Resumo: Este artigo apresenta como tema de pesquisa a insegurança jurídica resultante de entendimentos jurisprudenciais divergentes acerca do marco inicial de fluência do prazo prescricional na ação de indenização por acidente de trabalho, típico ou por equiparação, à medida que o critério consagrado na súmula n. 278 do Superior Tribunal de Justiça, utilizado como parâmetro pela jurisprudência trabalhista, comporta profusas interpretações, visto apontar como sendo o instante em que há “ciência inequívoca” da incapacidade laboral pelo lesado. Nestes termos, questiona-se: Qual a situação que enseja o notório conhecimento de que se está acometido por lesão incapacitante para o trabalho? Nesta toada, o presente estudo intenta verificar, mediante a análise de julgados relacionados ao tema, as correntes interpretativas predominantes em âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região e, tem por objetivo geral, avaliar a viabilidade de instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, pretendendo a uniformização jurisprudencial na região. Ainda, utilizando-se da metodologia documental e bibliográfica, apresenta os seguintes objetivos específicos: examinar as normas internas e externas que asseguram ao trabalhador o direito à saúde e ao meio ambiente de trabalho seguro; aferir os pressupostos da responsabilização civil do empregador nos acidentes do trabalho; analisar os reflexos permeados por emenda constitucional no tocante a competência material e natureza prescricional da ação de ressarcimento por danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes do infortúnio.
Palavras-chave: Acidente do trabalho. Prescrição. Marco inicial. Ciência inequívoca. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
1 INTRODUÇÃO
A ação de ressarcimento por prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais suportados pela ocorrência de acidente de trabalho e eclosão ou agravamento de doença relacionada ao trabalho, embora recorrente, é tema que suscita controvérsia na seara trabalhista, sobretudo, no que se refere à deflagração do prazo prescricional da pretensão, haja vista se operar com a ciência inequívoca da incapacidade laboral, não havendo, entretanto, consenso no que tange à situação que atestará a plena consciência dessa condição, afetando, por conseguinte, a segurança jurídica, ao passo que o conhecimento das possíveis repercussões do pleito é essencial à provocação do judiciário, especialmente após a promulgação da Lei 13.467 (BRASIL, 2017), responsável por introduzir à Especializada o ônus sucumbencial.
À vista do exposto, a presente pesquisa intenta examinar as correntes interpretativas dominantes acerca da controvérsia, mediante análise de julgados em âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, tendo por objetivo geral verificar a viabilidade de instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, pretendendo a uniformização jurisprudencial na região. Ainda, apresenta os seguintes objetivos específicos: examinar as normas internas e externas que asseguram ao trabalhador o direito à saúde e ao meio ambiente de trabalho seguro; aferir os pressupostos da responsabilização civil do empregador na ação de ressarcimento por danos patrimoniais e extrapatrimoniais provocados por acidente de trabalho e avaliar os reflexos permeados por emenda constitucional no tocante a sua competência material e natureza prescricional.
Quanto à metodologia, o artigo é de caráter exploratório, pois, visa à familiaridade com o problema, no intuito de se construir hipóteses para a sua solução, assim como também possui caráter descritivo, tendo em vista que há a descrição de entendimentos jurisprudenciais, por meio de um processo de sondagem, para aprimoramento de ideias e de uma consolidação interpretativa, se utilizando do método dedutivo. A pesquisa, em relação à técnica, é documental e bibliográfica, utilizando-se de doutrinas, legislações e decisões judiciais (GIL, 2007; TRIVINÕS, 1987 apud GERHARDT, SILVEIRA, 2009).
Na sequência, examinam-se as legislações que asseguram ao trabalhador o direito à saúde e ao meio ambiente de trabalho seguro; conceitua-se o gênero acidente de trabalho e suas espécies; analisa-se a pretensão de ressarcimento por danos patrimoniais e extrapatrimoniais provocados por acidente de trabalho; aferem-se os pressupostos da responsabilização civil do empregador; seguido pelos reflexos da Emenda Constitucional n. 45 na Justiça o Trabalho e, por fim, explana-se sobre a viabilização normativa de uniformização jurisprudencial, aspirando à pacificação social.
2 PROTEÇÃO JURÍDICA À SAÚDE DO TRABALHADOR E AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
Com o surgimento da Revolução Industrial, iniciada no final do século XVIII, o trabalho artesanal e subsistencial do campo foram substituídos pelo industrial e assalariado da cidade, ocasionando, além de problemas sociais, considerável aumento na ocorrência de acidentes de trabalho e de pessoas reputadas inválidas, em consequência de moléstias relacionadas ao trabalho. Diante desse cenário e após uma série de reivindicações apresentadas por agremiações de trabalhadores, verificou-se, pelo Estado, a necessidade de criação de regras que primassem pela segurança e saúde da classe obreira, explicando, a inclusão nos ordenamentos jurídicos de inúmeros países, inclusive no Brasil, de diversas normas pertinentes à prevenção de riscos, mediante a imposição de adequação do meio ambiente de trabalho as necessidades dos trabalhadores (GARCIA, 2018).
Sob o viés normativo interno, o artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal – CF (BRASIL, 1988), ratificando o assentado no Título II, Capítulo V, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (BRASIL, 1943), intitulado “Da Segurança e Medicina do Trabalho”, assegura aos trabalhadores, urbanos e rurais, o direito a um ambiente de trabalho seguro defronte a infortúnios, por meio da redução dos riscos inerentes ao labor e da adoção e ampliação de medidas relacionadas à saúde, higiene e segurança, tendo o Estado, consoante art. 200, VIII, da CF, conferido proteção ao meio ambiente, nele compreendido o do trabalho, outorgando ao empregador a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, conforme exposto no art. 157 da CLT, à medida que, à luz do art. 2º, caput, da CLT, assume os riscos da atividade econômica que explora.
Além do mais, atentando-se a necessidade de se estabelecer normas acautelares que atendessem as particularidades de cada ramo de atividade e setor empresarial, fixada no art. 200, caput, da CLT, o extinto Ministério do Trabalho e Emprego, atual área de competência do Ministério da Economia, nos termos da Lei n. 13.901 (BRASIL, 2019), instituiu a Portaria n. 3.214 (BRASIL, 1978), igualmente recepcionada pela Carta Constitucional vigente, dispondo acerca de trinta e três Normas Regulamentadoras – NR, as quais estabelecem condições mínimas a serem observadas pelos empregadores, querem quanto às instalações em que permanecem os obreiros, como também em relação ao risco de contato com agentes nocivos ou perigosos que a atividade econômica possa oferecer, além do fornecimento de orientações referentes ao manuseio de máquinas e equipamentos. Ademais, em consonância com o porte da empresa e número de empregados, estabelecem a necessidade de organização e manutenção de Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT e Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, bem como disciplinam a todas as empresas, independentemente de sua dimensão, a obrigatoriedade de elaboração e efetivação de Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA (NASCIMENTO, 2007).
Em matéria internacional, o Brasil ao ratificar 77 Convenções Internacionais do Trabalho formuladas pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, dentre elas, 21 relacionadas à matéria de segurança e medicina do trabalho, nos termos do Decreto n. 10.088 (BRASIL, 2019), além de possibilitar que seus conteúdos concebam efeitos no ordenamento jurídico interno, fixou a sua responsabilidade internacional perante o órgão, viabilizando, desse modo, a aplicação de sanções ao se verificar a inobservância das obrigações assumidas perante o órgão internacional (SÜSSEKIND, 2000).
Não obstante, segundo aponta Leite (2018), ao revés do arcabouço jurídico protetivo construído ao longo de décadas, observa-se na atualidade a intensificação e a precarização do trabalho, os quais, aliados a deficiência técnica e operacional na fiscalização administrativa exercida pelo Estado, também se fundamentam pelas transformações societárias, sendo, inclusive, reflexo de alterações legislativas aparelhadas nos últimos anos, abstraindo-se que mencionadas normas de segurança e medicina do trabalho, porquanto “[...] amparam altos interesses sociais, os chamados interesses de ordem pública [...]” (REALE, 2002, p. 131-132) e de direitos revestidos de indisponibilidade absoluta, somente se sujeitarão a autonomia da vontade individual e coletiva, pautando-se por concessões recíprocas e jamais por renúncias, se condicionarem à melhoria na condição de trabalho, por força de um dos princípios essenciais da Justiça do Trabalho, qual seja, o da norma mais favorável ao trabalhador (DELGADO, 2017).
2.1 O GÊNERO ACIDENTE DE TRABALHO E SUAS ESPÉCIES
Considerando a estreita relação entre o descumprimento das normas de promoção à saúde, segurança e higiene do trabalhador e a ocorrência de acidente de trabalho, em conformidade com a previsão incerta nos artigos 19, 20 e 21 da Lei 8.213 (BRASIL, 1991), ressalta-se que o termo acidente de trabalho é, na realidade, o gênero, o qual abarca as seguintes espécies: acidente típico, doença profissional e ocupacional, acidente por concausa e acidente por equiparação legal.
Nas palavras de Costa (2009, p. 81), “[...] acidente típico, ou acidente modelo se define como um ataque inesperado ao corpo humano ocorrido durante o trabalho, decorrente de uma ação traumática violenta, subitânea, concentrada e de consequências identificadas.”. Por sua vez, Miranda (1984) arrazoava não ser elemento essencial para a caracterização do acidente laboral a condição repentina do evento danoso, eis que grande parcela dos acidentes de trabalho ocorrem pela falta de adoção de medidas coletivas e individuais de prevenção dos riscos ocasionados pela execução do trabalho, tornando, nestas hipóteses, o episódio previsível.
No tocante às doenças classificadas como profissional e ocupacional, há a vinculação de sua manifestação com as condições de trabalho vivenciadas e, geralmente, por terem sido originadas em razão de causa gradativa e durável, demonstram evolução lenta e progressiva. As doenças do trabalho, ou simplesmente ocupacionais, guardam estrita relação com as condições especiais em que o trabalho é desenvolvido e, em vista disso, para restarem configuradas, há de se realizar uma vistoria no ambiente de trabalho do obreiro, não havendo mencionada imposição quando se está diante de doenças profissionais, à medida que estas estão intimamente ligadas ao exercício de determinada profissão, havendo, portanto, uma presunção legal de relação com o trabalho e de culpa do empregador (COSTA, 2009; MONTEIRO, BERTAGNI, 2016).
Em relação ao acidente por concausa, assentado no art. 21, I, da lei 8.213 (BRASIL, 1991), imprescindível se ter em mente que nem todos os acidentes se apresentarão como única circunstância para o surgimento da lesão ou doença que acomete o trabalhador, bastando, portanto, que o evento danoso tenha contribuído para o óbito ou quadro de incapacidade apresentado. Há lesões e doenças que podem preexistir ao acidente, denominadas concausas antecedentes, as quais poderão ser agravadas pelo labor, como também podem ser posteriores ao incidente, designadas como concausas supervenientes, versando sobre reações do corpo ou complicações por fatores diversos às consequências normalmente apresentadas pelo acidente. Igualmente, há as concausas concomitantes, configuradas pela ação de muitos fatores em um mesmo período, sejam laborais e extralaborais, os quais concorrem para o quadro apresentado pelo obreiro (MONTEIRO, BERTAGNI, 2016).
De mais a mais, cumpre observar que a após a revogação do § 3º, do art. 58, da CLT (BRASIL, 1943) realizada pela Lei 13.467 (BRASIL, 2017a), culminando na superação do entendimento, para efeitos trabalhistas, que o acidente de trajeto configuraria acidente de trabalho, remanescendo a equiparação somente para fins previdenciários, o acidente por equiparação legal se tornou restrito à ocorrência de acidentes no interior do estabelecimento e alheios a vontade do empregador, seja por contaminação acidental, como também por ato de colegas e terceiros, bem como aqueles que ocorrerem fora do local e horário de trabalho, para cumprimento de ordens de serviço e viagens em favor da empresa, na forma do art. 21, II, da Lei 8.213/91.
3 PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso V, assegura ao ofendido, além do direito de resposta, proporcional ao agravo suportado, uma indenização por dano material, moral ou à imagem. Sob o viés laboral, a possibilidade de compensação pelo prejuízo suportado pelo trabalhador é reforçada com o disposto no art. 7º, inciso XXVIII, da CF, obrigando o empregador, precipuamente quando incorrer em dolo e culpa, em pagamento de indenização, constituindo um crédito resultante da relação de trabalho, porquanto proveniente de um ilícito trabalhista, conforme disposição da Súmula n. 229 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1963).
Nesse diapasão, evidente que a inobservância pelo empregador das normas insculpidas na Consolidação das Leis do Trabalho e nas Normas Regulamentadoras, ensejam, além de penalidades administrativas impostas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, responsabilização na esfera judicial, sejam em ações individuais, como também em ações coletivas, ressaltando, nesta última, o importante papel que desempenham os sindicatos e o Ministério Público do Trabalho, à medida que possuem legitimação para a ação civil pública trabalhista, nos termos dos artigos 8º, inciso III, e 129, caput e inciso III, da Constituição Federal (LEITE, 2018).
Contudo, sejam em ações individuais, ou mesmo coletivas, aplicar-se-ão condenações que, de toda sorte, como assinala Souza (1997, p. 163), são exclusivamente de caráter monetário, pois o “[...] dinheiro pode não representar o maior problema a ser enfrentado por uma indústria cujos empregados estejam correndo riscos tão elevados quanto passíveis de serem superados.”.
3.1 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO EMPREGADOR
Cediço que para haver reparação ou compensação, há de se ter a responsabilização, esta de caráter civil, tendo como pressupostos a existência de dano e que este seja oriundo de conduta realizada por terceiro. Para verificar-se o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, na atualidade, utilizam-se duas teorias denominadas Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva e Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva (DINIZ, 2002).
3.1.1 Existência de dano
A Constituição Federal avalizou, como direito fundamental, o direito de personalidade, consoante art. 5º, caput, V e X, fixando como invioláveis os direitos à vida, à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra das pessoas, “[...] assegurando à vítima o direito à indenização por danos materiais e morais decorrentes de sua violação.” (LEITE, 2018, p. 63).
Venosa (2004), ao interpretar o artigo 944 do Código Civil – CC (BRASIL, 2002), dispõe que a indenização deve equivaler ao efetivo prejuízo suportado pela vítima, sejam eles patrimoniais ou extrapatrimoniais. Nesta toada, a Lei n. 13.467/17 introduziu à CLT o art. 223-G, firmando que a valoração da indenização corresponderá à gravidade do dano, iniciando-se pela lesão de natureza leve, média, grave e, por fim, gravíssima, não especificando, contudo, o fator que configuraria cada modalidade de lesão.
Os danos materiais ou patrimoniais, causados pelos sinistros laborais, em observância ao positivado no artigo 402 do Código Civil, aplicável a Justiça do Trabalho por força do art. 8º, § 1º, da CLT, possuem dois vieses distintos. O primeiro designado emergente ou imediato, como as despesas hospitalares, médicas e farmacêuticas e de mais longo prazo, àquelas despendidas com tratamentos e, o segundo intitulado cessante ou frustrado, elencando Diniz (2002, p. 63) ser o lucro que o lesado “[...] deixou de auferir, em razão do prejuízo que lhe foi causado [...]”. Nesse sentido, a lesão que impossibilitar ao trabalhador o exercício do labor habitual ou lhe diminuir a sua capacidade, comportará o pagamento de pensão vitalícia, positivada no art. 950 do CC, igualmente devida aos dependentes do trabalhador, na ocorrência de sua morte, a exemplo do disposto no art. 948, II, do CC, ressaltando ser o cônjuge também parte legítima para o pleito, consoante art. 12, parágrafo único, do CC.
Em relação ao dano extrapatrimonial, tem-se o dano de ordem moral, dispondo Cassar (2014, p. 953) que “O maior patrimônio ideal do trabalhador é a sua capacidade laborativa, que deriva da reputação conquistada no mercado, do profissionalismo, da dedicação, da produção, da assiduidade, da capacidade etc. [...]”. Em contrapartida, Leite (2019, p. 110) entende que “O dano moral consiste na lesão que emerge da violação de determinados interesses não materiais, porém reconhecidos como bens jurídicos protegidos, inerentes à personalidade do ser humano [...]”.
Outrossim, urge destacar que parte da doutrina e da jurisprudência consideram outra variante de dano extrapatrimonial, o dano existencial, o qual Guedes (2004) assevera ser um prejuízo que afeta o projeto de vida do lesado, relacionado ao seu pleno desenvolvimento profissional e pessoal, visto que a lesão poderá fulminar novas oportunidades de trabalho e afetar a integração do individuo com a sociedade.
Finalmente, o dano estético, por abranger aspectos dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, resulta em interpretações distintas quanto a sua natureza. Sem dúvidas, a alteração funcional de determinada parte do corpo, dificultando a realização de ofício, acarreta em dano patrimonial ao trabalhador. Do mesmo modo, essa lesão além de culminar em alteração de mobilidade, poderá ocasionar deformidades visíveis a terceiros, propiciando um sentimento de repugnância e de ridículo voltados ao trabalhador, os quais atingem a sua imagem e honra, configurando, portanto, um dano de ordem extrapatrimonial (DIAS, 1994).
3.1.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva do empregador
A responsabilidade civil se fundamenta na disposição legal fixada no artigo 186 do Código Civil, o qual prescreve que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2002). Nesta toada, Tartuce (2012) reitera que quando há desobediência de regra convencionada ou de preceito normativo por um dos agentes da relação obrigacional, surge à chamada “responsabilidade civil” que Cavalieri Filho (2013) resume ser o mais elementar sentimento de justiça, visto que caberá ao próprio agente causador da ruptura do equilíbrio jurídico o seu restabelecimento.
Sob o viés laboral, Oliveira (2013) alude que a responsabilidade civil se manifesta na pretensão de ressarcimento pecuniário por aquele que suportou as consequências da violação de sua integridade física e psíquica, se utilizando, portanto, do patrimônio do causador do dano para a restauração da harmonia social, possuindo, inclusive, caráter pedagógico, visto que a punição também visa desestimular a reiteração da conduta ilícita.
No âmbito jurisprudencial, a edição, ainda em 1963, da Súmula n. 229 pelo Supremo Tribunal Federal – STF, serviu como marco à possibilidade de responsabilização do empregador por acidente sofrido pelo trabalhador, em virtude de dispor expressamente que: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.” (BRASIL, 1963). Isto posto, uma vez que a doutrina e jurisprudência há muito reconhecem ser aplicável a responsabilidade civil nas relações de trabalho, não é crível que remanesça entendimentos em sentido contrário.
Em relação à modalidade de responsabilização, o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, positiva que, em regra, a responsabilidade civil do empregador por danos morais, materiais e estéticos, decorrentes de acidente de trabalho, é subjetiva, carecendo, portanto, além da existência do dano, a prova de dolo ou culpa na condução do empreendimento e o nexo causal entre esse e aquele. Amparando-se nessa disposição legal, há o entendimento de que ninguém poderá ser obrigado à reparação simplesmente pela ocorrência de incidente, sendo imprescindível a comprovação de que o empregador corroborou para o evento, visto que a culpa se encontra entranhada à responsabilidade de indenizar (NASCIMENTO, 2007).
Entretanto, há que ressaltar uma tendência crescente de responsabilização objetiva do empregador em algumas atividades específicas, consideradas de risco, uma vez que, segundo apontamento de Cavalieri Filho (2013), onde há risco tem de haver segurança. Nessa temática, Diniz (2002, p. 48) menciona que “A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes [...]”. Enaltecendo este entendimento, Dallegrave Neto (2008) menciona que se verificou, ante a dificuldade de comprovação judicial de culpa do empregador, uma inclinação doutrinária de que a responsabilidade civil subjetiva não era capaz de promover o almejado equilíbrio social, passando a se admitir casos de presunção juris tantum de culpa, sendo que, posteriormente, não só a doutrina, mas também a jurisprudência, amparando-se no assentado no artigo 927 do Código Civil, reconheceram situações de responsabilidade civil que independem de culpa.
Corroborando a esse entendimento, na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, restou aprovado o Enunciado de n. 37, in verbis:
Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. (BRASIL, 2007)
Diante da celeuma doutrinária e jurisprudencial, visto que muitos entendiam pela inconstitucionalidade do art. 927 do CC, em virtude do positivado no art. 7º, XXVIII, da CF, o Egrégio Supremo Tribunal Federal – STF, no segundo semestre de 2019, em consonância com a remansosa jurisprudência em âmbito do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho – TST, decidiu, ao julgar o Tema 932, oriundo do Recurso Extraordinário – RE n. 828.040, por maioria dos votos, pela constitucionalidade da imputação de responsabilidade civil objetiva ao empregador em dano proveniente de acidente de trabalho, típico ou equiparado, em atividade de risco, definindo-se a tese de repercussão geral:
O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade. (BRASIL, 2020).
De fato, não parece justificável interpretação restritiva da norma constitucional no sentido de que somente caberia a responsabilização subjetiva do empregador, visto que determinadas atividades, pela natureza ou modos peculiares em que são executadas, apresentam maior propensão de ocorrência de acidentes de trabalho, reputadas como atividades ou operações perigosas, a exemplo de algumas atividades dispostas na Norma Regulamentadora n. 4 que, em conformidade com a sua natureza, possuem grau de risco elevado, consoante Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE.
3.1.3 Nexo causal
Conforme preceitua Cavalieri Filho (2013), o nexo de causalidade ou simplesmente nexo causal é o vínculo entre o evento danoso e a ação que o produziu, seja omissiva ou comissiva, considerado como sua causa. Ainda, mesmo que o dano não resulte diretamente e exclusivamente de determinada ação, mas haja ao menos a comprovação de contribuição de determinada conduta ao resultado final, será possível determinar o nexo de causalidade, mesmo que de forma mitigada, conhecido como nexo de concausalidade.
Certamente, em alguns casos há a exclusão do nexo de causalidade, como a existência de culpa exclusiva da vítima em relação ao dano suportado, quando, por exemplo, não utiliza, por mera liberalidade, equipamentos de proteção disponibilizados pelo empregador ou, de igual modo, não observa procedimentos de segurança ministrados em treinamentos e cursos, evidenciando ato faltoso do empregado, nos termos do art. 158, parágrafo único, da CLT. Também há a exclusão do nexo causal em situação que se enquadre em caso fortuito ou força maior, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir, conforme redação do artigo 393 do Código Civil, sendo, portanto, alheios à vontade do empregador, em conformidade com o assentado no artigo 501 da CLT.
Além do mais, na intenção de se facilitar a constatação de nexo entre a lesão e o trabalho desenvolvido pelo sinistrado, formulou-se uma metodologia, inserida na Lei 8.213 (BRASIL, 1991), por meio da Lei 11.430 (BRASIL, 2006), a qual foi regulamentada pelo Decreto n. 6.042 (BRASIL, 2007), denominada Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, tendo como objetivo identificar quais doenças e espécies de acidentes estão relacionadas à prática de determinada atividade profissional que, em que pese se dirigir a constatação da espécie de benefício que tem direito o segurado, também apresenta reflexos na constatação do nexo causal perante a Justiça do Trabalho.
No entanto, Minayo-Gomez e Costa (1997) já alertavam que, em relação aos trabalhadores terceirizados, a rotatividade em diversos processos produtivos e grupos econômicos, além de prejudicar a identificação dos fatores que geraram o adoecimento desse trabalhador, também disfarçam nexos causais ou reduzem significativamente a possibilidade de estabelecê-los, fulminando, não raras vezes, as pretensões indenizatórias, situação agravada após a promulgação da Lei 13.429 (BRASIL, 2017b), visto que além de regulamentar os contratos de terceirização, permitiu-a em todas as atividades do setor privado e das empresas públicas, de economia mista, suas subsidiárias e controladas pela União, estados, Distrito Federal e municípios, afetando o entendimento jurisprudencial consolidado na súmula 331, item III, do Tribunal Superior do Trabalho – TST.
3.2 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45 DE 2004 – ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÕES ACIDENTÁRIAS E DISCUSSÃO ACERCA DA NATUREZA DA PRESCRIÇÃO APLICÁVEL
Em relação à jurisdição, Greco Filho (2000) aduz que é o meio pelo qual se obtém a justa composição de uma lide posta ao Estado, este detentor de poder, função e atividade de aplicar, através de seus órgãos públicos, o direito ao caso vertente, prerrogativas que somente poderão transparecer por meio de um processo, pois, ao passo que a jurisdição somente atua mediante provocação, arremata Leite (2019) que não haveria jurisdição sem a existência de ação. Já Garcia (2018), dispõe que o conceito de jurisdição se encontra atrelado à competência, à medida que, em que pese à jurisdição, por ser expressão do poder soberano estatal, se caracteriza pela unicidade e, portanto, não dispõe de segmentação, é sabido que seu exercício poderá ser distribuído a diversos órgãos jurisdicionais, havendo, desse modo, uma repartição da atividade estatal em consonância com a matéria e o local de sua ocorrência, os quais se denominam, respectivamente, competência material e territorial.
Nesse último aspecto, a Emenda Constitucional n. 45 de 2004 merece destaque, à vista que, dentre outras alterações na esfera jurisdicional, culminou na ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, por meio de alterações promovidas na redação do artigo 114 da Carta Constitucional, passando a Especializada a deter capacidade para processar e julgar ações atinentes ao pleito de indenização por danos extrapatrimoniais e patrimoniais decorrentes de qualquer relação de trabalho e, não somente de emprego, considerando que, mencionada competência até então pertencia a Justiça Comum, gerando, desse modo, questionamentos acerca de aplicação da norma prescricional civilista ou trabalhista nas ações que já se encontravam em curso quando da novel disposição constitucional (DELGADO, 2017; LEITE, 2019).
Segundo Leite (2019), em virtude da omissão do legislador, coube ao Supremo Tribunal Federal – STF editar a Súmula Vinculante n. 22 (BRASIL, 2009), a qual, modulando os efeitos da nova redação do artigo 114 da CF, dispôs que a Justiça do Trabalho seria competente para processar e julgar as ações indenizatórias decorrentes da relação de trabalho e resultantes de acidentes de trabalho e/ou doenças profissionais ou ocupacionais, inclusive, as que tramitavam perante a Justiça Comum e que não possuíam, quando da promulgação da EC n. 45 (BRASIL, 2004), sentença de mérito em sede de primeira instância, avocando, nesses casos, o prazo prescricional disposto no art. 7º, XXIX, da CF, sendo quinquenal, contado da propositura da demanda e bienal, a contar da extinção do contrato laboral.
Todavia, a simples leitura do verbete sumular poderá conduzir a conclusão de que toda a ação proposta após a vigência da EC n. 45 obedecerá ao prazo prescricional trabalhista, sendo um equívoco, pois se a lesão ou a ciência inequívoca da condição de incapacidade para o trabalho ocorrer anteriormente, a prescrição observará o prazo estabelecido na lei civil vigente à época, respeitando-se a regra de transição positivada no art. 2.028 do Código Civil vigente (BRASIL, 2002), consoante inteligência da súmula n. 102 do Colendo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (BRASIL, 2017):
SÚMULA N.º 102 - “ACIDENTE DE TRABALHO OU DOENÇA A ELE EQUIPARADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. I - As ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho ou doença a ele equiparada em que a ciência inequívoca da lesão ocorreu antes da Emenda Constitucional n. 45/2004 estão sujeitas ao prazo prescricional previsto no Código Civil, observadas as regras de direito intertemporal. II - Para as ações cuja ciência inequívoca ocorreu após a Emenda Constitucional n. 45/2004, o prazo a ser observado é o de cinco anos, respeitado o limite de dois anos a contar do término do vínculo de emprego (art. 7º, XXIX, da CF).” (BRASIL, 2017).
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Além de que, conforme redação da Súmula n. 153 do Tribunal Superior do Trabalho (BRASIL, 2003), a parte e o terceiro interessado poderão se valer do instituto da prescrição em sua defesa, desde que arguida em instância ordinária, quais sejam, primeiro e segundo grau de jurisdição, havendo divergência, contudo, sobre a possibilidade de ser decretada de ofício, uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho é omissa quanto ao tema. Porém, é certo que, anteriormente ao seu reconhecimento, será oportunizando as partes apresentarem manifestação, nos termos do artigo 487, parágrafo único, do CPC (BRASIL, 2015).
Por fim, cumpre arrazoar que, malgrado muitos autores tenham defendido ser imprescritível o direito do trabalhador de postular reparação civil, é assente e inexorável os efeitos do tempo sobre a pretensão, à medida que, ao se proteger direitos suscetíveis de violação, cristalina a natureza condenatória da ação, o que, por si só, atrai o instituto da prescrição, pois, em que pese a Constituição Federal não faça distinção entre prescrição e decadência, há relativo consenso de que o primeiro guarda relação com direitos subjetivos prestacionais, havendo, portanto, a necessidade de provocação de outrem, em determinado lapso temporal, para a efetivação do direito, porquanto o segundo remonta aos direitos subjetivos potestativos, os quais representam um poder de sujeição, visto que a vontade do titular do direito não necessitará da aceitação de outrem (AMORIM FILHO, 1961).
3.3 CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA LESÃO COMO MARCO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL – TEORIA DA ACTIO NATA (ACTIONE NON NATA NON PRAESCRIBITUR)
Não obstante, para que a prescrição possa gerar efeitos, em especial na pretensão de indenização por acidente de trabalho, há de se elencar um marco inicial do cômputo do prazo legal, o qual obrigará o lesado, visto que ao se manter inerte perante o transcurso do tempo, não mais poderá exigir o seu direito. Neste diapasão, cingida no nascimento da ação, elaborou-se uma teoria, objeto de exame por Amorim Filho (1961, p.106) ao asseverar que “[...] vários autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixam esse termo, sem discrepância, no nascimento da ação (actio nata), determinado, tal nascimento, pela violação de um direito.” Do qual, posteriormente, repercutiu na esfera legal, ante o exteriorizado no art. 189 do Código Civil: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”.
Entretanto, para Alves (2003), não basta que haja violação de direito, entendendo ser imprescindível, para início do curso do prazo prescricional, o pleno conhecimento da violação pelo seu titular. Na mesma vertente, Delgado (2017, p. 277) leciona que “[...] a prescrição somente inicia seu curso no instante em que nasce a ação, em sentindo material (em síntese, a pretensão), para o suposto titular do direito. Isto é, antes de poder ele exigir do devedor seu direito, não há como se falar em início do lapso prescricional.”.
Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao editar a súmula n. 278, sedimentou entendimento acerca do marco inicial do prazo prescricional nas ações indenizatórias, visto fixar que: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.” (BRASIL, 2003).
Em que pese seus precedentes versarem sobre matéria eminentemente civil, visto tratar de hipóteses em que se postulou pagamento de indenização a ser adimplido por seguradoras, referido entendimento vem sendo aplicado nas pretensões acidentárias que tramitam perante a Justiça do Trabalho, inclusive, servindo como base para a edição da súmula n. 63 do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região – TRT12, dispondo que: “A contagem do prazo prescricional, nas ações que buscam a reparação dos danos decorrentes de acidente de trabalho ou de doença ocupacional a ele equiparada, inicia-se no momento em que o trabalhador tem ciência inequívoca da incapacidade laboral.” (BRASIL, 2015).
Todavia, em consequência do critério utilizado como marco inicial da contagem do prazo prescricional ser aberto, se verifica interpretações dissonantes em âmbito da região, não sendo raras às ocasiões em que ações que dispõem de mesma circunstância fática e questão de direito, apresentem deslindes processuais diversos, conforme se atestará.
3.3.1 Correntes jurisprudenciais em âmbito do TRT da 12ª Região
Em observância ao teor de recentes decisões, verifica-se que o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, objeto de enfoque, possui duas vertentes interpretativas a respeito do marco inicial da contagem do prazo prescricional para se postular indenização resultante de acidente de trabalho, especialmente quando a controvérsia versa sobre lesão provocada por doença profissional ou ocupacional, uma vez que, diversamente de um acidente de trabalho típico, acometem a saúde do trabalhador de forma gradativa e progressiva.
A primeira corrente, perfilhada ao remansoso entendimento firmado em âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, sustenta que a ciência inequívoca da incapacidade para o trabalho ocorre com a consolidação da lesão, seja pela constatação de incapacidade laboral permanente, total ou parcial, da reabilitação ao trabalho ou até mesmo da cura da moléstia, os quais, normalmente, serão observados com a cessação do benefício previdenciário e o retorno ao trabalho ou com a sua conversão em aposentadoria por invalidez, conforme se visualiza em recente acórdão:
PRESCRIÇÃO. DOENÇA OCUPACIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MARCO PRESCRICIONAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INCAPACIDADE. A teor das Súmulas nº 278 do STJ e 63 deste Regional, a data de início da contagem da prescrição na ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes da doença ocupacional é a data da ciência inequívoca do trabalhador quanto à incapacidade. Esta, por sua vez, de acordo com o entendimento pacífico no TST, é constatada normalmente com a concessão da aposentadoria por invalidez ou com a alta médica e o consequente retorno do empregado reabilitado ou readaptado ao trabalho. (SANTA CATARINA, 2020a).
Frise-se que em relação ao evento a ser considerado como marco inicial da fluência do prazo prescricional na ação indenizatória, o Tribunal Superior do Trabalho vem apresentando a pacificação do entendimento de que, em observância ao basilar princípio da proteção, se configurará a ciência inequívoca pelo trabalhador de sua incapacidade no momento em que possuir a exata noção da gravidade da moléstia que lhe acomete e da extensão de seus efeitos danosos à saúde, como demonstra recente julgado:
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTE DE DOENÇA OCUPACIONAL EQUIPARADA A ACIDENTE DO TRABALHO. MARCO INICIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA LESÃO. ACTIO NATA. O direito positivo pátrio alberga a teoria da actio nata para identificar o marco inicial da prescrição. Com efeito, a contagem somente tem início em se tratando de acidente do trabalho e de doença ocupacional, a partir do momento em que o empregado tem ciência inequívoca da incapacidade laborativa ou do resultado gravoso para a saúde física e/ou mental, e não simplesmente do surgimento da doença ou de seu agravamento, nem mesmo do afastamento. É que não se poderia exigir da vítima o ajuizamento da ação quando ainda persistiam dúvidas acerca da doença e de sua extensão, da possibilidade de restabelecimento ou de agravamento. A partir do julgamento do processo nº TST-E-RR- 92300-39.2007.5.20.0006, da lavra do Min. João Oreste Dalazen, a Subseção de Dissídios Individuais do c. TST sedimentou a data do retorno ao trabalho pela cessação do benefício previdenciário como termo inicial do prazo prescricional da pretensão à indenização por danos moral e material decorrente de acidente do trabalho ou doença profissional a ele equiparada. Extrai-se do trecho transcrito que o autor permaneceu afastado de suas atividades, recebendo benefício previdenciário de 19/3/2004 a 15/8/2006 e de 28/2/2011 até a data da dispensa, em 25/4/2013. A ação foi ajuizada em 15/04/2013, ou seja, antes mesmo da alta previdenciária. Dentro desse contexto não há prescrição a ser declarada. Precedentes. Agravo conhecido e desprovido. [...] (BRASIL, 2020, GRIFO NOSSO).
Destarte, segundo o acórdão, não se mostra razoável que o termo inicial do prazo prescricional na ação de indenização seja o primeiro indício da existência da patologia ou o primeiro afastamento previdenciário por incapacidade relacionada à enfermidade, mas da efetiva consolidação de seus efeitos, como ocorre na alta previdenciária e retorno ao trabalho ou na conversão do benefício previdenciário em aposentadoria por invalidez, consoante reiterado posicionamento firmado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho – SBDI-I, afigurando-se passível que, apesar da obrigatoriedade de observância de novos requisitos inseridos na legislação, mencionado entendimento seja compilado em enunciado de súmula ou orientação jurisprudencial.
Diametralmente, a segunda corrente fomenta que a ciência inequívoca do acometimento por incapacidade laboral ocorrerá na primeira concessão do benefício previdenciário, ponderando que ao condicionar o notório conhecimento da incapacidade a um evento futuro e incerto, como a cessação do benefício previdenciário e o retorno ao trabalho ou a concessão de aposentadoria por invalidez ao lesado, muitas demandas sequer teriam razão de existir, porquanto não versarem acerca de lesão consolidada. Nesse sentido, recente acórdão:
DOENÇA OCUPACIONAL. PRAZO PRESCRICIONAL. "DIES A QUO". PRINCÍPIO DA "ACTIO NATA". CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA LESÃO. O termo inicial da contagem do prazo prescricional na ação que visa à responsabilidade civil patronal no caso de doença laboral corresponde à data da ciência inequívoca da lesão. No caso, esta deu-se à data da primeira concessão do auxílio-doença acidentário, pois não faz sentido jogar para momento futuro e indeterminado a possibilidade do obreiro de acionar o Judiciário, quando tão palpável mostrou-se a patologia ocupacional a ponto de lhe conferir direito a benefício previdenciário. Com efeito, fosse considerado apenas o momento em que cessasse o benefício ou concedida aposentadoria por invalidez, sequer poderia ser o objeto desta demanda apreciado, porque faltaria ao trabalhador o direito de ação, em face da inexistência de doença consolidada. (SANTA CATARINA, 2020b).
Essa orientação encontra guarida no art. 23 da Lei dos Planos e Benefícios da Previdência Social (BRASIL, 1991), visto positivar que se considerará como data de eclosão ou agravamento de doença profissional ou ocupacional, o dia de início da incapacidade laborativa para o exercício de atividade habitual, ou o dia do afastamento compulsório, ou o dia em que for realizado o diagnóstico da moléstia, sempre sendo considerado aquele que ocorrer primeiro. Desse modo, seus adeptos sustentam que a disposição legal prevalece a qualquer entendimento jurisprudencial em sentido contrário, conforme se infere de recente julgado:
RESPONSABILIDADE CIVIL PATRONAL. DANO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO OU DOENÇA A ELE EQUIPARADA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. ART. 23 DA LEI N. 8.213/91. O termo inicial do prazo da prescrição nas ações para indenização de dano decorrente de acidente de trabalho ou doença a ele equiparada, é o início da incapacidade para a atividade laboral habitual; ou o dia da segregação compulsória; ou a data em que for realizado o diagnóstico clínico, valendo, para esse efeito, o que ocorrer primeiro, nos exatos termos do art. 23 da Lei n 8.213/91, que prepondera sobre orientações da jurisprudência em sentido diverso, por se tratar de previsão legal, clara e inequívoca, de observância imperativa. (SANTA CATARINA, 2020c).
Ante a notória divergência jurisprudencial em relação ao termo inicial do prazo prescricional da ação de indenização por acidente de trabalho e doença a ele equiparado, forçoso, em respeito aos princípios constitucionais da isonomia e da segurança jurídica, a uniformização da jurisprudência na região.
3.3.2 Uniformização Jurisprudencial nos Tribunais Regionais do Trabalho
Cumpre mencionar que, anteriormente a promulgação da Lei 13.467/17, ao se observar decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo Tribunal Regional do Trabalho sobre tema objeto de recurso de revista, era possibilitado, consoante art. 896, §§ 3º a 6º, da CLT, a instauração, em âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, de mecanismo previsto originariamente no Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), o Incidente de Uniformização da Jurisprudência – IUJ, introduzido na legislação laboral por intermédio da Lei 13.015 (BRASIL, 2014).
No processo civil, com o advento do novo Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), o Incidente de Uniformização da Jurisprudência – IUJ não se manteve, tendo como substitutos naturais o Incidente de Assunção de Competência – IAC e o incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, uma vez que, por terem seus efeitos vinculantes atrelados a um caso de direito concreto, diferentemente do efeito vinculante IUJ, visto que estava afeito a um caso de direito em tese, estavam em maior harmonia com a doutrina de precedentes vinculantes implementada pelo novel código processual (PRITSCH, 2018).
Contudo, o Incidente de Uniformização da Jurisprudência – IUJ teve sobrevida no processo trabalhista, visto que a Resolução n. 205 (BRASIL, 2016), o qual editou a Instrução Normativa – IN n. 40 do TST (BRASIL, 2016), fez constar, em seu art. 2º, que na instauração do mencionado incidente se observaria, ante a vigência do Código de Processo Civil, o Regimento Interno do respectivo Tribunal Regional do Trabalho.
Acontece que, com a promulgação da Lei 13.467/17, houve a revogação das disposições celetistas acerca do Incidente de Uniformização da Jurisprudência – IUJ, importando em observação por Teixeira Filho (2018, p.380):
Registre-se o fato de essa – por que não dizer – surpreendente revogação não haver merecido qualquer menção justificativa no Relatório do Projeto de Lei n. 6787/2016. O incidente de uniformização da jurisprudência regional foi, simplesmente, defenestrado pelo legislador, que lançou por terra todos os argumentos que haviam sido utilizados para a instituição desse procedimento. Seria irônico, se não fosse trágico. (TEIXEIRA FILHO, 2018, p.380).
Entretanto, considerando que a imposição assentada no art. 926, caput, da CLT, é aplicável a Justiça do Trabalho, por força do art. 3º, XXIII, da Instrução Normativa – IN n. 39 (BRASIL, 2016), não parece crível que se tenha abolido a obrigatoriedade dos Tribunais Regionais do Trabalho procederem à uniformização de sua jurisprudência, intentando mantê-la estável, íntegra e coerente, consoante os princípios da isonomia e da segurança jurídica.
Desse modo, Delgado e Delgado (2018, p. 399), asseveram que mesmo diante da revogação dos parágrafos celetistas que versavam sobre o IUJ, a uniformização da jurisprudência nos Tribunais Regionais do Trabalho remanesce possível, “[...] mediante a aprovação de súmulas ou por meio de incidentes de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do CPC-2015, combinados com o art. 15 do mesmo Código de Processo Civil, além do art. 769 da CLT).”.
Ex positis, seria o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR uma alternativa à pacificação da jurisprudência regional concernente ao termo inicial de fluência do prazo prescricional na ação de indenização por acidente de trabalho?
3.3.3 Cabimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR em dissídio jurisprudencial em âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho
Á medida que a natureza dos conflitos trabalhistas se mostra propícia para o surgimento de casos análogos e, por conseguinte, eclosão de demandas repetitivas, o Tribunal Superior do Trabalho, conforme art. 8º da IN 39/2016, julgou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR aplicável na Justiça do Trabalho (LEITE, 2019).
Diversamente dos meios tradicionais de uniformização da jurisprudência trabalhista, como súmulas e orientações jurisprudenciais, no IRDR é possibilitado às partes uma atuação efetiva, uma vez que, juntamente com o Ministério Público (do Trabalho) e a Defensoria Pública, possuem legitimidade para requererem a sua a instauração, possuindo o instituto, além da natureza processual, também recursal, visto que caberá ao mesmo órgão responsável por fixar a tese no incidente proceder à apreciação e julgamento do recurso, do reexame necessário ou da ação de competência originária em que surgiu a questão de direito enfrentada, consoante os arts. 976, §5º e 977, I, II, III, do CPC.
Ao se proceder ao requerimento ou ao ofício de instauração do incidente, nos termos do art. 977, parágrafo único, do CPC, há de se demonstrar o preenchimento de quatro pressupostos, assentados no art. 976, I, II, e § 4º, do CPC, quais sejam: a) versar sobre controvérsia unicamente de direito; b) existência de efetiva repetição de processos que contenham tal controvérsia de direito comum; c) existência de risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica; d) inexistência de afetação de recurso para definição de tese sobre a mesma questão de direito em tribunal superior, no âmbito de sua competência.
Quanto ao primeiro requisito, cumpre consignar que segundo Pritsch (2018, p. 68), “[...] quando se fala em “questão de direito”, a norma não se refere ao direito em abstrato, mas a aplicação do direito aos fatos do caso concreto [...]”. Neste diapasão, muito embora se proceda à análise fática quanto ao termo inicial do prazo prescricional da ação de indenização por acidente de trabalho, ao se uniformizar o entendimento do evento que demonstra a ciência inequívoca pelo trabalhador de sua incapacidade para o trabalho, se analisará a prescrição no caso concreto, questão de direito que manifestamente limita a pretensão do lesado.
Concernente ao segundo e terceiro requisitos, verificou-se no tópico anterior notória e efetiva repetição de processos que versam sobre a mesma controvérsia e a existência de dissenso jurisprudencial em âmbito da região, afetando os preceitos constitucionais da isonomia e segurança jurídica. Em relação ao quarto requisito, constata-se que até o presente momento, em âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, não há afetação de qualquer recurso para definição de tese correspondente ao tema em análise.
Portanto, plenamente possível à instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em processo que verse sobre controvérsia no tocante ao dies quo da contagem do prazo prescricional da ação indenizatória decorrente de acidente de trabalho.
A tese fixada, nas palavras de Garcia (2018, p. 722), vinculará “[...] todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal [...]; aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal [...]”, sendo que a sua não observância, nos termos do art. 988 do CPC, autorizará a reclamação pela parte interessada e por parte do Ministério Público (do Trabalho). Por fim, a tese jurídica firmada no incidente poderá ser revista, mediante requerimento do Ministério Público (do Trabalho), Defensoria Publica e, de ofício, pelo juiz ou relator da ação, consoante teor do art. 986 do CPC.
4 CONCLUSÃO
Neste estudo, verificou-se a existência de extensa legislação protetiva à saúde do trabalhador, visando, precipuamente, evitar a ocorrência de acidente de trabalho, em qualquer de suas espécies, mediante a observância de normas de segurança e medicina do trabalho, as quais deverão ser cumpridas e fazer ser cumpridas pelo empregador, visto que é ele que assume os riscos da atividade econômica que explora. Desse modo, em eventual ocorrência de acidente de trabalho que enseja em dano patrimonial ou extrapatrimonial ao trabalhador, este poderá pleitear indenização em face de seu empregador, necessitando comprovar os efeitos gravosos do infortúnio, a culpa e dolo na condução do empreendimento, salvo quando versar sobre atividade que representa acentuado risco à integridade física de seus colaboradores e, por fim, comprovar o nexo causal ou concausal do dano com a conduta do empregador, em especial quando se está diante de suposta doença de ordem profissional e ocupacional.
Não obstante, por guardar relação com direitos subjetivos prestacionais, para que o direito de indenização seja efetivado, a pretensão necessitará ser manifestada em determinado lapso temporal, conhecido como prazo prescricional. Todavia, para se verificar se a pretensão é oportuna, há de se ter um marco inicial da contagem do prazo prescricional, objeto de dissenso jurisprudencial em âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, visto que há duas correntes jurisprudenciais acerca da matéria, em verdadeira afronta aos direitos fundamentais da isonomia e segurança jurídica.
A primeira corrente compreende que somente poderá se exigir do trabalhador o ajuizamento de ação quando inexistir dúvidas acerca da lesão e da extensão de seus efeitos danosos, como ocorre com a cessação do benefício previdenciário e o retorno ao trabalho ou a sua conversão em aposentadoria por invalidez. Porquanto, a segunda corrente depreende que inexistiriam dúvidas pelo trabalhador acerca da moléstia incapacitante já no seu primeiro afastamento do trabalho e percebimento de benefício previdenciário, visto que não se poderia condicionar a ciência inequívoca de que se está incapacitado para o trabalho, critério consagrado na súmula n. 278 do Superior do Trabalho e utilizado como parâmetro pela jurisprudência trabalhista, a evento futuro e incerto.
Nesse sentido, ante o disposto no art. 8º, da IN 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho, a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas relativo à controvérsia, apresentou-se, uma vez que preenchidos os pressupostos de admissibilidade, uma alternativa à pretendida uniformização jurisprudencial na região, visto que os artigos celetistas que regulamentavam o Incidente de Uniformização da Jurisprudência – IUJ, ulteriormente utilizado para esta finalidade, foram revogados pela Lei 13.467/17.