SUBVENÇÃO DE INVESTIMENTO: CARF CONSOLIDA ENTENDIMENTO SOBRE A NATUREZA PÚBLICA DO BNDES E GARANTE A EXCLUSÃO DAS VERBAS DA APURAÇÃO DE IRPJ e CSLL.


17/08/2025 às 12h29
Por Pedro Vieira - Advocacia e Consultoria Jurídica

Por Dr. Pedro Vieira: Advogado. Especialista em Planejamento Patrimonial e sua Tributação (FBD). Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito. Membro do IBDT. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA. Membro do Grupo de Estudos de Direito e Negócios – GEDEN (BA). Sócio do Charão Associados. E-mail: pedrovieiraadv@hotmail.com

 

O Acórdão nº 1202-001.489, proferido pela 2ª Turma Ordinária da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), é uma decisão que reverbera no cenário jurídico-tributário brasileiro, trazendo clareza e segurança jurídica para as empresas que acessam financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A controvérsia central do caso envolvia a possibilidade de excluir os valores correspondentes a juros subsidiados de financiamentos do BNDES da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

 

No caso, a Receita Federal glosou as exclusões realizadas pelo contribuinte, no valor de R$ 166.903.459,42. O fundamento da autuação era o Art. 198, § 6º, da Instrução Normativa RFB 1.700/17, que restringe a exclusão de subvenções concedidas por pessoas jurídicas de direito privado. A decisão de primeira instância manteve o Auto de Infração, citando a IN 1.700/17 e argumentando que, apesar de o BNDES ser uma empresa pública, nem todos os seus financiamentos são suportados por recursos exclusivamente públicos, e que seu controle é distinto das subvenções concedidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

No entanto, a tese que prevaleceu no CARF, em um voto unânime, pautou-se na interpretação do Art. 30 da Lei nº 12.973/2014, que permite a exclusão de subvenções para investimento concedidas pelo "Poder Público". A questão crucial a ser dirimida era: o BNDES, sendo uma empresa pública com personalidade jurídica de direito privado, pode ser considerado "Poder Público" para os fins da referida lei?

 

A fundamentação da decisão do CARF, que se apresenta com precisão e objetividade, reside na hermenêutica crítica que busca a essência da norma, indo além de uma interpretação literal e restritiva. A decisão corretamente aponta que o Art. 30 da Lei nº 12.973/2014 não veda expressamente a exclusão com base na natureza jurídica do ente concedente, mas sim exige que a subvenção seja concedida pelo "Poder Público". O CARF então defende que a Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017, ao utilizar a expressão "pessoa jurídica de direito privado" para vedar a exclusão, não pode ser interpretada de forma literal para restringir um direito conferido por lei.

 

Aqui reside o ponto central da argumentação. A tese provida, a qual entendo estar respaldada tecnicamente, sustenta que uma empresa pública, como o BNDES, que integra a administração indireta, deve ser considerada como parte do "Poder Público". Essa conclusão não é meramente formal, mas substancial. A citada instituição, embora tenha personalidade jurídica de direito privado, foi criado para cumprir uma finalidade pública: a execução da política de investimento do Governo Federal, apoiando o desenvolvimento do país. Seu capital é exclusivo da União, ele é controlado pelo mesmo, vinculado ao Ministério da Economia e está sujeito ao controle do Congresso Nacional, da CGU e do TCU. A própria Constituição Federal e a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/1992) estipulam que o TCU deve julgar as contas de administradores de entidades da administração indireta, o que inclui as empresas públicas.

 

Portanto, ignorar a natureza pública do BNDES em razão de sua personalidade jurídica de direito privado seria um equívoco jurídico e uma distorção da realidade administrativa. O legislador, ao usar a expressão "Poder Público", certamente tinha a intenção de abranger todas as entidades da administração pública, direta e indireta, independentemente de sua forma jurídica.

 

A decisão do CARF, ao dar provimento ao recurso voluntário da contribuinte, não apenas corrige a interpretação restritiva da Receita Federal, mas também reforça o princípio da legalidade, segundo o qual uma norma infralegal não pode restringir direitos estabelecidos em lei. A Corte Administrativa demonstrou que a Solução de Consulta Cosit nº 365/2014, usada pela fiscalização, tratava de um caso distinto, onde a subvenção era concedida por pessoas jurídicas privadas que não faziam parte da administração pública, o que reforça a inaplicabilidade daquela interpretação ao caso do BNDES.

 

Para que a exclusão seja válida, a empresa deve observar as condições impostas pela lei, como o registro dos valores na Reserva de Incentivos Fiscais, que só pode ser usada para absorver prejuízos (após esgotadas outras reservas de lucros, exceto a reserva legal) ou para aumentar o capital social. Do ponto de vista contábil, o Pronunciamento Técnico CPC 07 define que empréstimos subsidiados devem ser tratados como subvenções governamentais, e o benefício (a diferença entre o valor principal e o valor presente dos pagamentos futuros) deve ser reconhecido como receita diferida ou reduzir o valor contábil do ativo. Para fins da exclusão fiscal, a parte do benefício qualificada como subvenção para investimento deve ser transferida para uma conta de reserva de lucros específica no Patrimônio Líquido – a Reserva de Incentivos Fiscais. Essa prática assegura a conformidade com a LSA e com as exigências da legislação tributária.

 

Em suma, a decisão do CARF é um avanço crucial, que traz segurança jurídica e previsibilidade para o planejamento fiscal e contábil das empresas que contam com o apoio do BNDES. A interpretação final consolida a premissa de que a natureza pública de um ente não pode ser ignorada em detrimento de sua forma jurídica, reafirmando que o BNDES, em sua essência e função, é parte integrante do "Poder Público" e, portanto, as subvenções concedidas por ele são elegíveis para o benefício fiscal da exclusão do Lucro Real e do Resultado Ajustado.

 

  • TRIBUTÁRIO

Referências

Ref. CARF. Processo Principal: 13136.721103/2021-56. https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarInformacoesProcessuais/exibirProcesso.jsf



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