SIMPLES NACIONAL 2018: MODIFICAÇÕES ESSENCIAIS – PARTE 4 – MEI E INVESTIDOR-ANJO


03/09/2018 às 14h55
Por Paulo Felintro

1. Alteração no Faturamento Anual para o MEI

Assim como a Microempresa (ME) e a Empresa de Pequeno Porte (EPP), as regras para o Microempreendedor Individual (MEI) passaram a contar com as alterações da Lei Complementar nº 155/2016 e Resoluções CGSN nº 136 e 137, com vigência a partir de 1º de janeiro deste ano de 2018.

Isso porque o MEI passa a ter um novo limite de faturamento anual, deixando de ser limitado em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) ao ano, para um novo patamar no valor de R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais) ao ano ou, em termos fracionados, passará ao valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao mês para R$ 6.750,00 (seis mil, setecentos e cinquenta reais) ao mês, conforme prevê o novo art. 18-A, §§ 1º e 2º da LC nº 123/2006.

Esse aumento do limite permitiu (e ainda permite) a migração de outros empreendedores para o regime de Microempreendedor Individual, aderindo, deste modo, aos incentivos fiscais que tal adesão admite.

Tamanho é o interesse por essa perspectiva no momento de crise econômica que já em maio de 2017, isto é, antes mesmo da alteração legislativa em comento, o jornal Valor Econômico, citando dados levantados pelo SEBRAE[1], apresentava informação de que o número de MEIs aumenta, em média, em um milhão ao ano no Brasil, esclarecendo ainda que:

“[...] Eram 5,6 milhões de empresários em 2015 e 6,5 milhões, em 2016 . ‘Continuaremos com esse crescimento nos próximos anos . Em momentos de crise, o empreendedorismo se torna uma opção para quem precisa complementar ou obter renda’. […]”                                          (grifos nossos)

Segundo fontes da citada matéria, a tendência das ocupações escolhidas são as atividades de técnico de computadores e a de fabricantes de alimentos.

Ocorre que, aquele que pretende se aventurar nessa formalização da atividade empresária deve estar bem informado e atento ao salto tributário existente entre o enquadramento como MEI e como Microempresa (ME), visto que, a depender da atividade pode ocorrer um aumento de cerca de 400% entre uma e outra opção. É o que vinha sendo noticiado pelo Valor Econômico em setembro de 2017[2], como se vê adiante:

“[...] Apesar do teto mais elevado, que mantém empreendedores enquadrados no MEI até um limite maior de receita bruta, o problema do ‘salto’ de tributação persiste. O MEI que faturar apenas um centavo acima do novo teto de R$ 81 mil passa a contar com uma carga tributária, em média, 303% superior à que estava sujeito, segundo cálculo da contadora Cíntia do Nascimento Silva e do advogado Fabio Pereira da Silva, feito com exclusividade para o Valor. No teto anterior, de R$ 60 mil, o salto tributário na passagem do MEI à microempresa era de, em média, 268%, conforme artigo dos autores, publicado na "Revista da Receita Federal".

[...]

O profissional enquadrado no MEI recolhe um valor fixo mensal correspondente à soma da contribuição para a Seguridade Social (equivalente a 5% do salário mínimo), mais ICMS e ISS. Já pequenas empresas que participam do regime especial de tributação do Simples Nacional podem ter faturamento de até R$ 4,8 milhões pela regra que passa a vigorar em 2018, com tributação variando de 4% a 33% da receita bruta, dependendo da atividade e faixa de faturamento.

Para a atividade de comércio, por exemplo, a alíquota efetiva do MEI seria de 1,43% para um faturamento de R$ 60 mil e de 4% para receita bruta de um centavo a mais, num salto de 180%. Com o novo teto, a alíquota efetiva passa a ser de 1,20% para faturamento de R$ 81 mil e de 4% para receita um centavo superior a esse valor, num pulo de tributação de 233%. Para alguns tipos de serviços, a diferença de tributação de MEI para microempresa vai passar de 297% atualmente para 400% em 2018 - ou de uma alíquota efetiva de 1,20% para 6% . [...]”                                              (grifos nossos)

Muitos empreendedores deixam de avaliar as faixas de faturamento, fórmula de cálculo e respectiva tributação às quais estarão sujeitos caso superem o limite de faturamento anual do MEI, o que, em geral, descobrem às vésperas da modificação. Tal situação, no mais das vezes, leva-os a optar por omitir receitas (evasão fiscal) ou suportar um prejuízo imprevisto que não poderão simplesmente repassar nos preços de seus produtos ou serviços.

Apesar dessas peculiaridades, em dezembro de 2017 a Receita Federal do Brasil previa uma migração de cerca de 30% das empresas aptas a integrarem a modalidade de MEI[3], algo em torno de 52 mil das 172 mil empresas que integravam outras modalidades até aquele momento e que passariam a poder valer-se dos benefícios fiscais do MEI. Mas em dados levantados pelo Indicador Serasa Experian de Nascimentos de Empresas em abril de 2018[4]os números de novos MEIs surpreenderam e já em fevereiro deste ano aumentou em 14,4% em relação ao mesmo período em 2017, ou seja, 158.038 microempreendedores individuais (MEIs) nasceram no país, um total correspondente a 82,5% das 191.498 novas empresas constituídas, o maior para o mês desde 2010. Houve um salto de 46,1% de MEIs de fevereiro de 2010 para 82,5% em fevereiro de 2018.  

Em novo levantamento feito em julho deste ano[5], a estimativa passou a ser de que, em maio de 2018, a cada 10 segundos surgia um novo MEI no Brasil, apresentando-se como justificativa para esse aumento expressivo a seguinte explicação:

“[...] Segundo os economistas da Serasa Experian, o avanço observado no nascimento de microempreendedores individuais tem relação direta com o desempenho abaixo do esperado da recuperação da economia, tanto na redução da taxa de desemprego quanto no aumento na criação de novas vagas formais de trabalho. Nesse contexto, os MEIs se destacam como uma alternativa para a geração de renda, orientada principalmente pela criação de oportunidades e pelo desenvolvimento de novos negócios . [...]”

(grifos nossos)

Portanto, diante de todo esse contexto, mostra-se mais do que necessário e útil em tempos de crise e de aumento da busca pelo empreendedorismo como alternativa em lugar do emprego formal, que se busque conhecer os impactos da escolha consciente em se constituir como MEI e, sobretudo, das consequências pela superação dos limites de faturamento desta modalidade, algo totalmente natural no processo de estruturação de novos negócios.

2. Atividades Incluídas e Excluídas do MEI

Entre as alterações, verificou-se também que algumas atividades que antes não eram permitidas como MEI foram incluídas a partir da Resolução CGSN nº 137/2017, a qual já foi revogada pela Resolução CGSN nº 140/2018, mantendo-se, contudo, as atividades no Anexo XI.

Dentre as atividades permitidas encontram-se 12 novas ocupações passíveis de adesão ao regime do MEI, entre elas estão: apicultor, cerqueiro, locador de bicicletas, locador de material e equipamento esportivo, locador de motocicleta sem condutor, locador de video games, viveirista e diversas atividades da agricultura. Vale ressaltar, porém, que tais atividades são aceitas desde que exercidas de forma independente.

Ainda foram regulamentadas as figuras do salão-parceiro (criada pela Lei nº 12.592/2012 - que dispõe sobre o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador), atividade esta que não poderá atuar como MEI (art. 100, § 7º da Resolução CGSN nº 140/2018), mas que conta com a atuação do profissional-parceiro, este, sim, passível de enquadramento como microempreendedor individual. Nos termos do art. 100, § 6º da Resolução CGSN nº 140/2018, será considerada como receita auferida pelo MEI que atue como profissional-parceiro a totalidade da cota-parte recebida do salão-parceiro.

Não obstante, houveram exclusões de algumas atividades que não poderão mais atuar como MEI, entre elas: contador ou técnico contábil e personal trainer.

Com isso, é preciso estar atento às possibilidades de migração para o MEI a partir das novas atividades permitidas, assim como deve-se buscar outras alternativas para as atividades que foram excluídas dos benefícios fiscais reservados ao MEI, como no caso da atuação tão importante quanto a dos contadores.

3. SIMEI – Alvará

Apesar de não se tratar especificamente de uma alteração trazida pelo Simples Nacional 2018, vale relembrar que de acordo com o § 3º, do art. 4º, da LC nº 123/2006, desde 2014[6]é vedado cobrar o alvará do MEI, seja no ano de abertura ou nos anos posteriores.

Entretanto, muitos Municípios ainda cobram ilegalmente o alvará do MEI e mesmo que se apresente defesa administrativa buscando o cancelamento do débito tem-se mantido o débito, sob a alegação de que a legislação municipal exige o alvará do MEI independentemente do que prevê a legislação federal. Todavia, a legislação municipal deve seguir o que dispõe a legislação federal em razão da hierarquia das normas e sua competência legislativa prevista na CF/88.

Logo, quando a LC nº 123/2006 diz que não se pode cobrar o alvará do MEI não cabe ao Município exigi-lo e ainda que se tenha sido negado o cancelamento do débito administrativamente isso não significa que o mesmo é devido, podendo o empresário recorrer da decisão e em último caso até mesmo bater às portas do Poder Judiciário para anular o débito.

O alvará não é barato e em alguns casos pode equivaler ao que o MEI paga de imposto durante um exercício fiscal inteiro, cerca de R$ 300,00 a R$ 800,00 a depender da atividade. Alguns microempreendedores acabam pagando o alvará para evitar maiores transtornos, contudo, essa atitude não legitima a cobrança indevida dos Municípios.

4. Investidor-Anjo

Com o avanço tecnológico tão intenso nos últimos anos, a criação de novos aplicativos (apps), programações complexas, inteligência artificial e até mesmo novas profissões que passaram a ter destaque a partir desse contexto, surgem na mesma proporção novas ideias de negócios, prestações de serviços, startups e soluções para a moderna demanda social. Porém, ainda em fase embrionária muitos idealizadores de tais negócios não possuem o capital necessário para iniciar e alavancar tais atividades empresárias.

A figura do investidor-anjo emerge do interesse de certas empresas ou pessoas já estabelecidas no mercado, seja ele nacional ou internacional, que possuem a disponibilidade de capital econômico e intelectual suficiente para catapultar uma nova ideia, solução ou negócio inovador. Em geral, esses investidores aportam seus recursos desde que se convençam da viabilidade, lucratividade e potencialidade da inovação proposta pelos pequenos empreendedores.

Desse modo, nas palavras de Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior[7], o investidor-anjo é aquele que: “faz aportes de recursos próprios em empresas com certo potencial de crescimento, como as startups.”.

Thiago Barbosa Wanderley[8], por sua vez, comenta que o investidor-anjo é uma forma de investimento externo, ao lado de outras modalidades como o empréstimo bancário, fornecedores, emissão de debêntures, etc., destacando que este “investirá com seu próprio dinheiro na empresa em busca de obter ganhos futuros.”.

Não é preciso muito esforço para se lembrar de grandes nomes como Apple, Google e Facebook, como ideias que alcançaram o mundo a partir não apenas do trabalho de seus fundadores, mas também do auxílio de investidores-anjo.

Mas qual a relação entre a figura do investidor-anjo e nossa sequência de artigos sobre o Simples Nacional 2018?

Ora, é que a LC nº 155/2016, com vigência a partir deste ano de 2018, inseriu regulamentação acerca da figura do investidor-anjo no artigo 61-A e seguintes da LC nº 123/2006, buscando trazer diretrizes sobre esse tipo de investimento externo nas microempresas e nas empresas de pequeno porte.

Segundo previu o art. 61-A, § 4º, o investidor-anjo: i) não é sócio e nem possui direito de administrador e voto na empresa; ii) não responde por dívidas da empresa, nem por recuperação judicial e tampouco pode sofrer os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica; iii) terá a remuneração de seus aportes vinculada aos termos do contrato de participação e limitado ao prazo máximo de 5 (cinco) anos.

Prevê ainda a lei que os valores aportados pelo investidor-anjo não serão considerados como receita da sociedade para fins de enquadramento como ME ou EPP, de modo que os limites e sublimites comentados nos nossos artigos anteriores não se aplicariam na hipótese.

Outro aspecto importante diz respeito à limitação da remuneração do investidor-anjo proposta pelo legislador, que seria de 50% dos lucros obtidos pela ME ou EPP ao final de cada período, sendo que o investidor somente poderá exercer o direito de resgate dos aportes feitos depois de um prazo mínimo de 2 (dois) anos.

Há também interessante menção a direitos do investidor-anjo e limitações a estes, tais como: i) preferência na aquisição da empresa, bem como de venda conjunta da titularidade do aporte de capital (cessão de direitos); ii) necessidade de consentimento dos sócios para a transferência de titularidade do aporte de capital, exceto se houver no contrato previsão diversa; iii) possibilidade de fundos de investimento aportarem capital como investidores-anjo.

Essas alterações visam ampliar o ampliar as atividades de inovação, evolução e produtividade das microempresas e empresas de pequeno porte, ou, nos dizeres da própria lei, se trata de um “incentivo”.

Surge então a dúvida: o investidor-anjo poderia aportar capital em um MEI?

Em um primeiro momento, por uma leitura conjunta dos artigos 18-E, § 3º e 61-A, é possível responder positivamente, pois, considerando que o incentivo do aporte é permitido às microempresas e que para fins da legislação o MEI é modalidade de microempresa, além do que o valor aportado não interferirá no limite para fins de enquadramento na espécie, visto não ser o investidor-anjo considerado sócio do MEI e que seus recursos não integrarão o capital social da empresa, não se observam óbices legais para tanto.

Contudo, deve-se estar atento a que, na prática, uma empresa que recebe o auxílio financeiro e intelectual do investidor-anjo, a depender do potencial de inovação da ideia de produto ou serviço a ser vendido, do impulso que tais aportes por sua própria natureza podem gerar no negócio e também do grau de receptividade do público consumidor, em certo tempo o faturamento do MEI poderá extrapolar os limites permitidos pela LC nº 123/2006.

Sem descer a minúcias, outros aspectos práticos das regras trazidas pelo legislador acerca da figura do investidor-anjo ainda devem ser analisadas com cautela.

Pela perspectiva do direito societário, entre esses aspectos estaria a forma de prever contratualmente o modo pelo qual o investidor poderá dar o direcionamento que desejar ao seu capital investido na empresa sem que tenha poderes de administração e de voto. Além disso, do ponto de vista do Direito Processual, é preciso se questionar se o afastamento da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica do investidor-anjo abarcaria tão somente a Teoria Maior ou a Teoria Menor do instituto, ou ainda, se englobaria ambas, visto que sua aplicação enseja considerações distintas no Direito.

Por fim, a questão da tributação dessa modalidade de investimento externo igualmente traz reflexões a serem feitas, todavia, pela extensão e nível de detalhamento que tais assuntos envolvem, somente caberia trazer como objeto de artigo específico.

Conclusão

Constituir-se como MEI pode ser uma opção atrativa para muitos que idealizam iniciar novos projetos, seja de inovação tecnológica ou mesmo para superar a perda de um emprego formal, considerando o cenário de crise econômica atual, mas cuidado e atenção quanto às regras dessa modalidade de empresa são necessárias, principalmente quanto às consequências da superação dos limites de faturamento que devem ser observados e planejados.

Muito mais atenção se deve ter quando se tratar de negócio que conte com a capacidade de ampliação dada pela atuação do investidor-anjo, opção de investimento externo cuja atividade passou a ser regulada a partir das alterações trazidas pela LC nº 155/2016.

  • #simplesnacional2018; #MEI; #investidoranjo

Referências

[1] SARAIVA, Jacilio. Número de MEIs aumenta um milhão ao ano no país. Valor Econômico. 31/05/2017. Caderno Empresas. Disponível em:

<< https://www.valor.com.br/empresas/4986532/numero-de-meis-aumenta-um-milhao-ao-ano-no-pais>> Acesso em: 28/08/2017

[2] CARRANÇA, Thais. Tributação 300% maior faz empreendedor individual resistir a virar microempresa. Valor Econômico. 11/09/2017. Caderno Brasil. Disponível em: <<https://www.valor.com.br/brasil/5113620/tributacao-300-maior-faz-empreendedor-individual-resistir-virar-microempresa>> Acesso em: 28/08/2018.

[3] BRASIL, Agência. Receita estima que 52 mil empresas migrem para o MEI em 2018. Valor Econômico. 27/12/2017. Caderno Brasil. Disponível em: <<https://www.valor.com.br/brasil/5239337/receita-estima-que-52-mil-empresas-migrem-para-o-mei-em-2018>> Acesso em: 28/08/2018.

[4] SERASA. Número de novos microempreendedores individuais aumenta 14,4% em fevereiro. Serasa Experian. 17/04/2018. Sala de Imprensa. Disponível em:

<<https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/numero-de-novos-microempreendedores-individuais-aumenta-144-em-fevereiro>> Acesso em: 28/08/2018.

[5] SERASA. A cada 10 segundos nasce um MEI no Brasil, revela Serasa Experian. Serasa Experian. 04/07/2018. Sala de Imprensa. Disponível em:

<<https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/numero-de-novos-microempreendedores-individuais-aumenta-144-em-fevereiro>> Acesso em: 28/08/2018.

[6] Redação dada pela LC nº 147, vigente desde 08 de agosto de 2014.

[7] ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. A responsabilidade do investidor-anjo e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. The responsibility of an investor-angel and the disregard for the legal personality. Revista de Direito Recuperacional e Empresa. Vol. 7/2018, Jan - Mar / 2018 DTR\2018\10397.

[8] WANDERLEY, Thiago Barbosa. A tributação dos ganhos do investidor-anjo nas startups (microempresas e empresas de pequeno porte) Taxation over angel investor’s gains in startups (micro and small enterprises). Revista de Direito Tributário Contemporâneo. Vol. 8/2017, p. 57 - 64, Set - Out / 2017 DTR\2017\5880.


Paulo Felintro

Advogado - São Paulo, SP


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