Água; Sua Proteção Legal


09/01/2018 às 21h51
Por Ramile Araujo

SUMÁRIO

 

1 INTRODUÇÃO.. 12

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL APLICÁVEIS À ÁGUA.. 14

2.1 PRINCÍPIO DO DIREITO À SADIA QUALIDADE DE VIDA.. 16

2.2 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. 18

2.3 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE.. 20

2.4 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO.. 21

2.5 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.. 22

2.6 PRINCÍPIO DO USUÁRIO PAGADOR E POLUIDOR PAGADOR.. 23

3 REGIME JURÍDICO DE PROTEÇÃO À ÁGUA.. 26

3.1 PRECEITOS CONSTITUCIONAIS PARA A TUTELA DA ÁGUA.. 26

3.1.1 A água enquanto bem público. 27

3.1.2 Competência legislativa e gestão dos recursos hídricos. 28

3.2. NORMATIZAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS.. 31

3.2.1 As primeiras normatizações. 32

3.2.2.1 O Código das Águas. 33

3.2.3 Legislação esparsa. 35

4. A LEI DAS ÁGUAS – LEI Nº 9.433/97. 37

4.1 A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS (PNRH) 37

4.1.1 Dos fundamentos. 37

4.1.2 Dos objetivos. 39

4.1.3 Das diretrizes. 39

4.1.4 Dos instrumentos. 39

4.1.5 Da outorga. 40

4.2. O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO RECURSOS HÍDRICOS (SNGRH) 42

4.2.1 Do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. 43

4.2.2. Conselhos Estaduais de recursos hídricos. 45

4.2.3 Dos Comitês de Bacia Hidrográfica. 46

4.2.4 Das Agências de Águas. 47

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.. 50

REFERÊNCIAS.. 52

 

A água é um recurso indispensável para a existência de vida no planeta Terra. Não há como pensar na presença e na existência de seres vivos sem enaltecer a importância do elemento água. Em que pese sua importância, a regulamentação jurídica quanto ao uso das reservas hídricas não é compatível com o crescimento da população e a exploração descomedida desse recurso. Assim, é imprescindível uma efetiva tutela jurídica das águas, que vise sua proteção e preservação, evitando o desperdício como estratégia para o futuro da vida. Embora a Constituição não apresente a água como um direito, é certo que este é um pré-requisito para a realização de outros direitos humanos, uma vez que o direito à água “no existen de forma aislada del resto de derechos humanos; de hecho, existe uma fuerte correlacion enrte aquellas personas que no pueden disfrutar de los derechos al água y al saneamento y aquellas que no disfrutan de los derechos a La vivend,alimentacion, educación y salud”. (ALBUQUERQUE, 2012, p.32).

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015 – Água para um Mundo Sustentável, nas últimas décadas, o consumo de água cresceu duas vezes mais quando comparado ao crescimento da população e prevê que até 2030, o planeta enfrentará um déficit de água de 40%. O documento revela ainda que o Brasil registra elevado stress ambiental decorrente da alteração na mudança dos fluxos dos rios para a construção de represas, ocasionando irreparáveis danos ao meio ambiente.

Delimitar o regime jurídico dos recursos hídricos brasileiros ressaltando que tais recursos não são infinitos e insignificantes e valorizar a água como um componente limitado são ações de suma importância para a conscientização e preservação deste bem.

Diante da problemática na exploração da água em todo o mundo e considerando os inúmeros tratados e convenções internacionais voltados à proteção hídrica, vale identificar de maneira clara a regulamentação existente sobre o tema, verificando sua efetividade no Direito Positivo brasileiro.

Num breve histórico evolutivo da proteção jurídica das águas, pode-se antecipar que o Brasil sempre teve como prática enaltecer os recursos hídricos como fonte de fornecimento de energia fundamentado pelo Código das Águas de 1934, ou seja, regulamentava diretrizes permissivas ao poder público para controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas. Em 1997, surgiu a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) que caracteriza a água como um bem jurídico público e um recurso natural limitado, além de criar o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SNGH).

É importante registrar, antes de mais nada, um questionamento acerca da existência de distinção entre os termos recursos hídricos e águas. Na doutrina encontramos o emprego do termo recursos hídricos quando se trata de questões atinentes ao uso e adota-se a segunda denominação quando se trata de águas em geral. No entanto, para fins desta pesquisa as palavras água e recursos hídricos serão utilizados como sinônimos.

O desenvolvimento deste trabalho foi estruturado em três partes. Inicialmente, situaremos a água dentro do direito ambiental, abordando alguns princípios deste ramo aplicáveis à água, o que, certamente auxiliará na análise da regulamentação jurídica do tema.

Na segunda parte, diante da essencialidade da água, será verificado o tratamento constitucional conferido ao tema, adentrando na sua natureza como bem público. A seguir, serão estudadas as principais normas do ordenamento jurídico brasileiro que regulamentam o uso e a exploração dos recursos hídricos.

Por fim, faz-se necessário examinar mais detidamente a Lei nº 9.433/97, conhecida como Lei das Águas. Esta lei nasceu da necessidade de se estabelecer uma política nacional e um sistema de gerenciamento para a água, considerando-se tratar de um bem de domínio público, um recurso natural escasso e que possui valor econômico.

O escopo deste trabalho é demonstrar as normas protetoras das águas no sistema jurídico brasileiro, a fim de apontar, na esteira do desenvolvimento sustentável, a conscientização como forma de conservação da água às atuais e próximas gerações.

 

 

 

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL APLICÁVEIS À ÁGUA

 

 

Previamente a análise dos princípios jurídicos ambientais importa situar o Direito Ambiental, enquanto um ramo direito que objetiva tutelar o meio ambiente.

No Brasil, o Direito Ambiental  foi primeiramente conceituado por dois jus-ambientalistas nacionais: Sérgio Ferraz e Diogo Figueredo Moreira Neto, que adotaram a denominação de Direito Ecológico, definindo-o como o “conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos organicamente estruturados, para assegurar um comportamento que não atente contra a sanidade mínima do meio ambiente” (FERRAZ, 1972, p. 44) e o “conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenham por fim a disciplina do comportamento relacionado ao meio ambiente.”(MOREIRA NETO, 1975, p.26).

Com o desenvolvimento dos estudos sobre a disciplina Machado (2008) defende a nomenclatura Direito Ambiental como a mais apropriada, uma vez que abrange o que se pretende regular, bem como defende tratar-se de uma disciplina jurídica com múltipla estruturação, que possui fundamentos em outros ramos do Direito. (MACHADO, 2008).

Para o autor, o Direito Ambiental é uma disciplina integrada, tendo multiplicidade de fontes evitando o conteúdo exclusivo nos temas ambientais.

 

 

Não se trata em construir um Direito das águas, um Direito da atmosfera, um Direito do solo, um Direito Florestal, um Direito da fauna ou um Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e de participação”. (MACHADO, 2008, p. 54).

 

 

Antunes (2014) entende que o Direito Ambiental pode ser definido enquanto norma que estabelece os mecanismos aptos a disciplinar as atividades humanas em relação ao meio ambiente, sendo que a sua construção prática “demonstra que este, em grande medida, é fruto da luta dos cidadãos por uma nova forma e qualidade de vida.” (ANTUNES, 2001, p. 17).

Importa ressaltar ainda a conceituação de Direito Ambiental preconizada no artigo 3º, inciso I, da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente como “o conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as formas.” (BRASIL, 2001, p.1).

Estabelecida, ainda que genericamente, a conceituação do Direito Ambiental, cumpre destacar a importância dos princípios para todo e qualquer ramo do direito, e em especial os princípios jurídicos que permeiam a tutela ambiental.

Os princípios são o norte do sistema jurídico positivo, considerados como a essência do Direito, constituindo-se em fundamento de interpretação e aplicação do direito. “A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo sistema de comando.” (MELLO, 2009, p. 35).

Reale conceitua os princípios como

 

 

enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. Alguns deles se revestem de tamanha importância que o legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa Constituição sobre os princípios de isonomia (igualdade de todos perante a lei), de irretroatividade da lei para a proteção dos direitos adquiridos, etc. (REALE, 2002, p. 305)

 

 

Nesse sentido, tem-se que os princípios ambientais fundamentam a matéria de Direito Ambiental, sendo usados como alicerce do Direito. A doutrina ambiental apresenta inúmeros princípios, podendo tomar-se como exemplos aqueles regulamentados pelo Plano Nacional de Prevenção, Preparação e Resposta Rápida a Emergências Ambientais com Produtos Químicos Perigosos (P2R2) e definidos no artigo 2º do Decreto de Lei n° 5.098/04, quais sejam: princípio da informação; princípio da participação; princípio da prevenção; princípio da precaução; princípio da reparação e princípio do poluidor pagador.

Tendo em vista a inexistência de um consenso ou uma lista exaustiva em relação aos princípios reconhecidos do direito ambiental (ANTUNES, 2001, p. 24), esta pesquisa irá apresentar, na sequência, os princípios basilares considerados unânimes quando se fala em proteção ambiental e que são aplicáveis à água.

 

 

2.1 PRINCÍPIO DO DIREITO À SADIA QUALIDADE DE VIDA

 

 

A Constituição Federal de 1988 dispõe desse princípio no artigo 225 estabelecendo que é direito de todos ter um “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988, p. 93).

Observa-se que até o século XIX, as Constituições continham em seu texto legal o “direito à vida” que evoluiu para “direito à qualidade de vida”. Para Milaré (2007) esta reformulação do conceito, a partir do século XX, representa “uma extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência - a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver.” (MILARÉ, 2007, p. 762).

Este princípio é tido como um direito fundamental da pessoa humana, muito embora não esteja elencado no art. 5º da Constituição Federal. Note-se ainda o direito à sadia qualidade de vida envolve também condições de dignidade humana.

 

 

Ressalte-se que a sadia qualidade de vida não está explicitamente inserida no art.5º da CF, no entanto, trata-se de um direito fundamental a ser alcançado pelo Poder Público e pela coletividade. Cuida-se de um direito ou interesse difuso, que deve ser protegido para que “todos” possam usufruí-lo. Assim, os recursos naturais devem ser racionalmente utilizados para a subsistência do homem, em primeiro lugar, e das demais espécies, em segundo. (SIRVINSKAS, 2003, p. 43).

 

 

Ainda, quando se define direito fundamental não há como deixar de associá-lo como direito fundamental à qualidade de vida, sendo que a concretização da qualidade só poderá ser encontrada em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O princípio fundamental garantidor do ambiente ecologicamente equilibrado é a essência da saúde dos seres humanos, ou seja, a qualidade da água, solo, ar, flora, fauna e paisagem.

O direito à vida está diretamente relacionado às garantias sociais, econômicas e ambientais. Desta forma, o regime constitucional brasileiro tem como fundamento primordial a dignidade da pessoa humana que na esfera ambiental depende do equilíbrio ecológico para alcance da sadia qualidade de vida.

Posto isso, importa acrescentar que a garantia de vida envolve, além do equilíbrio do meio ambiente, ações efetivas do Poder Público, enquanto gestor os interesses públicos, que concretizem a dignidade da pessoa humana.

Ainda, no tocante ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, também preconizado no art. 225 da Constituição Federal e condição indispensável à qualidade de vida, tem-se que sua efetivação é dever de todos, cabendo ao Estado a regulamentação e fiscalização de políticas adequadas.

 

 

Importante destacar, porém, uma particularidade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, no que se refere aos demais direitos fundamentais: a obrigação a que este direito está sujeito não é unicamente do Estado, mas também da sociedade. Ou seja, a efetiva garantia desse direito fundamental depende tanto das políticas implementadas pelo Poder Público como da participação ativa da coletividade como um todo, numa espécie de responsabilidade compartilhada. (VASCONCELOS, 2012, p. 101-102).

 

 

A eficácia na aplicação desse princípio depende de outros princípios regulamentados por normas mais concretas, atuais e técnicas. A garantia da sadia qualidade de vida também perpassa por regulamentar as ações dos cidadãos quanto à exploração dos recursos ambientais, estabelecendo normas regulamentadoras e funcionais, bem como prevendo sanções a infrações.

A qualidade de vida é avaliada pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU) que revela Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 188 países. O IDH “é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde” (RIBEIRO; TENORIO; HOLANDA, 2015, s/p). Nesta classificação, levando em consideração a saúde, educação e produto interno bruto, o Brasil, em 2017, manteve-se na posição 79ª posição. (FORMENTI, 2017).

Vale ressaltar que a qualidade de vida não está associada apenas aos três aspectos avaliados pela ONU (educação, saúde e renda). Os requisitos para uma efetiva qualidade de vida estão intimamente ligados aos direitos individuais e coletivos, ao direito social, ao princípio da dignidade humana e à proteção ao meio ambiente.

 

 

2.2 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

 

 

Este princípio trata dos bens que integram o meio ambiente e o uso deles no tempo, ou seja, o uso dos recursos do meio ambiente atendendo as necessidades da geração atual sem prejudicar as gerações futuras. Visa conciliar a proteção ambiental com as necessidades dos seres humanos.

Segundo Fiorillo

 

 

O princípio de desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje a nossa disposição. (FIORILLO, 202, p. 102).

 

 

No atendimento a este princípio, de acordo com Machado (2008) o Direito Ambiental deve estabelecer normas verificadoras do uso dos recursos ambientais. Desta maneira, deve conciliar a utilização dos recursos com razoabilidade e quando não for possível o controle, deve negar o uso para que não haja escassez dos recursos já que são finitos.

O site da ONU no Relatório de Brundtland – O Nosso Futuro Comum de 1987 –  (https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/) trata do desenvolvimento sustentável, frisando a necessidade de conscientização do uso dos recursos sem causar prejuízo ao meio ambiente e suprindo as necessidades humanas. Ainda, cita algumas realidades de vida dos indivíduos incompatíveis com o manejo adequado dos recursos ecológicos, a exemplo do consumo em abundância, sem consciência socioambiental.

Nesse sentido, destaca-se que

 

 

Um desenvolvimento harmônico da economia e ecologia que devem ser ajustados numa correlação de valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento econômico, são condicionadas à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica e na organização social. (DERANI, 1997, p. 56).

 

 

Nos artigos. 225 e 170, a Constituição de 1988 regulamenta as atividades econômicas em observância com a proteção ambiental, conforme invoca o princípio do desenvolvimento sustentável.

 

 

2.2.1 Princípio do acesso equitativo aos recursos naturais

 

 

O acesso equitativo aos recursos naturais pode ser considerado um subprincípio do desenvolvimento sustentável e preconiza a distribuição equânime dos bens ambientais.

Machado (2008) prevê nesse princípio a responsabilidade de manter os recursos ambientais às próximas gerações. Em sua obra, defende o acesso aos recursos naturais citando o Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro/92: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável e produtiva em harmonia com a natureza.” (MACHADO, 2008, p. 60). Também menciona a Declaração de Estocolmo/72, Princípio 5: “Os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a toda a humanidade.” (MACHADO, 2008, p. 60).

Para Milaré (2004) quando se fala em acesso equitativo, trata-se de uma indicação de utilização dos recursos naturais, com oportunidades semelhantes, em medidas proporcionais das necessidades presentes e futuras.

Ainda, a equidade deve orientar a exploração dos recursos naturais, especialmente, quanto ao acesso do bem visando ao consumo, à poluição ou à contemplação da paisagem.

 

 

A equidade deve orientar a fruição ou o uso da água, do ar e do solo. A equidade dará oportunidades iguais diante de casos iguais ou semelhantes. Dentre as formas de acesso aos bens ambientais destaquem-se pelo menos três: acesso visando ao consumo do bem (captação de água, caça, pesca), acesso causando poluição (acesso à água ou ao ar para lança mento de poluentes; acesso ao ar para a emissão de sons) e acesso para a contemplação da paisagem. (MACHADO, 2008, p. 61).

 

 

Vale destacar que esse princípio respalda o direito de negar a exploração do recurso, “não basta a vontade de usar esses bens ou a possibilidade tecnológica de explorá-los. É preciso estabelecer a razoabilidade dessa utilização, devendo-se, quando a utilização não seja razoável ou necessária, negar o uso, mesmo que os bens não sejam atualmente escassos.” (MACHADO, 2008, p. 49).

Machado (2008) também destaca que a equidade no acesso aos recursos naturais visa afastar o seu esgotamento, resguardando-os para as próximas gerações.

Diante disso, pode-se inferir que o princípio do acesso equitativo aos recursos naturais tem como base o uso sustentável destes bens, de forma a não impedir a sua utilização pelas gerações presentes e futuras.

 

 

2.3 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

 

 

A Constituição Federal regulamenta esse princípio em seu texto legal no artigo 5º, incisos XXII e XXIII, garantindo o direito à propriedade desde que cumpra sua função social, ou seja, a propriedade deve atender as necessidades da coletividade.

Dentro dessa perspectiva, as propriedades urbanas e rurais devem atender a função socioambiental, respeitando o meio ambiente.

O artigo 186 da Constituição Federal de 1988 disciplina o cumprimento da função social da propriedade rural.

 

 

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (BRASIL, 1988, p. 80-81).

 

 

Já a propriedade urbana é regulada pelo plano diretor existente nas cidades com mais de 20 mil habitantes. Será o Plano Diretor do município que estabelecerá o cumprimento da função socioambiental da propriedade.

 

 

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

[...]

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (BRASIL, 1988, p. 80).

 

 

A função socioambiental da propriedade implica em fazer com que a propriedade tenha um caráter de beneficiar a coletividade e o meio ambiente. Para Milaré (2004) “o uso da propriedade pode e deve ser judicialmente controlado, impondo-lhes as restrições que forem necessárias para a salvaguarda dos bens maiores da coletividade, de modo a conjurar, por comandos prontos e eficientes do Poder Judiciário, qualquer ameaça ou lesão à qualidade de vida”. (MILARÉ, 2004, p. 147).

 

 

2.4 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

 

 

Os danos ambientais são tecnicamente irreversíveis, diante disso, o Direito Ambiental é preventivo. Neste sentido, o princípio da prevenção tem o intuito de proteger o meio ambiente de um risco conhecido, a exemplo de uma degradação ambiental. A sua essência consiste em buscar meios para prevenir danos ambientais.

A prevenção dos danos está voltada para a proteção do meio ambiente e fundada em pesquisas, estudos que comprovem o risco de dano certo. Sua aplicabilidade pode se dar por meio de políticas públicas e normas de tutela. Tem-se que o “dever jurídico de evitar a consumação de danos ao meio ambiente vem sendo salientado em convenções, declarações e sentenças de tribunais internacionais, como na maioria das legislações internacionais.” (MACHADO, 2008, p. 87).

A importância da prevenção é ressaltada por Zanela (2013), que considerando a morosidade e onerosidade nos processos de recuperação de danos ambiental, defende a prevenção como o melhor caminho, posto que além de prevenir os riscos, contribui para minimizar os impactos ambientais.

 

 

2.5 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

 

 

Segundo Machado (2008) a essência desse princípio é a prudência, ou seja, como não há informações conclusivas da potencialidade do dano ao meio ambiente recomenda-se cautela.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, em 1992, reconhece o princípio da precaução.

 

 

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (RIO, 1992, p. 3)

 

 

Segundo esse princípio em havendo incerteza do dano ambiental, mesmo que o risco não seja concreto, deve-se tomar providências a fim de proteger o bem ambiental. De acordo com Leite (2011) pelo princípio da precaução em havendo dúvidas quanto à existência de risco ou potencial perigo ao ambiente, medidas precisam ser tomadas, ou seja, in dubio pró ambiente. (LEITE, 2011).

A Constituição Federal no artigo 225, parágrafo 1º dispõe sobre a efetividade do Direito ao meio ambiente cabendo ao Poder Público “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substancias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.” (BRASIL, 1988, p. 94)

Diante disso, a incerteza quanto à possibilidade de um risco ambiental é uma motivação para aplicação do princípio da precaução.

No Brasil, além da Constituição Federal e da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81); o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) trata do grau aceitável de risco ao meio ambiente por meio de resoluções e instruções normativas.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) disciplinou a questão da não adoção de medidas de precaução, em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível, sujeitando o agente infrator a penalização.

 

 

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora

(...)

§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível. (BRASIL, 1998, p. 9).

 

 

Pelo princípio da precaução antecipam-se medidas para evitar a ocorrência do dano ambiental. Vê-se que um comportamento com o intuito de afastar o risco, frente o reconhecimento da existência da possibilidade de sua ocorrência apresenta-se como um desafio para toda a sociedade.

 

 

2.6 PRINCÍPIO DO USUÁRIO PAGADOR E POLUIDOR PAGADOR

 

 

A indústria volta seu interesse ao processo produtivo visando ao lucro, lançando mão do cuidado ao meio ambiente. Por meio do princípio do usuário pagador e poluidor pagador, objetiva-se a responsabilização pela ação de poluição e o pagamento pelo uso do recurso natural.  Esse princípio tem um critério cautelar voltado a atividades econômicas ambientais.

O princípio do usuário pagador gera a obrigação de suportar os custos oriundos da utilização do recurso. Neste mesmo sentido, o princípio do poluidor pagador obriga o poluidor a pagar por danos possíveis ou já causados.

Sobre a diferença entre o princípio do poluidor pagador e usuário pagador temos que

 

 

Diferentemente do princípio do poluidor-pagador, que tem uma natureza reparatória e punitiva, o princípio do usuário-pagador possui uma natureza meramente remuneratória pela outorga do direito de uso de um recurso natural. Não há ilicitude, infração.

No princípio do usuário-pagador há uma relação contratual, sinalagmática, em que o usuário paga para ter uma contraprestação, correspondente ao direito de exploração de um determinado recurso natural, conforme o instrumento de outorga do Poder Público competente. (BELTRÃO, 2009, p. 48).

 

 

A cobrança no uso de recursos deve ser compatível com a realidade do usuário, “o uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada”. (MACHADO, 2008, p. 63).

 

 

Quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir. É obvio que quem assim é onerado redistribuirá esses custos entre os compradores de seus produtos (se é uma indústria, onerando-a nos preços), ou os usuários de seus serviços. A equidade dessa alternativa reside em que não pagam que não contribuíram para deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração”. (MACHADO,.2008, p. 59).

 

 

No tocante ao poluidor pagador, o “princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim precisamente, evitar o dano ao meio ambiente.” (MILARÉ, 2009, p. 898)

Já o princípio do usuário pagador refere-se ao pagamento pela utilização do recurso, por padrões fixados em lei, onde “diferentemente do princípio do poluidor-pagador, que tem uma natureza reparatória e punitiva, o princípio do usuário-pagador possui uma natureza meramente remuneratória pela outorga do direito de uso de um recurso natural. Não há ilicitude, infração.” (BELTRÃO apud CARVALHO, 2015, p. 2)

Posto isso, entende-se não deve o poluidor ser isento da responsabilidade e restituição do dano causado, assim como é necessária uma contraprestação pela utilização de recursos.

Verificados os princípios norteadores do Direito Ambiental aplicáveis à tutela da água, na sequência, será apresentado o regime jurídico de proteção hídrica, o qual deve ser interpretado e balizado por estes princípios.

 

 

 

3 REGIME JURÍDICO DE PROTEÇÃO À ÁGUA

 

 

A água é notoriamente indispensável à sobrevivência, não só humana, mas de qualquer tipo de vida conhecida pelo homem. O líquido semanticamente qualificado como inodoro, insípido e incolor e, cientificamente, definido como uma substância cujas moléculas são compostas por um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio é, talvez, um dos recursos naturais que mais se faça notar, em razão de sua importância vital.

Além de ser insumo indispensável à produção e um recurso para o desenvolvimento econômico de qualquer nação, a água é fator determinante na manutenção dos ecossistemas.

Desta forma, não se pode negar a necessidade de tutelar juridicamente este bem. O Brasil possui um conjunto de normas que visam regular a utilização e exploração dos recursos hídricos. Este capítulo apresentará, inicialmente, o tratamento constitucional da água e, na sequência, as principais legislações infraconstitucionais que disciplinam o tema.

 

 

3.1 PRECEITOS CONSTITUCIONAIS PARA A TUTELA DA ÁGUA

 

 

A Carta Magna de 1988 introduziu a proteção ambiental e, a partir daí o meio ambiente passou a ser um bem tutelado constitucionalmente. Dedicando um capítulo inteiro para o meio ambiente, tornou-se um marco na defesa ambiental. Por estabelecer um novo paradigma em matéria ambiental “a Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental, trazendo mecanismos para sua proteção e controle, sendo tratada por alguns como ‘Constituição Verde’.” (SILVA, 2004, p. 46).

Em relação a água a CF/88 tratou da matéria em vários dispositivos dispersos em seu texto, categorizando-a como um bem pertencente à União ou aos Estados/Distrito Federal.

O inciso primeiro do art. 26 da Constituição Federal de 1988, incluiu entre os bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito. Assim, na sequência será tratada a propriedade da água.

3.1.1 A água enquanto bem público

 

 

Sabe-se que a água é um bem essencial à sobrevivência de todos os seres vivos e indispensável à conservação da vida. Ela é sinônimo de vida e está intimamente relacionada com a dignidade da pessoa humana. Assim, “negar água ao ser humano é negar-lhe o direito à vida; ou em outras palavras, é condená-lo à morte.” (MACHADO, 2002, p. 13).

 

 

Nesse sentido, Armando e Valadão, lecionam que

 

 

Independente de qualquer definição, a água é um bem comum, essencial à manutenção da vida no planeta e se traduz, por sua natureza jurídica, em um bem ambiental fundamental à garantia da dignidade da pessoa humana. Enquadra-se como um bem comum, não se sujeitando à apropriação pelo particular. (ARMANDO; VALADÃO, 2013, p. 40).

 

 

Grande parte da doutrina sustenta que os recursos hídricos são bens de domínio público, uma vez que a Constituição Federal confere a sua titularidade à União e/ou aos Estados/Distrito Federal. Os defensores desta corrente respaldam-se ainda na previsão da Lei nº. 9.433/97, que em seu art. 1º, inciso I, expressamente atribui que “a água é um bem de domínio público”. (BRASIL, 1997, p. 1).

Quanto à dominialidade pública da água, a CF/88 no art. 20 e seus incisos, determina que pertencem à União, os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (art. 20, II). E, ainda, nos incisos. V e VI, do mesmo dispositivo legal, declara como de domínio da União o mar territorial, os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva.

Já o art. 26 da Constituição Federal prevê que a água pode ser de titularidade do Estado

 

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; (BRASIL, 1988, p. 15)

 

 

Tendo em vista que as águas pertencem à União ou aos Estados tem-se que sua natureza jurídica é a de bem público. Porém, importante observar que, muito embora a titularidade dos recursos hídricos seja do Poder Público, cabe à Administração Pública a gestão destes recursos, mas não necessariamente a sua propriedade.

 

 

A dominialidade pública da água, afirmada na Lei 9.433/1997, não transforma o Poder Público federal e estadual em proprietário da água, mas torna-o gestor desse bem, no interesse de todos. Como acentua o administrativista italiano Massimo Severo Giannini, “o ente público não é proprietário, senão no sentido puramente formal (tem o poder de autotutela do bem), na substância é um simples gestor do bem de uso coletivo. (MACHADO, 2013, p. 500).

 

 

Assim, em sendo as águas no Brasil consideradas como bens públicos de uso comum, conforme discorrido, não se pode negar a necessidade do uso racional desse bem.

 

 

3.1.2 Competência legislativa e gestão dos recursos hídricos

 

 

A Constituição Federal de 1988 estabelece como competência privativa da União legislar sobre águas e energia, podendo uma lei complementar autorizar os Estados a também o fazerem sobre questões específicas da matéria.

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

(...) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. (BRASIL, 1988, p. 13)

Já o artigo 23, inciso XI, da CF 88, prevê a competência concorrente entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios para “ registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.” (BRASIL, 1988, p. 13)

Percebe-se que a normalização das águas no país encontra-se predominantemente sob a competência da União, o que torna ainda mais complexa a gestão das águas.

Relativamente à competência acerca da gestão das águas Aith e Rothbarth (2015) desenharam um quadro que permite, de uma forma bem didática, identificar a alçada de cada um dos entes federativos, conforme QUADRO 1.

 

QUADRO 1 – COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERATIVOS ACERCA DA GESTÃO DAS ÁGUAS

ENTE FEDERATIVO

COMPETÊNCIA

União Federal

·      Gerencia a Política Nacional e o Plano Nacional de Recursos Hídricos;

·      Fiscaliza e regula a gestão hídrica no país, junto ao Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas;

·      Conselho Nacional de Recursos Hídricos regulamenta política com a participação do governo federal estados, DF, setores e usuários da sociedade civil;

·      Gerencia comitês de bacias federais ou interestaduais;

·      Fiscaliza a água para consumo humano por eio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Estados

·      Responsável pela gestão das águas sob o seu domínio;

·      Elabora legislação específica para sua área;

·      Organiza o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e garante o funcionamento dos comitês de bacia em sua competência;

·      Fiscaliza a água para consumo humano por .meio da Agência de Vigilância Sanitária estadual.

Municípios

·      Integram políticas de saneamento básico, de uso,, ocupação e conservação do solo e do meio ambiente com as políticas federal e estaduais de Recursos Hídricos;

·       Possuem assentos nos Comitês e Bacias Hidrográficas no intuito de promover a articulação intersetorial e federativa das políticas territoriais;

·      Fiscaliza a água para consumo humano por .meio da Agência de Vigilância Sanitária municipal.

Distrito Federal

·      Possui as mesmas competência dos estados e municípios na gestão de seus Recursos Hídricos.

FONTE: AITH E ROTHBARTH (2015)

Além da competência legislativa, vale destacar outros dispositivos da CF/88 voltados à regulação das águas no Brasil. O artigo 43, §2°, prevê incentivos regionais para que se priorize o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis em regiões de baixa renda e que sofrem secas periódicas.

Já o artigo 200 encarrega o Sistema Único de Saúde de fiscalizar as bebidas para consumo humano, inclusive a água.

Ainda, na atual Constituição restou positivado que o aproveitamento e autorização para exploração de recursos hídricos em terras indígenas necessita de aprovação prévia do Congresso Nacional. (art. 43, inc. XVI).

Vale salientar, que de acordo com compilação proposta por Araújo e Barbosa (2008), a Constituição Federal de 1988 passou a considerar a água como um recurso econômico: a) no art. 20, , que assegura aos entes federativos e administração pública direta da União a participação no resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica; b) no artigo 21, incisos XII, alínea b e XIX que, respectivamente, tratam da competência da União para explorar o aproveitamento dos cursos de água e para instituir o sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; c) no artigo 43, § 2°, inciso IV, que disciplina a prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda e que sofrem secas periódicas; e d) no artigo 176, caput, estabelecendo que os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade diversa do solo para fins de exploração e aproveitamento e pertencem à União.

Por fim, importa verificar a significativa alteração quanto à exploração da água e a regulamentação pela Constituição de 1988 quando prevê a desestatização desse recurso – ainda que seja um bem público de livre apropriação, estabelecendo um preço para exploração desse recurso a fim de evitar o desperdício. (ANTUNES, 2015).

A importância de estabelecer um custo pela água evita que precursores com a finalidade de comercialização, se apropriem dos recursos e enriqueçam com um bem que é de todos. Neste sentido, conforme visto alhures, aquele que obter lucros com a utilização de recursos hídricos deve pagar os custos e tem por objetivo:

 

 

a) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; b) obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e interações contemplados nos planos de recursos hídricos. (ANTUNES, 2015. p. 1171).

 

 

Além da previsão constitucional, a água possui um regime jurídico que visa a regulamentação do tema, a instituição de políticas de utilização e a gestão dos recursos hídricos, conforme apresentado a seguir.

 

 

3.2. NORMATIZAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

 

 

Partindo-se do pressuposto de que a água é um bem público, conforme defendido anteriormente, a sua utilização, regulamentação e proteção precisam estar normatizados pelo ordenamento jurídico.

Primeiramente, cabe salientar que por se tratar de um bem de titularidade pública, a utilização da água depende de aval da Administração Pública.

A permissão do direito para uso da água é um ato administrativo que autoriza o uso de um bem ambiental pela sociedade sem direito a indenização caso seja escassa.

Segundo CAUBET (2006, p. 166) a “outorga de uso da água não é garantia de que a água estipulada na outorga deverá ser colocada à disposição do outorgado, em quaisquer circunstâncias; e muito menos que possa haver indenização por lucrum cessan.”

O assunto quanto à detenção de propriedade desse recurso é polêmico. Existem três correntes doutrinárias: uma defende que não cabe uma qualificação de bem público, para a água, seria um bem difuso[1]; outra entende a híbrida possibilidade de classificação da água no Direito privado e no Direito Público; e uma terceira, a qual esta pesquisa se filia, é aquela que entende a água enquanto bem público comum.  Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 disciplinou em seu texto normativo a propriedade de recursos hídricos entre os estados membros e União, conforme discutido no capítulo anterior.

Importa notar que, devido sua importância os recursos hídricos merecem um tratamento especial, ainda que ao longo da história, os instrumentos legais que tratavam sobre as águas, foram criados de maneira secundária ou insatisfatória diante da necessidade de proteção ao bem.

 

 

3.2.1 As primeiras normatizações

 

 

Observa-se que as Ordenações Filipinas vigentes em quase três séculos; o Código Civil de 1916 e o Código das Águas foram as primeiras manifestações acerca do controle sobre as águas. Já o Código Penal de 1980 demonstrou um cuidado com a água, impondo pena à prática lesiva contra a água.

 

 

A Constituição Imperial do Brasil, promulgada em 25.3.1824, foi omissa em relação à tutela ambiental, mas determinou, em seu artigo XVIII, a realização de um Código Civil e um Criminal, pois, apesar da independência do reino de Portugal, as Ordenações Filipinas ainda vigoravam devido à inexistência de uma legislação unicamente brasileira. De fato, a preocupação com a proteção das águas se fez presente no Código Penal de 1890: "Art. 162: Corromper ou conspurcar a água potável de uso comum ou particular, tornando-a impossível de beber ou nociva à saúde. Pena: prisão celular de 1 (um) a 3 (três) anos. (ALMEIDA, 202, p. 02).

 

 

O Código Civil de 1916[2], por sua vez, no Livro II – Dos Bens – prevê a água como um bem público de uso comum do povo “rios mares estradas” (art. 99. Capítulo III - Bens Públicos).

Já na seção V –  Das Águas – no art. 1288 e seguintes do referido código, percebe-se que a previsão das águas está voltada a um direito da vizinhança, que visa garantir, nos dias de hoje, a convivência pacífica entre os vários proprietários, vizinhos evitando abusos de direito. Ainda, quando a propriedade é usada de modo a fugir da sua finalidade, causando desconforto aos moradores de um prédio está qualificada a poluição de águas comuns pelo lançamento de resíduos, como uso nocivo de propriedade.

 

 

Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior.  (BRASIL, 1916, p. 114).

 

 

Conforme DINIZ (2001, p. 265) a restrição do direito de propriedade é cabível “em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém”.

Observa-se que as primeiras normatizações da água – Ordenações Filipina e Código Civil de 1916 – as águas foram regulamentadas sob uma base de regras predominantemente privativistas. Nesta mesma linha, editou-se o Código das Águas (Decreto nº. 24.643/34) que enfocou as águas como recurso dotado de valor econômico.

 

3.2.1.1 O Código das Águas

 

 

Pode-se considerar o Código das Águas como marco regulatório das águas. Enquanto o Código Civil prevê conforme citado acima, regulamentação fundada no direito de vizinhança, o Código das Águas enfoca o recurso enquanto dotado de valor econômico.

O Código das Águas – Decreto n° 24.634, de 10 de julho de 1934 –  surgiu, especialmente, em razão de uma necessidade de regulamentar o uso da água e de uma demanda do setor elétrico.

 

 

Considerando que o uso das águas no Brasil tem-se regido por uma legislação obsoleta, em desacordo com as necessidades e interesse da coletividade nacional; Considerando que se torna necessário modificar esse estado de coisas, dotando o país de uma legislação adequada que, de acordo com a tendência atual permita ao Poder Público controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas; Considerando que, em particular, a energia hidráulica exige medidas que facilitem e garantam seu aproveitamento racional; (...) Resolve decretar o seguinte Código de Águas... (BRASIL, 1934, p. 01).

 

 

O Decreto n° 24.643/34 está dividido em três livros: I Águas em geral e sua propriedade; II Aproveitamento das águas; III Forças hidráulicas – regulamentação da indústria hidroelétrica.

Braga, Flecha e Kelman (2006) apresentam de forma objetiva os principais aspectos do Código das Águas.

 

 

O Livro I classifica as águas quanto ao seu domínio em águas públicas, águas comuns e águas particulares. (..)

O Livro II, em seu Art. 34 assegura, para as águas comuns de todos, o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que o torne acessível.(...). O Art. 36 permite a todos usar de quaisquer águas públicas desde que em conformidade com os regulamentos administrativos, e assegura o uso prioritário para o abastecimento das populações. (...) O Art. 43 define que as águas não podem ser derivadas para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de concessão administrativa. (...)

O Título IV trata das águas subterrâneas, inclusive no que diz respeito à sua poluição: são expressamente proibidas construções capazes de poluir ou inutilizar para o uso ordinário a água do poço ou nascente alheia a elas preexistentes. Por sua vez, o Título VI aborda também o tema poluição, a saber: a ninguém é licito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros(...).

O Livro III aborda as forças hidráulicas e a regulamentação da indústria hidrelétrica. O Art. 139 estabeleceu que o aproveitamento das quedas de água (...). Define o Art. 144 as competências do Serviço de Águas do Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério da Agricultura(...). O Código de Águas, em seu Art. 143, sinaliza também para o uso múltiplo dos recursos hídricos, a saber: em todos os aproveitamentos de energia hidráulica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses gerais da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas, da salubridade pública, da navegação, da irrigação, da proteção contra inundações, da conservação e livre circulação do peixe, e do escoamento e rejeição das águas. Finalmente, ao tratar das disposições gerais, o Art. 200 estabelece que será criado um Conselho Federal das Forças Hidráulicas e Energia Elétrica, além de definir suas atribuições. (BRAGA, FLECHA, KELMANN, 2006, p. 639).

 

 

Considerando a época de sua edição, o Código de Águas estabeleceu uma política hídrica moderna e complexa. Segundo Pompeu (2002) este estatuto de águas é, mundialmente, considerado uma lei de águas completa, sendo que os princípios ali insculpidos servem de modelos a serem seguidos por diversos países.

 

 

3.2.2 Legislação esparsa

 

 

Inúmeras são as leis que tratam de águas, o que reforça ainda mais a ideia de que o regime jurídico de proteção possui legislação suficiente para preservá-la, porém a essência da conservação deste recurso está na conscientização ou até num planejamento mundial.

Antunes (2015) cita as seguintes leis referentes ao tema água:

 

 

a)         Lei nº 4.466, de 12 de novembro de 1964;

b)         Lei nº 5.357,de 17 de novembro de 1967;

c)         Lei nº 6.050, de 24 de maio de 1974;

d)         Lei nº 6.662, de 25 de junho de 1979;

e)        Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. (ANTUNES, 2015, p. 1154).

 

 

Além das leis acima mencionadas, merecem referência nesta pesquisa, por seu caráter de tutela ambiental, a legislação que segue:

 

a)        Decreto n° 23.793 de 23.01.1.934 – Código Florestal

b)        Decreto Lei n° 2.848 de 07.12.1940 – Código Penal

c)         Lei n° 4.504 de 30.11.1.964 – Estatuto da Terra

d)        Lei n° 4.771 de 15.09.1.965 – Código Florestal

e)        Lei n° 5.357 de 17.11.1.967 – Estabelece penalidades para embarcações que lançarem detritos ou óleo em águas brasileiras

f)          Lei n° 6.766 de 19.12.1.979 – Parcelamento do solo urbano

g)        Lei n° 6.938 de 31.08.1.981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente

h)        Lei n° 7.347 de 24.07.1.985 – Ação Civil Pública

 

 

Não se pode deixar de referenciar a Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que disciplinou aproveitamento dos recursos hídricos, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável. Referida Lei instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos bem como o seu gerenciamento e, por sua importância, será tratada de forma específica no capítulo a seguir.

 

 

4. A LEI DAS ÁGUAS – LEI Nº 9.433/97

 

 

A Lei Federal nº 9.433/97 conhecida como Lei das Águas prevê a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) contendo princípios que visam cessar a detenção privada da água, assim como cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNRH).

A promulgação da Lei nº 9.433/97 constitui-se num marco para assegurar o conhecimento sobre as águas brasileiras e a sua efetiva gestão, sendo resultado de uma tentativa de preservar e conservar os recursos hídricos para as presentes e futuras gerações.

 

4.1 A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS (PNRH)

 

 

A Lei Federal nº 9.433/97 – Lei das Águas – embora fundamente-se na água como de domínio público (artigo 1º, inciso I), reconhece sua finitude e o seu valor econômico (artigo 1º, inciso II). É a partir dessa lei que se define uma política nacional e um modelo de gestão dos recursos hídricos.

Notória é a colaboração da CF/88 quanto à composição de normas que preservem as águas em território brasileiro e, as normativas posteriores tem por objetivo aprimorar ditas previsões dando formato a uma nova normatização  como o PNRH que por sua vez, é um complemento à Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA)[3]

 

 

4.1.1 Dos fundamentos

 

 

Estão previstos no artigo 1º da Lei 9.433/97 os fundamentos de que a água é bem de domínio público; recurso natural limitado, escasso e dotado de valor econômico; e sua cuja gestão deve pautar-se numa política e num sistema nacional de gestão que conte com a participação do Poder Público e da sociedade.

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:

I - a água é um bem de domínio público;

II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;

IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. (BRASIL, 1997, p. 1).

 

 

A Lei quer demonstrar aos grandes usuários dos recursos hídricos que a apropriação privada é proibida, e que a utilização e a exploração desse recurso devem ser onerosas. Esta norma pretende suprir o absurdo, de que a manutenção da qualidade da água seja exclusiva do Poder Público, pois com isto acaba sobrecarregando a sociedade por meio de impostos.

 

 

A Política Nacional de Recursos Hídricos- PNRH, em seus princípios, rompe com a antiga e errônea concepção de que os problemas referentes aos recursos hídricos podem ser enfrentados em desconsideração das realidades geográficas. A adoção da gestão por bacias é um passo fundamental para que se consiga um padrão ambientalmente aceitável para os nossos recursos hídricos. Igualmente relevante é a adoção do critério de que a gestão dos recursos hídricos é um elemento de interesse de toda a sociedade e que, portanto, somente em ações conjuntas é que se conseguirá obter resultados favoráveis. (ANTUNES, 2015, p. 1167).

 

 

A Lei das Águas também criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, regulamentando o inciso XIX do artigo 21 da Constituição Federal. Segundo Wolkmer e Pimmel (2013) o PNRH é considerado um instrumento orientador da gestão, com um caráter de construção permanente, fruto da participação e do diálogo multidisciplinar, envolvendo as dimensões, nacional, estadual e local.

 

4.1.2 Dos objetivos

 

 

A Lei das Águas tem por objetivo assegurar o recurso às futuras gerações, motivando o uso de maneira necessária, preservando-o contra a escassez.

Os objetivos previstos no art. 3º da Lei nº 9.433/97 são: assegurar à atual e futuras gerações a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; utilização racional e integrada dos recursos hídricos; e prevenção e defesa contra eventos hidrológicos críticos.

 

 

4.1.3 Das diretrizes

 

 

As diretrizes gerais para a implementação da Política Nacional dos Recursos Hídricos estão previstas no art. 3.º da Lei nº 9.433/97 e podem ser implementadas por meio da gestão sistemática dos recursos hídricos, sua integração com a gestão ambiental e sua adequação às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País; pela articulação do planejamento com setores usuários; pela integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras e pela articulação da gestão dos recursos hídricos com a do uso do solo.

 

 

4.1.4 Dos instrumentos

 

 

Os instrumentos dessa política elencados no art. 5.º da Lei n° 9.433/97 são compostos por: a) planos de recursos hídricos; enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água, cabendo à legislação ambiental o estabelecimento dessas classes (art. 10, Lei nº 9.433/97); b) outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos; cobrança pelo seu uso; c) compensação a municípios e sistema de informações sobre recursos hídricos.

Na composição do plano de recursos hídricos, que pode ser local, regional e nacional, deve haver um conteúdo mínimo; diagnosticar a situação atual dos recursos hídricos; analisar alternativas de crescimento demográfico, evolução das atividades produtivas e da modificação dos padrões de ocupação do solo; pesquisar quanto às disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade identificando conflitos significativos; plano de racionalização de uso, medidas e planos a serem desenvolvidos e assim, determinar projetos a fim de alcançar as metas previstas; priorizar a outorga de direitos de uso de recursos hídricos; conteúdo quanto a cobranças; criar propostas para criação de áreas sujeitas à restrição de uso com vistas à proteção de recursos hídricos.

Todas essas exigências objetivam assegurar às águas qualidade e diminuir os custos destinados à despoluição, tudo isso lançando campanhas preventivas permanentes.

 

 

4.1.5 Da outorga

 

 

A outorga do direito de uso dos recursos hídricos é um fator importante tratado na Lei nº 9.733/97, a estipulação de valores ao usuário da água também uma vez que o Estado detém o poder de controle sobre a captação e lançamento de insumos na composição da água.

Segundo Caubet:

 

 

A outorga de direito de uso de recursos hídricos consiste no fato de a administração pública atribuir a disposição de certa quantidade de água bruta, a pedido de um interessado, para finalidade especificada no ato da distribuição. A água é dita bruta quando se encontra no estado natural e não foi tratada. (CAUBET, 2006, p. 165).

 

 

A previsão da outorga está no artigo 11 da Lei das Águas, que disciplina que o “regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”. (BRASIL, 1997, p. 3)

No artigo seguinte (art.12), a Lei dispõe sobre os direitos submetidos à outorga: derivação ou captação de parcela de água existente em corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; lançamento, em corpo de água, de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; e aproveitamento de potenciais hidrelétricos; outros usos que alteram o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.

O regime de outorga é gera segurança uma vez que limita a exploração desse recurso, estabelecendo tempo de autorização para uso e prevendo que quando não cumpridos determinados requisitos pode-se determinar a suspensão da outorga. Seu procedimento determina que uma vez atendidas prerrogativas previstas é cabível solicitação à entidade de direito público que detenha (ou faça às vezes) do corpo hídrico para a concessão da outorga. Trata-se de um instituto jurídico administrativo intermediário entre a autorização e a licença administrativa, porém sem caráter permanente.

O art. 18 da Lei nº 9.433/97 alerta que a outorga não implica em alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso, o que revela o intuito legislativo de reforçar na norma o que já resulta do sistema e do regime constitucional das águas no Brasil.

A suspensão da outorga, prevista no art. 15 da Lei, ocorre quando: a) não há cumprimento pelo outorgado, dos termos legais; b) não utilização por três anos consecutivos; e c) quando ocorre a necessidade de prevenir ou reverter grave degradação ambiental. Também é possível a suspensão quando há necessidade de atender a usos prioritários, de interesse coletivo, sem fonte alternativa e quando necessita do corpo hídrico na sua essência.

Para Antunes (2015, p.1170) “a suspensão da outorga de recursos hídricos poderá ser: (a) parcial, (b) total, (c) total. Ou ainda: (a) definitiva ou (b) por tempo limitado”.

Outro aspecto relevante da Política Nacional de Recursos é a cobrança do uso dos recursos hídricos. A imposição de pagamento àquele que fará uso do recurso e auferirá lucros com a exploração, é um princípio geral do Direito Ambiental. A cobrança é justa e está prevista nas regulamentações ambientais e não tem natureza de tributo.

Sobre cobrança pelo uso de recursos hídricos estabelece a lei que esteja restrita aos usos sujeitos à outorga (art. 20) e objetiva reconhecer a água como bem econômico dando ao usuário uma indicação de seu real valor, incentivar a racionalização do uso da água, além de obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções previstos nos planos de recursos hídricos. (art. 19).

Ainda, em seu artigo 22 a lei prevê que os valores arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados.

Conclui o art. 31 da normativa quanto à implementação da política, que os Poderes Executivos municipais promoverão a integração das políticas locais de saneamento básico, uso, ocupação e conservação do solo e do meio ambiente com as políticas federal e estadual de recursos hídricos.

 

 

4.2. O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO RECURSOS HÍDRICOS (SNGRH)

 

 

Os objetivos do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídrico (SNGRH) estão dispostos no art. 32 da Lei nº 9.433/97 são eles: coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; programar a PNRH; planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos e promover a cobrança pelo seu uso.

O referido sistema é composto pelos seguintes entes: Conselho Nacional dos Recursos Hídricos, Agência Nacional de Recursos Hídricos (ANA), Conselhos Estatais de Recursos Hídricos (CERH), Comitês de Bacia Hidrográfica, órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais, cujas competências se relacionem com a gestão. (art. 33).

Analisando a apresentação dos objetivos do SNRH entende-se que estão direcionados para uma gestão e uma visão unitária, porém a realidade é de várias instituições com competências espaciais e funcionais diferenciadas. Segundo Caubet (2006) deve-se analisar sistematicamente os objetivos do Sistema, aplicando-os na realidade de multiplicidade de órgãos e competências.

Caubet (2006) critica a aplicação da teoria sistemática da Lei nº 9.733/97, pois entende que deve haver um entrosamento entre os órgãos e autoridades:

 

A referência à teoria dos sistemas não é obrigatória apenas porque a palavra sistema consta do enunciado do art.32, mas também em função das diretrizes gerais de ação adotadas pela Lei 9.433, no seu art 3º: “Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos: I- a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade. (CAUBET, 2006, p. 182)

 

O modelo de gestão criado pela Lei das Águas prevê que a administração dos recursos hídricos seja descentralizada, por meio de diversos órgãos com competências específicas, as quais serão apresentadas a seguir.

 

 

4.2.1 Do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

 

 

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos[4] é um grupo colegiado responsável por desenvolver regras de mediação entre os diversos usuários da água, caracterizando-se como o maior responsável pela implementação da gestão dos recursos hídricos no País.  

É competência do Conselho, conforme artigo 35 da Lei nº 9.433/97: a) promover a articulação do dos setores usuários; b) arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre conselhos estaduais de recursos hídricos; c) deliberar sobre os projetos de aproveitamento dos recursos hídricos cujas repercussões ultrapassem os limites dos Estados onde serão instalados; d) deliberar sobre questões encaminhadas pelos conselhos Estaduais ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica; e) analisar propostas de alteração na legislação sobre recursos hídricos e na Política Nacional de Recursos Hídricos; f) estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional, aplicação dos seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento Recursos Hídricos; g) aprovar propostas de instituição de CBH e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; h) aprovar propostas de instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; i) acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos e tomar providências para o cumprimento de suas metas; j) estabelecer critérios gerais para a outorga do direito de uso dos recursos hídricos.

O colegiado do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos conforme artigo 36 da Lei nº 9.433/97 será gerido por um Presidente (o Ministro do Meio Ambiente, Amazônia Legal e Recursos Hídricos) e um Secretário Executivo que é o titular do órgão do Ministério do Meio Ambiente, Amazônia Legal e Recursos Hídricos responsável pela gestão das águas.

Atualmente, nos termos do art. 34 da Lei das Águas, o CNRH é composto por hoje por 57 conselheiros com mandato de três anos sob a Presidência do Ministro de Estado do Meio Ambiente (José Sarney Filho); representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; representante do Ministério da Ciência e Tecnologia; representante do Ministério da Fazenda; representante do Ministério da Defesa; representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; representante do Ministério das Relações Exteriores; representante do Ministério da Saúde; representante do Ministério dos Transportes; representante do Ministério da Justiça; representante do ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior; representante do Ministério da Integração Nacional; Um representante do ministério da Integração Nacional; um representante da Secretaria Especial de Desenvolvimento urbano da Presidência da República; um representante da Agência Nacional de Águas (ANA) e outro da Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; representantes dos usuários dos Recursos Hídricos; representantes das organizações dos Recursos Hídricos.

De acordo com Souza apud Ribeiro (2006), no CNRH as organizações da sociedade estão sub-representadas em relação aos órgãos governamentais e aos setores industriais e os ligados à irrigação, ou seja, setores com claros interesses econômicos quanto ao uso das águas. Desta forma, o autor alerta que “a composição do CNRH, não representa de modo equitativo todos os setores usuários, privilegiando aqueles usuários para quem a água pode ser considerada como um bem econômico.” (RIBEIRO, 2006, p 73).

Guedes (2009) ressalta a importância deste Conselho, explicitando o seu papel.

 

Possuindo caráter normativo e deliberativo o CNRH é o principal fórum de discussão nacional sobre gestão de recursos hídricos, exercendo o papel de agente integrador e articulador das respectivas políticas públicas, particularmente quanto à harmonização do gerenciamento de águas de diferentes domínios. (GUEDES, 2009, p. 39)

 

 

Em que pese a crítica apontada por SOUZA (2011) no tocante a sua representatividade, conclui-se que o CNRH é instância superior na hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, articulando a integração das políticas públicas e orientando para um diálogo na discussão sobre os recursos hídricos.

 

 

4.2.2. Conselhos Estaduais de recursos hídricos

 

 

Os conselhos estaduais são parte integrante do SNGH e formulam questões a serem deliberadas pelo CNRH, quando estas forem de domínio estadual.

Os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos seguem a mesma estrutura do CNRH, porém levam em conta as particularidades de cada Estado.

Discorrendo sobre os Conselhos Estaduais Machado (2002) pontua que seria eficaz que os Estados organizassem seus Conselhos Estaduais da mesma forma que os Comitês de Bacia Hidrográfica. Sugere, ainda, que os Estados, no momento de legislarem sobre os seus Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, copiem o artigo 34 da PNRH para que propiciem uma maior participação da sociedade na gestão das águas estaduais.

4.2.3 Dos Comitês de Bacia Hidrográfica

 

 

Os Comitês de Bacia Hidrográfica é parte integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

 

 

A composição diversificada e democrática dos Comitês contribui para que todos os setores da sociedade com interesse sobre a água na bacia tenham representação e poder de decisão sobre sua gestão. Os membros que compõem o colegiado são escolhidos entre seus pares, sejam eles dos diversos setores usuários de água, das organizações da sociedade civil ou dos poderes públicos. Suas principais competências são: aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia; arbitrar conflitos pelo uso da água, em primeira instância administrativa; estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água; entre outros..( BRASIL, Comitês de Bacia Hidrográfica, 2017, s/p)

 

 

Compete ao Comitê de Bacia Hidrográfica, conforme artigo 37 da Lei nº 9.433/97:

 

 

Promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia; acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de duas metas; propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso dos recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; estabelecer critérios e promover o ratei dos custos das obras de uso múltiplo, de interesse comum e coletivo. (BRASIL, 1997, p. 7)

 

 

Após a criação do Comitê, a Diretoria Provisória deverá realizar, num prazo máximo de até seis meses, a eleição e posse da Diretoria eleita e aprovar o Regimento Interno.[5]

A gestão integrada por bacia, já foi testada no Brasil, em maio de 1989 e concluída em 1992, o projeto recebeu o nome de “Rio Doce”. 

O Projeto Rio Doce, iniciado em maio de 1989, teve sua primeira etapa concluída em maio de 1992. Foi a primeira simulação no Brasil da implantação de um sistema baseado na gestão integrada por bacia, como base concreta de desenvolvimento sustentável. A partir do diagnóstico da bacia, foi elaborado um primeiro plano de ação e simulado um sistema de cobrança pelos usos da água (quantidade, qualidade), usos dos solos e financiamento de obras por um sistema de Agência e Comitê de Bacia. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL, 1998, p. 26)

 

Junqueira et al. (2011) destacam que este Comitê constitui-se em inovação para a gestão pública.

 

 

Alguns fatores organizacionais dos comitês de bacias hidrográficas podem ser apontados como geradores de inovação na gestão pública: rede de contatos que cruzam as barreiras funcionais; estruturas organizacionais achatadas que colocam equipes de inovação bem próximas dos tomadores da decisão final; diversificação de práticas; disponibilidade de alocação de recursos e esforços redobrados; horizontes de longo prazo; contatos frequentes entre membros organizacionais e grupos externos, tais como outros grupos e clientes geradores de conhecimentos; incentivos que promovam a tomada de riscos; e orientação para o futuro. (JUNQUEIRA et.. al., 2011, p. 174)

 

 

Os autores entendem que os comitês de bacia contribuem para uma mudança de paradigmas e de atitudes humanas em relação às águas e ao ambiente. De fato, considerando que os CBH estão geograficamente próximos dos usuários, sua atuação torna-se mais eficaz naquela localidade.

 

 

4.2.4 Das Agências de Águas

 

 

A Lei nº 9.984/2.000 regulamenta a Agência Nacional de Águas (ANA) como entidade federal e visa estabelecer regras para autuação, estrutura administrativa, fontes e recursos sobre o uso sustentável da água.

É parte integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e, conforme previsto no artigo 3º, é uma autarquia autônoma de regime especial, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.

A Agência ajuíza quanto à elaboração estudos e diagnósticos para subsidiar a aplicação de recursos financeiros da União em obras e serviços de regularização de cursos de água. Também é sua alçada a alocação e distribuição de água e de controle de poluição hídrica, em consonância com o estabelecido nos planos de recursos hídricos; elaborar o enquadramento dos corpos d'água, que é o estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado ou mantido em um segmento de corpo d’água ao longo do tempo. Visa, portanto, assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas e diminuir os custos de combate à poluição, mediante ações preventivas permanentes (Lei n° 9.433, art. 9º).

Amparada pelo disposto na Lei nº 9.433/97, na Lei n° 9.984/00 e no Decreto nº 3.692/2000, a ANA tem como atribuição fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União (conforme Carta Magna; a fiscalização é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos).

Em tese, a Agência tem por finalidade o controle e monitoramento, em caráter repressivo e preventivo, do uso dos recursos hídricos, garantindo o uso da água pelo usuário e exploração industrial.

Dessa forma, cabe a Agência a tutela do bem e a obrigação de fazer os usuários cumprirem o previsto na legislação.  Assim destarte, tem o objetivo de informar os usuários sobre os preceitos legais e procedimentos para sua regularização; liberada por meio da declaração do consumo da água e obtenção da outorga de direito de uso desse recurso.

Compete à ANA outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, bem como emitir outorga preventiva. Ainda, em sua competência cabe a emissão da reserva de disponibilidade hídrica para fins de aproveitamentos hidrelétricos e parques agrícolas e sua consequente conversão em outorga de direito de uso de recursos hídricos. A ANA também faz a análise técnica de solicitações de Certificados de Sustentabilidade de Obras Hídricas (CERTOH) e a Declaração Anual de Uso de Recursos Hídricos (DAURH).

As outorgas de direito de uso são concedidas sem que haja o devido planejamento, não há uma espera quanto a edição do plano ainda que haja condicionamento em lei. (CAUBET. 2006. p.163)

Posto isso, a efetividade de uma política e de um sistema de gestão dos recursos hídricos que atenda ao objetivo de garantir a qualidade e preservação da água, perpassa um arbouço jurídico adequado. Porém, não basta apenas existe regras de tutela é preciso que estas regras se façam cumprir.

Além disso, muito mais do que um ordenamento jurídico que proteja a água, a conscientização acerca da necessidade do uso racional e da conservação das águas é um desafio e uma condição para assegurar o recurso para as presentes e futuras gerações.

 

 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

A Lei nº 9.433/97 institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, dispondo sobre a gestão dos recursos hídricos quanto ao planejamento e controle deste recurso. A intenção do legislador em regular todos os quesitos provenientes da água e sua realidade quanto ao uso e a demanda social é de grande valia quando aplicada e atinge o objetivo essencial da norma.

É sabido que a situação dos recursos hídricos no mundo é grave e exige um planejamento emergencial, por meio de ações promovidas pelo governo voltadas à conscientização quanto ao consumo irracional. Aponta-se como exemplos: elaborar campanhas de educação e implementar cadastro dos usuários a fim de fiscalizar e punir rigorosamente, aplicando a previsão legal para tanto.

Não são raros casos de ignorância onde a sociedade polui fontes de água, rios, lagos e mares. A gravidade do problema deve ser encarada com um caráter punitivo severo, pois de nada adianta uma legislação moderna sem aplicabilidade efetiva. Entende-se que o Estado deve, previamente, promover ações para informar e propagar a informação, educar e reeducar para, a partir daí, fiscalizar e punir com rigor.

O Brasil é o maior detentor de água doce do mundo, porém, o recurso é limitado. O desperdício tem dados alarmantes não só em nosso território como no mundo inteiro. Diante da importância da água para vida, tem-se que deve ser afastada qualquer tolerância para seu mau uso, assim como sancionar as situações que coloquem este recurso em risco.

Cabe ressaltar que as usinas hidrelétricas produzem a maior parte da energia elétrica produzida para consumo interno e externo no País; o ideal dessa forma de produção de energia é gerado pelas forças das águas provenientes dos movimentos das turbinas. 

No entanto, verifica-se que os Estados sequer possuem cadastros completos dos usuários de água para fiscalização efetiva e sistema de outorga como mecanismo de controle.

Para o corpo normativo ser eficaz e garantir, de fato, vida longa às águas é necessária uma independência política. Será necessário um entrosamento entre as autoridades e órgãos administrativos, pois a administração pública federal tem objetivos diferentes da administração pública estadual e deve condicionar o processo para o melhor resultado quanto à aplicabilidade. A realidade é que não observam iniciativas federais em fiscalizar a ação do Estado quanto a moldar-se as suas próprias normas, o que prova a desarticulação na gestão entre os órgãos que integram o SNRH.

Relativamente à proteção jurídica das águas esta pesquisa permite observar que o Código das Águas foi o primeiro ato normativo específico que regulamentou este recurso hídrico. O acesso à água insere-se no ordenamento jurídico enquanto um direito humano fundamental que goza dos princípios gerais do direito e, especialmente os do Direito Ambiental. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, ainda, que de maneira não específica, tutelou o bem. Porém, foi com a promulgação da chamada Lei das Águas (Lei nº 9.433/97) que se institui um marco regulatório para os recursos hídricos. Referido diploma legal implementou uma política nacional de recursos hídricos e teve o mérito de estruturar um sistema para o planejamento e gerenciamento das águas.

Em que pese verificarmos a existência de instrumentos legais de proteção às águas, a sua efetiva tutela só será alcançada na medida em que a conscientização e o exercício da cidadania por parte de toda a sociedade, contribuir no processo do uso racional e da conservação desse precioso bem.

 

 

 

 

  • Água, Recursos Hídricos, Escassez, Conscientização

Referências

 

 

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[1] A qualificação da água como bem difuso entende-se um terceiro gênero qualificador do recurso como um bem de natureza difusa, um bem de todos. (VIEGAS, 2012 p.75)

[2] Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

[3] Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 dispõe sobre o PNMA tendo por objetivo a preservação do meio ambiente, caracterizando-o como um sistema integrado, buscando o desenvolvimento;

[4] O Conselho desenvolve atividades desde junho de 1998, ocupando a instância mais alta na hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituído pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. (Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Disponível em: http://www.cnrh.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1 acesso em: 16 de abril de 2017)

[5] O Regimento Interno tem prazo máximo de até 60 dias de registro, após sua aprovação, é um código de conduta quanto o funcionamento do Colegiado. Nele estão especificados, dentre outros assuntos, a missão e a finalidade do Comitê, sua composição, as atribuições de seus membros e procedimentos para realização de reuniões.

 


Ramile Araujo

Bacharel em Direito - Curitiba, PR


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