No cenário atual da medicina, os profissionais de saúde enfrentam desafios crescentes não apenas no exercício clínico, mas também no âmbito jurídico. A relação médico-paciente, antes baseada quase exclusivamente na confiança, agora está permeada por regulamentações, normas éticas e possíveis litígios. Neste contexto, a assessoria jurídica especializada em Direito Médico emerge como um recurso indispensável para os profissionais da área.
Neste artigo, exploraremos os benefícios de uma assessoria jurídica na prática médica, sustentados por jurisprudências e legislações aplicáveis.
1. Proteção Legal e Defesa em Litígios.
A prática médica, por sua natureza, é suscetível a litígios, principalmente em casos de suposto erro médico. A judicialização da saúde no Brasil é um fenômeno crescente, com um número significativo de ações judiciais movidas por pacientes ou seus familiares. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), processos relacionados à saúde aumentam a cada ano, demonstrando a necessidade de suporte jurídico adequado.
Legislação Pertinente. Sem nos aprofundar nos conceitos de responsabilidade civil, o Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2217/2018) estabelece como Princípio Fundamental XIX “que o médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes da relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência”.
Em consonância com o Código de Ética Médica, o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002) regula a responsabilidade civil extracontratual, incluindo a médica, em seus Artigos 927 a 954, os quais estabelecem que com a violação do dever genérico de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia) nasce o dever de indenizar. Já os artigos 389 a 420 também do Código Civil Brasileiro, regulam a responsabilidade civil contratual, que deriva do descumprimento de um dever de dar, fazer ou não fazer, estabelecida em contrato firmado entre as partes. Neste caso, o dever de indenizar nasce quando ocorre um descumprimento contratual.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) é frequentemente aplicado em casos que envolvem prestação de serviços médicos, em virtude do entendimento de que médicos também são considerados como fornecedores de serviços e pacientes consumidores.
Jurisprudência. No julgamento do REsp 1.315.371-SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a posição de que a responsabilidade do médico é, em regra, subjetiva, salvo nas especialidades em que o resultado seja garantido (cirurgias estéticas, por exemplo). Essa decisão reforça a necessidade de documentar adequadamente os procedimentos e manter registros detalhados para subsidiar a defesa em eventuais ações judiciais.
2. Atualização e Conformidade com a Legislação
As normas que orientam a prática médica estão em constante evolução, tornando essencial que os profissionais da área acompanhem as mudanças legislativas e regulamentares. Nesse contexto, uma assessoria jurídica especializada desempenha um papel crucial, assegurando que o médico atue em conformidade com os parâmetros legais e éticos.
Com o apoio de uma assessoria jurídica especializada, médicos e clínicas/consultórios podem se manter sempre atualizados, sem exigir do profissional de saúde um esforço adicional em áreas fora de sua expertise, como a jurídica. Isso permite que o foco permaneça no atendimento e no bem-estar dos pacientes.
Normativas e Conselhos.
- Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM): O CFM publica resoluções e pareceres que regulamentam a prática médica, como a Resolução CFM nº 2.217/2018, que aprovou o Código de Ética Médica.
- Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): A Lei nº 13.709/2018 estabelece diretrizes para o tratamento de dados pessoais, incluindo os sensíveis, como prontuários médicos.
Importância. O descumprimento dessas normas pode acarretar sanções éticas, administrativas e, em alguns casos, até penais. Um exemplo disso é o vazamento de informações confidenciais, que constitui uma violação não apenas do Artigo 154 do Código Penal, relacionado à revelação de segredo profissional, mas também do Código de Ética Médica, que, em seu Capítulo IX, estabelece que o médico tem o dever de preservar o sigilo sobre informações obtidas no exercício de sua profissão. Essas infrações podem comprometer a credibilidade do profissional e resultar em penalidades severas.
3. Gestão de Riscos e Prevenção de Conflitos
Uma prática médica segura e ética exige a identificação e mitigação de riscos. Com a assessoria jurídica, o médico pode adotar medidas preventivas que reduzem significativamente a exposição a problemas legais.
Ferramentas de Prevenção.
- Consentimento Informado: É imprescindível que o paciente seja devidamente informado sobre os riscos, benefícios e alternativas de um tratamento. A ausência desse documento pode ser interpretada como falta de transparência e resultar em condenações judiciais.
- Auditorias Jurídicas: Uma assessoria pode realizar auditorias para verificar a conformidade de processos e rotinas da clínica ou hospital.
Jurisprudência. O STJ, no REsp 1.142.294-RJ, destacou a relevância do consentimento informado, afirmando que a ausência desse documento pode ser considerada falha na prestação de informações ao paciente, resultando em responsabilidade civil.
4. Negociações Contratuais e Proteção dos Interesses
Os contratos médicos, sejam eles firmados com planos de saúde, hospitais ou pacientes, exigem atenção especial. Cada cláusula tem o potencial de gerar impactos significativos na prática médica, motivo pelo qual o suporte jurídico é crucial.
- Aspectos Contratuais Relevantes
- Cláusulas de responsabilidade: Devem estar claramente definidas, evitando ambiguidades que possam prejudicar o médico.
- Honorários: Garantir que os valores e condições de pagamento estejam bem estabelecidos evita futuras disputas.
Legislação Aplicável. O Código Civil, em seus Arts. 421 e 422, reforça a importância da boa-fé e da função social dos contratos, princípios que norteiam as relações contratuais, incluindo aquelas envolvendo profissionais de saúde.
Casos Práticos. Em ações envolvendo planos de saúde, o STJ tem decidido favoravelmente aos médicos em situações em que há desrespeito aos contratos. Por exemplo, no REsp 1.807.249-SP, o Tribunal condenou um plano de saúde por alteração unilateral dos valores de honorários médicos, reforçando a importância de contratos bem redigidos.
5. Assistência em Procedimentos Éticos e Administrativos
Além de processos judiciais, os médicos podem enfrentar sindicâncias e processos éticos junto aos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Uma assessoria jurídica especializada em processos éticos e sindicâncias é fundamental, pois essas situações não se limitam à análise da conduta médica em si, mas também abrangem possíveis infrações legais e processuais. Esse suporte é essencial para garantir uma defesa técnica qualificada, assegurando que os direitos do profissional sejam preservados e que o caso seja conduzido de forma justa e adequada às normativas vigentes.
Cenário Ético. O Código de Ética Médica traz orientações que os profissionais devem seguir para evitar sanções. Um exemplo prático é o Art. 75, que proíbe o médico de abandonar o paciente, salvo em casos excepcionais devidamente justificados.
Casos Práticos. A ausência de um prontuário médico completo, por exemplo, pode ser interpretada como violação ética, conforme decisões reiteradas dos CRMs. A assessoria jurídica orienta e auxiliao médico a manter documentação adequada, essencial para a defesa.
6. Impactos da LGPD na Medicina
A Lei Geral de Proteção de Dados trouxe desafios específicos para a área da saúde. A manipulação de dados sensíveis exige atenção redobrada, especialmente em clínicas e hospitais que utilizam prontuários eletrônicos.
Obrigações do Médico
- Garantir a confidencialidade dos dados dos pacientes.
- Implementar políticas de segurança e proteção de dados.
- Obter consentimento explícito para o uso de informações pessoais.
Penalidades. O descumprimento da LGPD pode resultar em multas de até 2% do faturamento anual da organização, além de danos à reputação.
Jurisprudência. Embora recente, já há decisões relacionadas à LGPD no setor de saúde. Em uma decisão de 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou multa a uma clínica médica pelo uso indevido de dados de pacientes para fins de marketing.
7. Conclusão
A assessoria jurídica na prática médica é muito mais do que um instrumento de defesa; é uma ferramenta estratégica que proporciona segurança, ética e conformidade às atividades dos profissionais de saúde. Ao prevenir litígios, auxiliar na gestão de riscos e garantir a conformidade legal, os advogados especializados em Direito Médico contribuem para uma prática médica mais tranquila e segura.
Com base nas jurisprudências e legislações analisadas, fica evidente que a atuação preventiva é o caminho mais eficaz para minimizar riscos e fortalecer a relação médico-paciente. Assim, contar com uma assessoria jurídica não é apenas uma escolha, mas uma necessidade em um ambiente tão regulado e desafiador como o da saúde.
Em um cenário de crescente judicialização, investir em consultoria jurídica preventiva não é apenas uma medida de defesa, mas também uma estratégia para aprimorar a qualidade do atendimento médico e proteger a reputação profissional.
A adoção do Direito Médico Preventivo não deve ser vista como um custo adicional, mas como um investimento na sustentabilidade da prática médica. Afinal, prevenir é sempre melhor do que remediar – no campo da medicina e também no direito.