, clamam por soluções rápidas para determinados problemas sociais. Ademais, é inegável que os políticos que foram escolhidos para governar o Brasil perderam a credibilidade e confiança da população. Para tanto, como forma de recuperar o prestígio popular e, além de garantir votos para reeleições, evitar a perda de eleitores, os eletivos, de forma irracional e sem observar todas as circunstâncias que acarretaram no problema, criam desenfreadamente tipos penais, aumentam penas e ferem a Constituição com o objetivo de atender à um clamor de uma sociedade exausta, desacreditada, revoltada com a realidade política-socioeconômica.

Desta forma, vulgarizam o Direito Penal, tiram a sua essencialidade e real finalidade acarretando no fenômeno da Hiperinflação Legislativa Penal ou Hipercriminalização contrariando o texto constitucional, o princípio da intervenção mínima do direito penal e o princípio da dignidade humana.

A atividade estatal que consiste em agravar as hipóteses já previstas de crimes, abrangendo outras situações que envolvam o tipo, aumentando as sanções ou reduzindo as garantias processuais do acusado ou do condenado é denominada de neocriminalização. Em contrapartida, a descriminalização objetiva restringir o âmbito do tipo penal, diminuir a pena cominada, abolir agravantes, transformar o crime em contravenção, transformar a contravenção em ilícito extrapenal, transformar o crime de ação pública em crime de ação pública condicionada ou de iniciativa privada e compreender o dolo eventual na culpa consciente.

Todavia, há distinções destas para os conceitos de penalização e despenalização, sendo que estas constituem manifestações de Política Criminal que o legislador atende em função de interesses ocasionais ou permanentes. De um lado, a penalização consiste em sancionar determinadas condutas com as penas criminais quando o fato era penalmente atípico ou recebia sanções tão somente de outros ramos do ordenamento jurídico como, por exemplo, do Direito Administrativo, do Direito Civil ou do Direito Tributário. Do outro, a despenalização refere-se à um processo de redução, maior ou menor, das sanções criminais aplicadas a condutas que ainda persistem como ilícitos penais.[40]

Atualmente, a criação das normas penais ou quaisquer alterações que envolvam o Direito Penal são feitas atendendo as expectativas da população e da mídia baseadas no senso comum sem considerar a racionalidade ou estudar todas as circunstâncias que envolvam o aparente conflito que desestabiliza a sociedade.

Um caso atual que envolva o uso simbólico do Direito Penal refere-se à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos. Por certo que houve um aumento da criminalidade envolvendo menores e, diante de tal fato, a sociedade, influenciada pelos meios de comunicação em massa, fora despertada pelo sentimento de impunidade e, para tanto, cobram das autoridades responsáveis pela criação de normas, que estes menores infratores sejam punidos mais severamente.

Todavia, deve-se analisar a situação com criticidade. Os contrários à redução da maioridade penal não objetivam “passar a mão na cabeça” de crianças e adolescentes que cometem delitos, mas, sim, pensar em todo o contexto que levou o menor à ter determinada conduta. A criminalidade tem uma raiz, uma fonte que desencadeou a prática delituosa, podendo tal origem envolver questões psicológicas e familiares como, por exemplo, maus tratos e abusos por parte de pais ou responsáveis ou questões de ordem social e econômica como no caso da exclusão e marginalização consumerista, isto é, a propagação da publicidade que associam status para aqueles que compram determinado produto, determinado celular, determinado tênis ou, também, questões relacionadas com o desemprego e a falta de oportunidades para os jovens como, por exemplo, exigência do empregador para que o empregado tenha experiência e qualificação, falta de cursos profissionalizantes e incentivos do governo em proporcionar um ensino de qualidade e orientações a crianças e adolescentes a respeito das drogas.

Portanto, pode-se chegar à conclusão que se utilizar do Direito Penal como forma de repressão e exclusão do convívio social não irá resolver o problema, pois a redução da maioridade penal é uma solução superficial, imediatista e com eficácia ínfima.

Ademais, é notório que o sistema punitivo e carcerário do Brasil é falho, pois os presídios são considerados verdadeiros “escolas do crime”, isto é, não há mecanismos que promovam a ressocialização adequada dos presos e, também tem como empecilho a falta de espaço para acomodar a quantidade exorbitante de presidiários.

Atualmente, em uma cela que comporta cinco presos, encontram-se mais de 30, sem contar os gastos públicos na manutenção de cada indivíduo que se encontra preso é superior ou equivale à um gasto na manutenção de uma criança ou jovem na escola.

Ressalta-se que a justiça brasileira é demasiadamente morosa, podendo uma pessoa ficar anos aguardando julgamento e, devido à tais circunstâncias, não há ressocialização, mas sim um sentimento de rancor e revolta crescente e que, ao voltar ao convívio social, será exteriorizado pela violência e criminalidade.

A solução não irá ocorrer de um dia para o outro, mas, sim, de forma lenta e gradativa, atingindo a raiz do problema, ou seja, não é necessário modificar questões penais e processuais que acabam ferindo os direitos fundamentais do cidadão e a própria Constituição Federal para que alcance o objetivo. Neste caso é imprescindível que os governantes atuem por meio de políticas públicas voltadas à educação (creches, escolas em tempo integral, ensino de qualidade, incentivo ao hábito da leitura, cursos profissionalizantes), ao lazer (prática de esportes, jogos que envolvam raciocínio, aprendizado de instrumentos musicais, teatro, dança), à cidadania (programas que envolvam trabalhos voluntários em asilos, creches, orfanatos, cuidados com o meio ambiente) e, principalmente, à estrutura da família (acompanhamento psicológico e por assistentes sociais). Por fim, a questão: O que é necessário, construir escolas ou presídios?

 

5     Considerações finais

Diante do exposto pode-se concluir que como o Direito Penal tem por função primordial tutelar os mais relevantes bens jurídicos passíveis que garantem a pacificação social e, também, que tal ramo do Direito traz consequências extremamente gravosas para o indivíduo como, por exemplo, a privação do direito fundamental constitucional da liberdade. Desta forma, diante de suas funções e sanções, o Direito Penal deve ser utilizado em caráter ultima ratio, isto é, o último recurso utilizado pelo Direito para a solução de conflitos. Para tanto, existem princípios que tem por finalidade concretizar a subsidiariedade do Direito Penal como, no caso ora analisado, o princípio da intervenção mínima. Tal princípio objetiva a descriminalização e o uso racional e controlado da legislação penal evitando, deste feito, a hiperinflação legislativa penal e o uso simbólico do Direito Penal.

Indo em contrapartida do processo de descriminalização e racionalidade da Política Criminal, o Direito Penal vem perdendo sua essencialidade e sendo vulgarizado, pois os legisladores vêm se utilizando do mesmo de modo simbólico com o intuito de mascarar soluções para determinados conflitos, isto é, diante do clamor de uma sociedade cansada que enfrenta sérios problemas sociais, sendo que tais problemas levam ao aumento da criminalidade, juntamente com o sensacionalismo midiático, os legisladores usam desenfreadamente o Direito Penal com o intuito de aumentar tipificações e sanções acarretando, desta forma, interferências inconstitucionais e que ferem os princípios fundamentais do cidadão como o princípio da dignidade da pessoa humana e princípios decorrentes da garantia de liberdade do indivíduo.

Portanto, ao invés de proporcionar a falsa ideia de solução dos conflitos por meio do Direito Penal, o legislador deve analisar a raiz do problema e, através de políticas públicas e o uso de outros ramos do Direito como, por exemplo, o Direito Civil e Administrativo, possa alcançar o a pacificação e controle social de modo mais eficaz.

 

 

 

 

  • direito
  • direito penal
  • princípios
  • princípio da intervenção mínima
  • hiperinflação

Referências

6    Referências Bibliográficas

 

[1] WEFFORT, Francisco C, organizador. Os clássicos da política. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006. P. 121 – 127.

[2] BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia política. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 167 – 171.

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, vol 1, parte geral: (arts. 1º ao 120). 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19.

[4] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 65.

[5] Art. 121 – CP – Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

[6] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 65.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral : parte especial. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 76.

[8] DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. rev. atual. e ampl. com a colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p.67.

[9] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, vol 1, parte geral: (arts. 1º ao 120). 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19

[10] QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P. 118.

[11] GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. Vol. 2. Coordenação Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 25.

[12] Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

[13] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 105

[14] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 27.

[15] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 15. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 40

[16] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. P .86.

[17] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. P. 59 – 65.

[18] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 105

[19] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 105

[20] GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. Vol. 2. Coordenação Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 371

[21] GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. Vol. 2. Coordenação Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 371.

[22] Art. 5º, §2º, CF Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789 - Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

[23] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 105 - 111

[24] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. P. 51.

[25] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 115.

[26] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. Vol. 1. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 52

[27] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 15. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 43 – 44.

[28] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 115 – 116

[29] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. P. 51.

[30] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. rev., atual. e ampl. Colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. P. 146 – 148.

[31] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. P. 52.

[32] GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.p. 443 – 444.

[33] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. rev., atual. e ampl. Colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. P. 111.

[34] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. rev., atual. e ampl. Colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. P. 111.

[35] QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P. 115 – 116.

[36] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. rev., atual. e ampl. Colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. P. 147.

[37] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Vol. I. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. P. 52 – 53.

[38] QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P. 51 – 53.

[39] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. rev., atual. e ampl. Colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. P. 112

[40] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. rev., atual. e ampl. Colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. P. 156 - 160


Mayara Almeida

Bacharel em Direito - Maringá, PR


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