RESUMO
O presente artigo abordará em linhas gerais, a problemática discussão vivenciada por estudiosos e aplicadores do Direito do Trabalho, frente ao Projeto de Lei 4.330/04, o qual fora aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados.
Preliminarmente, será apresentado um breve relato histórico do surgimento da prática da terceirização, bem como, sua evolução em torno do mundo.
Em seguida, demonstrar-se-á como a prática da terceirização veio sendo utilizada em nosso país, apontando sua evolução legislativa e sua ampliação nas formas de contratar.
Neste sentido, conforme será demonstrado, poderá ser observado que a prática da terceirização jamais fora coibida pela Justiça do Trabalho, enquanto forma de contratação acessória de atividades, mas a interpretou sem abandonar os patamares centrais de proteção ao trabalho a que está constitucionalmente ligada.
Ocorre que, o trabalhador terceirizado acaba por se submeter a condições degradantes e precárias, haja vista sua necessidade alimentar, experimentando assim, sentimentos de impotência, dependência, inferioridade e desproteção, encontrando o trabalhador respaldo na Súmula n.º 331 do TST.
Ainda assim, mesmo diante das limitações estabelecidas pela referida Súmula, sabemos que no Brasil a prática veio sendo utilizado de maneira deturpada da inicialmente proposta pelo legislador, se assemelhando a intermediação de mão de obra, a qual deve ser veementemente combatida, pois, implica em diversos danos a pessoa humana do trabalhador, onde acarreta nitidamente em ofensa de sua dignidade e prejuízo de seus direitos de personalidade.
Sabemos que a discussão sob a liberdade de contratação, por alguns veemente defendida, causa receio, uma vez que, o emprego é porta de acesso a todo o rol de direitos sociais, individuais e coletivos, assegurado pela Constituição. Assim, a extensão da prática da terceirização por meio do Projeto de Lei 4.330/04, e a própria relação triangular que atualmente se estabelece, apontam para diversos problemas sociais que devem ser enfrentados.
1. BREVE RELATO HISTÓRICO.
Preliminarmente, há de se destacar a evolução história do Direito do Trabalho, fruto de conquista dos trabalhadores, e a sua acepção diante das manifestações do setor capitalista, que influenciam nas evoluções da relação de trabalho.
Essa modificação atualmente criticada perante a relação triangular que se estabelece, a qual de fato cada vez mais coisifica a pessoa do trabalhador, gera ainda mais embate perante o Projeto de Lei 4.330/04 que se encontra pendente de julgamento pelo Poder Legislativo, o qual ampliará significadamente as hipóteses de contratação por meio da terceirização.
Cabe ressaltar, que tal prática recorrente nas relações de trabalho do país, de fato nunca fora coibida, mas por outro lado, fora recebida pelo Direito do Trabalho, conferindo-se até mesmo interpretação ampliativa da inicialmente proposta pelo legislador, diante pressão do setor econômico e empresarial, e sua crescente utilização no resto do mundo, porém, sempre visando os princípios basilares da pessoa humana consagrados na Constituição.
Ao passo da evolução nas formas de contratação dos trabalhadores, sabe-se que a terceirização não é algo inovador, mas algo que se inseriu nas relações de trabalho desde o início da Revolução Industrial.
Assim, surgiu inicialmente o sistema conhecido por putting-out system ou sistema de produção domiciliar entre os séculos XVI e XVII, onde o artesão possuía os meios de produção, subordinando-se a um capitalista fornecedor da matéria prima, estabelecendo o valor pelo trabalho, prazos e o montante a ser produzido.
Outra forma de exploração dos trabalhadores surgiu em 1848 na França, e com ela, a consequente expressão “marchandage”, prática utilizada para fraudar direitos trabalhistas, onde a atividade passou a ser tipificada como crime, pois, trata-se de intermediação de mão de obra, fato veemente combatido pela Organização Internacional do Trabalho.
Com o passar dos anos, surge a grande reestruturação produtiva conhecida como “toyotismo”, sistema que sucedeu o então vigente sistema de produção “fordista”.
Assim, com a nova prática implementada, os trabalhadores passaram a se concentrar nas atividades essenciais da empresa, descentralizando atividades acessórias, o que de fato levou ao destaque da terceirização.
A palavra terceirização surge na linguagem da administração empresarial, como um processo de descentralização de serviços da empresa, para fim de desconcentrá-los às empresas prestadoras, desempenhando-se a atividade em diversos centros, como ocorreu no sistema “toyotista”, não mais se produzindo como antigamente, onde de fato eram unificados os meios de produção em uma única instituição, ou seja, sistema “fordista”.
Surge então a terceirização dado pelo foco empresarial, com a intenção de aumentar a produtividade e reduzir custos, contratando-se funcionários através de serviços prestados por outras empresas.
Conforme Maurício Godinho Delgado, “A expressão terceirização resulta de neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente.”[1].
2. O SURGIMENTO DA PRÁTICA NO PAÍS.
De início no Brasil a terceirização surge no setor público com o Decreto-Lei n.200/67 mais especificamente no art.10, e com a Lei n.º 5.645/70. Posteriormente, a prática veio sendo utilizada no setor privado com a Lei n.º6.019/74 (Lei do Trabalho Temporário), e Lei n.º7.102/83 (Terceirização de Vigilância Bancária), contudo, a prática da terceirização no setor privado expandiu-se exacerbadamente a ponto de se constatar a prática fora destas hipóteses.
Assim, em 1986 fora editada a primeira Súmula do Tribunal Superior do Trabalho n.º256 a respeito do tema, a qual disciplinava que somente poderia se contratar por meio de empresa interposta, nos casos de trabalho temporário Lei n.º 6.019 e de serviço de vigilância Lei n.º 7.102, reconhecendo-se o vínculo empregatício com o tomador dos serviços, quando constatada fora destas hipóteses.
Posteriormente, fora aprovada a Súmula n.º331 do Tribunal Superior do Trabalho no ano de 1993, cancelando o anteriormente disciplinado pela Súmula n.º256, regulamentando o tema tanto na esfera pública como na esfera privada, onde em seu contexto disciplinava:
“Contrato de prestação de serviços – Legalidade – Revisão do Enunciado nº 256.
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participação da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8666/93.)”
Logo de plano, a referida Súmula 331, em seu item I, veda totalmente a contratação de trabalhadores por meio de empresa interposta, ou seja, quando a empresa tomadora dos serviços, contrata outra empresa para mascarar a nítida relação de emprego, o que de fato implica no aviltamento dos salários do obreiro. Em contrapartida com a ilícita contratação, o legislador reconhece o vínculo direto com a empresa tomadora dos serviços.
Porém, o mesmo não ocorre com os órgãos da Administração Pública, ainda que seja constatada a contratação ilícita, conforme disciplina o item II da Súmula, uma vez que, a Constituição Federal prevê a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo ou emprego público.
Já no item III, o legislador discorre algumas hipóteses válidas de terceirização, não formando vínculo com o tomador de serviços, são elas: serviços de vigilância, conservação e limpeza, e, serviços ligados à atividade meio do tomador; ressaltando que, somente será válida quando não constatada a pessoalidade e a subordinação direta com este.
Ocorre que, a referida Súmula passou por mudanças significativas, onde através de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, ao julgar uma Ação Direta de Constitucionalidade numero 16, declarou ser constitucional o artigo 71, §1º, da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), o qual dispõe que, havendo o inadimplemento por parte da empresa contratada pela Administração Pública, a responsabilidade não será transferida a esta.
Vejamos então a ementa do acórdão proferido pelo STF ao julgar procedente a Ação Direta de Constitucionalidade número 16:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência conseqüente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Conseqüência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.
Ademais, vale esclarecer que a Ação Direita de Constitucionalidade fora impetrada com a nítida intenção de eximir a Administração pública de responsabilidades trabalhistas, onde acabou por precarizar o trabalhador terceirizado, violando assim, o valor social do trabalho garantido pela Constituição Federal.
Diante das decisões, houve a alteração do item IV, bem como o acréscimo dos itens V e VI da referida Súmula em 2011, assim, vejamos:
“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
Conforme disposto no item IV da Súmula n.º 331 do TST, este aborda a responsabilidade do tomador de serviços, quando há o inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte do empregador, incluindo ainda os órgãos da Administração Pública Direta, porém, abrindo uma ressalva, desde que tenham participado da relação processual e constem no título executivo.
Em seguida, o item V da Súmula aplica a responsabilidade subsidiária da Administração Pública nas hipóteses de terceirização. Porém, novamente o legislador abre uma ressalva, uma vez que, somente há a responsabilidade da Administração Pública pelo inadimplemento de verbas trabalhistas da empresa contratada, quando configurada e constata sua culpa in vigilando ou in eligendo.
Por fim, o legislador discorre no item VI da Súmula, que a responsabilidade subsidiária da tomadora dos serviços abarcará todas as verbas a que fora condenada a empresa contratada.
Assim, as alterações acarretariam em maior comprometimento da Administração Pública ao contratar serviços por meio de outra empresa, pois, caberia a ela a supervisão e fiscalização da empresa terceirizante, ou seja, a prestadora dos serviços, sob pena de incorrer na responsabilidade pelo adimplemento das obrigações da empresa contratada.
Porém, após anos da decisão proferida pelo Superior Tribunal Federal, que implicou na alteração da Súmula n.º331 do Tribunal Superior do Trabalho, pode-se constatar que a Administração Pública quando deveria fiscalizar e garantir os direitos trabalhistas devidos ao obreiro terceirizado, acaba por transferir a assunção dos riscos ao trabalhador, pois, se fiscalizado fosse, impediria o inadimplemento por parte da empresa terceirizante, o que de fato não ocorre na maioria dos casos.
Vale destacar, que somente a referida Súmula regulamenta a terceirização, não havendo outra legislação que discipline a prática.
A Consolidação das Leis do Trabalho define o contrato individual de trabalho, sendo este o eixo fundamental da legislação trabalhista, conforme interpretação que se extrai dos artigo 2º e 3º da referida Lei, ao definir o conceito de empregado e empregador, estabelecendo como regra geral o contrato bilateral.
Assim, a Súmula n.º331 do Tribunal Superior do Trabalho, adequada as normas jurídicas infraconstituionais, regulamenta as maneiras lícitas de contratação por meio da terceirização, visando com que a exceção não se tornasse a regra, o que de fato vem se tornando cada vez mais recorrente.
Mesmo com a edição da referida Súmula com a nítida intenção de se evitar a fraude, bem como suas alterações que vieram ao passo de se limitar o seu exercício, admitindo-se somente no que tange a serviços especiais vinculados à atividade-meio do tomador de serviços, a prática se desvirtua no mais das vezes para o ilícito, onde cada vez mais a atividade-meio se confunde com aquela essencial a empresa.
Assim, José Alberto Couto Maciel à respeito do tema discorre:
“O Tribunal Superior do Trabalho, necessitando dar um “remédio” às inúmeras fraudes quando do inicio da terceirização, propriamente criou esta diferenciação entre “atividade-meio” e “atividade-fim”, mas se forem as atividades apreciadas com maior profundidade, na há, na verdade, “atividade-meio” executando serviços para um empresa, pois tudo que for lá executado decorre de uma necessidade empresarial”[2]
A terceirização no Brasil, pelo que se denota ao passo que veio sendo utilizada, mostra-se comum para uma utilização de maneira fraudulenta, vedando-se os olhos da justiça com o véu da barbárie, escondendo a nítida relação de emprego formada com as empresas tomadoras dos serviços, precarizando a pessoa humana do trabalhador, como preleciona Rodrigo de Lacerda Carelli:
“A partir daí houve um boom na utilização da técnica empresarial, seja acompanhada de (quase) todo o espírito de reestruturação produtiva, seja utilizada de forma totalmente desconectada e deturpada da ideia original. Essa última forma é a mais utilizada no Brasil.”[3]
Nesse ínterim, elucida Márcio Pochmann, que a terceirização da mão de obra, alterou totalmente o funcionamento do mercado de trabalho diante de suas inovações, equivalendo praticamente a uma reforma trabalhista. [4]
Sabemos que a prática da terceirização acaba por precarizar o trabalhador terceirizado, submetendo-o muitas vezes em condições degradantes de trabalho, implicando em condição de inferioridade em face dos trabalhadores permanentes, bem como, em danos materiais, imateriais e até mesmo em impactos na esfera coletiva, devendo ser efetivamente combatida essa prática, eliminando-a do setor público como no privado.
3. A FATALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO.
Atualmente no Brasil, conforme anteriormente exposto, fora sendo ampliada a utilização da prática da terceirização frente às manifestações do setor empresarial e capitalista, sendo implementada tanto no setor público como no privado, porém, sendo restringida e regulamentada a prática frente à Súmula n.º 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
A referida Súmula regulamenta as formas de terceirizar, legitimando a contratação somente em casos específicos, e, em serviços ligados a atividades-meio da empresa. Surge então, a necessidade de distinguir os conceitos de atividade-meio e atividade-fim. Assim, Maurício Godinho Delgado esclarece que:
“Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de ser posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.
Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas a essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.” [5]
Assim também conceitua Amauri Mascaro do Nascimento:
“Atividades-meio são aquelas que não coincidem com os fins da empresa contratante, e atividades-fim são aquelas que coincidem. Se um estabelecimento bancário contrata empresa de serviços de vigilância, trata-se de contratação de atividades-meio, mas se contrata emrpesa de sérvios de caixa, trata-se de atividade-fim.”[6]
Ocorre que, a legislação ao delimitar as maneiras de contratar frente a terceirização, tornou-se alvo de críticas para os defensores da liberdade irrestrita de contratar, e de sua implementação nas atividades-fim da empresa.
Para o professor José Pastore da Universidade de São Paulo – USP, em seu artigo “Terceirização: Uma realidade desamparada pela Lei”,[7] a terceirização consiste em uma prática inevitável, irreversível e imprescindível no mundo atual, onde as empresas estão constantemente em concorrência, necessitando contratar outras empresas para produzir, terceirizando de tudo, tanto em atividades-meio quanto atividades-fim.
O autor critica a legislação atual, narrando que, ao proibir a terceirização em atividades-fim, o legislador criou um obstáculo para atender as necessidades da economia moderna e dos trabalhadores, bem como, ela acaba por causar incertezas no judiciário, que conspiram contra o emprego e a produção.
Porém, sabemos que a prática opõe os trabalhadores, segregando-os em dois grandes grupos: os terceirizados, e os empregados diretamente contratados pela empresa; gerando assim, o embate entre a classe operária, externalizando a concorrência para a classe operária, conforme discorre Márcio Túlio Viana:
“O terceirizado ambiciona o cargo do empregado comum – e este sente o rico de se tornar terceirizado. Um despreza ou inveja o outro; ao menos em potência, disputam o bem valioso e escasso que é o emprego mais seguro e mais valorizado socialmente.”[8]
O resultado que se tem diante do efeito da terceirização, são trabalhadores menos conectados, interligados em ambos os sentidos, tanto físico e emocional ou psíquico, gerando este conflito de interesses entre a classe operária.
A exploração da pessoa do trabalhador atualmente se apresenta idêntica aos modelos que surgiram vivenciados antigamente, onde cada vez mais se visa o lucro e a satisfação dos interesses do empresário, em contrapartida, violando a dignidade da pessoa humana, em prejuízo ao cidadão-trabalhador.
Assim, com essa nova forma de estruturar a empresa, a fábrica acaba por se dissolver, onde os trabalhadores não se somam mais como anteriormente, afetando drasticamente as relações de trabalho.
Como já se sabe esta prática adotada para reduzir custos da empresa, não passa de mera estratégia de poder, a qual certamente afeta o trabalhador, como também acarretará em diversos danos ao Direito do Trabalho e suas conquistas ao longo da história.
Esta parceria estabelecida entre grandes e pequenas empresas, uma ou outra acaba de certa forma por prejudicar seus funcionários, seja sonegando direitos, seja usando maquinas velhas e perigosas ou ignorando normas de prevenção.
Esta prática aviltante acarreta aos terceirizados a redução de seus salários, onde estes recebem cerca de 25% menos que os trabalhadores diretos, onde no setor financeiro a diferença passa ser ainda mais alarmante, sendo o salário 70% inferior.
Ora, ora, não há como se falar que a terceirização não implica em redução de salários de empregados terceirizados, pois, se assim fosse, ela mesmo não existiria, uma vez que fora implantada com a nítida intenção de redução de custos pela empresa tomadora dos serviços, tornando-se assim, inviável a sua utilização.
Cabe ressaltar também, que a prática da terceirização torna e faz permanecer o miserável trabalho escravo, onde 90% dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo no país, entre os anos de 2010 a 2014, eram terceirizados.
Ademais, diante da precarização das empresas prestadoras dos serviços, denota-se ainda na prática, um elevado índice de acidentes de trabalho e acidentes fatais pelos empregados terceirizados, os quais possuem tratamento diferenciado quanto aos empregados diretos.
Estudos demonstram que a jornada de trabalho dos empregados terceirizados, é superior em comparação com aqueles empregados ligados diretamente a empresa, sendo em uma diferença de 03 (três) horas.
Ainda neste sentido, vale ressaltar que a prática da terceirização implica em uma alta rotatividade dos empregados terceirizados, onde este não detém qualquer vinculo com a tomadora dos serviços, ficando a cargo das arbitrariedades do empregador. Assim, estudos apontam que estes empregados permanecem ligados a uma mesma empresa por período extremamente inferior aos empregados diretos, sendo de apenas 2,6 anos a média para terceirizados e de 5,8 anos para empregados diretos.
Ocorre que, pelo lado coletivo, permanece outro efeito, o da divisão dos trabalhadores, uma vez que, os trabalhadores terceirizados não se vinculam, nem mesmo se agregam a seus colegas como ocorre com os empregados centrais das empresas, haja vista a sua alta rotatividade, o que de fato não ocorre com estes, já enraizados na empresa e ao convívio social.
Ademais, estes trabalhadores terceirizados encontram grandes dificuldades em encontrar uma representação sindical que lhes proteja, haja vista a dificuldade de forjar uma identidade a partir da negação, onde se encontram em posição de inferioridade jurídica, sendo discriminados pelo processo produtivo, bem como, por seus colegas de trabalho.
Assim, a prática da terceirização implica na desorganização da atuação sindical, suprimindo qualquer possibilidade eficaz de ação, atuação e representação coletiva dos trabalhadores terceirizados, frustrando direitos sociais coletivos estipulados nos artigos 7º e 9º da CF/1988.
Maurício Godinho Delgado assim preleciona:
“A ideia de formação de um sindicato de trabalhadores terceirizados, os queais servem a dezenas de diferentes tomadores de serviços, integrantes estes de segmentos econômicos extremamente dispares, é simplesmente um contrassenso. Sindicato é unidade, é agregação de seres com interesses comuns, convergentes, unívocos. Entretanto, se o sindicato constitui-se de trabalhadores com diferentes formações profissionais, distintos interesses profissionais, materiais e culturais, diversificadas vinculações com tomadores de serviços – os quais, por sua vez, têm natureza absolutamente desigual - , tal entidade não se harmoniza, em qualquer ponto nuclear, com a ideia matriz e essencial de sindicato.”[9]
A prática da terceirização, além de acarretar todos os danos já apontados, acaba por coisificar a pessoa do trabalhador, o que de fato é veemente combatido pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, tratando o trabalhador como se mercadoria fosse, assim, preleciona Márcio Túlio Viana:
“Daí porque ela sempre precariza – seja qual for o salário ou a condição de saúde do trabalhador. A menos, é claro, que se reduza o conceito de indignidade ou de precarização.
(...)
Como já observava, essa prática degrada não só os terceirizados e os trabalhadores em geral – o que já seria muito -, mas o próprio direito do trabalho como um todo. Nesse sentido, falar em “terceirização fraudulenta” chega a ser redundante.” [10]
4. O PROJETO DE LEI 4.330/04 E SUAS CONSEQUÊNCIAS.
O Projeto de Lei 4.330/04, de autoria do ex-deputado Sandro Mabel do partido PMDB/GO, o qual visa regulamentar e expandir a terceirização para as atividades-fim, fora aprovado em Plenário pela Câmara dos Deputados, e atualmente encontra-se pendente de julgamento pelo Senado Federal, o qual seguirá posteriormente para a sanção presidencial.
Tal projeto, além de repercutir severamente no âmbito da coletividade da classe operária, apresenta-se como meio nocivo do ponto de vista do empregado, conforme anteriormente exposto.
A Súmula n.º 331 do TST, única legislação que disciplina a matéria, está adequada com as normas jurídicas infraconstitucionais ao abordar as formas lícitas do fenômeno da terceirização. Tal forma de contratação consubstanciada em lei esparsa deve ser utilizada de maneira excepcional e de acordo com os enunciados da Súmula, uma vez que, o legislador ao editar a CLT, estabeleceu como regra geral o contrato bilateral.
Nunca houve forma de contratação que competisse com a categoria central, sendo válida a contratação terceirizada apenas em casos pontuais e excepcionais, não desvirtuando o instrumento jurídico da relação de emprego.
A possibilidade de contratação do trabalhador por intermediação de terceira pessoa, fora admitida em casos específicos, bem como atribuída a responsabilidade daí decorrentes, uma vez que a intermediação está ligada a mercantilização do trabalho humano, o que de fato é vedado conforme já descrito em tópicos anteriores.
Porém, sabemos que a prática veio sendo utilizada constantemente pelos empreendedores com o fim exclusivo de se maximizar os lucros, isentando-se de suas responsabilidades, acarretando em diversos danos a classe operária.
Diante da grande utilização da prática, e ao passo da realidade social, o TST por meio da Súmula n.º 331, já conferiu interpretação ampliativa às normas jurídicas vigentes ao aprovar as situações de terceirização em atividade-meio, porém, sempre observando a Consolidação das Leis do Trabalho, bem como, os princípios basilares da pessoa humana consagrados na Constituição, certamente sem ela a situação de precarização do trabalhador se agravaria ainda mais, conforme esclarece Márcio Túlio Viana:
“Não custa insistir que, mesmo com os atuais critérios, persistem a indignidade e a fraude, além de uma discriminação tão grande e, ao mesmo tempo, tão naturalizada que a respiramos sem sentir, como fazemos com o ar. Mas sem aqueles critérios, naturalmente, a situação se agravaria ainda mais.[11]
Ocorre que, tal Projeto de Lei visará única e exclusivamente os interesses individuais do empregador e do setor capitalista, ignorando qualquer proteção da Constituição Federal e das Leis do Trabalho frente à pessoa humana do trabalhador.
Assim, o que se pode esperar é o agravamento das situações expostas no item anterior, submetendo o trabalhador às condições desumanas de trabalho, bem como, incorrerá em substantivo enfraquecimento do sistema sindical brasileiro.
Neste ínterim, os trabalhadores se apresentarão ainda mais segregados, fragmentando a categoria e suas próprias atividades, bem como, degradará o emprego por meio da subvalorização do trabalho e dos trabalhadores.
Frente às alterações propostas, o projeto submeterá o empregado à instabilidade do setor financeiro, bem como, as arbitrariedades do empregador, desestruturando todo o Direito do Trabalho, ferramenta de proteção do trabalhador e inerente para o equilíbrio da relação de trabalho.
Ao se estender a terceirização para as atividades-fim da empresa, ela acabará por se desvirtuar de sua real intenção, qual seja, a de fornecer meios para que o empregador se dedique exclusivamente a sua atividade principal.
Ademais, poderá ser constatada até mesmo a empresa sem empregados, uma vez que, permitirá ao empreendedor terceirizar de tudo, eximindo-se por completo de todas responsabilidades, bem como, esvaziar o valor constitucional da organização sindical, utilizá-la para fragilizar o movimento grevista, eximir-se de participar de políticas sociais constitucionais, isentar-se de participar no financiamento da previdência social, dentre outros “benefícios” ao empregador.
Assim, elucida Gabriela Neves Delgado que empregador, ao terceirizar sua atividade principal, comprometeria drasticamente as normas constitucionais instituidoras de políticas e programas sociais, submetendo-as a sua arbitrariedade.[12]
Vale ressaltar, que muitos dos direitos do trabalhador dependem da longevidade dos vínculos de emprego, porém, é sabido que empregados terceirizados apresentam um elevado índice de rotatividade, prejudicando o trabalhador na aquisição de alguns direitos.
Contudo, não se pode observar única e exclusivamente a liberdade de iniciativa ou liberdade de contratação, pois, certamente afetará a pessoa humana do trabalhador, devendo a terceirização atender os interesses da justiça social, e, não somente os interesses exclusivos do empregador, conforme elucida Gabriela Neves Delgado:
“A terceirização em atividade finalística, pelo contrário, ao colocar o lucro acima do valor constitucional da proteção ao trabalho, reduz a livre iniciativa a expressão pura do interesse individual do empreendedor, submetendo o trabalho à sua exploração predatória, numa lógica desproporcional com qualquer noção de Estado Democrático de Direito e seus princípios constitucionais constitutivos. Na verdade, uma lógica que, por sua exacerbação e desequilíbrio, conspira contra a própria preservação do sistema capitalista”.[13]
Tornando-se absoluto o princípio da liberdade de contratação, certamente o legislador sangrará a Constituição Federal, negando-se critérios constitucionais de proteção da pessoa humana, e concretização da justiça social.
A consequência imediata que se pode esperar, uma vez aprovado o Projeto de Lei 4.330, é a elevação do número de demissões de funcionários, transformando trabalhadores fixos das empresas em terceirizados, como observa Márcio Túlio Viana:
“À primeira vista, as consequências seriam apenas de ordem quantitativa. Haveria uma transformação crescente e massiva de empregados comuns em terceirizados, como se o mundo do trabalho fosse invadido pelo vírus da peste.” [14].
Com isto, haveria a queda o número de empregados contratados diretamente, implicando consequentemente, na redução da faixa salarial, bem como, uma economia de baixo salário, elevada instabilidade nas relações de trabalho e ampla polarização social.[15]
E mais, também haveria a proliferação de diversas empresas terceirizantes, ou até mesmo empresas de “fachada” constituídas com a nítida intenção de se burlar as leis trabalhistas, o que já não foge da realidade atual.
Segundo Amauri Mascaro do Nascimento:
“A idoneidade da prestadora também é dado que deve ser considerado, uma vez que, evidentemente, não há proteção ao trabalhador se a empresa prestadora da qual é empregado não tem meio de responder, com seu patrimônio, pelos débitos trabalhistas ou não se apresenta condições mínimas de natureza econômica para funcionamento, aspecto que tem motivado a responsabilidade solidária entre o prestador e o contratante, encontrada em algumas leis estrangeiras e na lei de trabalho temporário do nosso país”.[16]
Nesse sentido, como já se observa atualmente, juntamente com essa proliferação de empresas terceirizantes, o que se pode esperar é a epidemia de inadimplementos e o crescimento de ações a serem ajuizadas na Justiça do Trabalho, uma vez que, muitas empresas certamente não apresentarão condições de se estruturar e empregar funcionários.
Haveria assim com a aprovação do Projeto de Lei, a chamada “dízima periódica de empregadores”, diante da multiplicação destes, transferindo das mais diversas atividades essenciais a outras empresas, precarizando as formas de trabalho e a pessoa do trabalhador.
Assim, esse “repasse” de atividade-fim, conforme esclarece Paulo Ricardo da Silva de Moraes em seu artigo “Terceirização e precarização do trabalho humano” publicado na revista do TST no ano de 2008, caracteriza a fraude trabalhista, constatando-se a intermediação de mão-de-obra, transformando o trabalho humano em mercadoria, submetendo o homem à exploração pelo próprio homem, e, consequentemente, precarizando as condições de trabalho.[17]
A Constituição Federal em seu art.1º disciplina os princípios fundamentais da República Federativa, discriminando em seu inciso IV, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, porém, denota-se que o legislador não estabeleceu esta ordem sem qualquer fundamento, mas, sobrepondo os valores sociais do trabalho à frente do valor social da livre iniciativa.
Neste sentido, o legislador também regulamenta através do artigo 170 da Constituição Federal os princípios gerais da atividade econômica, estabelecendo que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, bem como, através do artigo 193 dispõe que ordem social tem como base o primado do trabalho, e, como obejtivo o bem-estar e a justiça social.
Ocorre que, conforme apontado, o Projeto de Lei uma vez sendo aprovado, quebrará qualquer limitação da prática da terceirização, estendendo-a para as atividades essenciais da empresa, invertendo os valores estabelecidos pela Constituição, dando azo para as liberalidades do empreendedor, e a violação da pessoa humana do trabalhador.
Assim, corrobora Gabriela Neves Delgado:
“Nesse sentido, a prática da atividade-fim implica absoluta negação da função social constitucional da empresa, na medida em que submete o valor social do trabalho ao interesse do lucro, como um fim em si mesmo, desfigurando o valor social da livre iniciativa, em violação ao princípio fundamental da República consagrado no art. 1º, IV, da Constituição”.[18]
Por fim, Maurício Godinho Delgado esclarece que, não se trata mais apenas de restringir as hipóteses de tercerização, apontando assim, quatro “remédios” para solucionar os problemas vivenciados, como: o alargamento do conceito hoje prevalecente de isonomia; a fixação de limites mínimos eficazes de capital integralizado para as empresas de terceirização; o estabelecimento de garantias financeiras eficazes quanto ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias pelas empresas de terceirização; a atribuição de plena efetividade à Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas para os contratos de terceirização entre as empresas.[19]
5. CONSIDERACÕES FINAIS:
Denota-se que a prática da terceirização já é um fenômeno enraizado não só nas relações de trabalho exercidas aqui no Brasil, mas em todo o mundo, porém, as alterações visadas pelo Projeto de Lei 4.330/04, implicarão certamente no agravamento da precarização da pessoa humana do trabalhador e do Direito do Trabalho como um todo.
Não há que se falar em adequação da legislação, uma vez que, o TST até mesmo já conferiu interpretação ampliativa da terceirização, e bem o fez conforme a Súmula n.º 331, adequada com a Consolidação das Leis do Trabalho e conforme os princípios estabelecidos na Constituição Federal.
Compete ao Direito do Trabalho, diante das constantes inovações das relações de trabalho, sempre buscar o equilíbrio de forças entre empregadores e empregados, os quais possuem uma situação de desigualdade, zelando pelos princípios basilares da dignidade da pessoa humana e proteção do valor social do trabalho esculpidos na Constituição.
A Justiça do Trabalho já admite a terceirização, em casos específicos, até mesmo em amplitude maior do que a própria legislação, porém, nos casos em que ela ocorre de maneira fraudulenta, ocultando a verdadeira relação de emprego, compete a ela proteger os direitos do trabalhador.
Ocorre que, cada vez mais a prática se vê voltada para o ilícito, onde grande parcela dos trabalhadores terceirizados estão ligados as atividades-fim da empresa, nesse sentido, esclarece Márcio Túlio Viana:
“Por tudo isso, se não se quer ou não se consegue proibir essa forma de terceirizar, o que se opde combater, basicamente, é apenas o salário menor, as condições ambientais piores ou a representação sindical mais frágil – o que está longe de ser tudo, mas também está longe de ser pouco.”[20]
Não só os direitos trabalhistas e os trabalhadores, como também todo o Direito do Trabalho sofreria um grande abalo, diante das propostas que podem ampliar a terceirização, pois, ela aponta para um novo modo de pensar e de fazer as leis, a qual acaba por desmontar pouco a pouco as conquistas históricas dos trabalhadores, e, uma vez generalizada, até mesmo as subjetividades sofrerão alterações.
Contudo, conforme elucida Rodrigo de Lacerda Carelli:
“Novos problemas demandam novas soluções, e, a partir de seus princípios e suas funções, o direito do trabalho está sempre a buscá-las. Assim, a terceirização que pretende se impor como “realidade inorexável”, enfrentará a ação do direito do trabalho para que a técnica não se sobreponha ao homem.”[21]
Por fim, atualmente vislumbramos um clima de maior liberdade, que acaba potencializando o credo neoliberal, porém, não se pode justificar o fim das amarras, uma vez que, a desigualdade de forças não só continua como se aprofunda, vendo-se ainda mais potencializada frente às alterações implicadas pelo Projeto de Lei 4.330/04, competindo ao Direito do Trabalho buscar respostas para o avanço da técnica, e a defesa da pessoa humana do trabalhador.