A RELATIVIZAÇÃO DO REQUISITO DA MISERABILIDADE PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL


06/06/2014 às 14h45
Por Rodrigo Leal

RESUMO

A seguridade social está dividida em Saúde, Assistência Social e Previdência Social, ramos que estão conexos. Cabe ao Estado garantir o mínimo existencial ao seu povo, fazendo com que o mesmo esteja amparado na existência de eventos futuros, certos ou incertos, que o impossibilitem de prover o sustento. A assistência social é o soldado de reserva do Estado, atuado naqueles casos em que a Previdência Social se mostra insuficiente. A principal ferramenta da Assistência Social é o benefício assistencial, devido àquelas pessoas que não possuem a capacidade de manter seu sustento próprio, ou tê-lo mantido pela sua família, será pago a idosos e deficientes físicos que comprovarem não possuir meios para manter seu mínimo existencial para uma vida digna. Para se provar a necessidade a Lei Orgânica da Assistência Social afirma que deve ser verificada a miserabilidade, como critério objetivo, não podendo a renda mensal familiar ultrapassar um quarto do salário mínimo vigente. Entretanto tal critério não pode ser verificado de forma absoluta, caso a necessidade não possa ser provada pela miserabilidade, pode-se utilizar outros meios de prova para sua aferição e consequente pagamento do benefício assistencial, sendo a renda mensal familiar, apenas um dos possíveis meios de prova para a averiguação da possibilidade de concessão do benefício assistencial aos idosos e deficientes físicos, deve haver uma relativização. Com isso, há uma ampliação no rol dos sujeitos beneficiados.

PALAVRAS CHAVE: Seguridade Social. Assistência Social. Benefício assistencial. Miserabilidade. Relativização.

ABSTRACT

The social security is divided into Health, social assistance and foresight, branches which are related. The State ensure minimal existential for its people, making it is supported on the existence of future events, certain or uncertain, make this impossible to provide sustenance. Social assistance is the state's reserve soldier, served in those cases where Social Security is insufficient. The main tool of the Social assistance benefit, because those people who do not have the ability to maintain their own livelihood, or have it maintained by his family, will be paid to elderly and disabled people who prove you do not have the means to maintain its minimum existential for a dignified life. To prove the necessity of the Organic Law of Social Services says that should be checked misery as objective criterion, neither the family monthly income exceeds one quarter of the minimum wage. However this criterion can not be verified absolutely, where the need can not be proved by misery, you can use other evidence for their measurement and consequent payment of welfare benefits, and the monthly family income, only one of the possible ways evidence in the investigation of the possibility of granting the assistance benefit for the elderly and disabled, there should be a relativization. Thus, there is an expansion in the list of subjects benefited.

KEYWORDS: Social Security. Welfare. Assistance benefit. Wretchedness. Relativization.

INTRODUÇÃO

O referente trabalho tem por escopo o estudo do instituto do benefício assistencial e o requisito da miserabilidade para a concessão do mesmo. Forjado a partir de conceitos da Seguridade Assistencial, dando ênfase à Assistência Social e ao benefício assistencial.

Busca-se analisar o instituto do benefício assistencial e suas consequências no Estado Social, com sua correta aplicação para garantir o bem estar mínimo.

Discute-se a condição da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial e, verifica-se o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca da miserabilidade como condição absoluta à concessão do benefício assistencial.

O presente trabalho busca compreender o instituto do benefício assistencial e suas condições para sua concessão, em especial a miserabilidade. Analisa-se a relativização do requisito da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial ao idoso ou deficiente físico que não tem condições próprias, ou por meio de sua família, para manter a dignidade da pessoa humana.

Tal pesquisa é necessária em virtude da importância jurídica e social do tema, busca-se contribuir com o estudo da concessão do benefício assistencial ao idoso e ao deficiente físico, analisando-se a adequação desses requisitos à função do estado Social e ao Princípio da Dignidade da pessoa humana.

O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, através de uma cadeia de raciocínios em conexão descendente, ou seja, do geral para o particular, haja vista a análise do gênero Seguridade Social e Assistência Social, dentro do qual se especificará o benefício assistencial e a miserabilidade como condição para sua concessão. Foram utilizados como métodos de procedimento o histórico, o monográfico e o comparativo.

A técnica de pesquisa empregada foi a documentação indireta, através da pesquisa bibliográfica, documental, através de bibliotecas, acervos de arquivos públicos e particulares.

Para alcançar os objetivos do trabalho, no Capítulo 2, partiu-se da análise da Assistência Social e do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, onde se faz uma breve análise da Assistência Social, conceituando-a e expondo a sua finalidade.

O Capítulo 3 elenca o conceito e as características do benefício assistencial, faz-se um análise dos requisitos para a concessão desse benefício.

No Capítulo 4, enfatiza-se a discussão sobre o cumprimento do requisito objetivo da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial, e sua possível relativização em virtude do princípio da dignidade da pessoa humana.

O presente estudo é encerrado com as considerações finais, onde serão elencadas as conclusões alcançadas quanto à problematização inicialmente proposta acerca da possibilidade da relativização do requisito da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial.

2 ASSISTÊNCIA SOCIAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Seguridade Social está inserida no Título VII, dedicado à ordem social na Constituição Federal, definida de forma clara no seu artigo 194 (BRASIL, 1988), o qual menciona que, “seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Tal definição constitucional estabelece três áreas da Seguridade Social, quais sejam, Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Sendo de fácil entendimento o motivo da agregação dessas três áreas, pois as mesmas estão inter-relacionadas, uma dependendo da outra. Logo, compreende-se que a Seguridade Social é formada de três pilares fundamentais, sendo a Assistência Social um deles.

O Estado deve garantir ao seu povo uma proteção contra eventos futuros, sejam eles certos ou incertos, nas palavras de Amado (2010, p. 19),

É preciso que o Estado proteja seu povo contra eventos previsíveis, ou não, aptos a causar a sua miséria e intranquilidade social, providenciando recursos para manter, ao menos, o seu mínimo existencial e, por conseguinte, a dignidade humana, instituindo um eficaz sistema de proteção social.

Com isso, cabe ao Estado assegurar o mínimo existencial, através de medidas custeadas por tributos em geral, causando o bem estar mínimo à sua população.

A Previdência Social, em virtude do seu caráter contributivo, deixa um imenso e lacunoso vazio no tocante à seguridade social, a característica da contributividade restringe o seu campo de atuação. Nesse sentido,

O segmente assistencial da seguridade tem como propósito nuclear preencher as lacunas deixadas pela previdência social, já que esta, como se verá, não é extensível a todo e qualquer indivíduo, mas somente aos que contribuem para o sistema, além dos seus dependentes. (IBRAHIM; 2008, p. 12)

O Brasil ainda é caracterizado pela presença de relevantes índices de desemprego e de trabalhadores no mercado informal, pessoas que não possuem a condição econômica de participar do custeio da Previdência Social.

O Estado Social é responsável pela garantia do mínimo existencial a essas pessoas, pois as mesmas estão fora d Previdência Social. Com isso, diz-se que a Assistência Social complementa a atividade da Previdência.

O artigo 6º enumera os direitos sociais, os quais são, segundo Santos (2011, p. 34), “disciplinados pela Ordem Social, destinam-se à redução das desigualdades sociais e regionais. Dentre eles está a seguridade social, composta pelo direito à saúde, pela assistência social e pela previdência social”.

A Assistência Social foi regulamentada pela Lei 8742/93, chamada de Lei Orgânica da Assistência Social, ou simplesmente LOAS, tal lei menciona objetivos, além de serviços e benefícios da assistência social.

Esse pilar da seguridade Social tem por escopo prover o mínimo necessário à dignidade da pessoa humana, através de um conjunto de iniciativas provenientes do poder público e da sociedade, conforme se verifica na intelecção do artigo 1º da LOAS (BRASIL, 1993),

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Verifica-se que a assistência social será prestada a todos que necessitarem dela, sem a necessidade de contribuições à Seguridade Social. Logo, garante-se ao assistido o necessário para que possa viver com dignidade.

A assistência social apresenta objetivos definidos, os quais elencam os serviços prestados e os benefícios recebidos, tais objetivos podem ser encontrados na leitura do artigo 2º da LOAS e do artigo 203 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), segundo este,

Art. 203 A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Pode-se verificar que a assistência social está embasada pelo princípio da solidariedade, ou seja, a mesma é destinada a todos que necessitem de seus serviços ou benefícios.

A assistência social apresenta, sobretudo, uma função social e uma regra de cumprimento aos princípio constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade material, nesse sentido são as palavras de Santos (2011, p. 99),

Para a CF a Assistência Social é instrumento de transformação social, e não meramente assistencialista. As prestações de assistência social devem promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento das prestações assistenciais, seja “menos desigual” e possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência.

Tal instituto apresenta uma imensa importância social, tendo em vista que cobre inúmeras desigualdades regionais e econômicas, tendo como principal meta o combate à pobreza nas diversificadas regiões do País. Trata-se de uma regra de obediência aos objetivos da República Federativa.

Ainda, o artigo 4º da Lei Orgânica da Assistência Social (BRASIL, 1993), estabelece como princípios da assistência social,

Art. 4 A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:

I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Tais princípios servem de norte regulador e aplicador da legislação assistencial. Os mesmos são dirigidos à busca da dignidade da pessoa humana e isonomia material. Com isso, pode-se concluir que o Benefício de Prestação Continuada é um dos objetivos da assistência social, em sua espécie benefícios. Sendo a assistência social um conjunto de ações do poder público e da sociedade, de forma integrada, para buscar a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional, pedra angular no nosso ordenamento jurídico.

3 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

O poder constituinte originário, por meio do supracitado artigo 203 da Constituição Federal, garantiu um benefício pago pela assistência social de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso, quando comprovados a inexistência de meios para que possam ter sua necessidades providas, por meio próprio ou por parte de sua família.

Trata-se de uma norma de eficácia limitada, necessitando uma lei que criasse um benefício às pessoas portadoras de necessidades e aos idosos. Tal lei foi criada em 1993, a Lei nº 8742 de 3 de dezembro daquele ano, disciplinando o benefício nos seus artigos 20 e 21, e regulamentado pelo Decreto n. 6.214, de 26.09.2007, alterado pelo Decreto n. 6.564, de 12.09.2008.

O Benefício assistencial é, portanto, um instrumento da assistência social, a qual tem por escopo o atingimento nos objetivos da República Federativa do Brasil, estabelecidos no artigo 3º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que diz,

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O benefício assistencial, como instrumento da assistência social, tem por escopo principal o cumprimento dos objetivos estabelecidos no artigo 3º da Constituição Federal.

Antes de sua conceituação se faz necessário uma análise de sua nomenclatura, tendo em vista que na doutrina e jurisprudência o benefício assistencial recebe inúmeras denominações.

Uma das denominações mais utilizadas pela doutrina e jurisprudência chama tal benefício de Benefício Assistencial de Prestação Continuada, denominação utilizada por Kertzman (2012, p. 463). Tal denominação se mostra errôneo, pois o adjetivo “continuada” é desnecessário, tendo em vista que quase a totalidade dos benefícios previdenciários e assistências são pagos de forma contínua, e não apenas esse benefício assistencial. Nesse mesmo sentido são as palavras de Santos (2011, p. 102),

A lei, impropriamente, denomina esse benefício como Benefício de Prestação Continuada (BPC), porque, na sua maioria, os benefícios são de prestação continuada, uma vez que pagos mês a mês desde o termo inicial até o termo final.

Godoy (2010, p. 123) utiliza a denominação LOAS para se referir a esse benefício de prestação continuada. Tal definição também merece críticas, pois LOAS é a sigla da Lei Orgânica da Assistência Social, a qual engloba, além do benefício de natureza assistencial, princípios, objetivos e serviços da assistência social, sendo que tal denominação restringe a Lei ao benefício.

De tal forma, verifica-se que, na ausência de uma nomenclatura legal, a denominação mais apropriada é benefício assistencial, denominação essa que surge em virtude da natureza assistencial que tal benefício possui, diferenciando-o dos demais benefícios da Seguridade Social como um todo.

O benefício social possui natureza personalíssima, não podendo ser transferido a outro. Em virtude disso não gera direito a pensão por morte, conforme o entendimento do artigo 23 do Dec. 6.414 de 2007. Nesse sentido são as decisões dos tribunais pátrios, veja-se,

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. AMPARO PREVIDENCIÁRIO POR INVALIDEZ TRABALHADOR RURAL. LEI Nº 6.179/1974. BENEFÍCIO DE CARÁTER PERSONALÍSSIMO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO. 1. Segundo a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e desta corte, deve-se aplicar, para a concessão de benefício de pensão por morte, a legislação vigente ao tempo do óbito do instituidor (Súmula nº 340/STJ). 2. O benefício de amparo assistencial por invalidez de trabalhador rural previsto na Lei n. 6.179/1974 constitui benefício de caráter assistencial e personalíssimo, não gerando direito a qualquer prestação aos dependentes. Portanto, somente fazem jus ao benefício de pensão por morte, nos termos da legislação previdenciária, os dependentes de segurado falecido que, embora recebesse o benefício de amparo assistencial ao portador de deficiência. Trabalhador rural, tinha direito à aposentadoria por invalidez como trabalhador rural. 3. Apelação do INSS e remessa providas. (Brasília, Tribunal Regional Federal, da Segunda Turma, Ap. 48604520064013306, Relatora Juíza Fed. Conv. Cláudia Tourinho Scarpa, 11 de jul. 2012).

Entende-se, então, que o benefício assistencial não gera o direito á pensão por morte, pois o mesmo possui caráter personalíssimo, só gerando o direito à pensão por morte os benefícios previdenciários.

O benefício assistencial se materializa, então, em um salário mínimo que deverá ser pago aos deficientes físicos e aos idosos que comprovarem necessidade e que não possuem instrumentos para o suprimento das mesmas, por parte pessoal ou de suas famílias. Conceitua Kertzman (2012, p. 463),

Benefício assistencial da LOAS corresponde à garantia de um salário-mínimo, devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e também não possa tê-la provida por sua família.

Com isso, percebe-se a necessidade de alguns requisitos para que se tenha direito ao benefício assistencial. O primeiro requisito é a pessoa sobre a qual o requisito cairá ser deficiente ou idoso, o segundo requisito é a necessidade ou miserabilidade.

Quanto à miserabilidade o INSS preleciona que se faz necessário uma renda mensal per capita inferior a 25% de um salário mínimo, comentando os requisitos, Godoy (2010, p. 127) diz,

No site da previdência consta: “Para ter direito ao benefício é preciso comprovar renda mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Além disso, essas pessoas não podem ser filiadas a um regime de previdência social nem receber benefício público de espécie alguma”.

Com base nisso, pode-se afirmar a exigência da miserabilidade para que seja concedido o benefício assistencial. Logo, essa miserabilidade limita ainda mais a concessão de tal benefício.

4 MISERABILIDADE COMO REQUISITO PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL FRENTE AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Percebe-se que a miserabilidade é um dos requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial, além da necessidade do beneficiado ser deficiente ou idoso.

Tal requisito é conceituado no § 3º do artigo 20 da LOAS (BRASIL, 1993), segundo o qual,

Art. 20 O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

Percebe-se, então, que a legislação assistencial introduziu um parâmetro absoluto de verificação da miserabilidade. Com essa regra, quando a renda mensal per capita for menor do que ¼ (um quarto) do salário mínimo, presume-se a miserabilidade. Entretanto, deve-se verificar a situação daqueles que tem uma renda per capita mensal maior do que ¼ (um quarto) do salário mínimo, como forma de verificar se possuem ou não o direito a receber o benefício assistencial.

Santos diz (2011, p. 105) ao tratar da regra da miserabilidade que,

O § 3º do art. 20 é manifestamente inconstitucional. Não se pode perder de vista que o BPC é aquela parcela de proteção social que se consubstancia em benefício. E a CF quer que esse benefício seja a garantia da manutenção da pessoa com deficiência ou idosa que não tenha ninguém por si. E o fixou em um salário mínimo. O bem- -estar social está qualificado e quantificado na CF: qualificado porque se efetiva com a implementação dos direitos sociais; quantificado porque a CF fixou em um salário mínimo a remuneração mínima e o valor dos benefícios previdenciários, demonstrando que ninguém pode ter seu sustento provido com valor inferior.

Tal regra fere o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a constituição menciona que a assistência é destinada àqueles necessitados, a LOAS restringiu, de forma a contrariar o bem o conceito de bem-estar social. Entretanto o STF julgou improcedente a ADIN 1.232-1, a qual pediu a inconstitucionalidade do § 3º do artigo 20 da LOAS.

Tal questão não restou pacificada e os tribunais pátrios passaram a decidir que, apesar da constitucionalidade desse dispositivo, a miserabilidade pode ser verificada por outros meios de prova, diferentes da renda per capita mensal familiar.

Com isso, mesmo na hipótese do limite de ¼ (um quarto) do salário mínimo per capita não ser respeitado, outros meios de prova podem ser utilizados, logo, trata-se de uma presunção relativa, podendo ser suprida por outros meios probatórios.

Nesse sentido, precisas são as palavras de Santos (2011, p. 105) ao mencionar que,

O STJ, desde então, passou a decidir no sentido de que o STF não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar; a renda per capita familiar de ¼ do salário mínimo configuraria presunção absoluta de miserabilidade, dispensando outras provas. Daí que, suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.

Os Tribunais Regionais Federais também coadunam desse mesmo entendimento, senão veja-se,

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. RENDA FAMILIAR SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. POSSIBILIDADE. I. A concessão de benefício previdenciário, por meio de sentença, não prescinde da prévia instrução probatória. Ocorre que a mesma restrição não se aplica à implantação de tal benefício em sede de antecipação de tutela, provimento para o qual outros elementos de convicção podem ser suficientes para demonstrar a plausibilidade do direito invocado e o perigo de seu perecimento pelo decurso do tempo. II. Os relatórios médicos comprovam a precariedade do estado de saúde da aurora, portadora de neoplasia maligna, e o laudo socioeconômico elaborado pelo juízo de base registrou o estado de miserabilidade da família. Presentes os requisitos do art. 273/CPC. III. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. (Recurso Especial repetitivo-1.112.557/MG, ministro napoleão nunes maia filho, DJ de 20.11.2009). lV. Agravo regimental a que se nega provimento. (Brasília, Tribunal Regional Federal, AI 0015178-38.2011.4.01.0000, Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, 2012)

Percebe-se que, no caso de uma renda per capita familiar ultrapassar o limite da miserabilidade estabelecido em lei, deve-se analisar outras provas, sendo presumida a miserabilidade somente quando a renda mensal for inferior ao estabelecido, o que não quer dizer que, no caso de ultrapassar tal valor, a miserabilidade não será analisada.

É necessário analisar também o sistema de provas adotado no Brasil, tendo em vista que nesse caso a lei restringe como única prova para aferir a miserabilidade a renda per capita familiar mensal. Nesse sentido,

Já vimos que são basicamente três os sistemas de apreciação da prova que podem ser acolhidos pelos ordenamentos processuais: a) o da prova legal, em que a lei fixa detalhadamente o valor a ser atribuído a cada meio de prova; b) o da valoração secundum conscientizam, em que ela deixa ao juiz integral liberdade de avaliação; c) o da chamada persuasão racional, em que o juiz forma livremente o seu convencimento, porém dentro de critérios racionais que devem ser indicados (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER; 2010, p. 381).

O Brasil adotou o sistema da persuasão racional, também chamado de livre convencimento, consagrado no artigo 131 do Código de Processo Civil. Segundo esse sistema, o julgador é livre para a análise das provas, desde que sua sentença seja motivada, não podendo a renda per capita familiar mensal ser indicada como único meio de prova para a verificação da miserabilidade do necessitado, o julgador poderá analisar outras provas trazidas ao processo.

Deve-se ressaltar que o STF declarou constitucional o artigo 20 e seus parágrafos da LOAS, não significando desrespeitar essa decisão do Supremo a análise de outros meios probatórios na aferição da miserabilidade, pois o Supremo apenas disse que nos casos de renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, a miserabilidade seria presumida, não excluindo a possibilidade da análise de outros meios de prova em caso desse limite ser superior ao estabelecido em lei.

Pode-se afirmar, então, que o requisito da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial a idosos e deficientes pode ser verificado por outros meios de prova que não a renda per capita mensal familiar. Podem servir como meios probatórios a prova testemunhal, um laudo pericial socioeconômico, um auto de contestação de miserabilidade, entre outros meios possíveis.

Esse benefício assistencial apresenta, sobretudo, uma função social, qual seja, o Estado prover ao idoso e ao deficiente físico o mínimo necessário para que possam viver com dignidade, respeitando-se o princípio da dignidade da pessoa humana.

A aferição da miserabilidade por um só critério afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, pois tal critério objetivo excluiria do recebimento do benefício assistencial uma grande quantidade de pessoas que não possuem renda para usufruir do mínimo necessário.

Como uma forma de obediência a esse princípio, cabe ao julgador a averiguação de outros tipos de prova levados a juízo, quando estiver diante de um processo que envolva o benefício assistencial e não se puder presumir de forma absoluta, pela renda per capita familiar mensal, a miserabilidade do requerente de tal benefício.

CONCLUSÃO

Diante dos argumentos expostos, pode-se afirmar que a doutrina e a jurisprudência dominante opinam pela relativização do requisito da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial a idosos e deficientes que não possuem condição própria, ou através de sua família, para manter o bem estar mínimo. Tal embasamento se dá em virtude da utilização do Princípio da Dignidade da pessoa humana, ponderando-se, então, tal regra objetiva na concessão desse benefício.

A renda familiar não é o único meio para se provar a miserabilidade, tendo em vista o sistema de provas utilizado no Brasil, podendo o julgador utilizar outros meios de prova para o seu convencimento racional e motivado acerca da miserabilidade.

Atenta-se que a aferição da miserabilidade apenas pela renda familiar confronta com o princípio da dignidade da pessoa humana, pois a utilização isolada desse meio de prova faz com que sejam excluídos da proteção assistencial do Estado um grande número de pessoas que não possuem renda suficiente para se manter com o mínimo existencial necessário.

Logo, cabe ao juiz, quando da aferição da miserabilidade como requisito de prova para a concessão do benefício assistencial, a análise de outros meios de prova, tenho em vista a relatividade da renda familiar, sendo esta apenas mais um e não o único meio de prova da miserabilidade.

  • Seguridade Social. Assistência Social. Benefício a

Referências

REFERÊNCIAS

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______. Tribunal Regional Federal. Apelação Cível nº 48604520064013306. Brasília, DF, 11 de julho de 2012. Disponível em:

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Rodrigo Leal

Advogado - Picos, PI


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