Segurança e Saúde do trabalhador no Brasil e nos Estados Unidos: Estudo Comparado


08/11/2016 às 15h31
Por Abacus

(Artigo originalmente publicado pelo autor na Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, v. 3, p. 54, 2013)

A importância do direito comparado é facilitar as relações jurídicas internacionais e, principalmente, ampliar os horizontes do estudo jurídico permitindo o conhecimento sobre realidades distintas. Com isso, possibilita-se a criação de um movimento para aperfeiçoamento da legislação nacional através da identificação de soluções legais mais eficientes e avançadas e das lacunas locais. Os sistemas, apesar de distintos, têm muito que aprender um com o outro.

Com a globalização, não é possível pensar no direito de forma restrita aos limites de uma nação. Contratos são firmados entre indivíduos de diferentes países com uma assustadora frequência e empresas, cotidianamente, abrem filiais em outros países. Mas a relação entre distintos direitos nacionais não se restringe a negócios supranacionais. A informação globalizada não respeita os limites geográficos possibilitando a qualquer um o acesso imediato, por exemplo, a legislações e regulamentações distintas da sua.

Nesse sentido, e por seu caráter universal, o direito comparado pode contribuir com questões de segurança e medicina do trabalho. Esta área é conceituada pelo professor Pinto Martins como “o segmento do Direito do Trabalho incumbido de oferecer condições de proteção à saúde do trabalhador no local de trabalho, e de sua recuperação quando não se encontrar em condições de prestar serviços ao empregador” (MARTINS, 2003, p.609).

Discussões nessa área vêm crescendo, se concentram em diversos campos, desde doutrinários a sindicais. A preocupação por um meio ambiente do trabalho sustentável e pela qualidade de vida dos trabalhadores está cada vez mais presente.

Um dos pontos mais graves em relação à precarização ou falta de regulamentação no trabalho é referente aos riscos e danos causados à segurança e saúde do trabalhador no ambiente de trabalho. Pois, acima de tudo, isto coloca em risco a própria vida do trabalhador. O risco de dano, inclusive, não se restringe aos danos físicos, mas também os danos psicológicos.

O objetivo do trabalho é estabelecer uma comparação entre a legislação brasileira com a respectiva legislação americana, realizando, assim, uma breve revisão dos respectivos sistemas, apontando semelhanças e diferenças e, principalmente, lacunas.

Primeiramente, o sistema jurídico americano não é fundamentado em leis escritas e sim nos costumes e na jurisprudência. O direito baseado em costumes acompanha as intensas mudanças da sociedade, permitindo uma maior flexibilidade, ao magistrado, para julgar determinado caso. De acordo com Lawrence M. Friedman (2002), o direito é um produto da sociedade e, de acordo com suas mudanças, o direito também deve mudar.

Em relação ao sistema jurídico americano, Amauri Mascaro do Nascimento o define como: “É singular. Há poucas leis, e a ideia do código de trabalho é ignorada. A interferência do Estado nos contratos de trabalho é mínima. O sistema desenvolve-se com acentuada espontaneidade, independentemente de leis.” (NASCIMENTO, 2011, p.51).

Os Estados Unidos são conhecidos justamente pelas práticas neoliberais. São adeptos da total liberdade contratual entre empregado e empregador. Esta mentalidade repreende qualquer excesso de intervenção estatal nas relações contratuais de trabalho. Porém, essa liberdade tem se mostrado extremamente nociva. Pesquisa recente elaborada pelas universidades de Harvard e McGill apontaram os Estados Unidos como um dos piores países do mundo em relação a direitos trabalhistas. Diversos direitos trabalhistas aos quais os brasileiros estão acostumados não existem nos EUA como a licença paternidade e as férias remuneradas.

Amauri Mascaro do Nascimento (2011), em sua obra onde aborda o direito do trabalho sob a perspectiva de modelos, afirma que os Estados Unidos adotaram o modelo negociado. Este modelo, em suas palavras: “funda-se na concepção autotutelar do direito do trabalho que tem como pressupostos a omissão, proposital ou não, do Estado que é abstencionista nas relações de trabalho. (NASCIMENTO, 2011, p.50)”.

Esta omissão estatal contrasta com o rigoroso formalismo na aplicação de leis trabalhistas como se constata no Brasil e em outros países como França e Suécia. Ocorre que há um movimento de flexibilização das leis trabalhistas. Em épocas de crise econômica ou perante empresas com dificuldades financeiras, sempre surgem discussões sobre a flexibilização como solução para os problemas de desemprego e como forma de incentivar a expansão e criação de novas empresas.

A professora Alice Monteiro de Barros afirma, em seus ensinamentos que:

“O fenômeno da flexibilização é encarado também sob o enfoque da “desregulamentação normativa”, imposta pelo Estado, a qual consiste em derrogar vantagens de cunho trabalhista, substituindo-as por benefícios inferiores.” (BARROS, 2011, p.69).

Portanto, ocorre que um dos objetivos da flexibilização das leis trabalhistas é alcançar, cada vez mais, um status regulamentar similar ao existente nos Estados Unidos, ou seja, praticamente inexistente. A flexibilização gradativamente encaminha o direito trabalhista para a total desregulamentação normativa.

Como dito por Ricardo Antunes em sua obra Adeus ao Trabalho:

“flexibilizar a legislação social do trabalho significa – não é possível ter nenhuma ilusão sobre isso – aumentar ainda mais os mecanismos de extração do sobretrabalho, ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais arduamente conquistados pela classe trabalhadora” (ANTUNES, 2012, p.109).

Neste sentido, compreende-se o porquê da precariedade dos trabalhos nos Estados Unidos. Os empregados ocupam uma posição desvantajosa perante os empregados que detêm não somente o capital, mas, de modo geral, o conhecimento. Aliado a isso, a hipossuficiência dos empregados os obriga muitas vezes a aceitar empregos com condições sub-humanas por motivos de sobrevivência. Empregos, muitas vezes, que desrespeitam completamente a saúde e a segurança do trabalhador, em locais insalubres e perigosos ou sujeitos a funções desgastantes e enfadonhas.

A qualidade de vida do trabalhador não é preocupação por parte de boa parte das empresas. A única coisa que pode garantir, de forma absoluta, a proteção do trabalhador é a lei e, obviamente a participação plena dos sindicatos. Quando se cogita abrir mão dos direitos assegurados ao trabalhador, como no caso do Brasil, é importante observar que a situação onde estes estão menos presente, a situação não é tão boa quanto é vendida.

No Brasil, a saúde e segurança do trabalhador são direitos constitucionais, previstos por Carta Magna desde a Constituição de 1934. Não poderia ser diferente com a Carta de 1988 que prevê em seu artigo 7º, inciso XXII a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. E no inciso XXIII, o adicional de remuneração para as atividades insalubres, perigosas e penosas.

A legislação brasileira pertinente ao tema nas palavras de Raimundo Simão de Melo (2010) constitui um avançado arcabouço jurídico com relação não somente à prevenção do meio ambiente do trabalho, mas como nas reparações pelos danos causados à saúde do trabalhador. Diversos dispositivos protegem a saúde e a segurança do trabalhador no Brasil.

O principal destaque na proteção à saúde e segurança do trabalhador, no Brasil, são as Normas Regulamentadoras, editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. As normas coletivas, redigidas através de acordo ou negociação entre sindicatos e empregadores, também têm grande importância.

A Previdência Social, no Brasil, de caráter obrigatório, garante assistência previdenciária àqueles que sofreram acidente de trabalho. Este benefício garante dignidade ao trabalhador impossibilitado de trabalhar.

Além dos dispositivos legais nacionais, o Brasil é signatário de diversas convenções da OIT. De modo geral, o Brasil ratificou 82 convenções da OIT, de um total de 189. Enquanto isso, os Estados Unidos ratificaram somente 12, sendo que destas duas tratam de questões fundamentais, que é a Convenção nº 105 (abolição do trabalho forçado) e a Convenção nº 182 (que proíbe as piores formas de trabalho infantil).

O pequeno número de convenções da Organização Internacional do Trabalho firmado pelos Estados Unidos vem enfatizar a baixa intervenção do Estado e da União nas relações trabalhistas.

Nos Estados Unidos da América, como afirma Lewin G. Joel III (2001), o principal dispositivo legal regulamentando a saúde e segurança no trabalho é o Occupational Safety and Health Act (OSHA), de 1970. Porém, a aplicação de legislações federais, nos Estados Unidos está imbuída de grande complexidade e restrições.

Ao contrário do que ocorre no Brasil, nos Estados Unidos, não há legislação centralizada que regulamenta os direitos trabalhistas, ou qualquer outro direito. Para efeito de estudo, será utilizada como base o Occupational Safety and Health Act (OSHA), pois este é aplicado a todos empregados privados em empresas com negócios que reflitam em mais de um estado. De acordo com Joel III (2001), isso se aplica virtualmente a todos os empregados americanos.

O documento afirma, logo em seu início, que tem como intuito:

“To assure safe and healthful working conditions for working men and women; by authorizing enforcement of the standards developed under the Act; by assisting and encouraging the States in their efforts to assure safe and healthful working conditions; by providing for research, information, education, and training in the field of occupational safety and health; and for other purposes.”

Ou seja, o ato federal, não tão somente protege os empregados sujeitos à lei, mas como encoraja os estados, detentores da competência legislativa para regulamentar as leis trabalhistas para empregados dentro de sua jurisdição. Baseado nisso, diversos estados aprovaram leis regulamentando a saúde e a segurança do trabalhador.

Ocorre que os estados não estão obrigados a regulamentar. Nem todos os estados americanos tiveram legislação local aprovada pelo OSHA. Alguns estados com legislação aprovada pela lei federal somente a aplica a seus funcionários públicos, como é o caso dos estados de Nova Iorque e Connecticut.

Em caso de violação de leis relativas a segurança e saúde do trabalhador, o trabalhador americano deve protocolar uma reclamação confidencial perante as autoridades. Caso o empregador descubra que o empregado protocolou uma reclamação, ele está impedido de retaliar o empregado, pois este está simplesmente exercendo seu direito.

Caso o empregador retalhe o empregado com a sua despedida, este terá a possibilidade de ajuizar uma ação, caso queira, solicitando reintegração ao emprego além de indenização relativa aos salários perdidos e de caráter punitiva pelos danos, conforme pode ser observado na ação Reich vs. Cambridgeport Air Systems, Inc. (1994).

O trabalhador que sofrer acidente de trabalho possui o benefício previdenciário conhecido como Disability Benefits oferecido pela Social Security, a previdência americana.

A ausência de legislação dispondo do tema é amenizada, de certa forma, pela atuação dos sindicatos através de negociação com as classes patronais. Ocorre que, de acordo com Amauri Nascimento (2011), há uma pequena percentagem de trabalhadores sócios de sindicatos.

Não há empecilhos para que uma empresa adote, facultativamente, contratos coletivos negociados por outras empresas e seus respectivos sindicatos. Essa adoção pode ser motivada através de negociação direta entre empregados e empregador no próprio ambiente da empresa. Esse procedimento interno de diálogo é conhecido como greevance. (NASCIMENTO, 2011)

A situação do trabalhador, nos EUA, piora consideravelmente quando se trata de grupos minoritários ou em situação de risco social. Em documento elaborado pela Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO), uma das maiores centrais operárias da América do Norte, constata que:

“There were 749 fatal injuries among Latino workers, up from 707 in 2010. Sixty-eight percent of these fatalities (512 deaths) were among workers born outside the United States.”

Logo, não obstante a parca proteção do trabalhador, os grupos em situação de risco social ainda estão em desvantagem. O motivo relevante, principalmente no que tange aos imigrantes, parcela significativa na classe trabalhadora americana é que:

“Workers who are undocumented may be at particular risk facing abuse and exploitation and fearing retaliation if they raise concerns about unsafe working conditions.”

Esta condição desvantajosa do imigrante, principalmente o clandestino que teme, além da perda de seu emprego, a sua extradição, permite que os empregadores abusem destes. A eles são oferecidos salários menores e condições de trabalho, muitas vezes, absolutamente precárias.

O problema não é exclusivo dos Estados Unidos. No Brasil, a despeito de maior regulamentação trabalhista, é comum a utilização de mão de obra de imigrantes ilegais oferecendo a estes terríveis condições de trabalho, muitas vezes sendo utilizados como escravos. Frequentemente a imprensa retrata casos de estrangeiros envolvidos em condições de trabalho desumanas no Brasil.

Isso leva a uma importante reflexão sobre a saúde e segurança do trabalhador. O que leva o trabalhador a aceitar as condições insalubres e inseguras aos quais são submetidos é uma complexa rede de medo, de desinformação e de necessidade.

O trabalhador depende daquele emprego para seu sustento. E, se aproveitando disso, há a criação de um ambiente de medo e de constante ameaça, mesmo que não tácita, de caso o empregado denuncie as suas condições precárias de trabalho, ele venha a ser demitido sumariamente.

O OSHA, nos EUA, protege, de acordo com Joel III (2001), os empregados de retaliação pelo empregador caso recuse trabalhar em um ofício que legitimamente considere inseguro. Considera-se inseguro ofício onde haja risco substancial de morte, doenças ou sério risco de danos físicos. E, para haver a proteção do OSHA, os riscos devem decorrer de violação regulamentar por parte do empregador.

As condições exigidas para legitimar a recusa ao trabalho são que: o risco deve ser evidente e reconhecível por quem possa desempenhar o ofício em questão; a situação seja tão urgente a ponto que não seja possível eliminar o risco seguindo procedimento normal (uma reclamação perante os órgãos competentes) e, principalmente, que o empregado tenha solicitado ao empregador que o problema fosse resolvido e este se recusasse por não poder ou não querer.

No Brasil, o empregado tem, também, neste caso, a possibilidade de solicitar, perante juízo, a sua reintegração ao emprego e danos morais. A proteção contra a despedida arbitrária é uma lacuna legislativa no Brasil.

Os custos para o governo motivados por acidentes de trabalho são consideráveis. No Brasil, de acordo com o Ministério da Previdência Social, foram concedidos, em 2011, 323.378 benefícios urbanos acidentários. Esse número, obviamente, não inclui a grande massa trabalhadora que está às margens do sistema previdenciário. Nos Estados Unidos o custo decorrente de acidentes de trabalho e doença estão estimados em 250 a 300 bilhões de dólares ao ano.

Destarte, compreende-se que ambos os países, apesar da maior regulamentação trabalhista no Brasil, têm grandes desafios para efetivar a proteção ao trabalhador contra riscos à sua segurança e saúde no trabalho.

O sistema americano tem como maior vantagem permitir aos trabalhadores e empregadores negociarem o contrato e as condições de trabalho que melhor se adequem a ambas as partes. Ocorre que nem sempre isso é o que ocorre, deixando o trabalhador refém da ausência de leis o protegendo.

Por outro lado, no sistema brasileiro, legislado, conforme Amauri Nascimento afirma: “é impossível a descentralização das normas e condições de trabalho, para que se amoldem às exigências de cada situação concreta” (NASCIMENTO, 2011).

Neste sentido, há o questionamento sobre qual sistema é mais adequado para garantir a saúde e a segurança do trabalhador. Mas, como se trata, fundamentalmente, da vida humana e de sua manutenção, é impossível permitir qualquer violação mesmo que disfarçada de liberdade contratual.

O sistema americano pode, através de uma forte atuação sindical, vir a ser mais benéfico. Pois os trabalhadores teriam, assim, o condão de definir democraticamente as condições de segurança e salubridade laboral que mais lhe convém. Benefícios trabalhistas brasileiros, como os adicionais de periculosidade e salubridade, podem vir a ser concedidos através de negociação. Esse sistema fortalece o papel do sindicato como representante da classe trabalhadora. Não olvidando o trabalho desempenhado pelos sindicatos brasileiros na edição de normas coletivas.

Porém, vale lembrar que muitos trabalhadores não são filiados a sindicatos, seja no Brasil, seja, nos Estados Unidos. Há categorias de trabalhadores que não possuem sindicatos fortes ou representativos. Questiona-se o que fazer com esses trabalhadores. Não se pode cogitar deixa-los desamparados, obrigando-os sempre a judicializar a situação.

A lei deve oferecer a proteção necessária para garantir a dignidade do trabalhador. Deve impedir, a todo custo, condições insalubres ou perigosas de trabalho. Por outro lado, deve ser incentivada a participação dos sindicatos na construção das normas jurídicas e possibilitar aos trabalhadores uma maior representatividade, não somente no ambiente da empresa, mas como no ambiente legislativo.

  • Direito do Trabalho
  • Segurança do Trabalho
  • Direito Comparado
  • Estados Unidos

Referências

AMERICAN FEDERATION OF LABOR AND CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Death on the job: The toll of neglect. 22.ed. AFL-CIO: Washington, 2013.

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?. 15.ed. São Paulo: Cortez Editora, 2011.

BARROS, A.M. de. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: LTr, 2011.

BRASIL. Constituição (1988).

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Occupational Safety and Health Act, 1970.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. United States Court of Appeals. Reich vs Cambrigdeport Air Systems, Inc. 1st Cir. 26 F.3d 1187.

JOEL III, L. G. Every Employee’s Guide to The Law. Nova Iorque: Pantheon Books, 2001.

MARTINS, S. P. Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MELO, R.S. de. Direito Ambiental do Trabalhador e a Saúde do Trabalhador. 4.ed. São Paulo: LTr, 2010.

NASCIMENTO, A.M. Direito Contemporâneo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.


Abacus

Estudante de Direito - Aliança do Tocantins, TO


Comentários